Chapter 1: Prólogo
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Bárbara Lima: Ela morava no interior com a mãe. Nunca soube quem era seu pai, até que um belo dia ela descobre que seu pai biológico morreu e deixou uma fortuna no nome dela que será disponível quando completar 21 anos. Com isso, ela e sua mãe Lívia (uma senhora de 40 a 45 anos católica devota) se mudam para a cidade e Bárbara começa a frequentar o colégio Tipora. Lá ela conhece Helena Florence por quem se apaixona perdidamente nos primeiros 6 meses, mas Helena é a senhorita perfeita e hétero, então nunca assumiria seu relacionamento. O melhor amigo de Bárbara, Milo, que ouve os desabafos e de certa forma, se aproveita das vezes que Bárbara é chamada para a mansão Florence.
Helena Florence: Ela foi adota pela família Florence bem cedo, cresceu com Amelie a irmã mais velha e Olivier, o mais novo. Enquanto Amelie e Olivier eram descritos como falhas de Montel, ele nunca reclamou de Helena e isso a fez crescer como filha favorita, mesmo sendo a do meio. Sempre reprimiu suas tendências lésbicas até Bárbara chegar. Ela namora o capitão do time de futebol, Wagner Freitas, e isso a torna a miss popular. Ela não poderia jogar tudo fora por Bárbara, mas poderia agarrar a garota e ter um caso com ela.
Amelie Florence: A irmã mais velha e assumidamente pansexual. A rixa entre ela e Helena chega a ser insuportável para todos na casa. Ela foi mandada para um internato em Paris e enquanto estava lá foi “expulsa” por agressão. Tal acontecimento a obrigou ter que voltar para casa e começar a estudar em Tipora. A primeira pessoa que viu ao voltar foi seu irmão Olivier que tinha ido ao aeroporto buscá-la. Eles seguiram para o colégio e lá ela viu Bárbara Lima, o motivo das confusões principais e do aumento do atrito entre as irmãs Florence.
Olivier Florence: O irmão mais novo. Viciado em jogos de computador e tecnologia, Olivier é outro assumido da família. Ele tomou coragem para sair do armário e se assumir gay logo depois de Amelie. As maiores vergonhas de Montel. Por esse motivo, ele e Amelie acabam sendo muito próximos, tanto que Amelie foi a primeira a saber do seu crush de seis meses no rapaz artista do colégio, Milo Castello.
Milo Castello: Ele é o melhor amigo de Bárbara desde sempre. A sua estádia em Tipora se baseia em uma bolsa de estudo paga pela sua habilidade artística. Ele está sempre lá quando Bárbara precisa juntar os cacos do seu coração pelo que Helena fez e Milo também tira suas casquinhas. Quando Bárbara faz trabalho em grupo com Helena, ela leva Milo e o rapaz se aproveita para olhar Olivier jogando em seu quarto. Milo como um bom gay tímido não consegue conversar com Olivier sem gaguejar, o que rende cenas muito fofas.
Chapter 2: Esgrima
Notes:
Agora é oficial, o primeiro capitulo de Florence está oficialmente no ar.
Vou adorar ouvir sugestões.
Boa leitura.
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[Bárbara Lima]
De todas as coisas que eu podia odiar na minha vida, o uniforme do colégio Tipora não era uma dessas. Embora eu dissesse com frequência que me sentia envergonhada de ter que usar uma saia considerada curta para mim (um pouco acima dos meus joelhos). Mas para alguém que passou boa parte da vida andando de vestido, algo desse tamanho é um escândalo.
A saia cinza, a camisa social branca, o blazer vermelho com as bordas pretas e por fim o laço debaixo da gola que me faz parecer a protagonista de alguma das séries teens da Netflix, como “Elite” ou “Rebelde”.
Com uma última olhada no retrovisor do carro, eu respiro fundo sentindo um leve cheiro de peixe por conta do carro. O carro de pesca de Bartô, pai de Milo, que levava nós dois para o colégio desde que entramos.
Abro os olhos e percebo de canto Milo me encarando. Me reservo a lhe dar um sorriso, ele estava preocupado desde minha última confissão amorosa para si. Eu abro a porta para sair e vejo Milo se despedir de Bartô com um beijo e um abraço. Sendo honesta, eu tento não me sentir atacada pela relação de pai e filho funcional e saudável dos dois.
Nos portões do colégio encontro, para minha infelicidade, Helena Florence aos beijos e amassos com Wagner Freitas, do time de futebol. É preciso de todas as minhas forças para ignorar o que vi e seguir para a secretária, afinal, era o último dia das inscrições para os extracurriculares obrigatórios.
Olha, eu nunca fui o tipo de pessoa esportiva. Prefiro jardinagem, ou jogar dominó e xadrez com os outros sedentários. Só que eu não era a única com essa ideia. Esses clubes já tinham as vagas preenchidas, porque parece que todos os inteligentes e sedentários do colégio tiveram a mesma ideia.
— Que droga.
— Nenhum livre? — perguntou Milo se escorando na parede do meu lado.
— Nenhum dos que eu queria — respondo virando os papéis para ele. — Todos os clubes de xadrez, dama e dominó estão cheios. Assim como os de jornalismo, cartografia, química e jardinagem.
— Tem algum vazio? — perguntou direcionando para a mulher atrás do computador.
— Sim — Ela levanta um dedo para que esperemos um segundo. — Ah, o único clube vago é o de esgrima.
— Ah, que ótimo. Não consigo me livrar dos esportes, né? — Meu amigo tenta abafar suas risadinhas cobrindo a boca com a mão. — Quando são os treinos?
— Todos os dias depois do horário de aula. Eles começam ás 13:00h e seguem até 14:30h.
— Maravilhoso — Ela se vira para pegar alguns papéis para a inscrição, eu acho. — Se inscreveu no quê?
— Artes e design. — responde o rapaz contente.
— É a sua cara.
Volto minha atenção para as duas folhas de papel na minha frente e nem sequer leio antes de assinar e devolver para a mulher.
Minha primeira aula era de literatura com um professor substituto já que o senhor Hartmann sofreu um acidente e não vai poder dar aula para gente por enquanto. O que quer dizer, que não serei obrigada a aturar o casal perfeito do colégio, vulgo: namoro de fachada da Helena. Porque enquanto o corno do namorado dela lhe jura amor eterno, ela enfeita a cabeça dele com um par de chifres com o meu nome gravado neles.
Eu sei que não era das melhores ideias ter um caso com a garota popular do colégio, mas em seis meses eu sou vista como a garota do interior que o pai colocou no testamento por misericórdia. Então, em seis meses nesse colégio, tanto as meninas héteros, quanto as sáficas e as bissexuais me olhavam com desprezo por ter caído de paraquedas no mundo perfeito delas.
E como desgraça de pobre não vem sozinha, os meninos héteros e os gays olham para o Milo da mesma forma. O Milo ganhou um bolsa de estudos para artes e se mudou junto comigo. Seu pai foi meio contra no início, mas o diretor conseguiu um emprego para ele aqui e os dois vieram. Como somos amigos de infância, sabemos as preferências do outro. É um dos principais motivos para sermos amigos por tanto tempo: Milo gosta de meninos e eu gosto de meninas.
Claro que eu tive a minha pequena cota de dúvida, no caso esse foi o irmão gêmeo do Milo, Miguel. Eu sei, estranho, nem me fale. Ele veio conosco, mas passa a maior parte do tempo no barco de Bartô, ajudando ele com a pesca. Segundo o rapaz, alguém tinha que ficar. Milo estuda e ele trabalha.
— Me diz que não está pensando naquela piranha. — A voz de Milo me tira das minhas divagações e...
— Onde é que a gente tá? — Começo a encarar os lados tentando me localizar no colégio.
— Estamos quase chegando na fronteira com os Realitas — Ah, é. O colégio Tipora fazia parte de uma subdivisão estranha com uma organização maior. Tinha três prédios, mas não me pergunte que eu não sei absolutamente nada dessa divisão. Eu só aceito. — E não fuja da minha pergunta, Bárbara. Estava pensando naquela piranha?
— Com piranha quer dizer, a Helena — Acenou positivamente. — Quase isso.
— Fala sério. Você sabe que ela está te fazendo de trouxa, né?
— E o que quer que eu faça, Milo? Alguém nessa droga de colégio olha para mim como ela olha?
— Bárbara, ela está te usado como uma boneca. Você merece coisa melhor do que Helena Florence.
— Quem Milo? Me aponte uma pessoa. — O rapaz só bufa e põe as mãos na cintura. — Foi o que eu pensei.
— Olha, eu sempre vou estar aqui. Aquela garota não vai mudar por você. Eu vi tipos assim. Só cuida do seu coração. Eu vou chorar coletando os cacos depois. — Milo Castello e sua habilidade de querer me fazer chorar só sendo um bom amigo.
— Amassos escondido com Helena é tudo que eu vou conseguir por enquanto, mas eu sei das intenções dela. Eu te garanto que estou protegendo meu coração o máximo que posso.
— Minha garota — Ele sorri exibindo seus dentes certinhos. — A gente se vê 14:30?
— Vou estar te esperando.
Com um último aceno positivo, eu vejo Milo caminhado pelo gramado do colégio até a sua sala na área de artes e artesanato.
Tudo bem, agora é minha vez de ir para sala.
Bem, eu iria, mas sinto uma mão segurar meu pulso e me puxar com tudo para a sala aberta que estava mais perto. Tinha cheiro desinfetante e naftalina. Ah, era a sala do zelador. O que quer dizer que quem me puxou foi...
— Eu fiquei esperando você vir me cumprimentar hoje mais cedo — Meu inferno em forma de gente. Helena Florence. — Você só passou por mim com seu amigo. Fiquei extremamente chateada. — Bem, agora você sabe o que eu passo com você.
— Por que estamos no armário do zelador? — E eu aqui achando que ela tinha criatividade em se manter no armário. — E você estava agarrada ao seu... namorado — disse com um certo desprezo. — Não quis atrapalhar o casal feliz.
— Estávamos abraçados. Quanto drama.
— Agora eu virei cega para não saber quando uma língua está enfiada na garganta de alguém. Helena, você me usa a quase seis meses. E são em lugares com uma iluminação horrível ou quando mente para minha mãe e me faz ir até a mansão Florence.
— Diga-se de passagem, você não vai sozinha — É que embora pareça, a ideia de ficar sozinha com você não me agrada tanto, então eu levo o Milo. — Bárbara, você não vai conseguir nada com outra pessoa além de mim, sabe disso. Não é? As pessoas daqui não te enxergam como eu. — Uma de suas mãos pousa delicadamente no meu cabelo, enquanto faz um carinho leve suas palavras, machucam. — O fato de não termos nada oficial é bom. Se tivéssemos seria uma decepção para a minha família; e Amelie e Olivier já trouxeram decepção o suficiente. Falando nisso, ela chega hoje. Depois de um ano e meio na França com nossa mãe, ela volta; e Olivier, é claro, como sempre foi buscar ela no aeroporto. Eu tenho que lidar com a pressão de ser popular e com o fato de meus irmãos sujarem o nome da família.
— E o que eles fizeram? Mataram alguém? Não. — Minha indignação chega a tanto que seguro sua mão e tiro do meu cabelo. — Você só tem medo de perder seu trono por ser vista com, e como uma garota lésbica.
Ali estava seu ponto fraco. Sua popularidade. Eu tinha acertado em cheio.
Com ela em silêncio, eu saio da sala de limpeza e sigo para minha sala no térreo.
O professor ainda não estava em sala e não tinha chegado todo mundo, o que me rendeu tempo para escolher meu lugar. Eu conto até a quarta cadeira da fila depois da parede. Não é no meio da sala, nem no fundão e nem na frente, se o professor me olhasse ele certamente faria perguntas que eu não sei responder porque eu não li o livro recomendado da semana, por culpa dos meus encontros secretos com Helena. É eu sei. Que partido fui arranjar, hein?
— Desculpem o atraso — disse o homem gordinho entrando na sala. Professor... Sidney. É! Eu tenho quase certeza que o nome dele é Sidney Souza.
— Problemas com o carro de novo, professor? — perguntou um dos rapazes.
— Bem, o carro é como um criado — Sidney colocava suas coisas na mesa e pegava um dos pilotos. — Tem que bater nele de vez em quando para que ele trabalhe.
— É o quê? — Uma voz rouca com um pouco de sotaque francês se fez presente. Eu me viro na direção da voz e pude ver o que juro ser a pessoa mais bonita em vida. Seus cabelos eram curtos na altura de seus ombros, estavam pintados de loiro platinado e as pontas estavam desbotando em roxo. Seu nariz era longo, fino e casava com exatidão com suas feições. Sua pele é bronzeada como se tomasse banho de sol de manhã e seus olhos são de um castanho escuro tão denso que se olhasse por tempo demais se transformava em vermelho. E eu estava olhando por tempo demais. — Nossa. Alguém mais sentiu uns 1700 anos de regressão?
— Já está causando, não é, senhorita Florence?
— Imagine — Deus. Essa é a irmã da Helena? Beleza é de família. Angelina, a mãe delas, é uma mulher linda. Helena e Amelie foram pintadas a mão. Não é possível. Deus com certeza tem favoritos. — O seu comentário, mesmo que por uma piada, foi racista.
— Eu não citei cores.
— E não precisou. Criado, criadagem, quilombo, senzala, escravo. Essas palavras nunca serão associadas a um homem branco. Eu não sei se notou, mas tem alunos de cor nessa sala. Alunos negros.
— A senhorita mesmo disse, foi só uma piada.
— Tudo tem limites, professor Souza. Até humor. — Ela se levanta pegando suas coisas. — Não se preocupe, professor, eu lembro onde é a diretoria.
E apenas sai da sala deixando todos nós de boca aberta.
[...]
Meu maior pesadelo se realizava na minha frente: treino da equipe de esgrima. Eu não sabia o que deveria fazer. O técnico deu um resumo das regras para os novatos, mas honestamente eu parei de prestar atenção quando os cabelos platinados de Amelie apareceram na porta. E enquanto olhávamos para ela, sua mão tirou do bolso uma... colher? É, uma colher e levantou para que o técnico visse.
Eu nunca ouvi Wanderley dar uma risada tão alta e empolgada quanto a que ele deu naquele momento.
— Entra, Amelie. — Foi tudo o que disse antes do treino começar.
O treinador do time era Wanderley Nascimento e sendo honesta, nem eu sabia porquê. Ele era bom com armas. A equipe de tiro do colégio foi treinada por ele e vencemos na última edição dos jogos intercolegiais. De qualquer forma, Wanderley só era responsável pelo time feminino, já que o time masculino ficava na mão de Joui Jouki, o melhor esgrimista masculino do Ordem.
Junto com os meninos estava Olivier, irmão de Amelie e enquanto olhava para o francês, tive certeza absoluta que tinha algo de errado com aquela família. Eu entendo a Helena e o Olivier serem bonitos, mas os Florence não tiveram um filho feio? Os três eram irritantemente gostosos.
Nós começamos a fazer exercícios com liga, corrida, bolas de pilates (que eu aprendi que o nome correto são bolas suíças), cones e todo o tipo de aparato simples, ainda assim mais cansativo do que se possa imaginar.
Enquanto ele nos ensinava a forma correta de usar uma espada, eu não pude parar de reparar em Amelie. E não pelo motivo que pensa, ela nem estava treinando. É que quando não estavam realizando os exercícios, eles se isolavam para conversar. Pareciam próximos e muito íntimos, porque eu nunca vi o Wanderley daquela forma.
Os olhos do treinador focam em mim enquanto Amelie se sentava no banco de reservas.
— Senhorita Lima — Ouço Wanderley chamar. — Pro banco. Essa é uma rodada para as avançadas.
Dou glória e assim que me aproximo do banco percebo uma coisa: o único lugar livre é ao lado de Florence. Com um suspiro prolongado, eu me sento do seu lado em silêncio.
— É você? — Sou eu quem? — A garota da Helena? Bom, a da vez, é claro.
Garota da vez? Ela teve outras e nunca me contou?
— Eu acho que me confundiu com outra pessoa — Me faço de caipira idiota e volto a prestar atenção no treino. As meninas do time faziam movimentos mais complexos, entre elas estava Mia Veríssimo, a filha do diretor, e Helena Florence. — Mal falo com a sua irmã.
Ouço um riso meio debochado, foi o que me fez encará-la mais uma vez. Ela usava o uniforme de esgrima comum, mas tinha um pequeno broche com as três espadas de esgrima cruzadas, como se os três Mosqueteiros estivessem jurando algo; ele estava na roupa como se fosse parte de si. Eu conhecia aquele broche. Helena tinha um igual, assim como Olivier. Desço os olhos até achar um anel de ouro com uma flor entalhada dentro dele, outra coisa que todos os Florence tinham e ficavam no mesmo dedo, no médio da mão esquerda. Amelie e Olivier tinham certa semelhança, mas não conseguia ver nada que me lembrasse Helena nela... meu Deus, eu tenho que parar de olhar para ela.
— Você não é a primeira pessoa a ser usada pela minha irmã para satisfação pessoal — falou ainda prestando atenção aos movimentos dos esgrimistas. — O que estou dizendo é não se apegue. Ela tem um longo caminho de heterossexualidade compulsória e reabilitação psicológica para fazer.
Aquilo atiçou algo no fundo da minha garganta. Do jeito que Amelie falava, a revelação de não ser a primeira me fez querer correr e me trancar no banheiro mais afastado do colégio para chorar em paz. Por que eu estava tão surpresa em não ser a primeira de Helena? Talvez eu quisesse ser a pessoa especial de alguém? Talvez.
Em seis meses em Tipora eu me mantive com Milo, porque os outros tem medo e nojo de se aproximarem de mim. Minha mãe e eu andamos em lençóis horríveis e meu pai, que nunca conheci, morreu. Uma parte de mim queria ser a pessoa especial para alguém e nem isso eu consigo.
— Por que está me dizendo isso? — pergunto tentando esconder a minha voz trêmula. — O que ganha com isso?
— Ah, então você realmente está com ela? — Meus olhos se arregalaram e vejo um sorriso brotando em seu rosto. — Eu não tinha certeza, a primeira parte foi para ver sua reação, você mordeu a isca e me deu a confirmação. Bom, digamos que ser desprezada por uma pessoa na qual acha que gosta de você do mesmo jeito que gosta dela é... terrível. Eu não quero um coração despedaçado para ninguém. — Deu de ombros como se fosse algo que se deseja para todo ser humano. — E quanto ao que ganho, eu digo: você.
— O quê? — Minha voz se altera e atrai alguns olhares. Isso é um flerte? Ela está flertando comigo? A garota má do colégio está flertando com a garota que a irmã fica? — Eu não sou um objeto para ser posto em uma disputa de família.
— Eu sei.
— Você... você também...?
— Lésbica? Não, Helena sim. Ela só é a maior fingida. Eu não sou atraída pelo gênero, é a pessoa. Eu sou pan.
— Então você está dando em cima da pessoa que hipoteticamente sua irmã gosta? — Vejo seu sorriso bonito enquanto acena positivamente com a cabeça. — Ela é sua irmã! Isso não configura traição?
Com um riso divertido de si, ela se ajeita cruzando as pernas.
