Actions

Work Header

O caçador e a fera

Summary:

Quando sua mãe adoece de forma misteriosa, Hyuntak deve ir atrás da cura: Uma rosa mágica. Porém, quando seu amigo Baku não volta da busca, Hyuntak decide ir atrás dele. Ele só não esperava encontrar um lobisomem que está atrás da mesma cura.

Notes:

Inspirado pela bela e a fera!
Avisos: Sangue, violência, capacitismo, bullying.

(See the end of the work for more notes.)

Chapter 1: O sonho do caçador

Chapter Text

Hyuntak ajustou a postura. Levantou levemente o cotovelo, mantendo a mão abaixo do queixo. Fechou um dos olhos, adquirindo a visão perfeita do seu alvo. Segurou firme a corda, controlando sua tremedeira. Respirou fundo, e então disparou sua flecha.

Seus olhos seguiram seu caminho, brilhando com expectativa. Mas a flecha passou pela árvore que era seu alvo, caindo no chão e acertando a neve macia. Gotak abaixou os ombros, suspirando. Droga. A sua mira — geralmente impecável — era mais do que decepcionante.

Girou os braços, teimoso. Não podia desistir, tinha que tentar de novo. Atingir um tronco não era nada complicado para ele antes, e com certeza não seria agora.

Hyuntak respirou fundo. Refez a sua posição, alinhando sua flecha ao alvo. Segurou a corda, se preparou para disparar e—

— Gotak!

Soltou a flecha pelo susto, que caiu de forma patética no chão. Sem impulso algum. Seus dedos apertaram o arco com força. Se virou em direção ao responsável pelo grito, os ombros tensos.

— Baku. — disse. Não o cumprimentando, mas relatando um fato.

Humin olhou para a sua postura, e seus olhos logo vagaram pela floresta, à procura de algo. Hyuntak já estava cansado antes do seu sermão começar.

— Cara, onde tá sua muleta? — Humin cruzou os braços.

— Relaxa, tá apoiada na árvore.

Apontou com o queixo na direção dela. Estava encostada em uma árvore próxima dele. Não era nada demais, mas Humin o olhava como se ele tivesse cometido um erro terrível.

— Gotak, você não pode se separar disso. — Humin pegou a muleta, trazendo-a até ele.

Hyuntak revirou os olhos. — É claro que eu posso. Já consigo dar até uns passos sem ela.

Colocou a perna boa na frente, dando um passo com a perna ferida em seguida. Seu joelho estalou, recebendo um olhar preocupado de Humin. Ok, não era perfeito, mas ele não precisava ficar grudado com a muleta. Além disso, já era hora de voltar a treinar seu arco e flecha.

— Viu?

— É, te vi quase torcendo o joelho. — Humin provocou. — Escuta, eu sei que você quer voltar a caçar. Mas você lembra do que a Sra. Seo disse, não lembra?

E como ele esqueceria? Juntae fazia questão de lhe dar aquela informação dita por sua mãe sempre que achava necessário.

— Eu sei, é permanente, eu nunca mais vou andar como antes e bla, bla, bla. — Tinha adquirido uma certa raiva da Sra. Seo, mesmo que a pobre curandeira só estivesse fazendo seu trabalho.

— Gotak… — Os olhos de Humin suavizaram.

Hyuntak bufou. — Não me olhe assim.

— Assim como?

— Com pena.

Era irritante. Hyuntak sabia que seus amigos estavam tristes por ele. Ninguém gostaria de ter sua vida virada de cabeça para baixo de um dia para o outro. Mas ele ainda era o mesmo Hyuntak, o cara forte que não fugia de uma briga. Ele não queria um Humin superprotetor, queria seu melhor amigo que apoiava as suas loucuras sem pensar nas consequências.

Mas todo mundo tinha mudado desde aquele dia maldito.

— Você sabe que eu não sinto pena. — Humin apoiou o braço nos seus ombros. — Eu só estou preocupado, cara. Você não sabe o perigo que é treinar arco e flecha no meio da floresta?

Isso só aumentava a emoção, o lembrava dos velhos tempos. Mas Hyuntak não contaria essa parte para o amigo.

— Os lobisomens só atacam de noite.

Olhou para cima. As nuvens tampavam o sol, deixando o dia nublado. A neve cobria o chão e as árvores, dificultando o plantio. O vento gelado batia em seu rosto, fazendo seus dentes tremerem. Por um lado Humin estava certo, não era impossível que os lobisomens resolvessem atacar, aproveitando sua vulnerabilidade humana.

Os monstros eram assim. Impiedosos.

— Cara, olha esse clima. Não acho que eles evitariam nos atacar agora. — Humin colocou as mãos nos bolsos, arrepiando. — Melhor a gente voltar pro vilarejo, não tô a fim de te ver congelar até a morte.

Hyuntak olhou para seu alvo. Não era seu dia de sorte, mesmo que ele ficasse mais tempo não havia garantia de que sua mira melhoraria. Além disso, ele também tinha prometido à Juntae que traria seu livro para ele, não devia deixar o amigo na mão.

— Tá legal. — se rendeu. — Mas eu vou voltar.

E voltaria. Repetiria aquela rotina até que tivesse a mesma mira perfeita de antes.

— Claro que vai. — Humin pegou o arco e flecha de suas mãos, lhe entregando a muleta. — Eu já consegui te impedir de fazer alguma coisa?

Compartilharam uma risada baixa. Era verdade, Hyuntak sempre foi do tipo teimoso. Apesar dele e Humin serem um pouco cabeça de vento quando estavam juntos, grande parte das enrascadas em que eles se metiam eram culpa sua. Ele odiava desistir.

— Tem razão.

— Gotak… Sei que eu sou um pouco chato às vezes. — Humin coçou o pescoço. — Mas eu não te acho fraco, beleza? Só te acho um teimoso do caralho que não cuida de si mesmo.

Humin estava sendo sincero, Hyuntak sabia que sim. Mas ele ainda odiava ser tratado daquele jeito. Ele sempre foi o protetor, o melhor caçador do vilarejo. E de repente ele nem conseguia atirar uma flecha sem que seu amigo ficasse de babá do seu lado. 

Ele se sentia tão pequeno e patético. O problema era que por mais que fossem melhores amigos, Humin nunca o entenderia de verdade. Por que alguém como ele nunca se sentia daquele jeito.

Talvez fosse por isso que ele estivesse se aproximando de Juntae. Eles tinham mais coisas em comum do que o esperado.

— Tudo bem, eu sei. — Hyuntak deu um soco leve no braço do amigo. — Agora eu tenho que ir, antes que o Juntae me mate.

Juntae nunca mataria uma mosca, mas Hyuntak precisava sair dali antes que fosse sincero demais. Se despediu de Humin, usando sua muleta para caminhar sob a neve. Fingiu que não notou o olhar persistente de Humin, seguindo-o durante todo o percurso.

Eu nunca vou me livrar dele, né?, pensou, suspirando alto.


A neve que caía no vilarejo era menos densa. Era uma vista bonita, mas não trazia nada além de problemas para os moradores. A comida estava escassa, assim como os remédios.

Hyuntak deu bom dia para as pessoas que encontrou no caminho, até chegar na livraria. Abriu a maçaneta da porta, puxando a corda do sino. O barulho agradável sempre avisava quando um cliente chegava.

Não era muito grande, mas as prateleiras estavam cheias. Os livros iam desde o topo até o chão, encostados uns nos outros. Era um paraíso para qualquer leitor, até Hyuntak que não era tão chegado nos livros adorava visitar o lugar.

O cheiro do papel se misturava ao café forte que ficava na mesa do dono da loja.

— Bom dia. — Hyuntak fez uma reverência, andando até a frente da mesa.

Sieun deu um gole na sua xícara de café. — Bom dia Gotak. Veio pegar o livro do Juntae?

— Isso mesmo.

