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Com a manga do moletom, Gabriel secou a tela do celular, deixando um pequeno rastro úmido nela. No aparelho, o mapa estava aberto, revelando sua tentativa de não se perder em meio aos prédios idênticos e ruas vazias. É verdade que não era sua primeira vez ali, mas isso não significava muita coisa, afinal, da última vez ele havia sido guiado pelo proprietário do imóvel.
Havia sido há cerca de 2 semanas, quando o rapaz pisou na capital pela primeira vez, tendo como objetivo visitar o apartamento que pretendia alugar para que pudesse morar enquanto cursava a faculdade. O nervosismo se propagava em ondas a partir de seu peito enquanto ele olhava cada detalhe do lugar com atenção e tentava se lembrar de tudo o que seu pai lhe dissera ser importante. Não havia rachaduras, infiltrações ou mofo em nenhum cômodo; a instalação elétrica e hidráulica seguiam os padrões técnicos; o ar circulava bem pelas janelas e o momento de maior incidência de luz solar seria pela manhã. Tudo estava perfeito, da mobília ao preço do aluguel. Ele pagou por 4 meses.
Imerso em seus pensamentos, passou por uma poça de água no canto da rua, molhando o fundo de sua mala e a barra da calça. Praguejou e torceu para que nenhum de seus pertences dentro da bagagem tivesse molhado, pois ali guardara coisas importantes, como o contrato de aluguel.
Gabriel ainda tentava se acostumar com a sensação do jeans molhado tocando seu tornozelo a cada passo quando se deu conta que havia chegado. Ele se sentiu tão feliz quanto a música que tocava alto em seu fone de ouvido. A certeza de que seus dias só melhorariam dali em diante lhe davam esperança. Então ele subiu pelo elevador vazio, se olhou no espelho e riu da bagunça que havia se tornado seu cabelo devido ao vento.
Com a chave em sua mão, destrancou a porta do apartamento e entrou, sentindo o cheiro de casa fechada que teria em breve seu cheiro, teria cheiro de lar. Encostou a mala contra a parede do hall de entrada, colocando sua mochila sobre ela.
Ele passou pela sala e foi até a cozinha, abrindo os armários sem qualquer tipo de cerimônia — pois aquele era o seu apartamento — e pegando um copo, o qual encheu com água. Então apoiou-se na pia, olhando de forma descontraída e alegria sua nova casa. Não havia divisões entre a sala e a cozinha, de modo que era possível ver todo o interior do local de onde ele estava.
As músicas seguiam tocando nos fones, seguindo a ordem aleatória de uma playlist qualquer. Gabriel respirou fundo e então sentiu diversos cheiros, não de coisas, mas de pessoas que talvez houvessem passado por aquele lugar em algum momento. O cheiro mais presente era de um alfa, notou, mas ainda assim era sutil a ponto de sequer o incomodar. Estava tudo bem até que ele sentiu aquele mesmo cheiro o atingir como uma onda da qual ele era incapaz de fugir.
O ar pareceu ficar preso em algum lugar dentro dele, entre suas narinas e seus pulmões. Se engasgou com aquele cheiro. Sentiu como se uma árvore estivesse caindo nele, o cheiro de madeira, cedro talvez, somado com terra molhada o fizeram perder-se em meio a uma floresta inexistente. A porta do banheiro estava aberta, a luz acesa e lá estava ele. Um alfa.
Com certa dificuldade, Gabriel apoiou o copo na pia, ao passo que levava a mão ao peito. Ele piscou inúmeras vezes, forçadamente, numa tentativa de ter certeza que aquilo que via era real. O outro homem o encarava, tão surpreso quanto ele, sua boca mexia, mas o jovem nada escutava. Ele se aproximou, visivelmente irritado, pisando tão forte que era possível sentir a vibração de seus passos no chão.
O alfa levantou as mãos e as levou às orelhas dele, tirando os fones dali. E então ele pôde ouvi-lo falar.
— Quem é você?
Não houve resposta, Gabriel sequer havia digerido a pergunta. Olhou para o outro. Pelas linhas de expressão em seu rosto era fácil notar que ele era anos mais velho, mas não soube precisar quanto. Ele era loiro, seus olhos eram de um azul intenso e sua pele era branca. Então ele se deu conta. Merda, pensou. A água do banho recente escorria pelo cabelo loiro do alfa, passando por seu pescoço, peito, abdômen, até serem sugadas pelo tecido da toalha enrolada em sua cintura.
Gabriel engoliu em seco.
— Como você entrou aqui?
O mais novo levantou a mão, exibindo a chave do apartamento com o número 275. Insatisfeito com a resposta, o loiro bufou e o segurou pelo pulso, o guiando até a sala. Aéreo pela situação e embriagado pelo cheiro, Gabriel deixou que seu corpo caísse no sofá sem qualquer resistência.
A chave foi arrancada de sua mão. Ele quis pegá-la de volta, mas seu corpo não respondeu.
— Fique aí.
E para onde mais ele iria? A porta estava trancada, a chave distante e todo seu corpo dormente.
Havia se passado pouco mais de um minuto quando ele retornou, devidamente vestido, embora seu cabelo seguisse molhado. Ele se sentou e encarou o mais novo em silêncio. Gabriel não conseguia olhar diretamente para ele, mesmo sentindo que seu cheiro estava mais fraco agora.