— Você é engraçada, Bárbara Lima. Com certeza tem outros talentos além do humor, porque, não é muito boa em esgrima. — Sua mão se estende na minha direção e dada minha cara vermelha de desentendida, ela aponta para a espada. Nem questiono. Entrego para ela, que fica um tempo encarando a arma. — Suas mãos não foram feitas para um florete. Ele exige uma leveza e precisão que, com respeito, você não tem. Precisa de uma arma pesada e rígida. A espada seria uma companheira melhor.
— Obrigada.
Sinto minhas bochechas vermelhas e ela me devolve a arma. Quando desvio o olhar para tentar parar de corar, Helena está nos olhando do outro lado da quadra com raiva. Apertando o capacete em mãos, ela vem em nossa direção com passos duros e rápidos. Seu olhar bate em mim por dois segundos antes de cruzar os braços e encarar a platinada.
— Precisamos conversar — disse. — Agora!
— Por quê? — Seus olhos desviam do meu rosto para o da irmã. — Estou cruzando seu território? — Amelie se levanta ficando frente a frente com Helena. A diferença de altura era gritante, Helena chegava na linha do peito de Amelie. A mão de Helena estava coberta pela luva, mas fechada em punho, como se no mínimo descuido ela socasse Amelie. Só que segurou o braço da irmã com força e começou a apertar, Amelie não esboçou incomodo, só susto pela ação. — Ciúme não é coisa sua, irmã. — alfinetou Amelie.
— Atenção — Wanderley chamou a atenção de todos.
A morena soltou o braço e olhou para onde nosso treinador careca estava, mas isso não diminuiu sua raiva.
— Como sabem, temos um rosto antigo de volta — Eles olham na direção de Amelie. Joui e Olivier tinham um sorriso compartilhado e todos os membros de esgrima tinham um também, menos Helena. — E com a volta de Amelie as posições do time feminino serão refeitas.
— O quê? — pergunta Helena indignada. — Ela ficou fora por 18 meses e só porque ela volta, quer refazer todo o time? Não é justo, treinador. — Uau. Eu nunca vi ela desse jeito. Irritada e insegura.
— As regras dizem um capitão e 11 competidores.
— E estamos de acordo com elas. Não precisamos reformar o time.
— Foi esse seu comportamento, senhorita Florence, que nos fodeu no torneio do ano passado — disse Wanderley, caminhando a passos rígidos na direção de Helena. Suas sobrancelhas juntas e dentes cerrados só mostravam sua irritação com ela. — Essa sua prepotência, sua raiva, sua precipitação te fizeram perder para Rana. Se o Joui não tivesse ganhado do Gal nós estaríamos na segunda posição, atrás dos Escriptas. — Helena estava com os olhos brilhantes, parecia estar a ponto de chorar de raiva.
— Eu me esforcei por um ano e meio para liderar esse time! — Bateu contra o peito e o treinador só fechou os olhos.
— E mesmo com esse tempo de esforço, não conseguiu superar a sua irmã. — Nossa. Essa doeu em mim.
Joui e Olivier trocaram olhares com os times, todos tinham um misto de surpresa, pena e dor. O jeito que o rosto de Helena perdeu a feição raivosa e a recuperou em segundos foi digno de um Oscar. Mas o que me chama atenção foi a forma como olhou para Amelie depois. Olhos brilhantes de ódio e Amelie tinha uma expressão serena.
Eu estava no meio de uma guerra e as duas eram perigosas.
— Vocês serão avaliadas durante a semana e para decidir a capitã, será realizado um combate como tradição. O que fizerem durante a semana também conta. E senhorita Florence — Eu não sabia a quem se referia, entretanto, Helena parecia saber pois olhou para o treinador. —, eu não preciso te lembrar por que é a capitã do time, preciso?
— Não. — responde de forma ríspida.
— Ótimo. Amelie, pegue seu florete. Você e o Joui vão praticar em conjunto.
Com uma reverência de despedida, a platinada se vira para ir pegar sua arma. Olivier já estava a esperando com uma espada em mãos que só entrega para ela. Depois vejo Joui se preparando para a partida com a sua arma em mãos esperando sua dupla.
Helena começa a se afastar sem olhar na minha cara. Merda!
Eu sei sobre o acordo do sigilo, mas ela quase tinha jogado a história do sigiloso para o espaço.
— Espera — A morena para de andar, mas ainda não se vira. — Temos que conversar sobre isso.
— Estamos em público, Bárbara. Conhece as regras
— Sim, por isso quero mudar algumas — Ouço seu riso de desprezo. — Me escuta ou esquece que temos alguma coisa, a escolha é fácil já que no seu armário é tudo bem mágico.
Ela para se vira de maneira abrupta e vem na minha direção levantando a espada contra meu peito. Tinha a mesma expressão de quando encarou Amelie: ódio e raiva.
— Sim, a escolha é fácil. Eu não preciso de você. Por outro lado, você...
Fecho minhas mãos sentindo as unhas tentarem perfurar minha pele. Era minha vez de estar irada.
— Por outro lado — disse com o mesmo tom de desprezo. — Ainda posso ter sua irmã.
— Deixa Amelie fora disso — Se aproximou e pressionou a ponta da espada contra meu peito. — Eu soube que estão na mesma turma. Ou você pede para te trocarem de sala, ou meu pai vai mudar ela.
Deus, o quão absurdo e ridículo era o que ouvia. Estou mesmo recebendo ordens de uma garota que só fica comigo as escondidas?
— Sua insegurança amostra te torna menos atraente — Tomo passos em sua direção pressionado ainda mais meu peito na ponta. — A sua irmã chegou hoje e você está agindo como uma vadia mimada e arrogante. Me diz, Helena, como a sua irmã pode ser pior do que você já é?
Seus olhos se arregalam e ela deixa a espada abaixar. É a oportunidade perfeita para que eu saia de perto dela. Depois que a frase sai dos meus lábios, eu penso que posso ter acabado com o meu único relacionamento amoroso dentro desse colégio pelos próximos anos. E é nesse momento que percebo que não estava me importando com aquilo.
Chapter 3: Regras e Princípios
Summary:
Aqui vemos a primeira interação dos irmãos Florence todos reunidos e como cada um deles se porta na presença do outro. Sem falar em suas preferências.
Notes:
Eu estou de volta e com a nova atualização de "Florence" saindo quentinha do forno. Esse capítulo será narrado na visão de Helena para que conheçam melhor como ela é e como se porta, e especialmente como é sua
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[Helena Florence]
As palavras de Bárbara machucaram. Meu peito doía depois da discussão. Era como se ela tivesse arrancado minha pele e passado álcool e sal nas feridas. Na verdade, se ela tivesse feito isso doeria menos. Eu não deveria me importar com a opinião das pessoas, mas o que faço é exatamente o oposto e passar a vida sendo comparada com Amelie e Olivier não é justo. Ainda mais quando se tem o pai que eu tenho.
Quando eu nasci, os Florence já tinham Amelie e um ano depois veio Olivier. Fomos criados em um ambiente rígido e regrado. Com regras sobre regras e preceitos sobre preceitos. “Um lar de princípios constrói filhos corretos e úteis para a sociedade”. Era isso que nosso pai nos dizia e pelo menos um de nós ouviu.
Toda família que tem três filhos, um filho é o que deu certo, o que deu errado e o que está no meio termo. Eu, obviamente fui a que deu certo. Amelie deu completamente errado e Olivier ainda é o meio termo, mesmo que ele seja... tão errado quanto Amelie.
Nosso pai, Montel, era um apreciador e avaliador de arte conhecido e nossa mãe, Angelina era modelo. Nós sempre ouvíamos papai reclamar como o fato da mamãe mimar Olivier e Amelie os estragou, por isso minha criação foi feita baseada só nele. Em suas palavras: “Não vou deixar que sua mãe te estrague como fez com seus irmãos.” E é claro que na nossa puberdade as coisas saíram da linha.
Nossa mãe, havia começado sua carreira como atriz e isso a fez ficar bons tempos longe de casa nos deixando com nosso pai. Mas isso não nos fez próximos, quer dizer, não os meus irmãos. No início da nossa adolescência, todos nós passamos por mudança muito mais do que só físicas. Nossas tendências sexuais mudaram. Amelie conseguia gostar de meninos e meninas, Olivier gostava só de meninos e quanto a mim? Só me sentia bem com garotas, foi por isso que passei a procurá-las em segredo. Não queria correr o risco de ser desprezada pelo nosso pai, ou pior, o decepcionar.
Com a ausência de nossa mãe por longos períodos e minha discussões frequentes com Amelie — e não surpreendentemente Olivier tomava partido dela e não meu —, nosso pai passou a ficar mais tempo comigo. Ele passou a preferir a minha companhia, mas mamãe, quando estava em casa preferia ficar com Amelie e Olivier.
Quando Amelie se assumiu para o nosso pai, ele surtou. Eu nunca vi papai tão irado quanto naquele dia. Talvez quando Olivier saiu do armário para ele não muito tempo depois da mais velha. Eu lembro dele me olhando com uma expressão cruel, esperando que eu dissesse que também fazia parte de sabe-se lá o quê. Eu neguei. E negar foi a minha melhor escolha. Eu vi papai se aproveitar de uma filmagem longa que mamãe faria para mandar Amelie para França e enviou Olivier para três meses de serviço voluntário em um campo militar, na esperança de ser só influência negativa da nossa irmã. A minha negação me rendeu férias nos Alpes.
Foi a decisão certa. Sempre que estamos em jantares e reuniões sociais, sou apresentada como o seu maior orgulho, já Amelie e Olivier pareciam ser seus filhos só por obrigação.
Eu paro de andar quando percebo que cheguei ao campo de futebol. O treinador do time, Christopher Cohen, tinha posto os meninos para correrem antes do amistoso e assim que me vê, Wagner acena animado na minha direção. Com meu melhor sorriso falso devolvo o aceno mandando um beijo no ar.
Durante o jogo, cada gol feito por ele era dedicado a mim e eu queria morrer. Eu preferiria estar tendo aula de álgebra linear ministrada por um professor russo, sem legendas; do que presenciar uma partida de um esporte que não entendendo nada, tendo que torcer para um cara que eu detesto. Tortura total!
[...]
Depois de algum tempo bancando a namorada perfeita, eu teria que bancar a aluna perfeita também. E eu rezei a todos os santos que conhecia para não ter nenhuma aula com Olivier, ou Deus que me livre, Amelie. Mas minha irmã tem algumas aulas avançadas e Olivier só muda de prédio quando precisa, então eu fiquei livre. Por pouco tempo.
Eu estava saindo do prédio, já que papai tinha mandado o carro vir nos buscar, quando olhei para a saída principal, os dois estavam no portão juntos e me esperando... Que ótimo.
É claro que eu estava puta! Ela mal chega no colégio e tenho que competir pela minha posição no time de esgrima e pela atenção do meu relacionamento as escondidas. Amelie Florence era um pesadelo em forma humana. Aquelas duas estavam testando a minha paciência mais cedo, e é óbvio que a fala de Bárbara tinha me irritado, mas Amelie não apresenta perigo ou ameaça para o meu relacionamento as escondidas. Ela pode ser uma garota rica, só que é inofensiva.
— Irmã — disse sua voz rouca. — O que Bárbara te disse que te calou pelo resto do dia? Não me diga que terminaram. Eu seria capaz de soltar fogos. — Filha... da...
Eu começo a andar na sua direção, mas Olivier se prova mais rápido e partidário como de costume pois entrou na frente.
— E como sempre você vai tomar partido dela — digo em deboche. — Ela mal chegou e você já está do lado dela como um cachorrinho fiel. Que vergonha, Olivier.
— Com ela, Helena, eu sinto que tenho uma irmã e não um fantoche do nosso pai.
Engulo as próximas palavras que seriam ofensivas demais e me concentro em atacar Amelie de outra forma.
— O que disse para o técnico querer remodelar o time feminino? — Ela levanta uma sobrancelha na minha direção e requer toda minha vontade para não jogar nosso irmão no chão e socá-la. — Ele estava conformado com nossa formação. Eu no comando e as outras competidores. Mas você volta e conversa com ele e misteriosamente, ele decide mudar todo o time. O que disse para ele?
— Nada — Dá de ombros e se encosta no muro. — Ao contrário de você, que o papai pagou para entrar; eu entrei porque tenho talento. Sou a melhor esgrimista do time, Helena. Nem você pode negar isso.
— Veremos.
O carro chegou e minha irmã apenas me deu preferência. Olivier entrou em seguida e Amelie por último. Eu passei o caminho todo até em casa tendo que ouvi-lo atualizar Amelie de cada fofoca que aconteceu no Ordem quando ela não estava.
Ele falou que a professora de química dos Veritatis, Elizabeth Webber, tinha saído do chove e não molha com o reitor da equipe de jornalismo, Thiago Fritz. Que o nosso prodígio masculino esgrimista, Joui Jouki, depois de ter terminado com o Nathaniel tinha começado um relacionamento com a louca explosiva e sem noção da Erin Parker. Que o professor de música dos Realitas, Arthur Cervero, estava interessado no professor de literatura, Dante. E que depois de muita insistência o nosso professor de geografia, Alexsander Kothe ele estava namorando o professor de literatura, Daniel Hartmann.
E em meio a tudo aquilo eu só conseguia pensar no quanto de gays o nosso colégio tem. Isso porque o nome dele é Ordem. Ordem para quê? Para essa espécie?
A chegada em casa foi quase que libertadora. Seria mais ainda se não tivesse que dividir a casa com eles.
— Quanto tempo mais você pretende enganá-la e fazê-la de trouxa irmã? — perguntou Amelie se sentando no sofá. — Ela não é como as outras. Não. Ela se parece com ela. Não é superficial. Se não der certo com você, ela pode tentar comigo.
Respiro fundamente. Eu olho para um dos vasos perto de mim e sinceramente, quero arremessá-lo na cara dela, só para fazê-la perder a pose.
— Não vai brincar com ela. Não vou permitir.
— Por quê? — pergunto. — É a única que pode brincar na cidade, Mel?
— Ciúme não é coisa sua, irmã.
— Ah, não enche. — Viro na sua direção e percebo os dois em pé me encarando. Amelie muda de expressão em segundos e seu rosto se ilumina.
— Ah, não, vai me dizer que gosta dela? — Ouvi sua risada alta e carregada de desprezo ecoar pelo hall. — Sabemos que não gosta.
Agora chega.
Viro minha mão com tudo em seu rosto, mas ela nem sequer pisca. Sabe o motivo? Chuta. É, Olivier segurou o tapa.
— Sai da minha frente, Olivier. — grito em sua direção.
— Não — responde o garoto irritante. — Você só vai se machucar.
Amelie era mais alta e mais forte. Eu pegaria uma boa surra antes de acertar algo.
Meu irmão me empurra nos afastando e no segundo seguinte eu avanço mais uma vez para cima dela, mas dessa vez é ela quem me impede.
A platinada segura meu pulso e puxa com tudo, me fazendo chegar a poucos centímetros dela. Sua mão direita acha o caminho para o meu rosto e ela o segura com uma única mão, apertando-o e me fazendo ficar bem perto dela, quase que me tirando do chão.
— E se a Bárbara estivesse aqui? — Olivier fez uma cara de confuso encarando nossa irmã. Amelie esbanjava um sorriso quase diabólico. Agarro seu pulso com tudo que tenho e tento forçar minha saída. — Imagine o quão divertido vai ser competir com a Helena pelo amor da Bárbara.
— Você quer que a Bárbara acabe como a Carina? — A expressão zombeteira de Amelie morreu em um segundo. Eu tinha tocado em uma ferida funda e ainda não cicatrizada.
— Isso foi uma ameaça? — Sua voz soou baixa e ameaçadora. Pela primeira vez, em um confronto com a minha irmã, eu estava com medo.
— Foi um aviso. Você já perdeu essa briga antes. — Senti seu aperto diminuir. — Eu venci. Carina me escolheu.
— Sabe como eu sei que não a ama? — Ela volta para o assunto anterior. Venci! — Porque você prefere o conforto. Você se priva de si mesma, você e sua capa de garota popular. A forma como ri do bullying que seu grupo faz nos corredores daquele colégio. Céus! Você é patética, irmã. Eu vejo. Olivier vê. Bárbara irá ver e quando esse dia chegar, eu aposto tudo que tenho, que sou eu quem vai estar do lado dela. — Sinto meus dentes trincarem de tanto que esfregava um contra o outro para conter minha raiva. Usei minhas unhas para forçar contra a pele em seu pulso, mas não tinha efeito. Seu agarro voltar a esmagar minha mandíbula e ela tem uma expressão séria. Seus lábios se aproximam do meu ouvido para sussurrar. — Foi assim com a Carina.
Eu sofro uma queda em velocidade no chão. Olivier puxava nossa irmã pela manga do uniforme. Sua boca se mexia, mas as palavras não tinham som para mim. Tudo que eu viu era vermelho e ouvia zunidos. Minha raiva pinicava sob minha pele e sentia minha veia jugular pulsando com tanto sangue correndo.
— Ela não vai querer você, nunca — Me levantei e apontei meu dedo contra seu peito, pressionando e a empurrando. — Você nasceu primeiro, mas vai ser sempre a segunda. A segunda entre a Carina e eu, a segunda na equipe de esgrima, pode ser a melhor esgrimista, mas nunca a capitã; e principalmente a segunda entre as prioridades do nosso pai. Acha mesmo que vai ser a primeira escolha de uma caipira imbecil deslumbrada com as garotas da metrópole?
— Sabe por que eu sempre sou a segunda? — A pergunta fria me fez gelar o sangue. Amelie não parecia atingida com nada do que fiz. — Porque você não é uma primeira boa o suficiente. A pressão que está ao seu redor, vai te quebrar em pedaços. Você não é um diamante. É só um pequeno e frágil pedaço de carvão. Por enquanto sou só a melhor esgrimista, mas você está na corda bamba com o Wanderley e se quiser sair, vai ter que superar a minha pontuação ou vencer os Escriptas nos próximos jogos e você não tem nenhuma das duas capacidades. E de fato, o papai não se importa comigo, a mamãe por outro lado... — Deu de ombros e senti a mesma coisa na garganta que senti com Bárbara. É ódio, não é? — E Carina escolheu você, mas no final do dia, eu estava lá. Eu. Eu fiquei para colar os cacos do que você fez. Não vou deixar a Bárbara chegar tão longe. O conselho que tenho para ela e para você, são idênticos. Se confiasse no primeiro, não tinha uma segunda opção. E você não chega nem a ser a segunda opção dos nossos...
— Amelie — A voz de Olivier interrompe a discussão e nossa irmã se abstraí do que dizia. — Não.
Quando que Olivier fez algo para interromper nossas brigas que não envolvesse tomar o lado de Amelie? Nunca. Então o que ela diria a ponto de nosso irmão considerar que eu não merecia escutar.
— Termina a frase. — ordeno.
— É melhor não — Ela se ajeita e olha para o rapaz. — Vamos subir? Não estou a fim de terminar essa discussão.
Com o silêncio do cômodo, eu ouço seus passos subindo a escada para seus quartos e aproveito para subir para o meu.
Mas a cada degrau que subia, mais as palavras ecoavam. O que ela quis dizer com não ser uma primeira opção boa? Eu era a melhor opção. Eu sou a melhor opção. Sou a primeira opção do papai, posso não ser a da mamãe, mas não ligo para o que ela pensa. O técnico Nascimento vai perceber que Amelie não pode continuar como capitã e eu permanecerei no poder e até mesmo Bárbara vai notar que não deve ficar com Amelie e continuaremos como estamos. Ou pelo menos é nisso que eu gostaria de acreditar.