Sieun se levantou, guiando Hyuntak até a prateleira de livros. Arrastou sua escada de madeira até o centro. Subiu os degraus, tranquilo mesmo enquanto a escada tremia loucamente. Hyuntak temeu que ela desabasse.

— Cara, acho que você precisa de uma escada nova. — Hyuntak a segurou, firmando-a. 

— Eu sei. — Sieun pegou um dos livros do topo. Assoprou, tirando um pouco do pó. — Mas é caro demais.

Claro que era. Com a falta de recursos, os trabalhadores não tinham outra escolha a não ser aumentar seus preços. Mas quando ninguém tinha dinheiro o suficiente, a economia não era movimentada. Nesse quesito, ninguém estava com sorte.

Sieun desceu das escadas. Levou o livro até a mesa, anotando o nome e data do cliente. Hyuntak lhe entregou algumas moedas de prata. Esticou a sua mão para pegar o livro, mas Sieun continuou o segurando, encarando a capa.

— O que foi? — Hyuntak perguntou.

— Nada, é só que… — Sieun lhe mostrou a capa. O título era curioso: A rosa dourada e suas propriedades. — Digamos que encontrar essa rosa é quase impossível.

Bom, muitas curas eram quase impossíveis de encontrar. Mas aquela rosa era claramente mágica, e Juntae não era do tipo de curandeiro que usava magia. Não porque odiasse, só porque eram ingredientes raros demais para ele testar. Aquele vilarejo ficava distante da magia.

A coisa mais próxima disso que eles tinham eram os lobisomens. Mas ao contrário da rosa, eles feriam ao invés de curar. Hyuntak se irritava só de pensar neles. Malditos.

— Bom, e daí? Talvez ele só esteja curioso. — Hyuntak deu de ombros.

— Olha, você não procura essa rosa se não tiver outra escolha. — Sieun lhe entregou o livro. — Dizem que ela pode curar qualquer doença ou ferimento. Só alguém desesperado iria atrás dela.

Hyuntak assobiou. Isso sim era impressionante, mas como Sieun disse, parecia algo que só alguém desesperado buscaria. Será que algum dos pacientes de Juntae estava gravemente doente? Ele esperava que não. Juntae sempre se culpava quando não conseguia salvar uma vida.

Hyuntak olhou para sua perna. Qualquer doença ou ferimento. Sieun seguiu seus olhos, franzindo as sobrancelhas como se pudesse ler sua mente.

— Olha Gotak, eu não sei se pode curar tudo. — se corrigiu, impedindo que o amigo tivesse qualquer ideia.

— É, talvez não cure ferimentos feitos por lobisomens. — Hyuntak segurou mais forte sua muleta.

Lobisomens eram seres sobrenaturais, desafiavam a lógica da vida. Era improvável que os ferimentos causados por eles fossem curados de maneira tão fácil. Mas uma rosa mágica? Algo assim tinha que ter um poder sobre humano para funcionar.

— A sua perna tá melhor? — Sieun perguntou.

— Na medida do possível, sim. — Hyuntak olhou para baixo. Toda vez que ele pensava no assunto, aquelas memórias voltavam para assombrá-lo.

Aquele lobo enorme, pulando em cima dele sem poupá-lo. Estava tão escuro que Hyuntak mau podia enxergar. Suas garras eram tão afiadas que o perfuraram, a dor queimando por toda a sua perna. O lobo quebrou seus ossos, a agonia invadindo as suas entranhas. Não conseguia andar, estaria morto se não fosse por Humin, que rasgou as costas do lobo. 

— Gotak?

— Hã?

Balançou a cabeça. Estava tudo bem, tinha passado. Ele estava seguro, e não havia mais aquele cheiro de sangue de revirar o estômago. Ele estava bem. Não havia nenhum lobo gigante atacando agora.

— Desculpa, eu não queria fazer você pensar naquele dia. — Sieun disse.

— Tudo bem. De qualquer forma, eu não vou deixar aqueles lobisomens malditos escaparem em pune. — respondeu determinado.

Sieun não ficou contente com sua resposta, mas Hyuntak não se importou. Ele caçaria cada um daqueles lobos, mataria aqueles monstros, os faria sentir toda a agonia que causaram. Só aí então ele respiraria aliviado. Seu pai descansaria em paz, sabendo que Hyuntak se vingou por ele. 

— Você vai continuar sendo um caçador? — Sieun cutucou a unha, desconfortável.

Que tipo de pergunta era aquela? — É óbvio que eu vou. Por que?

Sieun desviou o olhar. Estranhamente suspeito para alguém que adorava cuidar da própria vida. Por que ele se importava?

— Nada, só… Sei lá, você não vai entender.

— Nem vem, você começou e vai ter que terminar.

Hyuntak cruzou os braços. Sieun suspirou derrotado. Apoiou os braços na mesa, juntando as mãos. Respirava fundo como se esperasse que Hyuntak o atacasse por seja lá o que ele ia dizer.

— Acho que nem todos os lobisomens são ruins. — Sieun disse tão rápido que foi difícil entender.

O que? Aquilo sim era um absurdo.

Sieun manteve a mesma expressão apática, esperando uma reação sua.

— Que porra? Você enlouqueceu!? — Hyuntak não pode deixar de gritar.

Só podia ser brincadeira. Aqueles monstros atacavam e matavam humanos por puro prazer, e Sieun acreditava que nem todos eram ruins? Seu amigo era muito mais inteligente do que isso, por que ele escutaria algo que os pais contavam para as crianças dormirem melhor a noite?

— Eu disse que você não ia entender.

— Claro que não! — Hyuntak bateu as mãos na mesa. A xícara de café balançou, mas Sieun se manteve imóvel. — Que besteira é essa?

— Não estou os defendendo, eu só—

— Eles mataram meu pai Sieun! — Hyuntak apertou os punhos. — E agora eles me quebraram pra sempre.

Sieun arregalou os olhos. Merda. Hyuntak tinha pensado muitas coisas horríveis de si mesmo nos últimos meses, mas nunca as disse em voz alta. Não para seus amigos, que reprovariam tal atitude.

— Desculpa, você tá certo. — Sieun abaixou a cabeça. — Mas não diga isso de novo. Você não está quebrado, nunca esteve, Gotak.

— Tanto faz.

Hyuntak levou o livro, se apoiando na muleta. Saiu da livraria sem nem se despedir direito. Não era sua intenção ser rude, mas Sieun o irritou o suficiente. Se não saísse para esfriar a cabeça, ele diria alguma besteira da qual se arrependeria.


A casa da família Seo era pequena. Eram os únicos curandeiros do vilarejo, o que significava que eles sempre estavam cheios de pacientes. Hyuntak foi até a entrada, mas pela sua visão já sabia que não seria fácil.

Juntae não estava sozinho. Wooyoung e Hyoman estavam logo à sua frente. Hyuntak não podia escutá-los, mas apostaria sua alma que estavam sendo insuportáveis como sempre. Se aproximou, estalando o pescoço.

— Sinto muito, não podemos atender mais ninguém. — Juntae disse. 

— Fala sério! — Hyoman reclamou. — Você vai me deixar morrer? 

Apesar da choradeira, Hyoman não parecia nenhum pouco doente. Devia estar fazendo drama por conta de algum ferimento pequeno — como sempre. 

— Como se a gente precisasse dele. — Wooyoung provocou. — Ele é um péssimo curandeiro. Já perdeu 3 pacientes esse ano.

Juntae abaixou os ombros, chateado. Isso sim era ir longe demais. Hyuntak sabia o quanto cada perda afetava o seu amigo profundamente. Mas aqueles otários não entendiam nada sobre empatia.

— Ei, babacas! — Hyuntak gritou.

Wooyoung e Hyoman se viraram em sua direção. Juntae suspirou de alívio, acenando timidamente. 

— Olha só, é o defensor dos fracos e oprimidos. — Hyoman cutucou o braço de Wooyoung com o cotovelo.