— Você sabe falar?
O rapaz apenas assentiu e ele bufou mais uma vez.
— Qual é o seu nome?
— G-Gabriel — sua voz estava carregada com insegurança.
Houve um breve silêncio, cortado pelo som de uma embalagem plástica se abrindo. O jovem forçou-se a olhar para o lado a fim de ver do se que tratava, a tempo de ver que o alfa estava colocando uma espécie de curativo em seu pescoço, exatamente onde ficava sua glândula de cheiro, provavelmente para bloquear e diminuir seu cheiro. Era provável que ele tenha percebido que aquilo estava afetando o ômega.
— E como você conseguiu essa chave, Gabriel ?
— Ela é minha… o proprietário me deu.
Forçou-se a rir o alfa.
— Acho que deve ter algum mal-entendido, porque eu aluguei esse apartamento.
Sua boca abriu e fechou várias vezes antes que Gabriel pudesse formular algo.
— E-eu tenho um contrato. Eu paguei!
Sob o olhar intenso do mais velho, ele se pôs de pé, dando pequenos passos como se testasse o terreno, ou melhor, como se estivesse verificando se ele realmente era capaz de andar até onde sua mala havia sido deixada. Ao aproximar-se dela, o ômega se ajoelhou, abrindo a bagagem ali mesmo, procurando em meio às roupas por algo. Um envelope com um contrato.
— Aqui — entregou o contrato ao mais velho.
Com o contrato em mãos, ele o analisou com atenção. Sua expressão se tornando ainda mais irritadiça a cada página.
— Nossos contratos são iguais. Nós dois pagamos o mesmo valor para morar aqui.
Ele devolveu o documento a Gabriel, que o jogou dentro da mala para então a fechar.
— Quer dizer que nós dois fomos enganados?
— É o que parece.
O ômega se levantou, escorando as costas na parede, como se não fosse capaz de se manter assim por conta própria. Suas pernas tremiam, talvez pelo cansaço de andar a pé do metrô até ali ou pelo susto somado ao medo que ele sentia naquele momento. Os tremores eram consideráveis, pois ele só se deu conta que seu celular vibrava em seu bolso quando ele começou efetivamente a tocar.
Na tela, a palavra “mãe” o fez hesitar em atender. O que ele diria a ela? Tudo, exceto a verdade. Ele olhou para onde o alfa estava antes, mas se deparou com ele de costas, indo em direção à sala, como se entendesse que aquilo não era da sua conta. “ Oi, Dona Andrea ”. “ Sim, sim, está tudo bem, eu só estou cansado ”. “ Ah, o apartamento é… ele é perfeito ”. “ Não precisa se preocupar, mãe, eu vou me cuidar ”. “ Eu também te amo ”.
Então ele deixou que o ar enchesse seus pulmões e quando o soltou finalmente sentiu que podia respirar. Era engraçado como sua mãe parecia sempre saber quando ele não estava bem e ligava no momento certo, ele simplesmente já havia perdido a conta de quantas vezes aquilo acontecera.
Com sua cabeça no lugar e conseguindo raciocinar, ele procurou o alfa, pois eles tinham muito o que conversar. Ele estava na sala, sentado exatamente no mesmo lugar que Gabriel estava antes, com o celular pressionado contra o ouvido.
— O que nós vamos fazer? — indagou, receoso.
Assistiu, atento, a feição e os movimentos do loiro. O viu afastar o celular da orelha, apagar a tela do aparelho e o jogar sobre a mesa como se desejasse se livrar dele, isso enquanto mantinha uma expressão neutra em sua face, sem qualquer indício do que ele estava sentindo naquele momento. Seu cheiro, também estável, não era mais um problema para o ômega.
— Tentei ligar para o locador, mas ele não atendeu. Você tem para onde ir?
Aquilo era um claro convite para que ele se retirasse, percebeu Gabriel. Fato é que ele não tinha condições ou a intenção de fazer isso. Aqueles 4 meses de aluguel pagos de forma adiantada ao proprietário era tudo o que ele tinha.
— Não, meus pais moram no interior. E você?
Hesitou o mais velho.
— Também não. Me mudei para aqui porque recebi uma proposta de emprego de última hora, então acabei gastando mais do que esperava.
— Merda — deixou escapar.
O alfa franziu as sobrancelhas, surpreso com o rapaz disse, especialmente tendo em vista que ele mal conseguia falar no momento em que se viram pela primeira vez.
— Acho melhor a gente descansar e ir procurar o proprietário amanhã. O endereço dele está no contrato — apontou para o documento sobre a mesa, idêntico ao que o jovem havia assinado.
Gabriel assentiu e, por mera curiosidade e necessidade de confirmar que os contratos eram iguais, pegou os papéis que pousavam sobre a mesa de centro. No campo reservado ao nome de quem estava alugando o imóvel constava o nome Nicolas Hulkenberg .
Nicolas Hulkenberg , Nicolas Hulkenberg , Nicolas Hulkenberg . O ômega repetiu o nome dele mentalmente, tentando se convencer que era uma medida de segurança.