Quando me olho no espelho, tudo que vejo é uma fraude. Uma casca vazia e sem sentimentos, que foi moldada para agradar um homem que se pudesse, nunca teria tido filhos. Então eu deixo sair. Eu grito até que o ar saia de meus pulmões. Eu grito até que minha garganta doa de tanto esforço. E eu grito até que minha dor seja reduzida aqueles ecos.
Tento não pensar em nada. Nem nas falas de Amelie ou no tipo de relacionamento que eu tinha com Bárbara. Nos próximos passos calculados para agradar papai ou no que deveria fazer para manter o meu relacionamento de fachada por mais alguns meses. Ou até mesmo no que faria para agradar Bárbara.
Eu não sou lésbica. Não posso ser.
Tinha isso em mente quando peguei meu telefone e tirei seu contato dele, assim como a excluí de tudo que estava inclusa. Nossas conversas e principalmente suas fotos.
É o seu toque que me traz de volta para a realidade. O toque característico de Bárbara: Eu Quem não Quis. Sua foto não estava mais lá, mas eu sabia quem era e como tocava o toque dela? Eu apaguei o número. Se eu pensasse demais nisso, eu iria me perder.
Então peguei o telefone e vi que era uma mensagem.
O que está fazendo?
Bárbara Lima|15:00
Eu li, mas não sabia como responder. Estava até agora tentando digerir o ódio contra minha irmã, gritando e querendo quebrar minhas coisas.
Por que quer saber?
Helena|15:01
Minha mãe vai passar um tempo a mais na floricultura.
Bárbara Lima|15:01
Depois da mensagem é que lembro que mesmo após a dita herança milionária de Bárbara, sua mãe juntou algumas economias e juntou com uma prévia deixada pelo pai da garota para suprir as necessidades financeiras das duas até a maior idade da garota. A quantia deixada era mais do que o suficiente para mulher nunca mais ter que trabalhar. Por que gente pobre nunca aproveita as coisas boas da vida?
Não sabia que me considerava uma companhia. Pelo menos, não quando minha irmã está na cidade.
Como você mesma disse, ainda pode tê-la, não é?
Helena|15:02
Ela te deixa tão insegura assim?
Bárbara Lima|15:02
Essa eu não respondi.
Não importa. Nós temos que conversar, Helena.
Bárbara Lima|15:03
Leio sua mensagem e ignoro jogando o telefone pro lado. Depois de um tempo de reflexão, me levanto da cama e sigo para tomar banho e me vestir. Mas tinha que ser a roupa que dizia: “olha o que vai perder se se envolver com Amelie”. Minha maquiagem tinha exatamente o mesmo propósito.
Assim que saio do meu quarto vejo meu pai chegando correndo e me abraçando com tudo. Meus irmãos estão no final do corredor com uma cara de desgosto, então aproveito e abraço Montel com força. Queria que os dois sentissem que nunca teriam uma boa relação com ele.
— Você está bem — diz a voz com um forte sotaque francês. — Eu achei que tinha se machucado.
— Eu estou bem — Me separo dele e sorrio em conforto. — Vou precisar sair. Minha amiga e eu temos que conversar.
— E vai sair com essa roupa? — Vejo Amelie levar a mão a boca e esconder sua risada. Olivier vira o rosto para o lado na sua tentativa.
— Volto antes das 9:00, prometo — Deixo um beijo em sua bochecha e encaro meus irmãos. — E vocês dois se comportem.
— Eu sou mais velha que você — disse Amelie.
— E vamos lembrar quem nunca teve que responder uma única reclamação por barulho ou insubordinação — disse Olivier. — Ah, é mesmo. Eu.
— Que amiga é? — pergunta papai. — A caipira loira? Se for, é estranho ir lá, ela sempre está aqui com aquele garoto... como é o nome dele? — Dou de ombros. — O garoto irritante que quase sempre está cheirando a peixe.
— A garota caipira tem nome, pai — Amelie atrai a atenção dele. — O nome dela é Bárbara Lima.
— E o garoto não é irritante — rebate Olivier. — O nome dele é Milo Castello e eu gosto dele. Acho ele legal.
Reviro os olhos para eles e vejo nosso pai transforma sua expressão em desgosto puro.
— Diga a ela que mandei um “oi” e um beijo. — Provoca minha irmã com aquele sorriso diabólico.
— E se o Milo estiver lá diga que quero ver ele amanhã.
Eu ignorei sua provocação. Montel parecia ter recebido a gota d’água... de ambos.
— Quantas vezes teremos que falar disso nessa casa, Amelie e Olivier? — Ele grita e se vira furioso na direção deles. Não posso negar que sorria com a cena. — Não precisam nos lembrar dos seus costumes e hábitos libidinosos nessa casa. Já sabemos, vocês nasceram com esses... desvio. Deixem os amigos da irmã de vocês em paz.
— Ah, papai — Ela ri e começa a andar na nossa direção. — Acredite, a boiolice do Olivier pelo Milo e a minha mensagem amigável para Bárbara são os menores do seus problemas. Não é com a gente que deve se preocupar, como de costume.
— Eu esperava mais de você. — disse papai olhando para Amelie. Nossa irmã cruzou a frente de Olivier e ficou ali servindo de escudo humano caso o papai resolvesse partir para agressão, mas também tomou passos e deu leves tapas no rosto do nosso pai.
— Eu também esperava, afinal, foi você quem me ensinou. — Au. Essa foi certeira.
Montel parou de contrair a testa e se espantou pelas palavras. Ele procurou uma cadeira para se sentar e não achou. Ele se escorou na parede e soltou um riso desacreditado pela boca.
E como sempre, ela ganha a porcaria da discussão.
Seu olhar cruza o meu e minha vontade de morrer aumenta. Não me entenda mal, eu quero matá-la muito mais, só que se papai entendesse a mensagem eu preferia morrer. Mas não sem matar ela primeiro.
Ele ficou tão chocado que nem ligou para minha saída para pegar meu carro na garagem e ir até um dos bairros afastados da cidade onde Tipora ficava. Na garagem eu escolhi o carro mais discreto que tinha para não correr o risco de ficar marcado na mente daqueles moradores favelados e correr o risco deles saírem por aí contando e isso acabar chegando em Montel.
Assim que me sento e começo a dirigir, e pela terceira vez nesse dia, as falas de Bárbara ecoam pela minha mente. Ter minha irmã? O que ela quis dizer com “ainda posso ter sua irmã”? Por que ela cogitaria a ideia de ter Amelie quando eu sou, obviamente, a melhor escolha!
Depois de uma guerra com meus pensamentos eu me percebo parada na porta da casa simples que ela dividia com Lívia, sua mãe. Eu me preparo para tocar a campainha e em seguida a porta é aberta por ninguém menos que a adorável Bárbara segurando um gatinho laranja.
— Você tem um gato? — Puxo assunto enquanto tento fazer carinho nele. — Ele parece com você, sabe? No pelo...
— Ele não é meu — Me interrompe com uma voz séria. — O Bisteca é de uma das crianças que o Milo é babá. — Evito rir do que disse. Quem raios chama um gato de Bisteca? — Só... entra.
Assinto e quando passo pela porta, vejo a chance perfeita de agarrar sua cintura, virar ela para mim, beijá-la e fazê-la se desculpar por tudo que me disse hoje mais cedo. Mas minha animação morre quando vejo uma figura de cabelos castanhos escuros sentado em uma das cadeiras da mesa.
— Milo — digo e ele sorri para mim. Era o sorriso mais hipócrita da vida. Quando Bárbara se virar para mim, a pergunta sai. — O que ele está fazendo aqui?
— Eu não te chamei para outra coisa, Helena — Tinha algo de errado na voz dela. — Eu te chamei para conversar. O Milo vai ficar aqui, na sala, mas vai ouvir o que acontece lá em cima.
— E se as coisas evoluírem?
— Num vão. — Ah não. Aquele sotaque horrível que ela tinha quando nos conhecemos. Bárbara morava em um ilha longe da civilização. Quando chegou aqui o seu sotaque ainda era forte e marcado. Ela fez muitas aulas de português com a Elizabeth Webber (É, a professora de química também era formada em português), só para perder algumas manias dele. Eu odeio esse sotaque. — Milo, a gente vai subir agora. ‘Ocê fica de olho pra mim?
O garoto deu uma piscada e concordou com a cabeça.
Depois do que pareceu uma eternidade nós chegamos ao quarto de Bárbara que deixou a porta entreaberta para que o garoto pudesse nos ouvir. Ela pareceu pegar uma boa lufada de ar e quando me encarou, apontou para uma das cadeiras da cama para que eu sentasse. E eu faço.
— Me desculpe — Oi? — Eu não deveria ter dito aquilo sobre sua irmã. Devo ter magoado você. — Sim. Mas não me irrito com você por muito tempo. E a voz parecia livre do sotaque da ilha.
— Não foi a melhor coisa para se ouvir. Especialmente depois de como o técnico Nascimento falou comigo. — Mantenho minha postura. — Está desculpada.
— Sua vez.
— Como é que é? — pergunto com uma leve indignação. Eu não tinha feito nada de errado.
— Disse que é sua vez de se desculpar. Sabe, por me tratar que nem lixo e me ignorar constantemente na frente das pessoas. De deixar suas amigas e seu namorado fazerem brincadeiras sem graças e piadinhas comigo e com o Milo. Sabe? Tudo isso.
— Não — A decepção em seu olhar, era indescritível para mim. Nunca tinha visto aquilo nos olhos de ninguém quando se tratava de mim. — Se convivesse com meus pais saberia do porquê eu ser assim. Porque preciso do Wagner, das notas altas, da popularidade. A vida perfeita.
— Então é assim que vai ser? — Ela fecha os punhos e anda até ficar bem na minha frente. Eu prefiro perder o amor de uma garota que só tem seis meses comigo do que o do meu pai que conheço minha vida inteira, quem me colocou no mundo e me criou. — Você pretende mesmo se fingir de hétera sua vida inteira? Mentir para tudo e todos? Porra! O que há de errado com você? Acha mesmo que vai conseguir fugir disso?
Eu fecho meus punho e me levanto da cadeira com tudo empurrando a garota até que bata na porta e feche-a.
— Eu não sou como você, Bárbara — Trinco meus dentes e deixo as palavras saírem por entre eles. — Não sou lésbica, entendeu?
— Claro — Seus olhos lagrimosos me encaravam e me via refletida naquelas lágrimas. — Você é uma homofóbica enrustida em Nárnia. É insegura e vive para agradar seu pai, porque sua mãe não quer nem ver no que ele te transformou.
— Quer falar de mãe? — provoco. — Que tal falarmos da sua que em toda a oportunidade te bate, te espanca, te deixa roxa de todas as formas possíveis. E se soubesse com quem você se encontra e quem você beija, te mataria a pancada só para que não entrasse mais nessa casa.
— Você sabia? — pergunta assustada. — ‘Ocê sempre soube e nunca fez nada! Nunca perguntou sobre nada! Nunca fez porra nenhuma pra me ajudar! — Ela bate no meu peito com força e sinto minha cintura bater na escrivaninha. — Você não é insegura a respeito dos seus irmãos. Você tem inveja da liberdade que eles tem. Você só é a porra de uma covarde do caralho para fazer a mesma coisa. Talvez seja insegurança e ela vem daí, não?
Fecho meus olhos e meus punhos sentindo uma vontade colossal de bater nela só para que cale a boca. As lágrimas começam a descer pelo meu rosto e o nó na garganta volta.
— Vocês não criam uma sexualidade nova a cada respiro do mundo? Talvez a minha ainda não tenha sido criada. — Eu sou a garota católica perfeita, filha de um francês com uma brasileira. Tenho o melhor das duas etnias, eu não aceito nada disso. — Não quero a liberdade de Amelie nem por um caralho! Ser a vadia, prostituta em cima de um muro alto que ela é. Não vou ficar em cima do muro e meus princípios dizem que é errado e não natural. Você é minha diversão, Bárbara. Mas é isso, apenas isso. É divertido.
Ela avançou com raiva e segurou meus ombros me lançando contra a porta e fazendo uma barulho alto. Suas mãos se envolvem no meu pescoço e o apertam.
— Negue o quanto quiser sua atração, ela vai te acompanhar a vida inteira. Não é você estar no armário o problema, são suas falas. Por mais que tente agir como eles, age como uma vagabunda se está comigo e eu não transei com você.
Ela me solta e no segundo seguinte a porta é aberta com tudo quase me jogando no chão do quarto.
— Bárbara, você está bem? — Milo pergunta entrando no quarto e tocando no rosto dela, virando e vendo se eu não tinha feito nada.
— Não — Tudo que ouço são as palavras iradas de Bárbara carregadas naquele sotaque. — A Helena já tava indo imbora, né, Helena? — Eu vejo sua expressão triste, sua voz trêmula e tudo por culpa minha. — Sai da minha casa agora, Helena!
Não questiono seus gritos e logo deixo a propriedade.
Quando entro no carro eu agradeço a película escura para poder bater no volante e deixar minhas frustações saírem em formas de gritos e choros altos. Eu não namorava Bárbara. Nem sequer considerava a possibilidade de sair de mãos dadas com ela. Mas dentro daquele carro eu sinto o nó aumentar. Não era ódio. Era dor, amargura e o pior de todos, tristeza.
Chapter 4: Ideias
Notes:
Olá, adivinha quem veio para o jantar?
Então, esse capítulo vai conter alguns mistérios, reviravoltas, gente brotando do chão e é claro um pouco de homofobia (Helena) além de uma interação de todos os Florence filhos e de Bárbara e Amelie, o que vai contribuir para ditar a dinâmica delas durante toda a história.
Ah, e para referências de leituras futuras, sempre que o sotaque da Bárbara for mencionado e tiver um erro de português nas falas dela, é o sotaque falando.
Boa leitura.
Chapter Text
[Amelie Florence]
O dia começava como quase todos os outros de quando estava em casa: um treino de esgrima no quintal com apenas eu e meu irmão.
Quando éramos mais jovens, nosso pai decidiu que seria bom termos uma educação corporal francesa, sem qualquer tipo de influência que ele julgasse errado. Então meus irmãos e eu, tivemos que praticar lutas, esportes e danças específicas francesas. Tivemos aulas de tiro com arco, esgrima francesa, Savate, Baton Francais, La Canne, Parkour e etc. E com orgulho eu posso dizer, que a senhorita perfeita dele não é boa em nenhuma das artes que envolva um direcionamento físico. Ou seja, ela é péssima. Olivier é mediano. E eu sou, com muita relutância dele em aceitar, a menina de ouro para essas coisas.
Enquanto meu foco é em defender meu rosto das investidas de Olivier, não consigo ignorar a cara fechada que ele fez quando começamos. Não me entenda errado, ele geralmente não fica com uma expressão fechada enquanto praticamos, ele tende a ser mais solto. Tem algo incomodando ele.
Espero ele realizar uma estocada para bater em sua lâmina e acertar sua cabeça com a ponta da espada.
— Droga. — disse.
— Agora, fala — ordeno tirando o capacete e focando meu irmão. — Você está desgostoso desde que o treino começou. Fala.
— Você ia dizer a verdade para ela? — A pergunta veio de uma vez só e quase não me situo no que ele quer. — Ontem, na sua discussão com a Helena. — Ah, sim, lembrei. — Você teria mesmo a coragem de dizer a verdade?
— Que ela é adotada? — Seu rosto mostra um leve descontentamento. — Que se não fosse a insistência da mamãe para que o papai aceitasse a garota bonitinha que ela viu, ela nunca estaria nessa família?
— Amelie — Ele soltou seu equipamento na mesa perto de onde estávamos. —, nós prometemos para a mamãe que não contaríamos a verdade. Se um dia Helena descobrir tem que ser por conta própria. Para todos os efeitos, ela é a segunda filha do casal Florence.
— Eu já disse que acho isso uma palhaçada — Solto minhas armas. — Ela merece a verdade e anote minhas palavras, se ela descobrir sozinha vai ficar muito mais puta com a gente.
— Não disse que não concordo com você, apenas lembrei que temos que cumprir uma promessa.
— Imagine o quão sem chão ela ficaria ao saber que toda essa preferência que o papai tem por ela, é meramente porque nenhum dos filhos de sangue foi “bom” ou “correto” o suficiente para ele. — Vi ele respirar fundo e dar uma risada. Acho que estava imaginando a cara que ela faria ao saber.
— Mesmo assim não acharia certo que a maneira que ela descobrisse seja porque nossa irmã jogou na cara dela durante uma discussão sobre uma garota.
— Não qualquer garota, Olivier. A garota.
— Tivemos essa situação antes, Amelie e não acabou bem — E mais uma vez as memórias de Carina aparecem na minha mente. Balanço a cabeça tentando deixá-la de lado por hora. — Você lembra o que aconteceu. Lembra de cada montanha-russa que foi. Por que repetir a mesma situação de novo, irmã?
— Porque, Olivier, eu sou claramente o tipo egoísta que se apaixona pela “namorada” da irmã. — falei um pouco mais alto para ele, enquanto abria a jaqueta que usava.
— Está gostando da Bárbara? — perguntou em um tom assustado. — A Helena vai querer te matar.
— O que você achou que foi toda a nossa briga ontem?
— Era o que me faltava — Solta uma risada um pouco alta. — Helena Bolsonaro e você, Amelie Lula da Silva. Função: quererem a mesma garota.
— Você não presta. — Ri junto com ele.
— Olha quem fala.
Depois de uns minutos rindo, a expressão dele se fecha mais uma vez e aqueles olhos castanhos se viram para mim.
— Da última vez que você e Helena brigaram pela mesma garota, acabou muito mal — Será que podem parar de me lembrar o que aconteceu com a Carina? — Você, Amelie tem que ser muito cuidadosa, porque Helena não vai ser. E sabe como é a nossa irmã. Ela pisa em cima dos próprios sentimentos para satisfazer o papai e para garantir que você vai perder. Ela pode usar a Bárbara para te atingir.
— Eu sei. Como você tem pontuado tão bem hoje, já aconteceu antes. — Mordi meu lábio inferior quase tirando sangue dele. — Não vou deixar ela chegar a tanto.
— Só pense em não machucá-la. Ela parece gostar mesmo dessa garota. — disse atraindo minha atenção em definitivo. — Quer dizer, você viu o estado que ela chegou ontem à noite. Seja lá o que a Bárbara disse, atingiu o fundo do coração daquela piranha — se é que ela tem um.
— Estamos realmente pondo em consideração que a Helena gosta de verdade da Bárbara?
— Amelie!
— O quê? É uma pergunta válida. Também acreditamos que ela gostava de verdade da Carina e quebramos a cara.
— É diferente.
— Eu não vejo como.
— De qualquer forma — Ele aumenta um pouco o tom. — Essa situação vai ser horrível tanto para Bárbara quanto para vocês. Vocês porque vão se matar mais do que o normal e para a Bárbara que vai acabar quebrando um coração ou dois. Quando ela escolheu a Helena, você nunca chegou tão fundo no poço, Amelie.
— Dessa vez é diferente — Sua sobrancelha levanta. — Se eu perder a Bárbara para a Helena... eu vou preferir a morte do que encarar minha irmã.