— É, só que ele é fraco agora. — Wooyoung andou até ele, descendo o olhar até a sua perna. 

Otários. Hyuntak apertou os punhos. Estava muito a fim de socá-los, porém Juntae era mais importante do que qualquer briga idiota. 

— Vão perturbar a vida de outra pessoa. — ordenou. — Isso se quiserem sair daqui inteiros.

Hyoman riu, cruzando os braços.

— Esse idiota pensa que ganha da gente. Com essa perna aí? — Balançou a própria perna, de modo molenga e zombeteiro.

— Gotak, você não é mais o melhor caçador desse vilarejo. — Wooyoung apertou seu ombro. — Eu sou. Aceita que ninguém aqui tem medo de você.

Wooyoung sorriu, e seus dentes perfeitos imploravam para serem quebrados. Como Hyuntak queria colocar aqueles idiotas em seus lugares. Mas Wooyoung estava certo. Ele não era mais um caçador honroso, nem tinha a capacidade de assustar os valentões como antes. Diferente do que seus amigos afirmavam, Hyuntak era fraco.

Nenhuma positividade tóxica mudaria isso.

— Por favor, saiam logo. — Juntae ordenou. — Se não, eu vou ter que expulsá-los.

Ele podia suportar as provocações quando era o alvo, mas se tornava outra pessoa para defender seus amigos.

— Relaxa, a gente já tá de saída. Bora Wooyoung. 

Hyoman saiu andando, uma postura arrogante que alguém como ele nem merecia ter. Wooyoung pelo menos era bom de briga, e em outras coisas também.

— Aí, Gotak. — Wooyoung se aproximou do seu ouvido. — Agora que você perdeu a arrogância, a gente podia repetir aquela noite, né?

Wooyoung lambeu os lábios. O rosto de Hyuntak corou, um arrepio embaraçoso passando por seu corpo.

— Eca! — ele empurrou Wooyoung. — Supera aquilo, seu maluco. 

— Eu nunca vou superar escutar o Go Hyuntak gemendo! — Gritou, propositalmente, chamando a atenção de alguns moradores.

— Fala sério, que otário!

Hyuntak andou até Juntae, apoiando-se em seu ombro. Seu amigo estava ainda mais corado do que ele, abaixando a cabeça. Hyuntak abriu sua porta, usando as forças que ele sabia que Juntae não tinha.

— Eu te quero na minha cama de novo!

— Vai se fuder! — Hyuntak mostrou o dedo do meio.

Trancou a porta, observando um Wooyoung animado demais correr pelo vilarejo. Hyuntak deveria ter ido para casa naquela fatídica noite, mas Wooyoung ficava atraente demais quando estava de boca fechada.

— Foi mau, cê não precisava ter escutado isso. — Hyuntak bagunçou o cabelo, constrangido.

— Não, tudo bem, eu só… — Juntae mordeu o lábio. — Estou surpreso. Você e o Wooyoung, sério?

Juntae riu baixinho, e Hyuntak revirou os olhos.

— Escuta, dois caras bêbados e entediados podem fazer muita merda. — brincou, colocando o livro de Juntae em sua estante.

— Bem, antes o Wooyoung do que o Hyoman.

— Nem a pessoa mais maluca desse vilarejo transaria com o Hyoman. — Hyuntak provocou, e nem Juntae segurou o riso.

Olhou para a estante, apontando com o queixo para ela.

— Ei, eu peguei o seu livro.

— Ah, muito obrigado.

Juntae pegou o livro, passando as páginas tão rápido que era difícil enxergá-las. Parou em uma página específica, seus olhos estavam escaneando. Mordeu o lábio, uma preocupação evidente em cada movimento seu.

— Cara, o que tá rolando? — Hyuntak perguntou. — O Sieun disse que ninguém procura essa rosa se não estiver desesperado.

Juntae engoliu em seco. Sua hesitação era o suficiente para confirmar suas suspeitas. O coração de Hyuntak acelerou, todo tipo de pensamento ruim invadindo sua mente. Só havia um motivo para que Juntae pegasse aquele livro. A pessoa que precisava da rosa era a sua mãe.

— Me leva até ela. — Hyuntak ordenou.

Juntae concordou com a cabeça. Levou Hyuntak até o quarto onde sua mãe ficava. Hyuntak abriu a porta com cuidado, seus dedos tremendo.

Sua mãe estava deitada na cama, com os olhos fechados, como se dormisse pacificamente. A pele estava pálida, os lábios rachados. Tão magra que parecia capaz de quebrar. Hyuntak se aproximou da cama em silêncio, não queria interromper seu sono.

— Ela piorou. — disse.

Sabia que sua mãe estava doente, ela sempre teve a saúde frágil. Mas aquilo era diferente. Nenhum tratamento estava funcionando, Juntae nem sequer descobriu o que ela tinha. Era como se a doença estivesse… a matando.

— Eu sinto muito Gotak, eu tentei de tudo. — Juntae apertou sua mão. — Mas não é impossível. Se encontrarmos aquela rosa, nós podemos salvá-la.

Juntae estava certo. Hyuntak não era do tipo que desistia fácil. Tinha uma solução, e ele a conseguiria por mais difícil que fosse.

— Muito bem. Onde encontramos a rosa dourada?


Hyuntak, Humin, Juntae e Sieun se sentaram em volta de uma mesa na casa de Humin, onde discutiam o seu próximo passo.

O livro vinha com um mapa, ditando onde encontrar a rosa. Era distante do vilarejo, e as rosas tinham menos chance de sobrevivência no inverno. Mas nada era pior do que o maior perigo da floresta: os lobisomens.

Seria impossível sair e não encontrar nenhum deles.

— Poderíamos ir como um grupo. — Juntae sugeriu.

— Nem pensar. — Humin protestou. — Você é o curandeiro, o vilarejo precisa de você. E o Sieun pode ser inteligente, mas não é caçador. Ele nunca usou o arco e flecha na vida.

— Obrigado pela confiança. — Sieun zombou. — Mas você tá certo. Eu vou mais atrapalhar do que ajudar vocês.

Hyuntak concordou. Era melhor que Juntae e Sieun não se arriscassem de tal maneira. Nesse caso, havia uma resposta óbvia.

— Bem, então seremos só eu e o Baku. — Hyuntak disse. — Como nos velhos tempos.

Eles viviam saindo juntos para caçar desde que eram crianças. Seria nostálgico até, embora perigoso. 

Mas Humin não o respondeu. Na verdade, os três o encararam em silêncio, como se essa fosse a resposta errada. Hyuntak cruzou os braços, já entrando na sua postura defensiva. 

— O que foi?

— Eu vou sozinho, Gotak. — Humin disse. 

Hyuntak riu, divertido. — Muito engraçado.

Mas ninguém riu junto. Sieun limpou a garganta, e Juntae desviou o olhar. Eles já podiam prever a discussão dos amigos, e não se meteriam.

— Puta merda. Você só pode tá brincando. — Hyuntak bateu com os punhos na mesa.

— Gotak, você tem noção do quanto isso é perigoso? — Humin raramente soava tão irritado.

Ele suspirou, como se estivesse discutindo com uma criança petulante. Como ele ousava? Era ele quem estava excluindo Hyuntak da missão. Missão esta que era para salvar a sua mãe.

— Ótimo, e você acha uma boa ideia sair sozinho nessa jornada super perigosa? Você precisa de alguém cara!

Humin trancou o maxilar.

— Gotak—

— A gente tem que ir junto. Tem lobisomens no caminho, esqueceu? E se te atacarem? Como você vai lutar sozinho? Você esqueceu que—

— Você só vai me atrapalhar! — Humin gritou, se levantando do lugar. — Você mal consegue andar sem a muleta! Acha que vai sobreviver ao inverno congelante e aos lobisomens?

Hyuntak prendeu a respiração. O silêncio se tornou mais denso, pesado. Se tornou difícil de respirar. Humin nunca tinha gritado com ele daquele jeito. Para piorar foi na frente de Sieun e Juntae, que pareciam duas crianças perdidas sobre que lado tomar.

Seus olhos queimaram de humilhação. Não, ele não podia chorar. Isso só tornaria a situação toda mais patética. Mas doeu. Escutar do seu melhor amigo, do seu companheiro de caça que ele só atrapalharia, era como levar uma facada nas costas.

— Desculpa Gotak, eu só não quero que você se machuque. — Humin suspirou. — Nenhum de vocês.

Mas a raiva já havia tomado seu coração. Humin podia pedir quantas desculpas quisesse, isso não mudaria o fato de que ele tinha deixado seus verdadeiros pensamentos bem claros. Aqueles que ele não tinha coragem de contar.

— Você mentiu pra mim. — Hyuntak acusou.

— O que? 

— Disse que não me acha fraco, mas acha. — O silêncio de Humin era resposta o suficiente. — Disse que não mudaria, mas mudou.

— Eu não te acho fraco—

— Então confia em mim! — gritou, a frustração sufocando seu peito. — Você sempre confiou em mim, mas não confia mais!

Hyuntak recuperou o fôlego. A pressão era demais. Seus amigos o encaravam como se ele fosse louco, como se fosse ele quem estivesse falando besteira. Não era justo. Ele ainda era a mesma pessoa, mas agora tudo tinha mudado porque ele precisava de uma muleta idiota.

— Eu tô saindo. E nem tentem me impedir.

Hyuntak agarrou a muleta do lado de sua cadeira, apoiando-se para se levantar. Deu cada passo com dificuldade, aumentando sua humilhação. Era como se estivesse apenas provando o ponto deles.

Hyuntak saiu para fora, sendo recebido pelo vento gelado.

Ficou mais fácil respirar, o ar invadindo seus pulmões. Seus olhos encheram d’água, por mais que tentasse impedi-los. As lágrimas caíram, deixando um rastro salgado por suas bochechas. 

Hyuntak odiava chorar. Se sentia fraco, impotente. Uma criança mimada chorando por aquilo que não podia ter.

— Nossa, eu só te vi chorando uma vez. — Era a voz irritante de Wooyoung.

Puta merda. Aquele maldito vilarejo não podia lhe dar um segundo de paz?

— Que merda você quer Wooyoung? — Hyuntak limpou as lágrimas com a manga do casaco.

— Eu não quero nada. Só vim fazer uma proposta.

A última coisa que ele precisava no mundo era da proposta de alguém como ele.

— Que é?

— Não é óbvio? Seus amigos não confiam em você, mas eu confio. — Wooyoung sorriu. — Se a gente se juntar, podemos matar todos os lobisomens. Chega das estratégias pacíficas e burras do Baku.

Hyuntak se segurou para não dizer nenhuma besteira. É certo que ele também estava cansado do pacifismo. Queria voltar a caçar, sair para a floresta e matar cada um daqueles monstros. Mas Wooyoung não tinha boas intenções.

— Fica na sua, não arranja problema pro Baku. — Hyuntak ordenou.

— Problema? Eu só tô atrás da solução. — Wooyoung trombou em seu ombro. — Você vai ver, a gente vai se vingar desses lobos.

Cuspiu a palavra, como se tivesse nojo só de pronunciá-la. Hyuntak também odiava os lobos, mas o ódio de Wooyoung parecia ser diferente do seu. Ele só não entendia bem como.


— Filho. — sua mãe soava tão frágil, que lhe dava vontade de chorar. — Onde você vai?

— Vou me despedir do Baku. — Hyuntak respondeu. — Ele vai partir em uma busca hoje.

Não contou que ela era o motivo da busca. Sua mãe odiaria pensar que era a razão pela qual Humin estava colocando a própria vida em risco. Ele também era família para ela.

— Que a deusa da lua o proteja. — sua mãe sussurrou, fechando os olhos para dormir novamente. 

Deusa da lua? Hyuntak nem teve tempo de lhe perguntar onde havia escutado aquilo antes que ela adormecesse. Estranho, ela nunca falou sobre nenhuma deusa da lua.

Hyuntak deu-lhe um beijo na testa. — Bons sonhos.

Ele caminhou pelo vilarejo, chegando até a entrada da floresta. Humin estava arrumando as coisas em seu cavalo. A viagem demoraria dias, ele deveria estar preparado. Sieun e Juntae também estavam ali, aguardando sua partida.

— Bem, acho que já peguei tudo. — Humin fez carinho em seu cavalo. — Não é, Pimpolho?

— Pimpolho? — Hyuntak zombou. — Esse é o nome que você deu pra ele?

— Sim, e ele amou. — Humin mostrou a língua.

Por isso suas discussões nunca duravam. Hyuntak o amava demais para ficar bravo por mais tempo. Humin deu um abraço apertado em Juntae, que retribuiu. Ele bagunçou os cabelos de Sieun de forma carinhosa, que reclamou, mas não o impediu.

E então ele chegou até Hyuntak. Abaixou a cabeça, como um cachorro arrependido.

— Gogo, sobre ontem—

— Tudo bem. — Hyuntak respondeu rápido demais. Não estava tudo bem, mas ele não queria se despedir de Humin em um clima ruim. — Toma cuidado.

Humin sorriu. — Eu vou, eu prometo.

Hyuntak pulou no amigo, o abraçando forte. Poderia ficar bravo depois, mas agora tudo que ele queria era que Humin voltasse são e salvo. Aquilo era mais importante do que qualquer mágoa sua.

— É sério, é melhor você voltar inteiro. — Seus olhos queimaram, de novo.

Humin fazia dele um chorão. Hyuntak se afastou do abraço, encarando o amigo. Os olhos de Humin também estavam cheios d’água, transbordando lágrimas.

— Eu sempre volto. 

— Eu sei que sim.

E então Hyuntak observou. Ficou ali parado, vendo Humin até o momento em que seu cavalo cavalgou, sumindo de vista. Pediu para qualquer divindade que existisse, que seu amigo ficasse bem. Mesmo assim, Hyuntak mau pregou os olhos naquela noite. 

De todas as coisas, ele não esperava que o cavalo de Humin voltasse na mesma noite.

Mas pior do que isso, ele não esperava que o cavalo de Humin voltasse sozinho.

Chapter 2: O sacrifício do caçador

Notes:

Avisos: Violência, sangue, capacitismo e cárcere privado.
(Perdão pela demora, acabei ficando bem ocupado, vou tentar fazer atts mais rápidas!)

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

Já fazia horas que Humin tinha partido em sua busca. Hyuntak se remexia na cama, seus olhos recusaram-se a fechar. Sua mente era uma bagunça, incapaz de descansar.

Humin era um caçador há anos. Lutou contra lobisomens desde que era criança, sabia se defender como ninguém naquele vilarejo. Porém, ele ainda era humano. Hyuntak não conseguia parar de pensar em todas as coisas ruins que poderiam acontecer no caminho. Afinal, os caçadores raramente saiam sozinhos em suas missões.

E se ele encontrasse uma alcateia? Como conseguiria vencê-los?

Hyuntak olhou para a janela aberta. O vento gelado balançava as árvores, e a neve ainda caía sem descanso. Sobreviver no inverno era ainda mais desafiador. Ele não conseguiria dormir até que tivesse a certeza de que Humin estava seguro.

Se levantou da cama, cuidadoso para não fazer barulho. Foi até os seus pertences, onde pegou um lampião. Acendeu-o, usando-o para se guiar na escuridão da casa.

Saiu para fora, bem agasalhado e agarrado a sua muleta. Precisava de um pouco de ar, mesmo que a noite fosse gélida e perigosa. A entrada para a floresta era escura, mas a iluminação do lampião lhe deu uma boa visão.