— Confio nisso — Sua expressão preocupada permanece, mas também muda de tom. Estava mais suave. — Eu vou ser seus olhos e ouvidos quando não estiver por perto. Qualquer coisa que diga respeito a você, a Bárbara ou a Helena, eu vou saber.
— Acredito. Eu também vou passar a olhar por onde ando e quem vou provocar. — Com seu aceno positivo, vejo minha deixa. — E se você quiser, eu consigo pegar algumas coisas do Milo.
— Eu te odeio.
— Eu também te odeio.
Com uma leve cotovelada em sua costela, ele me acompanha em uma gargalhada pesada.
Olivier esteve do meu lado quando eu me assumi e eu estive ao lado dele na sua vez. Ele é meu irmão caçula, e assim como Helena, eu os amo e quero o melhor para eles. Só que ás vezes, o melhor envolve contar coisas que eles precisam saber antes que seja tarde demais.
Outra coisa que perseguia minha mente foi o horário que ela chegou ontem. Olivier não estava totalmente errado, o que quer que tenha sido a conversa afetou nossa irmã. O que quer que Bárbara tenha dito desestabilizou Helena totalmente. Foi o suficiente para que voltasse para casa chorando. Nós estávamos acordados quando ela entrou chorando, com a maquiagem borrada e as mãos vermelhas.
Nós entramos para tomar banho e nos trocarmos porque estava na hora do café, e teríamos que ir para o colégio em uma hora, então não existia horário melhor para uma conversa em família. Isso é claro se você considerar família, você e seus irmãos caçulas. Nossa mãe não estava em casa e nosso pai tinha ido trabalhar.
Helena estava sentada na cabeceira da mesa, no meu lugar; por isso me sento na outra ponta, no lugar do papai e seus olhos se levantam para me julgar pela minha atrocidade. Todavia nenhuma palavra foi dirigida a mim.
Qual é o melhor jeito de perguntar o que acontecer sem me levar a uma sessão de vale tudo com socos e ofensas?
— Você está bem?
— Não — disse em grosseria com a cabeça baixa. — E não é como se importasse para você, Amelie.
— Nós ouvimos quando chegou ontem — Cortou Olivier antes que eu pudesse responder de forma agressiva. — Ainda estávamos acordados.
— E nosso pai pediu para vocês perguntarem sobre mim? — Ah irmã, eu sei o que é isso. Carência paterna.
— Não — Minha vez de ser ríspida. — Depois que você saiu ele se afogou em trabalho e dormiu que nem pedra, nem se importando do fato de você não ter chegado em casa. Eu e Olivier ficamos preocupados com a sua demora e ficamos esperando a sua volta. — Ela solta uma risada de desgosto e solta o talher na mão. — Você estava com aquela garota ontem?
— Por que quer saber? Não acho que minhas companhias digam respeito a você. — Cruza os braços e se reclina na cadeira.
— Eu não me referi a Bárbara, Helena. Eu falei da Clarissa.
— Clarissa Leão? — Aceno positivo para Olivier. — Ela é perigosa, Helena. Você tem que ficar longe dela.
Nosso pai nunca foi presente e quando nossa mãe começou a trabalhar, Helena se sentiu sozinha no mundo, o que era ridículo uma vez que eu e Olivier sempre estivemos do lado dela para qualquer coisa. E quando nosso pai começou a sua aprovação efetiva sobre nossa irmã, ela se afogou em analgésicos e medicamentos para melhorar sua concentração para realizar as provas e os analgésicos para não sentir as dores dos treinos puxados.
Foi nessa época que conhecemos a Carina Leone, e nessa época minha irmã conheceu Clarissa Leão, a fornecedora. Minha irmã não lida bem com a pressão, então um dia ela surtou e tomou mais do que deveria indo parar no hospital. Enquanto adolescentes de 16 para 17 e de 14 para 15 anos estavam ocupados curtindo festas, beijando na boca, fugindo dos pais para ir para a balada, eu subornava um médico para que ele encobrisse a overdose de Helena e Olivier apagava os arquivos para que ele não tivesse provas para pedir mais dinheiro.
— Sei que não se importa com nada do que aconteça a mim ou ao nosso irmão, mas eu tenho observado e cuidado de você, sabe por quê? — Apoio minhas mãos na mesa. — Porque é minha irmã e é minha responsabilidade. Eu te amo, Helena. Vê se dá um jeito na sua vida e se cuida. Não faça nada na porra da sua vida que te leve a uma morte precoce. Papai ficaria arrasado.
Ela abaixou a cabeça mais uma vez e com um alto suspiro, seus olhos lacrimosos me encararam.
— Eu fui na casa da Bárbara e ela me pediu desculpas.
— E por que você estava chorando? — perguntou Olivier.
— Porque ela queria que eu pedisse também. E me recusei. Não fiz nada errado.
— Quando você diz isso é porque está errada para caralho, mas prossiga.
— Ela acha que eu sou... — Esfrega suas mãos com receio de dizer as próximas palavras. Puxa o ar e enche seus pulmões. — Lésbica. Óbvio que não, era mera curiosidade. — Ah meu anjo. É claro que você é lésbica, Alecrim Dourado! Olho Olivier de canto e meu irmão tinha a mesma expressão. — Eu nunca ficaria com alguém como ela, é... nojento.
Reviro os olhos pensando nas palavras certas para não ofendê-la durante nosso diálogo.
— Então você não sente nada pela garota que beijou várias vezes, por vontade própria? A garota que te deixou chorando? — Ri e realizei uma negação com a cabeça. — Você é um tipo bem estranho de Queer.
— Eu não sou gay! — Ela bate na mesa com tudo e ajeito minha postura me preparando para a faca que ela lançar em mim nos próximos segundos.
— Tudo bem — Levanto minhas mãos em rendição. — Talvez você se encaixe em Questionador, ou em Simpatizante.
— Você realmente não sente nada pela garota que beijou diversas vezes? — questionou Olivier.
— Não. Eu não sinto nada além de pena.
— Então, isso não passou de uma grande obra de caridade? — pergunto com provocação. — Vai financiar o aumento das portas da casa do Wagner? — Sua sobrancelha arqueada me mostra sua dúvida pela pergunta. — Sabe, é só para ele conseguir entrar e andar pela casa sem bater os chifres dos seus atos filantrópicos.
— Amelie! — ralhou Olivier.
— Ela quem começou com a história de pena — Ele bufa tentando esconder a risada e encaro minha irmã em negação para mim. As próximas palavras em minha mente foram pensadas com cuidado desde o início deste café. A discussão tinha sido com Bárbara, e Helena voltou chorando. Será? — Vocês terminaram?
Helena me encarou incrédula e com uma risada amargurada estampando seu rosto.
— Não aja como se não fosse o melhor dia da sua vida.
Sendo honesta, era sim. Pensar que minha irmã já estava sendo jogada para escanteio e eu poderia ter o meio de campo para mim, e isso sem precisar fazer praticamente nada é estar nas nuvens. Mas eu tenho coração. E embora minha irmã queria mostrar que sou insensível, eu me importo se estou quebrando o coração dela com as minhas escolhas.
— É sim — respondo. — Se eu for eleita capitã ainda vai ser o melhor dia da minha vida.
— Vai pro inferno, Amelie — Helena se levanta e quase que como um raio ela sai pela porta da sala. Só que seus passos voltam e sua cabeça aparece no batente nos encarando. — O que você ia dizer para mim ontem na discussão?
Encaro Olivier que nega com a cabeça e me direciono para minha irmã mais nova com um sorriso falso.
— Eu ia dizer algo na discussão de ontem?
— Não — responde o garoto. — Não ia dizer nada. Deve ser impressão sua Helena.
— Bem, já que fomos esclarecidas, vamos andando que temos que chegar no colégio.
Ufa! Como eu disse, cretina? Sim. Entretanto, eu tenho um coração.
Helena teria que descobrir por conta própria, isso não significava que ela teria mais facilidade de aceitar a mentira.
A nossa ida a Tipora rendeu um silêncio constrangedor no banco de trás do carro.
Todos nós, além do uniforme, usávamos uma jaqueta branca com um E de Esgrima no peito e atrás escrito em caixa alta “FLORENCE”. A jaqueta era do time de esgrima e em época de torneio tínhamos que ir com ela para o colégio, só para evitar confusão entre os times; cada time com sua cor. Junto a ela, tinha o broche personalizado que nosso pai tinha mandado fazer depois que entramos na equipe. Fazia parte do visual.
Nós saímos do carro e Olivier é o primeiro a se despedir indo para o prédio dos Veritatis, não antes de acenar para Milo ao lado de Bárbara. Meu olhar se cruza com o da garota que me lança um sorriso tímido antes de encarar Helena. Elas seguram a tensão por alguns segundos antes de Bárbara quebrar o contato e entrar no prédio. Minha irmã consegue entrar no prédio, mas antes que eu o faça, meus pulsos são agarrados pelas mãos um pouco grossas da loira.
— Eu... — O receio de terminar a frase é praticamente palpável. — Eu queria conversar com você.
— Vem comigo.
Eu a levo até a quadra de esgrima dos Realitas que está vazia de manhã e aponto para que ela se sente na arquibancada.
— Então — começo. — O que é tão importante a ponto de ir me buscar na entrada do colégio? Espero que seja um motivo muito bom, estou perdendo a aula de química e a Liz vai atirar em mim com o sinalizador da sala.
— Vai ser rápido e não acho que a senhorita Webber faria isso.
— Ela já fez. — Sua carinha de confusa é tão bonita quanto o seu rosto normal.
— Sua irmã não aceita a própria sexualidade — Ela começa o assunto em questão. — E eu quero sua ajuda para deixá-la confortável em ser quem é. Quero que me ajude a mudar isso. — Eu comecei a rir de maneira tão alta, que quem passasse pela quadra podia jurar que eu estava sendo torturada com cócegas. — Eu estou falando sério, ‘Melie. — Paro de rir aos pouco percebendo em como ela me chamou. Bárbara Lima tinha sotaque? — Eu quero que sua irmã queira estar comigo e se sinta confortável em estar comigo.
— Olha, eu entendo — Tento ignorar o seu sotaque fofo. — Que dado o que aconteceu ontem você queria mudar as coisas. Não vão mudar, Bárbara.
— Ela te contou o que aconteceu? — Seu medo era visível, ainda mais se você olhasse nos olhos por muito tempo.
— Sim — digo. — Ela me contou da briga e do que quis que ela dissesse, que pedisse desculpas pelo que fez, mas segundo minha irmã, ela não estava errada. — Ouço a risada de descontentamento. — E sobre o término de vocês, eu queria dizer que sinto muito, mas não. — Aqueles olhos dourados me encaram em um flash e tudo que posso fazer é ofertar um sorriso amigável. — Minha irmã não vai mudar e se mudar, não vai ser agora. Eu vejo que você claramente ama minha irmã, mas não muda nada. Tente conviver com ela dia após dia. É como morar com um militar reformado, conservador e presidente da república. Meu conselho, é que desista. Investir nesse relacionamento, a longo prazo vai destruir você.
— Isso é o que ‘ocê tá dizeno! — A raiva transborda seus olhos e o sotaque começou a ser mais audível. Ela se levanta em fúria e se aproxima de mim. — Ela só precisa de consciência. Helena só precisa ver que eu valho a pena!
Deus, é como ver a Carina na minha frente. É como viver tudo de novo.
— Puta que pariu — Meu grito chama sua atenção. — Eu já vi isso acontecer! Eu já passei por isso! Eu já vi uma pessoa amar tanto a minha irmã que achou que poderia fazer ela enxergar a verdade, e adivinha Margarida? Isso só a matou aos poucos. Eu vi uma pessoa que eu amava se destruir para tentar ajudar a minha irmã. Eu vi ela escolher a minha irmã por amor e testemunhei cada pedaço dela que Helena destruiu até que não sobrasse nada para ser arrancado dela. — É como se saísse de mim a inveja que tenho de Helena. Eu não sou a irmã por quem as pessoas se apaixonam. Eu sou a problemática ou a divertida. Nunca a escolhida. — Você não é a primeira, Bárbara, e nem vai ser a última. Ela não vai te assumir e nem sequer a si mesma. Ela é covarde e egoísta, assim como eu, mas a diferença entre nossos egoísmos é que eu não vou permitir que ela faça com você o que fez antes. Helena te usou e foi divertido, mas acabou. Então pela última vez, tente colocar isso na sua cabeça: ela nunca vai te assumir! Procure outra garota porque ela nunca vai te ver dessa forma, entendeu?
Depois de tudo que deixei sair, eu percebo os olhos brilhantes de Bárbara. Ah, não. Eu a assustei. Ela está com medo de mim.
— Me desculpe — digo em voz baixa. Não quero levantar a voz para ela de novo. Não gosto de fazer isso, me sinto como meu pai. — Eu só acho que não deveria se destruir por alguém como ela.
— Você nem me conhece — Dessa vez ela tenta esconder o sotaque e volta a se sentar. — Por que se importa?
— Porque quando te olho — Me ajoelho a sua frente e me aproximo de suas mãos e peço uma permissão em silêncio para segurá-las. Ela não faz nenhum movimento para me afastar, por isso toco em suas mãos de maneira suave até segurar de forma leve. Se ela quisesse tirá-las, não teria resistência da minha parte. —, eu vejo alguém que não merece ser machucada por ninguém. Ainda mais se a pessoa for minha irmã.
O silêncio acompanha minha palavras e quando olha nos meus olhos de novo, ela tinha dúvidas.
— Então esse é o momento de realização que eu percebo que conheci a irmã errada no tempo errado? — A pergunta me pegou de surpresa. Eu me limitei a sorrir para ela.
— Quem sabe?
— Sua irmã foi a minha realização como lésbica — diz me encarando e aceno com a cabeça para que continue. — Ela foi o meu primeiro beijo que contou. Eu tive um namorado antes e eu nunca me senti com ele, como eu me senti sobre garotas. E na ilha onde crescemos é praticamente impossível ter um relacionamento sem que o vilarejo todo fique sabendo. Sem falar que a única igreja é católica e era pecado se relacionar com pessoas no mesmo sexo. Pensar que Milo e eu poderíamos gostar de pessoas parecidas sexualmente conosco era pensar alto. E quando chegamos em São Paulo e viemos estudar no Tipora, eu conheci sua irmã. Ela sempre pareceu rude e babaca, nossos encontros eram em lugares pouco movimentados e ela permite qualquer tipo de brincadeira idiota e sem sentido comigo e com o Milo. Além disso, ela constantemente me trata como uma raça inferior. Talvez eu só seja idiota.
A minha raiva batia na garganta. Eu queria achar Helena e soca-la até trazer razão para sua cabecinha desestabilizada. Mas não o faço.
— Você não pode tê-la — digo. — Mas pode se vingar dela por te fazer se sentir inferior só por ser você mesma. — Ela me observa totalmente confusa.
— Como? — Me olha aguardando a resposta e eu tiro minha jaqueta e meu broche. Ponho a jaqueta sobre seus ombros e espero ela voltar a me olhar. — Como eu faria isso?
— Namora comigo — Bárbara me olha com uma mistura de susto e incredulidade. Ela faz a menção de se levantar para sair e eu apenas aperto suas mãos. Não queria machucá-la, só a impedir de correr. — Não precisa me dar essa resposta agora. Eu quero que pense. — Acena antes de querer tirar minha jaqueta. Minhas mãos seguem automaticamente para seus ombros deixando-a ali. — Não tira. Essa jaqueta vai te proteger. Vai evitar que as pessoas queiram implicar com você. Se puder andar do lado do Milo com ela, será melhor para ele também. A não ser que ele queira pedir a jaqueta do meu irmão. — Arranco um riso soprado dela. — E para ficar melhor... — Ponho o meu broche de espadas na lapela da jaqueta. — Assim, quem te olhar sabe que está sobre guarda de um Florence. — Bárbara me encarar com olhos amáveis, mas transbordando de dúvida. — Posso?
Com muito receio, ela concorda com a cabeça e eu me levanto deixando um beijo no topo de sua cabeça e um em sua testa.
— Eu vou esperar a sua resposta.
Dito isso, saio da quadra e ponho minha mão no coração assim que sumo de sua vista. Bárbara mexia comigo de uma forma que eu não esperava.
Só tinha me sentido assim com Carina e ainda com a italiana as coisas eram diferentes. Bárbara me tirava do chão e me colocava nas nuvens. Eu conseguia entender como minha irmã deixou sua homofobia escondida para beijar a garota, mas não como ela poderia recusar assumir um relacionamento com Bárbara.
Ela magoou a garota e por isso, eu iria magoá-la.
Assim que chego ao campus do colégio para ir para minha aula de química, me deparo com uma figura diferente que não deveria estar lá. Uma figura baixinha de cabelos pretos e roupas escuras. Ela olhava para o horizonte e observava a conversa de outras duas pessoas.
— Yuki? — chamo e vejo a japonesa virar para mim com um sorriso largo.
— Amelie!
— O que faz aqui, sua louca? — Corri até ela e a abracei tirando-a do chão. — Achei que ficaria no Obscurité por mais algum tempo.
— Eu também, mas eu e o Dom conseguimos uma bolsa para a sede de São Paulo. — Dominic Sy Pierre era outro que conheci durante meu tempo estudando no colégio Obscurité na França, uma figura. Yuki não tinha mais de 1,60 de altura, seus olhos são azuis claros e na minha frequência encontrando ela, nunca tinha boas notícias.
— Por que eu sinto que não estou preparada para a notícia que vai me dar?
— ‘Tá tão na cara assim? — Aceno com a cabeça. — Não viemos sozinhos. Quer dizer, viemos sozinhos, mas não fomos só nós que transferiram.
— Yuki...
— Eu e o Dom temos que estar no aeroporto em dois dias para a chegada da terceira.
— Quem está vindo?
— A gente não sabe, só sabemos que é alguém da família Leone.
...
Sabe a sensação de estar flutuando em um rio? Sentindo a água correr pelos seus dedos, ser levado pela corrente e não saber onde vai parar? Então um pouco de água respinga no seu rosto e você perde sua concentração afundando na água fria e se desesperando porque não sabe o que pode acontecer quando chegar na queda d’água em alguns metros. E você tenta se acalmar, porque você não quer morrer, mas acha que se acalmar é parar de lutar pela sua vida e o seu desespero não te faz ver o cipó na margem do rio, perto o suficiente para que o agarre e saia com vida. O seu desespero te faz cair para as profundezas do desconhecido sendo que 5 minutos de calma teriam salvo sua vida.
Muitas coisas podem ser feitas em cinco minutos, incluindo eventos agradáveis, como confessar o seu amor, abrir um presente ou comer uma refeição deliciosa, assim como eventos miseráveis como a morte, um crime violento ou um grave ataque de ansiedade... uma coisa que não pode ser feita em menos de cinco minutos é uma redação de dez páginas, uma palavra que significa “O pior pesadelo de um aluno”, e enquanto eu posso garantir a você, querido telespectador, que eu alcançaria um desses efeitos em cinco minutos lamento dizer que não foi a redação, mas sim o ataque de ansiedade.
Um Leone estava saindo da Itália para estudar no Ordem e com a minha sorte para esses assuntos, quem viria seria Carina Leone.
Chapter 5: Encontros e Cinema
Notes:
Estou de volta com um novo capitulo e esse saiu bem mais cedo do que eu esperava. Aqui nós veremos uma lésbica emocionada em seu habitat natural, além de — é claro — sua disputa assídua pelas duas alfas da região que a querem como parceira. Vemos também um gay iludido em seu cantinho e... opa! Aquele ali não é o crush dele? E o que mais teremos por aqui, cabe a você me dizer.