Era silencioso demais. Sabia que Humin não voltaria tão cedo, mas uma faísca de esperança lhe pedia para continuar ali. Manteve os pés firmes na neve. Ironicamente, Humin desaprovaria uma ideia tão arriscada. Hyuntak sorriu só de imaginá-lo, gritando e ordenando que ele voltasse para dentro de casa, onde era seguro.

De repente, um barulho estranho veio da floresta. Hyuntak segurou o lampião mais forte, apontando-o para a fonte de som. Não tinha como ser um lobisomem, eles nunca invadiram o vilarejo. Sabiam que os caçadores tinham suas próprias armas.

Hyuntak reconheceu o galope. Os passos de um cavalo, correndo e relinchando. Não podia ser. Ou podia?

Andou até a entrada da floresta, seu coração batendo mais rápido a cada galopada. Humin tinha voltado? Tão cedo? Isso podia ser maravilhoso… ou terrível. Colocou a mão no peito, enxergando Pimpolho, que freou assim que o viu.

Mas Hyuntak nem teve tempo para se animar. Humin não estava nas costas de Pimpolho, nem ao lado dele. Ele não estava em lugar nenhum. Piscou os olhos: 1, 2, 3 vezes. Mas sua visão não estava enganada.

— Baku! — Hyuntak gritou. — Pimpolho, cadê o Baku?

O cavalo tremia, como se tivesse visto algo terrível. Relinchava, tentando dizer algo que Hyuntak estava com medo de entender. Ele tinha fugido, e Hyuntak não sabia se Humin era o responsável por mandá-lo embora.

Olhou para trás. Era noite, o resto do vilarejo dormia pacificamente. Ninguém — principalmente Humin — aprovaria que Hyuntak saísse sozinho; ele deveria avisar Juntae e Sieun. 

Porém, isso não faria bem nenhum. Juntae e Sieun não eram caçadores, se saíssem em busca de Humin pela floresta, acabariam em perigo. E mesmo que Hyuntak avisasse todo o vilarejo, ele sabia exatamente quem mandariam em uma missão de busca: Wooyoung e Hyoman. Não podia permitir que os dois encrenqueiros arrumassem mais problemas. 

Aqueles dois se importariam mais em caçar lobisomens do que encontrar Humin.

Só havia uma pessoa que podia sair para aquela missão: Hyuntak e ninguém mais. Ele era o único capaz de encontrar o melhor amigo, e diferente dos outros, seu sumiço não faria falta para o vilarejo. Ele já não tinha utilidade nenhuma ali.

— Pimpolho. Me espera aqui.

Voltou para dentro de casa. Podia ser impulsivo, mas não era idiota, sair de mãos vazias era pedir por um ataque. Pegou sua mochila, a enchendo com tudo que precisaria: o arco e flecha, a muleta, algumas frutas para caso não encontrasse comida. Vestiu seu casaco mais quente, segurando o lampião para iluminar seu caminho.

Ajustou o necessário nas costas de Pimpolho. Acariciou o rosto do cavalo, que ainda tremia conforme era atingido pelo vento. Mas Hyuntak sabia que sua reação não era consequência só do frio.

— Pimpolho, escute. — segurou as bochechas dele. — Você precisa me levar até o Baku. Sei que está com medo, mas eu preciso encontrá-lo.

Implorou, sua preocupação aumentando a cada minuto que passava parado. Pimpolho relinchou, como se concordasse, apesar do medo que sentia. Ele também não abandonaria Humin. Talvez tivesse vindo com a intenção de avisar Hyuntak, sabendo que não poderia salvá-lo sozinho.

— Não esquenta, a gente vai achar ele. — Não sabia se estava tentando convencer pimpolho ou a si mesmo. — Eu prometo.

Hyuntak segurou as costas de Pimpolho, se preparando para subir. O cavalo se abaixou, facilitando para que o pulo de Hyuntak o alcançasse. Ele teve que se esforçar para ficar parado nas costas do cavalo. Até Pimpolho tinha pena dele, o ajudando por conta de sua perna ferida.

Mas Hyuntak não tinha tempo para se lamentar. Humin era tudo que importava; seu amigo estava perdido em algum lugar da floresta, e era seu dever encontrá-lo.

— Vamos!

Assim ele partiu, se segurando em Pimpolho com toda a força que tinha.

Por favor, que ele esteja bem, pensou. É tudo que eu quero.


A névoa borrava sua visão, acompanhada pelo vento frio, que congelava seus dedos. Pimpolho estava sendo enfraquecido pela neve. Ele dava cada passo com dificuldade, deixando pegadas conforme suas patas afundavam na densidade do solo.

O lampião não era o suficiente. Sua iluminação era fraca, clareando poucos centímetros à sua frente. Sua luz falhava, dando pequenos apagões de vez em quando. Não duraria muito tempo; logo Hyuntak estaria perdido na escuridão da floresta.

— Se lembra de qual caminho ele seguiu, pimpolho? — Ergueu o braço, na esperança de enxergar mais a fundo.

Pimpolho seguia na mesma direção, parecendo confiante de sua decisão. Pelo menos ele sabia o que estava fazendo — ou assim esperava Hyuntak.

Mas aquele caminho era preocupante. Havia cada vez mais árvores cobertas por neve, a tempestade aumentando a cada passo. A escuridão também tomava cada vez mais a floresta, coberta pelas nuvens que dificultavam a iluminação da lua.

— Tem certeza de que é por aqui? — engoliu em seco.

Eles estavam, sem dúvidas, indo para o território dos lobisomens. Por que Humin seguiria um caminho tão assustador? Mas ele não podia parar agora. Se eram lobisomens que prendiam Humin, então Hyuntak lutaria contra cada um deles para salvar seu amigo.

Embora ele esperasse que isso não fosse necessário. 

Eles passaram pela névoa, que só ficava mais forte. Foi quando Hyuntak escutou rosnados. Havia pontos brilhantes espalhados pela floresta, de um tom amarelado forte e cegante. Olhos. Olhos de lobos. Lobisomens.

Hyuntak levou a mão até a mochila, puxando seu arco e flecha. Foi instintivo, mas seus dedos nunca tremeram tanto. O rosnado ficou mais alto. Os lobos se aproximaram o suficiente para que ele os visse parcialmente. 

Eram de pelagem marrom, um trio que caminhava devagar em sua direção. O lobo do meio deveria ser o líder, guiando os passos dos outros, se abaixando como se preparasse para atacar. Hyuntak tinha que ser mais rápido que eles se quisesse sobreviver.

Sem nem pensar direito, puxou a corda e disparou a flecha. Ela voou, sua ponta afiada atingiu em cheio a pata do líder. Ele uivou de dor, o sangue se espalhando pelos seus dedos, manchando sua pelagem e garras. 

Hyuntak nem teve tempo para comemorar o acerto. Os lobos avançaram em sua direção, rápidos como se perseguissem uma presa. 

— Merda! Vamos Pimpolho!

O cavalo correu pela neve, com tanto medo quanto ele. Hyuntak tentou mirar de novo, porém ele tinha que se agarrar a Pimpolho se não quisesse cair. Era impossível despistar os lobos. Até aquele cuja pata estava machucada corria como se a dor mau o afetasse.

Malditos seres sobrenaturais.

Hyuntak tentou guiar Pimpolho para outro caminho, porém a neblina não parava de aumentar. Eles não tinham outra escolha além de usá-la para perder os lobos de vista. 

De repente, um lobo pulou em sua direção, abrindo a boca pronto para mordê-lo.

— Porra! — Hyuntak jogou uma arma improvisada, atingindo a cabeça do lobo com seu lampião, cujos cacos de vidro cortaram sua pele.

O lobo caiu, desorientado. 

Suspirou de alívio, vendo-o ficar para trás. Eles correram por mais algum tempo, até ter certeza de que não havia mais nenhum lobo os seguindo. Mas o pesadelo só estava começando.