Para a vibe romântica, eu vou estar recomendando que ouçam In Your Eyes, do The Weekend.
Boa leitura.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
[Bárbara Lima]
Eu saí daquela quadra com muito para pensar. A ideia de Amelie era louca e beira a insanidade. Eu sei que ameacei Helena dizendo que poderia ficar com Amelie e ligar o foda-se para ela, contudo... não tenho coragem. Na verdade, eu nem pensava que Amelie realmente pudesse investir em mim. Já foi difícil conseguir uma garota nessa cidade, se eu conseguisse outra ia ser um milagre, mas da mesma família?
Certo, estou pirando por nada. A Amelie só me pediu em namoro.
...
Puta que pariu! Amelie Florence me pediu em namoro.
Ela cruzou a linha que não achei que ia cruzar. Não me entendam mal, eu sei que com ela eu teria a liberdade que nunca tive com Helena, é só que, em primeiro lugar: as chances dela ser igual, ou pior a irmã são altíssimas. Eu posso estar trocando seis por meia dúzia. Trocando a irmã ruim pela pior. E em segundo lugar, a Helena ia nos matar quando soubesse — literalmente e figurativamente falando.
Eu não ia arriscar.
— Eu te deixei muito pensativa. — A voz meio rouca me trouxe para terra firme. A platinada estava parada atrás de mim com um sorriso acolhedor, e se sentou do meu lado no gramado do colégio. Helena nem — no mais remoto e distante universo alternativo — faria isso.
— Você me pediu em namoro, Amelie. Isso faz uma mulher pensar.
— Eu diria que é uma situação onde nós duas saímos ganhando.
— Isto chega a ser absurdo. E honestamente? Eu não vejo como ganhamos.
— Você pode magoar minha irmã pelo que ela te fez, e eu posso me vingar dela. — Dá de ombros e eu começo a apertar a jaqueta sob minha mão, sentindo-a ficar branca.
— Então tudo não passa de um grande plano seu para punir sua irmã? — Dou uma risada amarga. — Eu deveria saber.
— Acredite quando eu digo que você não faz parte do meu plano de vingança, senhorita Lima. Você escolhendo ou não namorar comigo, eu ainda vou fazer Helena chorar e sofrer debaixo dos meus pés. — Encarou meus olhos com aquele sorriso e esticou uma de suas mãos para pôr um pouco do meu cabelo para trás da orelha. — Só que eu iria preferir muito mais se estivesse presente. Porque eu não vou deixar que ela saia impune pelo que fez a você.
— Por quê? — pergunto indignada. — Por que eu serei sua?
— Porque ela te machucou. — responde como se fosse a coisa mais óbvia da vida.
Eu sinto a dor no meu peito silenciando aos poucos. Amelie pode ser uma boa jogadora, pode saber exatamente o que tem que me dizer para me ter em suas mãos, mas nesse momento não me importava. O sorriso que ela me dava e a forma como me tratava, fizeram com que me esquecesse das brigas e das mentiras. Acho que era assim que a paz parecia. Durou até sua expressão endurecer e ela se levantar olhando para outra direção. Helena estava do outro lado do seu olhar com uma garota loira, elas pareciam conversar.
— Aquela filha da puta não foi expulsa?
— Quem? Sua irmã ou a Clarissa Leão? — Nossa senhora. Foi tão automático que nem pensei que Helena foi incluída junta no “filha da puta”. — Não que sua irmã seja uma filha da puta...
— Ela é, mas nesse momento eu tenho que ir lá.
Antes que ela vá, eu seguro seu pulso e a puxo de volta para mim. Seus olhos castanhos descem até onde minha mão está e depois se voltam para os meus. Ela bufa e volta a se sentar na grama desistindo da ideia. Com um sorriso satisfeito, me sento do lado dela novamente.
— Qual é o problema com a Clarissa?
— Nada — responde tranquila. — Ela só não é confiável.
Ah que maravilha, mais confusão para minha mentezinha. E se não me bastasse só isso, a minha atenção é dirigida a uma garota de pele de chocolate, cabelos cacheados, com um corpo visivelmente invejável andando até nós duas usando o uniforme da nossa equipe de torcida.
— Tivemos um problema com o campo, e o ginásio está em manutenção, então nós Realitas vamos ter que ficar com a quadra de esgrima. — Ela desvia a atenção para Amelie. — Avise a equipe.
— Não deveria estar dizendo isso para minha irmã, Eleonor?
— Ah, faça-me o favor, Amelie. Você acha mesmo que alguém vai obedecer sua irmã agora que você voltou?
— Que seja — Deu de ombros. — Vocês Realitas vão ficar com a quadra, e quanto aos de Tipora e os Veritatis?
— Está perguntando a pessoa errada. Sou só a garota de recados.
— Pode ir, eu vou comunicar a equipe — Assim que a garota deu de costas, Amelie voltou a gritar. — E eu achei que já teria saído do Ordem.
— Sabia que nunca entendi essa divisão.
— Que divisão? — perguntou sem tirar os olhos de Helena conversando com Clarissa Leão, a garota ao meu ver era inofensiva.
— Veritatis, Realitas, Tipora. Sem falar nos colégios por fora.
— É bem fácil. O colégio Tipora é filiado a Ordem, que tem três divisões: Veritatis, Realitas e nós, Tipora. Os Veritatis são comumente os inteligentes; Realitas são esportistas e nós de Tipora somos os indecisos, os que tendem a jogar para os dois lados.
— Certo — Volto a prestar atenção em como ela estava e Amelie fechou as mãos na grama com tanta força que parecia que seus punhos quebrariam a qualquer momento.
Tudo bem, eu não achava que precisava de contexto antes, agora eu com certeza preciso.
— Você vai me dizer quem era, ou quem é? Porque está olhando ela como se quisesse matá-la ou atirá-la do terceiro andar.
— A garota de postura arrogante e atraente que veio aqui era Eleonor Pimentel, o primeiro beijo de Helena. Minha irmã quis me matar porque eu quem peguei as duas no flagra quando aconteceu, ela não queria que descobrissem seus casos de ensino médio com as garotas. — disse e a encarei surpresa. Meu peito voltou a doer com aquela pontada de ciúmes por Helena. — Agora o problema com Clarissa Leão é bem mais embaixo. Ela não é confiável. Então não interaja com ela, não fale com ela e se possível nem se aproxime dela.
Amelie parecia certa demais para ser uma mentira, ou meramente para encrencar com sua irmã. Aceno com a cabeça e tento pensar em outra coisa, mas não dá. A dúvida vai corroendo meu ser por dentro e se eu não souber, eu vou ficar pior.
— A... Clarissa... tem algo com a sua irmã? — pergunto com receio e a platinada volta seu olhar para mim levantando uma de suas sobrancelhas.
— Ciúmes, senhorita Lima? — Como eu quero quebrar a sua cara, patricinha, só para tirar esse sorrisinho. — Não sei se você vai se sentir melhor, mas pelo que eu sei ela não se envolveram nesse tipo. Mas se Helena soubesse o que eu sei, ela detestaria Clarissa tanto quanto eu.
Meu suspiro aliviado não passa despercebido por Amelie. Sinto seu olhar queimar a lateral do meu rosto, como se analisasse minhas expressões.
— Você realmente gosta da minha irmã, certo? — questiona me encarando. — É bom saber que outra pessoa além de mamãe, eu, Olivier e o idiota corno do namorado dela se importem com ela.
Sorri para mim e se levanta do gramado. Estende a mão em seguida para que eu levante com ela.
— Nós não vamos ter treino por causa dos Realitas, e não vamos dividir nenhum horário de aula hoje, então acho que isso é um até amanhã. — Aceno com a cabeça e ela deixa um leve beijo nas costas das minhas mãos.
Na sua saída ela tenta ignorar Helena e Clarissa; isso atiça minha curiosidade. O que Clarissa Leão havia feito para ela afinal de contas?
Se eu fosse pensar nisso agora eu teria uma dor de cabeça grave, então eu sigo até os vestiários para cortar caminho porque andar toda a extensão de Tipora e dar a volta para chegar até minha sala seria cansativo.
Quando vou sair do campo, não vejo nenhum sinal de Helena ou Clarissa, elas já devem estar em suas salas. Caminho alguns metros e chego na porta do vestiário, mas algo me impede de entrar: vozes de discussão. Me aproximo da porta e abro uma pequena fresta para poder ver o que estava lá dentro, ou melhor, quem. Era Eleonor Pimentel, a garota de mais cedo, mas ela não estava sozinha... Helena Florence estava com ela.
Eleonor parecia estar se despindo e era possível ver o olhar interessado de Helena a garota que ia ficar seminua na sua frente.
Merda, caralho, porra!
Me afasto da porta e saio correndo em disparada para o banheiro fundo mais próximo daquela área. Ele estava vazio, então só me tranco dentro dele. Talvez eu estivesse chorando, talvez eu quisesse socar aquela porta até a dor do meu peito passar, talvez eu quisesse bater em Helena até que ela pare de respirar, talvez eu esteja tão puta com o que vi que esteja realmente pensando em dizer sim para a proposta louca de Amelie.
Talvez eu só quisesse parar de sofrer.
Meus dedos acabam tocando no broche que está na jaqueta e minha mente não me lembra de Amelie pondo isso em mim, minha mente me lembra da primeira vez que vi Helena com esse broche, usando a mesma jaqueta e a dor expande. Tiro com raiva e empurro para minha mochila tentando me livrar de qualquer contato.
— Porra!
Por quê? Por que eu estava chorando?
Por que cacete eu estava me lamentando por alguém que só me desprezava? Alguém que só me tratava mal, que nem lembra que existo e quem nem ao menos tem algo comigo. Eu sou realmente uma trouxa.
Agora não adianta chorar, embora eu estivesse insegura de mim mesma e nesse momento foi tirado de mim a força o meu coberto e eu me sentisse como uma criança, eu precisava passar por cima dos meus sentimentos por Helena. Precisava superá-la, e era o que faria.
Saí da cabine e liguei a torneira para limpar meu rosto, na tentativa de esconder minhas lágrimas e me sentir melhor, mas não funcionou. Certamente eu estou me humilhando em vão para aquela... vaca, e ela estava se divertindo comigo e mesmo que eu cuidasse do meu coração, você sofre de uma forma ou de outra. Só que eu queria que ela pagasse. Quero fazer com que ela sinta tudo que estou sentindo agora, nem que isso significasse que eu namoraria sua irmã.
Aceito. Digo para mim mesma. Eu aceito namorar Amelie Florence.
Não que eu soubesse como um relacionamento saudável entre duas garotas era, não tinha muita gente onde morei e eu tinha certeza que não havia nenhuma lésbica. Os únicos gays eram eu e Milo. E quando mudei para São Paulo, o mais próximo que tive de um relacionamento foi beijos as escondidas e discussões frequentes com Helena.
Como é que eu vou fazer isso?
— Bárbara. — disse a voz cantada e provocativa de Pedro Nemiera, entrando pela porta junto com seus irmãos Vitor e Otávio, embora Otávio tenha ficado na porta.
— Agora não, Pedrinho. — respondi de forma rude e o rapaz continuou andando até parar do meu lado.
— O que a sapatão do colégio está fazendo aqui?
— Usando o banheiro feminino. A pergunta correta é o que você está fazendo aqui? — Não perdeu o sorriso e se sentou na bancada da pia onde estava fechando a torneira.
— Onde aquela sua sombra colorida? — disse para mim. — Cadê o Milo?
— Interessado nele? — Vi seu rosto se fechar e ele olhar para Vitinho que começou a acompanhar seus passos.
— Só queria saber quando ele vai embora e o Miguel vai vir para Tipora — Minha atenção é exclusiva para o rapaz. — Sabe, precisamos de um jogador habilidoso e o viadinho do Milo...
— Como é que é? — Viro irritada na sua direção e o seguro pela gola da camisa. — O que que ‘cê falou do Milo?
— Quer que eu repita? O viado do Milo... — Eu impeço ele de terminar a frase metendo um soco no seu rosto e jogando-o para trás com o impacto. — Filha da puta!
— ‘Ocê nunca mais fale de Milo na minha frente! — Rosnei e ele deu um sorriso cretino, mesmo com parte do lábio sangrando.
Pedrinho invadiu o meu espaço e segurou meu rosto entre suas mãos com força. Senti minha mandíbula doendo de tanta pressão que fazia contra ela. Seu dentre da frente era separado e quanto mais perto estava dele, mais podia analisar seu rosto e eu não gostava daquela proximidade.
— Você tem que aprender a respeitar o rei desse colégio. — disse cuspindo as palavras e me empurrando contra a parede. — E vai aprender.
A próxima coisa que sinto é um soco no estômago. O que precisam saber é que se for bem dado se perde o ar e eu perdi todo o ar dentro dos meus pulmões. Depois o golpe é dado do lado do meu rosto, eu acabo mordendo o interior da minha boca. O gosto de ferro é jogado em minha língua e por segundos, é tudo que consigo sentir.
No segundo seguinte a parede fria do banheiro é o que percebo. Pedrinho e Vitinho trocaram olhares antes que eu sentisse o mais novo me segurando e Pedrinho começar a socar minhas costelas. Eu não sei quando cai no chão, nem quando eles começaram a me chutar, só sei que em algum momento eles pararam e quando fizeram, eu senti minha boca cheia de sangue. Meus dentes deveriam estar vermelhos de tanto sangue e a dor no meu corpo era insuportável.
Enquanto estou no chão, com os olhos turvos de tantas lágrima, sangue escorrendo de cortes e dores intensas, eu só consigo pensar em Amelie dizendo que a jaqueta poderia me proteger. Eu queria aquela proteção. Eu precisava dessa proteção.
Quando pararam por alguns instantes, eu rastejei até minha mochila e enquanto tremia para abrir o zíper, eu ouvia a risada de Pedrinho. Suas provocações. Os nomes que saiam de sua boca. Eu chegava até a entender porque Milo o detestava, mas não porque ele e Miguel eram amigos.
— Não foge não!
Puxo de dentro dela a jaqueta branca de Amelie e o broche cai com um estalo chamando atenção. Abraço a jaqueta como se minha vida dependesse dela e não me importava de manchar ela de sangue.
— Porra — disse Otávio na porta. Ele chegou perto e pegou o broche, puxando os outros dois de cima de mim. — Deixa a garota e sai correndo.
— O quê? — exclamou Pedrinho, Otávio parecia mostrar o emblema para seus irmãos. — E daí?
— A jaqueta é da equipe de esgrima e esse é o broche dos irmãos Florence — A voz estava estranha, parecia com medo. — A Amelie vai comer o nosso cu!
— Não sabemos se é da Amelie. — disse Vitinho.
— É sério? — Otávio pôs as mãos na cintura. — A Helena é hétera, o Olivier é gay, a única sapatão é a Amelie.
Mesmo embaçado para mim, é possível ver que os três irmãos se encararam e Pedrinho virou para mim estalando os dedos.
— Então não vamos deixar testemunha. — disse Perinho voltando a ficar por cima.
— Pelo amor do pai, a gente tem que sair antes que a Amelie saiba disso. — gritou Otávio segurando o braço do irmão.
— Ah e vocês podem apostar que ela vai saber. — disse uma voz atrás deles e quando tentei me focar na pessoa, vi os cabelos escuros de Olivier.
Ele estava parado na porta, olhando para aqueles caras.
— Puta que pariu!
— Eu sugiro que deixem a garota aí e comecem a correr atrás de mim, porque assim que eu contar o que fizeram, nada vai impedir ela de exterminar vocês. — Vejo com dificuldade ele olhar para mim e piscar na minha direção, antes de virar e começar a correr.
— Peguem o filho da puta!
Foi a última coisa que ouvi antes de fechar os olhos e esperar que a dor passasse.
O piso gélido contra minha pele quente era tudo que tinha reconhecido nos últimos... sei lá, cinco minutos? Todo o resto era um borrão de cor pastel e vermelho. Nem tenho certeza se tem alguém me chamando de verdade, ou se é apenas um eco de desespero da minha própria mente.
— Bárbara! — A voz é distante e distorcida. — Bárbara!
Milo? O que ele estaria fazendo aqui? É o banheiro feminino.
— Puta merda! Quem fez isso com você? — Sinto as mãos do rapaz vasculhando meu corpo como se procurasse algo.
— Nã... — Pauso sentindo o sangue voltar para minha boca. — Não é... Não é relevante.
— Não é relevante? O caralho que não é relevante! Nós temos que ir para a enfermaria, Bárbara.
— Não, enfermaria não — disse segurando as mãos dele. — Eu não quero ver a Návia me julgando, ou pior, chamando a senhorita Webber.
— Você pode precisar de pontos.
— Não, Milo, por favor. Sem enfermaria. Não era nem para você saber. — Solto um suspiro pesado. — Como me achou?
— Olivier — falou juntando minhas coisas e me apoiando com as costas na parede. — Ele me disse para ir até o banheiro porque você ia precisar de mim.
Sinto um sorriso de canto adornar meu rosto. Olivier Florence tinha ido chamar o Milo para me ajudar. Ele era um bom rapaz.
Observo ele soltar um suspiro pesado e colocar algo macio contra o meu rosto. Um pano de algodão. Ele percorre todo o meu rosto limpando o sangue que restou nele. Eu não sei o tempo que fiquei ali, mas sei que Milo passou meu braço pelo seu pescoço e me ajudou a ficar de pé. Ele me levou até a saída e se sentou em um dos bancos, ficando do meu lado para conversar.
— De quem é jaqueta? — Ele perguntou e me mantive em silêncio. Não que eu tivesse vergonha de quem me deu ela, mas eu não queria que ele presumisse as coisas... mas ele presumiu o pior. — Bárbara, aquela piranha de novo não. Eu já disse que...
— Amelie me pediu em namoro! — disse de uma vez e Milo me encarou de olhos arregalados.
— Como é?
— A Amelie me pediu em namoro. — falo de maneira mais pausada e ele solta um risada incrédula.
— Pelo amor de deus, Bárbara — exclamou. — O importante é entrar para família Florence não importa com qual irmã, né?
— Você também quer fazer parte da família. — O alfinetei e ele cerrou os olhos para mim.
— Mas eu não tenho concorrência!
— Até agora não.
— Não me joga praga. — Apontou o dedo na minha direção e eu soltei um riso leve, mas foi o suficiente para que eu sentisse minhas costelas doendo. — A jaqueta é dela?
— É. Ela me pediu com essa jaqueta. Disse que a jaqueta ia me proteger. Ia impedir de mexerem comigo. Eles só pararam quando a viram.
— E você estar com a jaqueta e o broche, quer dizer que aceitou?
— Não. Ela disse que eu poderia pensar. E que o nosso namoro podia ser a forma de magoar e ferir Helena.
— Então tá me dizendo que ela te considera parte do plano? — Nossa, nós realmente tivemos a mesma conclusão.
— Eu achei a mesma coisa, mas Amelie disse que faria com ou sem mim. Ela só prefere fazer comigo, já que segundo ela: Helena não escaparia ilesa depois do que fez comigo, porque... — Mais uma vez eu aperto a jaqueta e desta vez, eu penso em Amelie e em suas palavras.
— Porque o que, Bárbara?
— Ela disse: “Helena não escapará ilesa do que fez com você, porque ela te machucou”.
— Olha lá, eu vou morrer solteiro. — caçoou sua própria desgraça amorosa.
— Você ainda tem o Olivier.
— Eu não tenho o Olivier, Bárbara. Eu tenho um crush mal resolvido com o Olivier. Eu mal consigo falar com ele direito e sempre que eu tento, eu gaguejo. Fico parecendo um imbecil. É nesses pontos que eu admiro o Miguel.
— Eu sei que parece que você não levou as coisas boas na divisão dos gêmeos, mas eu tenho certeza que o Olivier deve gostar de algo em você Milo.
— Que Deus te ouça.
Tenho certeza que nós teríamos tido gancho para outra conversa se eu não tivesse visto uma figura de meia idade com os cabelos negros e cavado em uma caminhonete acenando para mim, Bartô. Aponto para Milo que acena para o pai e deixa um beijo cuidadoso na minha testa. Enquanto isso eu deveria ficar aqui esperando minha mãe vir me buscar.
Quando a caminhonete dá a partida, eu vejo do outro lado da pista Amelie em pé me observando com o que presumo que seja uma feição contente. Vejo também a figura encapuzada de Olivier chegar apressada do lado dela e cutucá-la para chamar sua atenção. A platinada se abaixa um pouco para que seu irmão posso sussurrar algo em seu ouvido e mesmo distante eu vejo seus olhos ardentes virando na minha direção e ela começa a andar até mim.
Só volto a mim mesma quando percebo a francesa bem na minha frente.
— Eu aceito — digo em disparada. — A proposta de namorar você, eu aceito.
— Calma, Margarida, eu ainda nem comprei a sua aliança — Sorriu para mim. — Mas posso mandar fazer uma se quiser.
— Nós não vamos namorar sério, pelo menos não ainda — Seu olhar tinha uma dúvida brilhante. — Vamos dizer para o resto do colégio que sim, e enquanto isso nós podemos nos conhecer melhor e ver se... dá certo entre nós. — Amelie abriu um sorriso.
— O que você quiser, Margarida. Eu vou te buscar às 20:00 da noite, tudo bem?
— Para quê?
— Um encontro — Ela segura minha mão e passa seu polegar me dando carinho. — Para nosso primeiro encontro oficial.
— E para onde pretende me levar?
— Acredite em mim, você vai gostar. Aqui — Me entrega um papel com seu número de telefone anotado. — Pode me ligar sempre que quiser.
Com um sorriso largo ela começa a andar na mesma direção que voltou e para ao lado de seu irmão, pegando o que acho ser seu celular para fazer uma ligação.
Eu ficaria olhando mais para ela se pudesse, mas pela primeira estrada vinham os cabelos loiros quase platinados andando na minha direção com uma expressão irritadiça, minha mãe.
Peço em silêncio que o Senhor me guarde antes de cruzar os olhares com a besta fera vindo. Os próximo minutos são cheios de gritaria e ela tem um aperto furioso no meu braço. Tenho certeza de ter visto os olhares dos Florence sobre os fatos e tenho certeza de ver Amelie apertar os punhos como se fosse quebrá-los mais uma vez.
[...]
Casa era um conceito complicado para mim. Durante toda a minha infância e pré-adolescência eu achei que casa fosse onde seu coração e sua família estivessem, por isso não importava onde eu morava, se minha mãe estivesse comigo, era minha casa. Mas acontece que casa é apenas o lugar onde você vive e lar é onde seu coração está. E o que você faz, quando o seu coração parece estar em todos os lugares, menos na sua casa? Menos com sua mãe? Menos com a mulher que te criou desde que nasceu e ela é a única pessoa que sabe que vai te amar não importa o quê? O que você faz quando sente que não pertence ao lugar que mora?
— Eu te disse que não te quero perto do Milo. — Foi o que Dona Lívia disse para mim assim que chegamos em casa.
— Eu- eu não estava com ele, mãe. — digo escondendo minhas mãos.
— Então o que ele estava fazendo na minha casa ontem à noite? — Droga. — Os vizinhos me contaram que estava com um menino ontem de noite e eu lembro de ver o Miguel quando fui para cidade. A única pessoa que consigo pensar para estar com você, é o Milo. Então deixa eu refazer a pergunta: o que você e o Milo estavam fazendo nessa casa ontem à noite?
— Nada! Isso é absurdo até de se perguntar, mãe. Você sabe que eu e o Milo somos amigos.
— Você? — Fecho os meus olhos esperando o primeiro tapa. Ele é certeiro como de costume. Ele acerta por cima do meus outros machucados e apenas mordo meu lábio para não esboçar nenhuma dor. — Respeito comigo, garota!
— Desculpe, mãe.
— Vou repetir. O que você e o Milo estavam fazendo nessa casa ontem?
— Nada. — digo de novo e ela avança na minha direção e acerta outro tapa.
— Não mente para mim, Bárbara!
— Eu não estou mentindo, mãe. Por que eu namoraria o Milo? Nós somos amigos desde criança.
— Você namorou o Miguel — disse como se fosse um motivo válido. — Milo é parecido com ele. Você já namorou um dos irmãos Castello, o que te impediria te namorar o outro?
— Eu não gosto do Milo nesse sentido, mãe. Nós somos só amigos.
— Você ainda é virgem, Bárbara? — Ai meu Deus. Levo minha mão para o meu roso tentando cobrir a vergonha andante que me sinto. A verdade é que não é fácil falar para sua mãe religiosa que você é lésbica (ou bissexual com atração maior em meninas, ainda é confuso para mim) e que só consegue sentir atração sexual se tiver um laço forte com a pessoa, o que não era o caso com o Miguel.
— Sim, mãe, eu ainda sou virgem.
— E como eu posso ter certeza?
— Vai ter que confiar em mim.
— Confiar em você? — diz com desdém. — Bárbara, eu não posso confiar em você. Não quando não me diz a verdade.
— Mas você não me escuta! — Deixo minha voz se elevar um pouco. — Somos só eu você a vida inteira. Eu nunca soube quem era meu pai até ele morrer e por algum motivo, me colocar em um testamento para uma fortuna que eu não queria ter. Meu único amigo naquele colégio é o Milo e até ele a senhora quer tirar de mim? Não vamos ser só eu e você para sempre, mãe. Algum dia eu vou sair, eu vou casar e eu vou ter filhos. Uma família. E eu quero que eles sejam sua família também, mas isso não vai acontecer a menos que me escute...
Eu sou cortada por um outro tapa estalado contra meu rosto.
Dona Lívia estava mais irritada do que quando esse assunto começou. Eu vi sua mão procurar a fivela de seu cinto e ameaçar tirar.
— Cala a boca e vai pro teu quarto — Ordena em voz séria. — Eu vou sair e quero que você fique com o turno da noite na floricultura.
— O quê? É o turno da Beatrice e do Tristan.
— Agora é seu e não esqueça que a floricultura tem que fechar às 23:00h. — Meu encontro. Merda.
— Sim senhora, mãe.
Pego minhas coisas e subo para o meu quarto, fechando a porta e jogando minha mochila na cama.
Eu fecho meus punhos com força, fazendo a mesma coisa que Amelie hoje mais cedo. Eu tento manter tudo o que aconteceu, tudo o que senti dentro do meu punho, porque se sair eu vou gritar e se eu gritar, eu vou apanhar ainda mais.
Eu tenho que ligar para Amelie. Eu tenho que cancelar o nosso encontro. Só deixa eu esfriar a cabeça primeiro.
Depois de uma banho frio, passei boa parte da minha tarde em meu quarto conversando com Milo por ligação. Eu contei para ele sobre tudo. O pedido, o encontro, o banheiro, a aparição no mínimo heroica de Olivier. Tudo que aconteceu quando ele não estava comigo.
Ele também me contou do dia dele. Me contou sobre um projeto de artes que ele vai liderar. Sobre como o professor Arthur deixou ele criar sua própria música e apresentar para sala. E do seu encontro abrupto com Olivier antes do francês mandar ele atrás de mim.
Os irmãos Florence pareciam estar muito presentes em nossas vidas. De um jeito bom ou não.
Eu não sei quando minha mãe saiu, eu sei que Milo chegou logo depois e subiu despreocupadamente até meu quarto, abrindo a porta e me encontrando deitada na cama. Vi sua cara confusa.
— Bárbara, são 19:00h, não deveria ir ficar pronta para o seu encontro?
— Eu não vou. — disse simplista.
— Perdão? — Se fez de surdo.
— Minha mãe me pôs no turno da noite na floricultura, eu não vou poder ir ao encontro.
— Bárbara, querida, Amelie Florence tá caidinha por você e tá me dizendo que vai dar um bolo nela?
— Milo, eu quero ir, mas a minha mãe...
— Não tem mas, nem meio mas — Me cortou. — Você vai ligar pro Tristan, dizer que precisa dele na floricultura e que você vai ter que sair às 20:00. Ou se preferir eu mesmo fico aqui cuidando disso para você. Ou a gente fecha a loja. Quem é que compra flores de noite? — Solto um risinho. — Bárbara, é a sua chance de ter um relacionamento saudável e normal, não joga fora pela sua mãe. Você vai ter tempo para consertar tudo isso, mas pode não ter tempo para sua vida.
Milo sabia dar bons conselhos, isso era inegável.
Eu pego meu celular e ligo para o número de Tristan. Ele atende rápido, sua voz parecia grogue de sono enquanto ele me saudava com o seu habitual: “E aí, loirinha?”. Ele nem pensa duas vezes sobre cobrir o meu turno e só precisei falar que ia ter um encontro.
Milo me ajudou com a maquiagem para esconder os meus hematomas e também me ajudou a escolher o vestido. Embora nós não tivéssemos muita opção e tivesse que ser o meu verde quase desbotando. As sapatilhas eram para o meu conforto e porque eram os únicos calçados que combinavam para esse vestido. O pescador estava perto da janela com um olhar curioso. Eu via a luzes de um farol, e eram 20:00h em ponto. Amelie chegou.
— Uau, isso tudo para a garota lá fora? — disse Milo me encarando sorrindo. — Se ela não está a fim de você, agora vai ficar.
— Milo — falo com certa vergonha. —, por enquanto somos apenas amigas.
— Então faltou avisá-la — disse sorrindo e olhando pela janela mais uma vez. — Ela está literalmente te esperando com flores.
— Ela o quê?
Abro a porta de madeira e vejo ela com um terno meio arroxeado com uma camisa branca por dentro e um buquê de margaridas em mãos, ela estava de costa para o que parecia ser uma limusine do tipo que você aluga para bailes em filmes americanos. E junto a todo esse visual estavam as luvas sem dedos que usava.
— Mas o que você...
— São suas favoritas, não é? — perguntou com o buquê na mão. — A não ser que a Beatrice tenha mentido para mim. Eu estou tentando soar convincente para...
— Minha mãe?
— Não. Para o Milo.
— Oi? — Eu estava claramente confusa.
— Eu vi você e sua mãe interagindo — disse como se fosse evidente. — Ela não me parece do tipo que sabe o que você faz ou de quem gosta. Milo por outro lado, sempre estava na mansão com você e minha irmã, é o que Olivier diz. Eu assumi que ele sabia a verdade e te acompanhava por você, ou porque ele é a fim do Olivier. Então eu estou tentando soar convincente para ele. — Terminou com um sorriso.
— Você é realmente alguma coisa, Amelie Florence.
— Vou considerar um elogio, Bárbara Lima.
Milo sai da casa a passos calmos e quando para perto de nós, eu lhe entrego o buquê para que o coloque na água.
— Não fomos devidamente apresentados — Estende a mão para ele. — Eu sou Amelie Florence. É um prazer te conhecer, Milo Castello, certo?
— Nossa, está realmente se esforçando, não é? — Ele ri apertando sua mão. — Correto e eu espero ela de volta até as 23:00h.
— Ela vai voltar a tempo.
Nos despedimos dele e Amelie abre a porta do carro para que eu entre e ela vem logo em seguida se sentando ao meu lado e passando o cinto de segurança por mim como se eu fosse uma criança.
— Você sabe que eu posso fazer isso sozinha, né?
— Sei, mas gosto de fazer. Você é como uma rosa delicada, senhorita Lima.
— Está dizendo que sou frágil? — Ela levantou o olhar para mim e sorriu colocando o cinto.
— De maneira alguma. Toda rosa tem seus espinhos.
— E não tem medo de tocá-los?
— Eles me fazem ficar ainda mais fixada em você. Por que eu deveria temê-los? — Deu de ombros e bateu na lateral de sua porta, fazendo o carro começar a andar. — E se eu soubesse que o seu vestido seria verde, teria vestido algo verde para combinar com ele.
Eu quis retrucar de alguma maneira, mas não precisava. Amelie me deixou sem palavras, então eu cruzo minhas pernas e me recosto no banco, tentando não pensar na imagem da francesa comigo em um dia ensolarado fazendo um piquenique.
Como uma forma de acalmar o meu coração, eu tiro a margarida que sempre uso no cabelo e coloco em um dos bolsos do blazer que usava. Dou um sorriso satisfeito ao ver que agora ela tinha uma parte minha com ela. Amelie tinha aquela atitude de garota má, com riquinha mimada e isso era irritantemente atraente. Estava me deixando com vontade de beijá-la e tê-la tão perto de mim e tão atenciosa aos meus desejos, não ajudava nem um pouco.
Nesse momento a minha mente rondava por infindáveis “e se”. E se eu tivesse me atraído pela irmã errada todo esse tempo? E se Amelie Florence era a pessoa certa?
— Para onde estamos indo? — pergunto em um sussurro depois de alguns minutos em silêncio, e recebo um sorriso agradável em resposta.
— Ao cinema. — disse com um entusiasmo quase excitante.
— Cinema? Essa é sua ideia para um primeiro encontro?
— Bem, eu pensei que casais tem um primeiro encontro em um cinema ou um drive-in e eu presumi que não tinha tido a chance de ter um encontro comum, visto a situação do seu antigo relacionamento. Então eu quis começar do início. Cinema, pista de dança, parque de diversões, cabines fotográficas e etc. — Ela para de falar e olha para a janela. — Chegamos.
Ela tira seu cinto e sai pela porta, deixando aberta e ficando do lado de fora me esperando. Chega a ser adorável. Enquanto entravamos no cinema, eu não deixo de notar o quão vazio o lugar parece estar.
— Espero que não ligue para a falta de pessoas. Eu aluguei o cinema para uma sessão privada.
— Meu Deus — digo incrédula. — Você é inacreditável, Amelie.
— Eu sei. Agora — Ela me leva até a cabine principal e aponta para as fitas. — Escolha.
— O quê?
— Ora o que, o filme — Minha sobrancelha continuava levantada em dúvida. — Esse encontro é para você, Bárbara Lima. Você pode escolher o filme que quiser, pode pedir a pipoca que quiser, o refrigerante que quiser, o chocolate, o acompanhamento... literalmente, pode pedir o que quiser. — Ela se aproxima de mim e coloca suas mãos no meu rosto, mesmo com as luvas de couro que não tirou. Seus polegares em minhas bochechas, seus indicadores atrás de minhas orelhas e seus dedos em meu pescoço. — Quer colocar calda de chocolate na pipoca? Pode fazer. Quer assistir “O diário de uma paixão”? Eu não sou fã de filme romântico, mas assisto com você se é o que quer. Quer o cinema? Feito, ele é seu. Então, senhorita Lima, que filme quer assistir?
Engulo em seco pela proximidade e tento resistir à tentação de avançar contra seus lábios e a beijar naquele instante. Amelie queria me enlouquecer e admito que ela estava quase conseguindo.
Olhando para os filmes a minhas disposição, eu acabo escolhendo um da pilha de romance: “Como eu era antes de você”. Eu ouvi Milo dizendo que era um bom filme, que te fazia chorar horrores, mas era um bom filme.
Nós voltamos para as áreas de assentos e escolhemos os do meio. Amelie se sentou do meu lado com dois baldes de pipoca e dois refrigerantes. Durante o filme eu criei uma certa coragem e pus minha cabeça em seu ombro, senti ela virando para me olhar confusa, e voltou a prestar atenção no filme em seguida.
Quando os créditos começaram a subir, eu tentei ignorar as lágrimas persistentes em meus olhos e mais ainda o sorriso divertido de Amelie me encarando.
— Você quer ir dançar? — perguntou. — O cinema tem uma pista de dança estilo anos 80 nos fundos. Pode ser bom para te distrair do final trágico.
— Isso já estava na sua lista, não é?
— Eu disse que te daria um encontro — Deu de ombros. — Não descumpri com a minha palavra até agora.
Com uma gargalhada da minha parte, eu estendo minha mão para a francesa que me puxa com certo cuidado até a parte de trás do cinema. Realmente tinha uma pista de dança, e pelo o que eu estudei dos anos 80 em Tipora, essa é uma réplica maravilhosa. A pista ladrilhada, a caixa de música no fundo da sala, tinha até um globo de festa no centro. Haviam algumas câmeras fotográficas no lugar e os fios pareciam ligá-las a uma televisão grande.
— Sabe dançar? — Amelie tinha tirado o blazer e estava dobrando as mangas da camisa branca. Nego com a cabeça. Segue em silêncio até o outro lado da sala e escolhe uma música na caixa e vira para mim sorrindo largamente. — Okay, vamos aprender do jeito difícil, certo, amor?
É inegável o arrepio que percorre a minha pele ouvindo ela me chamar de amor. Ela está dizendo algo como, não é difícil, nem trabalhoso, só cansativo. Assim que termina de dobrar as mangas, vem andando na minha direção e segura minhas mãos.
— Música é ritmo, dança não é diferente. Só precisa achar o seu.
Suas mãos tocam em minha cintura e ela me olha como se pedisse permissão. Aceno consentindo e Amelie começa a me guiar em uma dança lenta, mesmo que a música fosse feita para passos rápidos. Em alguma parte antes do refrão, ela volta a me segurar pela cintura e me puxa par si, esse movimento simples me faz parar em seu colo, com minhas pernas enroladas em sua cintura.
A minha vergonha é tanta que eu enfio minha cabeça em seu pescoço na tentativa de me esconder, contudo eu acabo inalando o seu perfume cítrico e quando tento me desvencilhar, nossos olhares se cruzam. Amarelo no castanho. Loiro no platinado. Tomo a liberdade de passar meus braços pelo seu pescoço e de deixar um leve beijo naquela área.
Nós ficamos assim até ouvir um barulhinho de câmera batendo foto e eu notar as câmeras do local batendo fotos de momentos na pista de dança e enviando para o telão.
— Nossa, elas ficaram boas. — Elas até que estavam em excelente resolução.
— Isso é verdade. — disse Amelie, mostrando uma das fotos do telão em seu celular. — Eu dei meu endereço de e-mail quando cheguei. Todas as fotos tiradas estão sendo mandadas para mim e... — Ela deu uma breve pausa antes de virar o telefone para mim e mostrar que sua nova tela inicial era uma das fotos onde eu estava em seu colo.
— E o que vai pôr na tela de bloqueio? — pergunto e ela se faz de pensativa.
— Pensei em uma coisa menos íntima — Estava chegando mais perto. — Talvez uma nossa de mãos dadas. — Antes que chegue muito perto, eu levanto minhas mãos e aponto para as dela.