Era quase impossível enxergar qualquer coisa. Sem o lampião, o brilho da lua era a única luz disponível para guiá-lo. Mas ela fazia pouco além de impedi-lo de ficar completamente cego. Hyuntak puxou a corda de Pimpolho, desacelerando-o.

— Vamos com cuidado, não dá pra enxergar nada aqui. 

A floresta era interminável. E o frio congelante da noite tornava cada vez mais difícil para eles se moverem. Não havia outra escolha. Hyuntak tinha que encontrar um abrigo, descansar junto de Pimpolho antes que morressem congelados.

Mas onde eles encontrariam abrigo no meio da floresta? Talvez uma caverna, ou alguma construção abandonada. 

Hyuntak tentou virar Pimpolho em direção à esquerda, mas ele não obedeceu. O cavalo seguiu seu próprio caminho, relinchando e apressando o passo.

— Ei! — Hyuntak segurou mais forte. — Vai com calma, e não faça barulho! — A neve ficou mais densa. — Para, pra onde você—

Pimpolho parou abruptamente. Foi quando Hyuntak olhou para frente, finalmente tendo uma boa visão devido a névoa que estava dissipando.

De todas as coisas, ele não esperava encontrar uma casa no meio da floresta.

— Puta merda.

Não, não uma casa. Era uma mansão. Alta, com certeza com mais do que dois andares. Era imponente, feita de pedras resistentes que aguentavam o inverno cruel. Seu topo era pontudo, parecido com uma torre. Havia uma janela em cada andar, — talvez quatro? — porém as luzes estavam apagadas, impossibilitando de espiá-las. A entrada era grande, uma porta dupla feita de madeira escura.

Invadir uma mansão abandonada era uma péssima ideia. Mas Hyuntak não tinha muita escolha. Os lobisomens ainda deviam estar atrás dele, buscando vingança. E Pimpolho continuava apontando com a cabeça para a mansão, como se quisesse deixar claro que eles deveriam entrar.

Hyuntak engoliu em seco. Ele não tinha um bom pressentimento sobre nada disso, por que caralhos Humin estaria lá dentro? Mas se havia uma possibilidade, então era seu dever checar e encontrar o amigo.

Desceu de Pimpolho, puxando sua corda até um cercado. Amarrou-o, para garantir que o cavalo não sumisse. Hyuntak não fazia ideia de como voltaria sem ele. Pegou sua muleta, por mais teimoso que fosse, ainda precisava dela para andar com segurança.

— Muito bem. — Pegou a mochila, colocando nas costas. — Pimpolho, eu vou checar se o Baku tá lá dentro. Se algum lobo aparecer, relincha.

Pimpolho relinchou, confirmando com a cabeça. 

Hyuntak deixou o arco e flecha na mochila, preparando-se para se defender caso fosse necessário. Andou pela neve, chegando até a entrada. A porta rangeu assim que foi aberta, ainda mais barulhenta devido ao silêncio. 

— Que estranho… Por que ela tá aberta?

Talvez ninguém morasse lá. Mas uma mansão abandonada no meio da floresta? Qualquer um que precisasse de abrigo aproveitaria dela. Bom, não havia motivos para tanto alarde. Visto o quão antiga era, sua tranca poderia não funcionar mais, ou sua chave foi perdida na neve há muito tempo.

Hyuntak deu passos cuidadosos. Não podia arriscar, não era impossível que ela estivesse sendo habitada. O salão principal era enorme, maior do que sua casa inteira. Que inveja. Havia uma lareira de pedra, sem fogo algum. Deus, como ele queria acendê-la, se deixar ser esquentado pelo fogo depois de tanto tempo no inverno congelante.

Sua casa não tinha lareira. Muito menos uma tão grande e chique, ocupando a frente da parede, mas ainda deixando espaço o suficiente para usar o lugar como pista de dança. Por que gente tão rica assim viveria no meio da floresta?

Não importava. Ele só tinha que encontrar Humin e voltar para o vilarejo.

As escadas pareciam não ter fim, e Hyuntak não estava afim de subir. Faria muito barulho, e o manteria longe demais de Pimpolho. E se ele não escutasse os avisos do cavalo de que algo tinha dado errado? Era melhor explorar o andar mais baixo antes de se arriscar assim.

Os quartos do andar de baixo estavam, em sua maioria, vazios. O corredor do salão era cumprido, e seu final levava até uma cozinha. Ela não parecia ser usada há muito tempo, mas as migalhas de comida espalhadas pelo balcão diziam o contrário. Merda.

Quando chegou até o último quarto do corredor, Hyuntak já havia perdido as esperanças. Mas ao entrar, ele notou como uma certa parte do chão de madeira estava mais oca. Ali havia um corte quadrado, incrivelmente bem escondido.

Um alçapão! Que sorte!

Hyuntak puxou-o com força, dando caminho para uma escada. Lá embaixo parecia estar surpreendentemente mais claro do que o andar de cima. Esquisito.

Segurou-se, descendo os degraus da escada um por um. Eles rangiam a cada toque, tão antigos quanto a porta da entrada. Quando finalmente desceu, Hyuntak suspirou de alívio ao notar os lampiões pendurados na parede. Ele não estava totalmente cego.

Pegou um dos lampiões, usando-o como guia. A visão o chocou ainda mais.

Era um calabouço. Celas de prisioneiros estavam lado a lado, as grades trancadas por cadeados grossos e grandes. Visto que a mansão estava abandonada, Hyuntak pensou que todas as celas estariam vazias.

Mas então ele escutou.

— Gotak?

Humin.

Hyuntak saiu correndo em direção a sua voz, apontando o lampião para a cela onde ele estava preso. Humin agarrou a grade, seus olhos tão arregalados que pareciam sair para fora. Seu rosto estava repleto de cortes e hematomas, ele claramente tinha saído de uma briga.

— Baku, você tá vivo! — Hyuntak tocou a grade, sentindo a frieza dos dedos de Humin. — Meu Deus, você tá congelando.

Diferente do que ele esperava, não havia alívio nenhum no rosto de Humin após ser encontrado. Na verdade, ele estava aterrorizado, piscando os olhos como se estivesse vendo uma miragem.

— Gotak, vai embora. — ordenou, firme.

— O que? — Ele nunca iria embora depois de tanto trabalho para encontrá-lo. — Enlouqueceu? Eu vou te tirar daqui.

Hyuntak olhou em volta. Seria difícil encontrar uma chave, ele deveria encontrar algo forte o bastante para quebrar o cadeado, as grades eram resistentes demais. Mas se desse uma olhada na mochila, poderia encontrar um substituto para a chave, ou—

— Gotak. — Humin o chamou. — Por favor, vá embora agora. É sério.

— E te abandonar? Por que eu—

— Tem um lobisomem aqui!

Hyuntak paralisou. Um lobisomem na mansão?

E então ele ouviu: um rosnado, baixo. Muito mais amedrontador do que o dos outros lobisomens. Um calafrio arrepiou todo o seu corpo. Hyuntak prendeu a respiração, seu coração acelerando a cada som de passo.

— Ei, pequeno humano. — Sua voz era calma, um sussurro ameaçador. — Eu não gosto quando mexem com os meus prisioneiros.

Porra.

Era a primeira vez que Hyuntak encontrou um lobisomem em sua forma humana. Não era só um lobo atacando sua presa, esse cara estava conversando com ele, escondido pelas sombras. Era um tipo de desafio diferente.

Hyuntak colocou o lampião no chão. Levou as mãos até a mochila, puxando seu arco e flecha e se preparando para atacar.

— Solta ele. — ordenou. — E venha para luz.

O lobisomem riu, divertido. Se aproximou da luz, dando a Hyuntak visão de sua aparência. Ele parecia um humano comum. Sem garras ou presas, usando um óculos moderno demais para quem vivia na floresta. Seus olhos brilharam em amarelo, uma lembrança de que ele não era humano.

— O que eu vou ganhar em troca? — Seu sorriso cresceu, divertido.

— Vai ganhar a chance de continuar vivo, que tal? — Hyuntak  apontou a flecha para o peito do lobisomem. 

Sua mira podia ter piorado, mas ele seria capaz de acertar o coração do infeliz se isso salvasse a vida de Humin.

— Gotak, não lute com ele! — Humin gritou. — Vá embora, eu lido com isso.

— Até parece que eu vou te deixar sozinho com esse monstro.

O sorriso do lobisomem se fechou, substituído por uma carranca. Estalou o pescoço. Sua mão, antes humana, cresceu em garras afiadas no lugar das unhas. Seus dentes se tornaram pontudos, presas caninas. 

— Monstro? — O lobisomem levantou a sobrancelha. — Não fui eu que invadi a casa de um desconhecido. 

— E não fui eu que prendi um homem inocente. — Hyuntak respondeu. 

— Inocente? — assobiou. — Eu não o chamaria assim.

O que? Hyuntak olhou para Humin. Seu amigo apertou a grade, suor escorrendo por suas mãos. O lobisomem só devia estar furioso por Humin ter invadido sua casa, assim como ele. Não havia ninguém tão inocente quanto seu fiél amigo.

— Espera… — O lobisomem lambeu os lábios. — Puta merda Baku, ele não sabe, né?

Isso sim o pegou de surpresa. Como caralhos aquele lobisomem conhecia o apelido Baku? Seria uma coisa se ele soubesse o nome de Humin, o caçador. Mas Baku? O apelido que Hyuntak inventou quando eles eram crianças?

— Sei o que? — Hyuntak não tirou os olhos de Humin. — Baku, do que ele tá falando?

Humin evitou seu olhar, engolindo em seco. — Seongje, cala a boca porra.

Seongje? Humin também sabia o nome do lobisomem. Que porra era aquela? Por que caralhos eles se conheciam?

— Ah, agora você lembra do meu nome. — Seongje riu. — Mas será que já esqueceu do Baekjin?

Sua voz ficou mais profunda, ameaçadora. Mas nem tudo estava perdido.

Era sobre Baekjin. Hyuntak suspirou de alívio. Era um nome que ele já não escutava há anos, pois Humin o evitava como uma praga. E ele estava certo ao fazer isso. Baekjin era um mentiroso, assim como todos os lobos.

— Eu nunca me esqueci dele. — Humin respondeu. — E eu não me arrependo do que fiz. Se eu soubesse que ele era um lobisomem antes, nunca teríamos nos tornado amigos. 

O brilho dos olhos de Seongje se intensificou. — Humano maldito. Então eu vou ter que quebrar os ossos do seu amigo.

— O que? Não, porra! — Humin balançou as grades que o mantinham preso. — Ele não tem nada a ver com isso!

— É, não até ele vir te salvar. — Seongje rosnou. — A culpa é sua.

Hyuntak levantou o arco e flecha, mas Seongje foi tão rápido que era impossível acompanhá-lo. Ele arrancou o arco de sua mão, usando sua força sobrenatural. Sua única arma para se defender voou pelo calabouço. Merda.

Hyuntak ergueu a mão em direção ao lampião, mas Seongje o empurrou direto pro chão. Ele bateu a cabeça com força, uma tontura desorientadora o atingindo. Seongje estava em cima dele, mas Hyuntak acertou-lhe um soco no nariz, com força o suficiente para fazê-lo sangrar.

Seongje nem precisou de tempo para se recuperar. Suas garras arranharam o rosto de Hyuntak, marcando uma cicatriz acima de seu nariz. Sua pele queimou, a sensação de ardência se espalhando pelo rosto.

Hyuntak puxou a sua muleta, acertando a barriga de Seongje com força, empurrando-o para trás. Seongje segurou a ponta da muleta, arrancando-a de suas mãos. Ele a partiu no meio em dois pedaços, jogando o que restou dela para longe.

Que porra? Por um momento, Hyuntak tinha se esquecido que lobisomens tinham super força. Sem a sua muleta, ele estava ferrado, não podia sequer andar. Seongje levantou o punho, e Hyuntak se preparou para o golpe, mas eles foram interrompidos.

— Eu te levo até a rosa! — Humin gritou. — Deixa ele em paz, eu te levo até a rosa.

— O que?

Seongje se levantou. — Agora sim estamos conversando. 

— Baku, do que você tá falando? — Hyuntak tentou se mover, mas seu joelho estava dolorido de novo. — Levar um lobisomem até a rosa é uma péssima ideia!

— Eu não tenho escolha. — Humin abaixou a cabeça. — Deixa o Gotak ir embora. Se fizer isso, eu vou com você.

Ele não podia deixar isso acontecer. — Baku, não faz isso!

Seongje foi até Humin, seu olhar ameaçador.

— Trato feito.

— Espera!

Pensa, pensa. Hyuntak tinha que fazer alguma coisa. Não só era perigoso deixar Humin ir em uma busca sozinho com um lobisomem que aparentemente o odiava; como o vilarejo precisava dele mais do que nunca. Desde o seu acidente, Humin era o caçador mais confiável que eles tinham. Wooyoung podia ser habilidoso, mas deixá-lo como líder do vilarejo? Algo assim só traria problemas.

O vilarejo precisava de Humin. Eles não sobreviveriam no inverno congelante sem a sua liderança. Era ele quem cuidava de todos, quem sempre sabia o que fazer. 

Já Hyuntak não faria tanta falta, mesmo que ele desaparecesse suas habilidades já não eram necessárias para seu povo. Então, só havia uma escolha que ele deveria fazer

Respirou fundo. — Me leva no lugar dele!

Humin arregalou os olhos. A surpresa de Seongje não durou muito, substituída por uma expressão satisfeita. Ele sorriu, andando até Hyuntak. Se abaixou o suficiente para o encarar nos olhos. 

— Não! Gotak, nem pense nisso! — Humin chacoalhou as grades, tentando escapar de sua prisão, mas era inútil.

Seongje se aproximou tanto de seu rosto, que Hyuntak podia sentir sua respiração. Leve, nenhum pouco tensa. Como ele conseguia ficar tão calmo?

— Por que eu te levaria no lugar dele, humano? — Seongje lambeu os beiços. — O que você tem a me oferecer?

— Eu sou o melhor caçador do vilarejo. — respondeu, incerto. 

Era mentira, sua mira já não era a mesma. Hyuntak esperava que Seongje risse de sua cara, negando seu acordo. Ao invés disso, ele olhou para cima, pensativo. Como se realmente acreditasse nele. 

— Muito bem. É verdade. — O que? — Eu nunca vi alguém segurar o arco como você. Deve ser por isso que me irritou tanto, humano.

— Hyuntak. — corrigiu. — Meu nome é Hyuntak.

Seongje piscou os olhos, como um lobo curioso. — Prazer, eu sou o Seongje.

Ele lhe deu um aperto de mão, sorrindo de forma amigável; como se eles não estivessem se matando há poucos minutos atrás. Que cara esquisito. Hyuntak estava repensando se queria mesmo viajar ao lado dele.

— Não, porra! — Humin gritou. — Seongje, ele tá machucado. Ele só vai—

Humin parou sua frase no meio, como se percebesse o erro que estava prestes a cometer outra vez. Hyuntak riu, sem humor.

— Só vou atrapalhar ele? — perguntou, as lembranças do dia anterior invadindo a sua mente. — Bom saber que você ainda não confia em mim. 

Ele sabia o que era aquele sentimento: traição. Até quando Hyuntak estava se sacrificando por ele, Humin não acreditava nas suas capacidades. De repente, ele teve ainda mais vontade de cometer tal loucura. De sair para uma busca ao lado de um lobisomem, e provar para Humin e todo aquele maldito vilarejo, que ele era o mesmo caçador habilidoso de sempre.

— Uau. — Seongje assobiou. — Parece que o Baku não mudou nada.