— Tire as luvas — Peço e vejo seu olhar descer para elas. — Eu- quero... — Droga. Olho para o nada e evito dizer que quero contanto pele a pele e por isso quero ela sem as luvas. — Você disse que eu poderia ter o que quisesse e eu quero que tire as luvas. — A platinada ergue uma das sobrancelhas e com um sorriso provocador, ela desabotoa as luvas de couro e as retira colocando-as em seu blazer. Entretanto a imagem revelada não era bonita. Os nós dos dedos de Amelie estavam roxos, como se ela tivesse batido as mãos, várias e várias vezes. — O que aconteceu com as suas mãos?
— O que aconteceu com você? — perguntou de volta. — Você não usa maquiagem, Bárbara, e eu posso dizer isso só tendo te visto dois dias. — Pontuou como se fosse lógico. — Você gosta de suas sardas a mostra e você certamente gosta de suas queimadura de sol. Mesmo assim você está aqui, de maquiagem.
— Eu tive meus motivos.
— Idem. Mas se te interessar, amanhã você vai poder observar melhor o que fiz. — As palavras de Olivier voltaram a minha mente. O que ela fez com aqueles rapazes? Ela sabe? Pelo tom deve saber. Estende uma de suas mãos para mim e nem pestaneio ao segurar a mesma e ela usar o próprio telefone para tirar a foto, trocando o papel de parede logo em seguida. — Hoje, no entanto, essa noite eu quero brindar a nós; seu primeiro encontro normal, eu presumo; e a um possível surto de minha irmã.
Diz levantando seu corpo com Coca para mim. Eu sorrio com a ação e levanto o meu para brindarmos. Amelie Florence era bem diferente e talvez um pouco louca. Sabe o pior? Eu não acho isso nem um pouco ruim.
Notes:
Oi, que bom te ver aqui. Espero que tenha gostado, lembrem que aprecio comentários e sugestões. Eu também estou começando um novo projeto chamado "Manual de Assassinato Para Boas Garotas", é um livro original que estou escrevendo e se puderem dar uma olhada eu ficaria muito grata. Vejo você na próxima atualização.
Chapter 6: Punição
Notes:
Olá, que bom ver você. Então, esse é um capítulo intermediário, ou seja ele acontece como forma de conexão entre o capítulo passado e o quebra pau que vai acontecer no próximo. Em outra palavras, tem muita coisa acontecendo nesse capítulo, e muitas delas ao mesmo tempo. Espero que gostem. Boa leitura.
Chapter Text
[Olivier Florence]
Eu conheço valentões quando os vejo. Sejam aqueles que fazem bullying comigo, ou com a namorada da minha irmã. Por isso achei estranho os irmãos Nemiera entrarem no banheiro depois de Bárbara. Conhecia a fama de Pedrinho e Vitinho, sabia que tinha alguma coisa errada naquilo.
Então eu me mantive por perto e esperei. Esperei, esperei e quando achei que eles não poderia fazer nada mais que me surpreendesse, eu sou motivado por sua burrice quando entro no banheiro e vejo Bárbara sangrando no chão, abraçada na jaqueta de Amelie e Otávio dizendo que deveriam fugir dali antes que Amelie soubesse.
— Ah e vocês podem apostar que ela vai saber. — digo e seus olhos se voltam para mim. Eu estava parado na porta e ajeito minha bolsa.
— Puta que pariu! — falou Otávio.
— Eu sugiro que deixem a garota aí e comecem a correr atrás de mim, porque assim que eu contar o que fizeram, nada vai impedir ela de exterminar vocês. — Desvio meu olhar para Bárbara deixando uma piscada, antes de correr para fora do banheiro.
— Peguem o filho da puta!
Ouço Pedrinho gritar atrás de mim e pelo reflexo de um dos vidros, vejo os três correndo na minha direção. Preciso tirar eles da minha cola.
A única saída para despistar envolve a escada. Corro subindo os degraus e aquele prédio tinha uma abertura pelo telhado, só precisava chegar alto o suficiente. Consigo ouvir algumas reclamações e tropeços dos irmãos, e quando chego alto o suficiente vejo a porta que dá acesso ao terraço.
Tinha um pequeno muro que separava os prédios, então pulo por ele, caindo no edifício do lado.
— Tá pensando que é o Homem-Aranha, é caralho? — gritou Pedrinho enquanto me via subir em uma das elevações e despencar até o segundo prédio.
Minha salvação era chegar na minha sala antes que me alcançassem. Então eu voltei a correr e como as construções dessa área tinham a mesma altura, eu passei a saltar de um para outro e foi assim até chegar na zona de aula dos Veritatis.
O muro era alto, mas dava para pular. Corri até ele pegando um impulso empurrando com meu pé e agarrando o topo e puxando meu corpo para cima. Já disse que odeio educação física?
Voltei a saltar pelos prédios, mas cheguei onde queria e entrei pela porta do terraço descendo as escadas saltando entre um andar e outro. Me enfiei na primeira zona coberta por paredes e me mantive no maior silêncio.
Seus passos se tornaram mais claros e ouvi suas vozes chegando perto, só fui distraído por uns fios castanhos passando na minha frente.
— Olivier, o que você...?
— Milo! — Seguro o rapaz pelos ombros e o ponho de costas para parede, cobrindo sua boca com minha mão e pedindo silêncio. — Shhh.
As vozes dos Nemiera ficam mais notáveis a cada segundo. Estavam discutindo.
— Quando der a hora da saída a gente vai estar aqui esperando aquela bicha. — disse Pedrinho. Vitinho até que concordou, mas Otávio estava bufando.
— Se você tivesse me ouvido e deixado ela lá quando vimos o broche, nós não teríamos que fazer essa merda.
— E o queria que eu fizesse com aquela garota me desafiando?
— Ele está certo, Otávio.
— Fica quieto, Vitor. A Amelie já deve estar sabendo, e eu nem sei se a gente vai durar até a saída. O melhor a fazer é cair de joelhos e pedir perdão.
— Eu não fiz nada de errado.
— Então nós estamos mortos.
Tenho certeza que Pedrinho chutou uma lixeira que caiu perto de onde estávamos, mas ele não veio buscá-la. Vitinho veio. E ao olhar para o lado, ele me viu presando Milo contra a parede e cobrindo sua boca. Neguei com a cabeça para ele e o vi acenar devagar.
— O que está fazendo aí? — perguntou Pedrinho.
— N-nada — disse colocando a lixeira de pé. — Só que não pretendo pegar uma detenção por vandalismo.
— Se nos pegarem, vandalismo vai ser o último dos nossos problemas. — Resmunga Otávio se afastando.
Aos poucos todos se distanciam e quando sinto uma segurança, tiro minha mão da boca de Milo que estava vermelho da cabeça aos pés.
— Desculpa, Milo. — sussurrei. O rapaz abriu e fechou a boca algumas vezes sem conseguir falar nada. — Aí. — exclamo sentindo uma pontada na minha mão não coberta pela luva. Tinha um corte nela.
— O que aconteceu? — perguntou vendo o sangue.
— Devo ter cortado quando escalei a parede.
— Temos que ir a enfermaria. — Bárbara.
— Milo, não dá tempo, você tem que ir para o banheiro feminino da área de esgrima de Tipora.
— Muito específico, Olivier — Deu uma risada. — Por quê?
— Porque a Bárbara vai precisar de você.
— O quê? — A vermelhidão se foi e o rapaz estava mais o pálido.
— Não tem tempo para explicar. Você tem que ir lá agora. Corre!
Milo acena com a cabeça e sai correndo pelos corredores como se não houvesse amanhã.
Por mais que a ideia de Milo preocupado comigo e querer me levar para a enfermaria, não seja lá das piores. Não vou ser hipócrita com meu machucado e deixar Bárbara sofrendo no chão daquele banheiro.
— Problemas, Olivier? — Merda! Dou um pulo e vejo minha alma saindo do meu corpo e logo voltando. — Vai com calma aí, rapaz.
— Cacete, Kaiser — Vejo meu tutor de informática parado na porta da sala, escorado nela me encarando. — Quer me matar?
— Você está atrasado para a aula.
— Eu vim o mais rápido que pude. — Sinto minha mão latejar e ele olha para minha palma.
— Vai para enfermaria e se limpa. Eu te passo a matéria depois.
— Sério?
— Sério. Vai cuidar da sua mão.
Digo um obrigado e antes que saia de verdade, eu paro e me viro para ele tendo certeza do que vai acontecer mais tarde.
— O seu número de telefone ainda é o mesmo? — Kaiser se vira para mim, meio intrigado pela pergunta.
— Sim — responde em dúvida. — Por quê?
— A Amelie vai te ligar mais tarde e é bom que atenda.
Depois de comunicado isso, eu pressiono o sangue na minha mão com uma toalha que uso para minha garrafa d’água e sigo para enfermaria, sabendo que vou ouvir poucas e boas da Návia.
Návia, por sorte, só me encarou negando coma cabeça passando um álcool e algodão para limpar o corte. Não era fundo, não teria que levar pontos. Ela só colocou uma gaze com uma pomada, fechou com esparadrapo e me deu algo para se eu sentisse uma dor aguda.
Depois que ela me dispensou, eu fui para a aula de literatura, o professor Hartmann tinha voltado a trabalhar mesmo com um gesso no braço. Não posso dizer que prestei atenção, a cada minuto que passava eu só pensava em contar para Amelie o que aconteceu, embora eu estivesse com receio da reação que ela teria e do que ela faria quando soubesse.
No final das aulas eu tomei cuidado ao sair da minha sala, olhando de um lado para o outro e saindo correndo quando vi a zona limpa. Reconheci os cabelos platinados e roxos, minha irmã estava olhando para Bárbara de longe, e a cutuquei chamando seu olhar para mim.
— O que aconteceu com sua mão? — perguntou preocupada.
— Irrelevante — Peço que se abaixe e me aproximo se seu ouvido para sussurrar. — Os irmãos Nemiera emboscaram a Bárbara no banheiro feminino da equipe de esgrima. Ele deram uma surra nela, Amelie. Os dentes estavam vermelhos. Tenho certeza que o abdômen estava roxo e ela tinha placas de hematoma pelo corpo. — Amelie perdeu o brilho nos olhos. Conhecia aquele olhar. Minha irmã estava furiosa.
Seu olhar cruzou com o de Bárbara e começou a andar em sua direção a passos duros.
Elas ficaram conversando por alguns poucos minutos e o sorriso de Amelie quando voltou era uma mistura de raiva e felicidade. Ainda estava puta com o que tinha acontecido mais cedo, isso é óbvio, mas estar com Bárbara a fez feliz.
— O que disse para ela?
— Nada, eu a chamei para um encontro — Levanto uma de minhas sobrancelhas, enquanto Amelie fica ao meu lado. — E ela aceitou manter um namoro falso temporário comigo.
— Pediu ela em namoro?
— Eles fizeram isso com você? — Apontou para minha mão mudando totalmente o assunto.
— Não. Eu fugi deles pelos telhados do colégio e acabei me cortando. Foi só um acidente. — Me sento em um dos bancos e encaro sua expressão observando a discussão entre Dona Lívia, mãe de Bárbara e a garota. Bárbara parece tão feliz com Milo que até esqueço que elas brigam com frequência. Helena parecia ignorar os machucados e hematomas de Bárbara, entretanto se Amelie soubesse ela surtava. E pela expressão que ela fazia observando a conversa, ela ia voar na velha e socá-la até apagar. — O que vai fazer a respeito dos Nemiera?
O seu silêncio durou até Bárbara sair da vista sendo arrastada por Lívia.
— O número do César ainda é o mesmo? — perguntou.
— Na verdade, ele prefere ser chamado de Kaiser agora. — Me encarou com um olhar de peixe morto.
— O número do Angel of the Night, ainda é o mesmo? — Aceno com a cabeça e ela pega o telefone para discar. Não disse que ela ia ligar?
Meus pés começam a bater no chão esperando a ligação completar e em alguns toques, sua postura se ajeita para uma mulher de negócios com um plano diabólico em mente.
— César? Ou é mesmo Kaiser agora? — Consigo ouvir só um murmúrio do outro lado da linha. — Angel of the Night, sou eu. Sua Tempestade Púrpura. — Nossa, faz tanto tempo que não ouço esse apelido dela. — Preciso de um favor e sei que não vai recusar a ele. — Tá dando uma de “O Poderoso Chefão”, é?
A conversa não dura mais que 30 segundos. Ela desliga o telefone e olha para mim com um sorriso maníaco.
— Sabe onde estão minhas botas de Savate?
[...]
Meu trabalho era único. Arrastar os irmãos Nemiera para o banheiro feminino e manter eles lá. Essa parte foi fácil, foi só dizer para eles que ainda não tinha falado para Amelie o que aconteceu e eles poderiam me convencer a não dedurá-los. A parte difícil era manter Pedrinho e suas ameaças longe de mim. Até que ouço os passos pesados de Amelie e uma batida convidativa na porta.
Levanto meu dedo indicador pedindo licença e abro a porta revelando minha irmã, com os mesmo trajes de hoje, mas com sapatos diferentes. Botas de couro duras e pesada. Ela estava com os braços para trás do corpo e com um sorriso cativante. Sorriso esse que fez Otávio dar alguns passos para trás.
— Filho da puta! — Pedrinho tentou vir para cima de mim. — É sério, Olivier? Emboscada?
— Vocês foram burros o suficiente para acreditar que eu ainda não tinha contado nada para ela. A culpa não é minha se vocês idiotas.
— Olá, crianças — disse sua voz rouca, enquanto entrava no banheiro. — Acho que sabem porque estamos aqui reunidos nessa assembleia amigável.
— Bárbara. — Vitinho se pronuncia e Amelie sorri.
— Precisamente — O sorriso desapareceu. Encarou Pedrinho e Vitinho com o mesmo olhar de morte de mais cedo. — Vocês bateram nela, mas você, Otávio, foi o que mais me decepcionou. — O mais velho engoliu em seco. Amelie não tinha tolerância com quem a decepcionava. — Não fez nada para impedir os seus irmãos. Nada para ajudá-la!
— Você entrou aqui com uma punição em mente, Amelie — disse. — O que vai fazer com a gente?
— Eu vou surrar tanto os seus irmãos que eles vão ter dificuldade de te reconhecer e não vai poder ajudá-los. E quando começar a bater em você, eles não vão poder te ajudar. Acredite, Otávio, eu quero matar eles agora, mas eu vou te enterrar vivo. — Com uma pausa ela olhou para a câmera do lado de fora do banheiro e acenou com a cabeça, antes de fechar a porta. — E se acham que podem sair, a resposta é, não podem. Kaiser trancou as portas e está apagando os vídeos que nos mostram aqui.
— Não temos medo de você. — Pedrinho diz confiante e Otávio que ainda estava no meio deles, fechou os olhos como se pedisse perdão.
— O que ele disse?
— Disse que não temos medo de você. — O mais velho repetiu de bom grado e com um sorriso sarcástico, Amelie deu uma cabeça no nariz de Otávio, o jogando no chão com os olhos marejados e nariz sangrando. Pus meu pé em seu peito e depois subi para virar sua cabeça para ver o que ela faria.
Vitinho foi o primeiro a atacar depois que o irmão caí no chão, Amelie batia em seus punhos para tirá-los de perto de si. Foram vários jabs, e nenhum acertou pelo tanto que Amelie esquivava. A platinada entrou com um giro fazendo que ia socar, mas na realidade chutou o rosto dele com aqueles sapatos pesados de ponta dura. O rapaz caiu no chão cuspindo sangue.
Amelie foi pega por um chute em sua costa que a empurrou para frente e virou para ver Pedrinho irritado. Senti Otávio querer levantar, mas dei um pisão em seu peito e ele voltou para o chão.
— Amelie, para — pediu suplicando. — Eles são menores. Só para. Olivier, me ajuda. Tira seu pé, me deixa levantar.
— Ela também pediu para você parar? — questionou minha irmã. — Bárbara também pediu para você parar o que os seus irmãos estavam fazendo?
— Ela também pediu a sua ajuda? — pergunto. — Ela também olhou para você parado e pediu sua ajuda? — Otávio fechou os olhos e pressionei sua cabeça contra o chão. — Abre os olhos.
Pedrinho estava empenhado em acertar algum golpe, ele aplicava uma mistura estranha de socos e chutes. Amelie parecia se defender de todos e quando ele cruzou para acertar o queixo, ela aplicou o mesmo golpe, prendendo seu braço com o dele e socando sua costela diversas vezes. Pedro estava ficando com a boca vermelha, a francesa o empurrou, socou do outro lado do tronco e meteu uma joelhada no seu rosto. O garoto estava no chão com sangue na boca e um nariz quebrado.
Vitor se levantou e correu para cima dela, que o recebeu com um chute no peito. O ar do rapaz foi embora e Amelie o segurou pelo braço e pescoço, jogando por cima de seu ombro de cabeça na lajota. Sou capaz de ouvir vários estalos de seus ossos, principalmente na sua costa.
Ela seguiu até Pedrinho e acertou um chute em seu abdômen. O rapaz se afastou e conseguiu chegar até a parede, mas ele não tinha mais para onde correr. Então continuou chutando. Ela chutou até a camisa branca dele estar manchada de sangue. Até ele não conseguir formar uma frase coerente pela dor e como um golpe de misericórdia, ela pisou nas mãos e girou os pés quebrando osso por osso. Agonizante, mas não eram minhas mãos mesmo.
— Se você, seu merdinha — disse raivosa, continuando a pisar. —, tocar nela de novo você não vai sentir mais porra nenhuma!
As suas atenções se voltaram para Vitinho tentando se virar. Amelie chutou sua costela como fez com seu irmão e ele acabou de bruços. Vi minha irmã por seu pé na base da coluna dele e pressionar fazendo o menino arranhar a lajota — antes branca do banheiro — deixando um rastro das suas unhas. Ela não ia paralisá-lo, só o faria entender que podia.
E então no fim, seu olhar caí no garoto aos meus pés, de olhos abertos e chorando.
— Levanta ele.
Nem penso em questionar. Ponho Otávio de pé e me afasto um pouco.
— O que você fez? — pergunta querendo ir até os irmãos, sendo parado por Amelie. — Eles são só garotos.
— É o que diz a si mesmo para se convencer? — Seu riso debochado é praticamente gráfico. — Seu irmão mais velho tem apenas dois anos de diferença entre nós. Não sei se sabe contar, mas o Pedrinho tem 16 anos. E ele também cometeu agressão. Se eu vou ser acusada de agressão, pode apostar que ele vai junto.
— O que vai fazer comigo? — Ela sorri como o diabo, antes de se afastar um pouco de Otávio.
— Por respeito ao nosso passado, eu planejei algo menos doloroso.
— Nada é menos doloroso com você, Amelie — disse em zombaria. — Especialmente quando envolve pessoas. Você não tem tolerância com pessoas que te desapontam.
— Verdade — Minha irmã deu de ombros e se virou para Otávio. — Você sabe como é a sensação de ficar sem ar? De puxar o ar e não sentir nada preenchendo seu peito? De sentir uma dor imensa preencher o seu pulmão, mas não ter ar para te salvar? Bem, é parecido com isso. — Ela avança com o soco afundando no meio do peito com força. Ele cai no chão com um baque alto, mas nenhum dos seus irmãos pode fazer nada para socorrê-lo. O rapaz perde todo ar e começa a ficar vermelho. — É desesperador, não é?
— Sai... de perto... do meu irmão. — murmurou a voz de Pedrinho e Amelie seguiu para o moreno. Ele tinha se sentado no chão.