Hyuntak não entendia aquela história direito. Pelo jeito, havia muitas coisas sobre as quais Humin não era sincero. O que caralhos tinha acontecido entre aqueles dois? E o que ele não sabia sobre Baekjin?

— Gotak, me desculpe. — Humin buscou seus olhos, mas Hyuntak o evitou. — Você sabe que não é isso. Eu só estou preocupado, você não pode fazer isso. Por favor!

— Eu já tomei minha decisão.

Seongje riu, seus ombros tremendo. — Humanos são muito divertidos.

E então ele uivou. Soou animalesco, mas bonito. Como um canto hipnotizante. O coração de Hyuntak acelerou. Era um chamado. Ele tinha uma alcateia. 

Barulhos de passos vieram de cima. Eles desceram às pressas, três lobisomens em sua forma humana. Uma garota e dois garotos.

Um deles farejou o ar, se virando para Hyuntak. — Outro humano? Vamos levar dois?

— Não seja idiota, Dongha. — a garota respondeu. — Vamos levar o ferido.

Seu olhar interessado lhe causava arrepios.

— Ele é mais habilidoso que o outro. — O mais alto de todos acrescentou. Ele tinha uma postura bem mais intimidadora, sem sorrisos brincalhões como os outros.

— E mais bonitinho também. — a garota piscou, lambendo os lábios.

As bochechas de Hyuntak esquentaram. Não havia garotas da sua idade no vilarejo, então ele estava encarando há mais tempo do que devia. Ele não podia deixar de se perguntar: ela percebeu?

Não importava. Ela não era humana como ele.

— Yeongi, ninguém vai comer o humano. — Seongje ordenou. — Dongha, Seongmok, tirem o Baku daqui. E é melhor você não trazer caçadores pra cá se quiser que seu amigo continue vivo.

Hyuntak não tinha pensado na possibilidade de ser um refém, mas os lobisomens não arriscariam ficar sem uma garantia. Os monstros eram previsíveis.

Dongha e Seongmok abriram a cela de Humin. Tiraram ele de lá, cada um puxando um de seus braços.

— Gotak, eu vou te encontrar! — Humin garantiu. — Eu vou voltar, eu prometo!

— Eu adoro os românticos. — Seongje suspirou. — O Baekjin adoraria escutar isso.

Os lobisomens levaram Humin para fora, sumindo de vista. Agora eram apenas eles três.

— Aí, levanta. — Seongje ordenou.

O desgraçado só podia estar brincando. Hyuntak olhou para sua muleta quebrada, mas Seongje manteve a mesma expressão entediada, como se não entendesse a dica.

— Eu não consigo. — engoliu em seco. 

Yeongi arregalou os olhos. — Você quebrou a perna dele?

— Não! — Seongje negou. — Para de drama e levanta.

Foi aí que Hyuntak percebeu que os lobisomens nem deviam saber o que era uma muleta. Se segurou para não revirar os olhos, se arrependendo de seu auto sacrifício. Humin estava certo, ele não era capaz de lidar com isso.

— Você quebrou minha muleta. — Hyuntak cruzou os braços. — Eu não consigo andar sem ela.

Yeongi foi até sua muleta quebrada. Pegou ambas as suas partes, seu olhar afiado, como se ela calculasse como consertá-las. Os lobisomens conseguiam consertar coisas?

— Seongje, seu idiota. — ela reclamou. 

— Eu não sabia que ele precisava disso pra andar. — Seongje se defendeu. — Achei que era alguma arma humana.

A situação era mais do que estranha. Hyuntak não esperava que os lobisomens se importassem com isso. Ele pensou que Seongje tinha quebrado sua muleta de propósito, impedindo que ele escapasse.

Provavelmente era só atuação. Os monstros estavam agindo como humanos para enganá-lo. Mas Hyuntak conhecia bem os seus truques, e eles sempre falhariam.

— Os humanos não têm super cura. — Yeongi andou em sua direção. — Não se preocupe, eu vou consertar pra você!

Hyuntak não respondeu. Não importava o quanto ela parecia gentil; Yeongi ainda era um lobisomem, um predador cercando a sua presa. Não havia nada inocente no seu sorriso amigável. 

— Muito bem, eu tranco ele na cela. A gente discute o plano amanhã. — Seongje disse.

— Por que vocês precisam da rosa? — Hyuntak perguntou. — Preciso saber se querem a minha ajuda.

Seongje lhe deu um olhar desconfiado. Ele confiava em humanos tanto quanto Hyuntak confiava em lobisomens. Yeongi, porém, deu-lhe uma cotovelada no braço. Uma ordem sem palavras.

— É pro nosso alfa. — Seongje respondeu. — Baekjin está gravemente doente. Só a rosa pode salvá-lo.

Baekjin. Era tudo por causa dele.

— E vocês? Por que o Baku estava atrás da rosa?

Não adiantava mentir. Os lobos precisavam da rosa tanto quanto ele, e talvez tê-los ao seu lado durante a viagem não fosse uma ideia tão ruim. Eles poderiam servir como proteção até chegarem na rosa. E lá, Humin levaria os caçadores para atacá-los. 

— Minha mãe. Ela também está muito doente.

Seongje deu de ombros. — Então parece que temos um objetivo em comum. É melhor não nos passar a perna, humano.

Seongje cuspiu a palavra com desprezo. O mesmo desprezo com que Hyuntak dizia lobisomens. 

— Eu digo o mesmo.

Eles se encararam de forma intensa. O ar parecia mais sufocante a cada minuto que Hyuntak passava lá. Os olhos de Seongje brilhavam em amarelo. Havia emoções fortes demais presas dentro dele.

Estranhamente, Hyuntak as reconhecia porque eram familiares. Aquela raiva intensa, tão escondida que doía em seus ossos. Seongje devia sentir a mesma coisa.

Não. O que ele estava pensando? Ele nunca seria parecido com um monstro.

— Acho que é sua hora de dormir.

Seongje andou em sua direção. Agachou, ficando perto demais. Assim que seus braços se levantaram, Hyuntak se pôs em uma posição de luta.

— Que porra você tá fazendo?

Seongje o ignorou. Colocou seus braços por baixo das costas e das pernas de Hyuntak, o carregando com delicadeza demais para alguém tão bruto. Hyuntak corou, se sentindo duplamente patético por estar no colo de um lobisomem.

Yeongi abriu a cela, dando espaço para que eles entrassem. Ela sorria, divertida com a situação.

Hyuntak tremeu inconscientemente. Ali, estava completamente vulnerável, sem seu arco e flecha para se defender. Manteve os olhos bem abertos, só para caso qualquer um deles tentasse uma gracinha.

— Relaxa, humano. — Seongje sussurrou. — Eu não luto contra oponentes que não podem se defender. Não tem graça.

Hyuntak bufou. — Conta outra. Você é um monstro. Vocês não têm código moral ou ética.

Seongje largou Hyuntak no chão frio e duro da cela. Simplesmente o soltou, sem delicadeza nenhuma. Hyuntak bateu as costas e pernas no chão, a dor do impacto subindo por sua lombar.

— Aí! Ei, seu filho da puta!

Sua reclamação foi ignorada. Seongje fechou a cela, se apoiando nas grades uma última vez antes de partir.

— A partir de hoje, a sua vida está nas mãos do monstro. 

E então ele saiu, deixando Hyuntak sozinho no escuro e no silêncio do calabouço. Tudo que ele podia escutar eram seus pensamentos.

Mas estranhamente, cercado por aqueles lobisomens…

Hyuntak nunca se sentiu tão humano.

Notes:

Desculpa pelas descrições longas, espero que não tenha sido entediante! Agora a história terá mais ação, e mais romance também!
Meu twitter/X: Luay_Li

Notes:

Espero que tenham gostado! Estou muito animado para desenvolver essa au.
Meu twitter/X = Luay_Li