— Se você tocar mais uma vez na Bárbara, eu acabo com a sua vida.
— Como se eu tivesse medo de uma menina rica, burra e idiota. — Quando tenta se levantar, eu entro no meio e acerto uma canelada em seu rosto o deitando no piso, e levantando-o pela gola da camisa.
— Fala assim com a minha irmã de novo que você não vai esquecer o nome Olivier Florence nem na sua próxima encarnação.
— Deixa ele, Ollie — Amelie tocou em meu ombro e solto o rapaz, entretanto substituí minha mão por seu pé. Ela começou pisar em cima do peito de Pedrinho. — Eu acho que ele entendeu o recado.
— E se eu não entendi? — provocou.
— Então eu vou dizer de outra forma — Saiu de cima de Pedrinho e pisou no esterno de Otávio que ainda estava machucado pelo soco e suas mãos tentaram forçar a perna para longe de seu peito, mas pressionou com o calcanhar com mais força. — A próxima vez que virem Bárbara Lima passar nos corredores do Ordem, abaixem a cabeça quando ela passar. Eu não quero confusão, nem barraco por conta de um mínimo desrespeito de vocês na presença dela. Deixem que ela passe e não façam nada, porque ela é a minha protegida e minha namorada.
Soltou um pouco a pressão e Otávio apenas me olhou acenando com a cabeça. Ele entendeu.
— Controle seus irmãos, Otávio. Nunca sabemos quando outro acidente desses pode acontecer. — disse passando minha mão em seus cabelos e encarei minha irmã.
Amelie tirou o pé de cima e mandou um sinal pelo telefone e as portas abriram. A última coisa que ela fez antes de irmos para casa foi mandar um “joinha” para Kaiser nas câmeras.
A nossa chegada em casa foi silenciosa, não que tivesse realmente alguém nos esperando ou preocupado com nossa demora em voltar para casa, só que realmente não fizemos barulho. Eu fui tomar um banho e me trocar.
Em seguida eu sigo para o quarto de Amelie e me deito em sua cama, vendo-a se olhar no espelho com sua coleção de terno chiques escolhendo qual usar no encontro.
— Qual a cor do vestido dela? — Seus olhos castanhos me encontram pelo reflexo.
— Eu não sei. Estou escolhendo na base do qual deles realça mais meus traços físicos.
— Roxo — Me deito de bruços e começo a balançar minhas pernas. — É a sua cor.
— Fatos. — Começa a guardar os outro ternos separando o modelo arroxeado e passando a escolher as camisas sociais.
— Você vai levar um buquê?
— Sim, você me disse que a mãe trabalhava em um floricultura, então eu procurei as floriculturas perto da área do colégio e a mais recente aberta é a “Floreios e Arranjos Lima”, de Lívia Lima, onde trabalham nossos velhos conhecidos: Tristan Monteiro e Beatrice Portinari. — Minha irmã e sua habilidade de FBI. Se ela fosse agente secreta nós teríamos menos crimes. — Eu liguei para Beatrice e perguntei se ela conhecia Bárbara o suficiente para me dizer uma flor que ela gostava.
— Deixa eu adivinhar: margaridas?
— Exato — Sorri para mim. — Beatrice está arrumando o buquê e vou passar para pegá-lo na ida.
— Eu sinto que não foi só isso que você fez. — Tinha aquela expressão travessa que só minha irmã pode ter.
— Me conhece tão bem. Eu liguei para o ferreiro do colégio, Miguel Cariad, o que fez a nossas espadas, sabe? — Concordo. — Pedi que ele fizesse um anel de namoro para mim. Uma margarida com um diamante no meio.
— Sabe de algo engraçado? É que se você não fizesse isso, ninguém acreditaria no namoro.
Trocamos algumas risadas sobre isso antes de me lembrar do golpe aplicado em Otávio. Foi como ver um ataque de asma ao vivo.
— O que foi aquele golpe no Otávio? — Pôs a camisa branca em cima do terno e vira para mim.
— Eu criei aquele golpe. Ele foi feito para te permitir vencer uma luta em um único golpe — disse enquanto cruzava as mãos abertas no peito e puxasse uma delas deixando o primeiro nó dos dedos para socar. — Se for aplicada corretamente o adversário perde todo ar nos pulmões. Mas se for aplicada com força o bastante, é possível fraturar o esterno do oponente. Eu chamei de Balle en Argent.
— A Bala de Prata? Faz sentido.
Este momento de descontração familiar e interrompido por um toque de celular. Meu toque de celular. O identificador mostra o número de Angelina Florence, vulgo, mamãe.
Saio do quarto e atendo a ligação.
— Oi, mãe. — disse e a mulher soltou um pequeno riso.
— Olá, querido — Sua voz calma chamava atenção. Eu sentia falta daquela voz. Sentia falta dela. — Seu pai me ligou irritado.
— E alguma vez ele ligou calmo?
— Touché.
— O que ele quer? — Me escoro no parapeito da escada e olho para baixo, para o salão vendo Helena entrar em casa.
— Ele disse que Amelie está provocando Helena, atiçando as amizades da irmã e dando em cima delas, mas específico de Bárbara.
— Ele acertou o nome dela?
— Claro que não — Dou uma risada. — Ele quer saber o que houve...
— Mas não o suficiente para ligar para Amelie e perguntar diretamente para a encrenqueira?
— Exatamente. — Com um suspiro alto, eu passo a mão pelo rosto para tentar extravasar minha frustação.
— É um código Carina, mãe. — Ouço ela se engasgar com algo e começar a tossir.
— De novo? Elas estão gostando da mesma garota... de novo?
— É, e a diferença é que dessa vez a Amelie está ganhando. Bárbara parece estar inclinada a ficar com ela e minha irmã quer impedir que Bárbara tenha o mesmo fim de Carina. — Helena tinha subido para seu quarto e eu continuei onde estava observando a movimentação que surgia no salão.
— Por falar na garota Leone, eu soube que um deles vai ser transferido para o Ordem — Foi a minha vez de ficar surpreso. — Tem uma grande chance de ser Carina.
— Puta que me pariu!
— Olivier! — ralhou. — Eu sou a puta que te pariu.
— Desculpa — peço mexendo no meu anel. — Carina não pode vir. Ainda mais na situação atual. Imagine o caos que seria.
— Eu estou mais preocupada com o dedo-duro que as entregou para o Montel da última vez — Verdade. Não resolvemos esse problema da primeira vez. — O cuidado redobrado, não? — murmuro um “uhum” em concordância. — Eu não posso dizer para o seu pai que o motivo de guerra entre suas filhas é porque uma está tentando namorar o caso da outra.
Sinto uma lâmpada em minha cabeça e tenho uma ideia do que fazer.
— Tem outra coisa que pode justificar as batalhas — O barulho de cadeira rangendo me diz que ela se ajeitou melhor para me ouvir. — O treinador Wanderley está refazendo o time de esgrima, e ele claramente quer a Amelie como capitã até o intercolegial com os Escriptas. Ele dispensou a Helena na frente da equipe toda. Ela perdeu o cargo e vai ter que lutar por ele, o seu único obstáculo é...
— Amelie — Ela solta um suspiro alto. — Isso me ajuda. Okay, eu vou ligar para o seu pai, contar isso e boa sorte para vocês, vão precisar. Tchau, querido.
— Tchau mãe.
Desligo o telefone e volto para o quarto deitando na cama de Amelie.
Se a convivência em família já estava difícil sem o papai saber, com ele sabendo as cosias ficariam insuportáveis. Seria quase um treinamento para o Afeganistão e eu passei três meses em campo militar.
Depois de alguns segundos, eu voltei a pensar no dedo-duro. Quando Helena estava com Carina, uma pessoa entregou o local onde elas se encontravam para nosso pai. Lembro de Amelie pegando o carro e indo na maior velocidade para lá, em seguida ela levou a bronca do papai. Depois daquela semana as coisas desandaram de vez.
Helena pôs a culpa em Amelie por quase terem sido pegas e proibiu qualquer tipo de contato entre Amelie e Carina. Depois o papai inventou de gradear as janelas do quarto de Amelie, ele só não foi em frente porque mamãe disse que se o fizesse seria como cárcere privado e ele poderia ser preso e nunca mais trabalhar com arte. É claro que ele surtou.
— Você está bem? — perguntou separando um par de luvas para cobrir o estado de suas mãos.
— Era a mamãe. Papai reclamou para ele de suas brigas com Helena. Disse que era porque Wanderley vai refazer o time e dispensou nossa irmã. É o que ela vai dizer para ele.
— Obrigada — Seu silêncio me diz que ela está me observando. — Algo mais?
Sim, Carina Leone. Não, não vou falar. Amelie está prestes a ter um encontro com uma garota que ela gosta. Eu não vou destruir o conforto dela por uma suposição. Tenho que tirar a prova dos nove por mim mesmo. Até lá, Amelie não precisa saber que tem um Leone vindo.
— Não. Aproveite o seu encontro.
Saio do quarto e mando mensagem para um grupo que tenho com Letícia Mantra, Samuel Norte e César “Kaiser” Oliveira Cohen, nossa Equipe de Pesquisas.
Preciso de ajuda.
Código Vermelho!!!!
Olivier|19:26
Mano
Que que foi?
Angel of the Night|19:27
Menino que susto!
Eu achei que o mundo estava acabando, de novo.
Leti|19:27
Cara, eu estava no banho.
Tem ideia do susto que eu peguei?
Samuca|19:28
Tem uma novata vindo da Itália
Eu acho que pode ser a ex da minha irmã.
E agora que tudo parece certo, não dá para arriscar.
Olivier|19:29
Você quer que a gente descubra quem tá vindo?
Angel of the Night|19:30
É
Isso resume bem.
Olivier|19:30
Vamos ver o que conseguimos fazer.
Samuca|19:31
Qual o nome dela?
Leti|19:31
Carina. O nome é Carina Leone
Olivier|19:32
Fecho a conversa e me sento na mesa da cozinha. Vejo Amelie passar por mim totalmente vestida para ir pegar o buquê com Beatrice. Ela beija o topo da minha cabeça e sai pela porta animada. Ver minha irmã assim é bom, mesmo que o motivo seja ferrar nossa outra irmã.
Quer saber? Eu preciso comer ou vou começar a agredir as pessoas.
Abro a geladeira tirando alguns queijos, presunto, requeijão e tinha um suco de laranja por aqui em algum lugar... Ah. Aí está você.
— O que você está fazendo?
— Porra — exclamo olhando para Helena. — Tiraram o dia para me irritar foi? Eu estou construindo um avião, Helena.
— Engraçadinho. — Se sentou à mesa comigo e comecei a fazer um sanduiche oferecendo a ela, que para minha surpresa, aceitou. — Você soube o que aconteceu com o Nemiera?
— Não. — Me faço de idiota.
— Eles levaram uma surra feia. Otávio ficou com uma marca roxa no meio do peito e parece que o esterno dele afundou. Vitinho até que está bem, a mandíbula deslocou, mas foi posta no lugar. Agora, Pedrinho, o Pedrinho foi ar-re-ga-ça-do. As costelas dele estavam quebradas, o nariz também, os ossos das mãos foram estilhaçados e ele teve sorte de não ter fraturado um dos órgãos internos.
— Meu Deus, que absurdo. — Digo mordendo meu lanche e enchendo um copo de suco para mim.
— Pois é. — Ela pegou um copo e derramei o suco para ela também. — O que a Amelie vai fazer a respeito?
— Como é? — Bato no meu peito para me desengasgar com o pão, bebendo um gole para ajudar a descer. — A respeito do quê?
— Do que aconteceu com eles?
— E por que ela deveria tomar partido? — Embora ela já tenha tomado partido.
— Ela não namorou o Otávio?
— E daí?
— Ela deveria voltar para ele e parar se meter com o relacionamento dos outros. — Ah, agora faz sentido.
— Irmã, pela sua escolha de palavras somos até capazes de jurar que você já chegou nos finalmente com a Bárbara. Sabemos que não. — Os olhos arregalados me encaram e foi sua vez de tomar o suco para desentalar. — Não me olha assim. Todo mundo sabe que você e Bárbara nunca chegaram nos finalmentes.
— Como sabe?
— Eu sou gay, não cego, Helena — Ponho meu prato na pia e começo a lavar. — Sempre que a Bárbara tem que ficar sozinha com você, ela se envergonha e, para minha satisfação, traz o Milo. Isso diz duas coisas, ou ela não confia que você vai se comportar ou que não quer fazer isso ainda. No seu caso, acredito que seja as duas coisas.
— Bárbara não se sente confortável em ficar sozinha com ninguém. — Diga isso para o encontro dela e de Amelie hoje.
— Acredite nisso.
Antes que possa ir para o meu quarto, ela me chama outra vez, mantendo-me na cozinha.
— Por que sempre defende ela? Desde quando éramos crianças, na nossa puberdade, você sempre toma o partido dela.
— Deve ser porque eu sinto que tenho uma irmã quando estou com ela, Helena. Deve ser porque a Amelie foi a única que me apoiou em tudo o que fiz na vida. Eu tinha uma ideia idiota, e te contava. Você ia correndo contar para o papai e ele vinha me colocar de castigo, mas não antes de me bater. Se eu tinha uma ideia idiota e contava para Amelie, ela me dizia que ia dar errado, mas fazia comigo. Ela ia junto e ainda assumia a culpa por mim, quando dava muito errado. Deve ser porque ela nunca me dedurou, ou me julgou por gostar de garotos.
— Amelie não se importa com você, Olivier. Ela gosta da proteção que oferece a ela.
— Olha quem fala — Rio colocando a louça para secar e encaro-a. — Sabe o seu episódio de overdose de medicamentos? — Arregala os olhos. Ela não achava que sabíamos. — Pois é. Amelie encobriu todo caso para você não perder o posto de garotinha favorita e perfeita do papai. E eu apaguei os arquivos da sua entrada no hospital. O papai nunca ficou sabendo e você pode continuar no seu pedestal. Sabe o dia que você encrenca com a Amelie até hoje, quando o pai quase pegou você e Carina juntas? Alguém contou para o papai e Amelie infringiu 12 leis de trânsito para chegar lá antes dele e sumir com você, para que ele visse ela e Carina. O papai puniu a pessoa errada e você não ligou. Até hoje você não liga! Então fale o que quiser de mim, mas nunca me peça para ficar do seu lado nas confusões que você caça contra nossa irmã, porque você nunca esteve do meu lado. Acredite, irmãzona, existem coisas dessa família que é melhor não saber. Existem coisas de que eu e Amelie estamos tentando te proteger. E quanto menos souber, melhor... — Viro de costas para ela e digo sussurrando. — Helena Gama.
Pego meu celular e subo as escadas para meu quarto.
Trancando a porta do quarto a minha vontade é de gritar e quebrar o espelho. Caço minha bola anti-estresse e começo a apertar até sentir meus músculos doerem.
Não consegui passar a noite tranquilo.
O dia foi estressante, a conversa com todos foi estressante e sendo honesto, eu queria ter o número de Milo para conversar com ele. Eu poderia ligar para Amelie, mas não vou interromper o seu encontro. Nem que tivesse um incêndio na casa, eu interromperia o encontro dela.
Não tinha nenhuma novidade no grupo de pesquisa quando fui dormir e nenhuma novidade de manhã quando acordei.
Na ida ao colégio o humor do carro era conflitante. Eu estava aflito, Helena irritada e Amelie feliz. Eu perdi a sua chegada do encontro ontem à noite e ela prometeu me contar depois. Só que eu tinha outra preocupação em mente. Me despeço de minhas irmãs e sigo andando para a entrada do Tipora, sei que Milo e Bárbara ficam conversando por aqui antes do sinal tocar. Eu vejo Bárbara sentada com maquiagem no rosto. Que estranho. Ela nunca usou maquiagem antes. Antes que consiga chegar perto, sou interrompido por uma voz calma.
— Olivier? — Ouço Milo me chamando e viro para encarar o rapaz. Estava vestido com o uniforme do colégio e tinha um broche de clave de sol no bolso do blazer. Ele me encara meio em dúvida. — O que faz aqui?
— Eu vim ver como a Bárbara estava. Fiquei preocupado ontem e estava dormindo quando Amelie voltou do encontro.
— Está melhor — Respirei aliviado e o vi olhando para baixo com um sorriso meio bobo. — Obrigado, por ter me dito que ela precisaria de mim. Foi... fofo da sua parte.
— Você teria feito a mesma coisa por mim se estivéssemos falando de Amelie. — O rapaz começa a coçar seu pescoço e olha para mim com um sorriso de mil sóis.
— Vamos entrando? A minha sala é um pouco longe e eu gosto de sentar na frente.
Aceno com a cabeça e o deixo passar na frente. Nós seguimos conversando sobre umas coisas aleatórias até Bárbara — que ia à nossa frente — levar um esbarrão, caindo no chão e pondo a mão no estômago como se doesse do caso de ontem.
— Qual é o seu problema, garota? — gritou Milo e me pus na frente dele o mais depressa que pude, antes que Sheila quisesse partir para grau físico.
— Por causa dela, a professora de biologia me acusou de cola.
— O que não é mentira — disse me ajoelhando e segurando o rosto de Bárbara, ajudando-a a se levantar. Ela costumava fazer o trabalho de algumas garotas da equipe de líderes de torcida do colégio. — Bárbara, você está bem? — A garota me olhou assustada.
— Você veio me ajudar...
— Você precisava. — Sorri para ela. Do outro lado do campo, Amelie caminhava irritada na nossa direção. Quando chegou, abraçou Bárbara chamando atenção de todos. Bárbara segurou o pulso da minha irmã e pareceu sussurrar alguma coisa.
— O que está fazendo, Amelie? — perguntou a garota abismada.
— O que parece que estou fazendo, Sheila?
— Por que você está ajudando essa...
— Essa? Essa o quê? — Desafiou chegando mais perto. Sinto as mãos de Milo na minha cintura, meio que me abraçando por trás, se escondendo nas minhas costas. — Cuidado com o que vai falar.
— Não me diz que é amiga dessa menina.
— Eu não sou amiga dela — Entrelaçou seus dedos com os de Bárbara. — Sou a namorada.
— O que está acontecendo? — perguntou a voz de Helena enquanto entrava no meio das duas. Infelizmente — ou felizmente — ela perdeu todo o fio da meada.
— Mantenha seu cardume de piranhas longe da Bárbara. Ou nós vamos ter problemas maiores, Helena.
Nossa irmã olhou para as mãos das duas e franziu as sobrancelhas. Estava com dúvidas e se no meio dessa confusão, se eu achava que não podia piorar, a verdade era que podia. Meu telefone vibra e vejo uma nova notificação.
A mensagem era de Kaiser, dizia:
Agora é sério mano. A passagem tá no nome de Carina Leone.
Angel of the Night|08:15
Porra!
Chapter 7: Sr. Veríssimo
Notes:
Oh, olá. Aposto que não achou que me veria duas vezes na mesma semana e no mesmo dia. Bem, a vida é uma caixinha de surpresas, o capítulo anterior só os preparava para o que acontecerá neste capítulo. Então, o que quer que aconteça aqui... esteja preparado.
Boa leitura!
Chapter Text
[Helena Florence]
O dia tinha começado uma maravilha! Na verdade essa semana para mim estava sendo ótima. Tinha que lutar para manter meu cargo na equipe de esgrima, Amelie estava dando em cima de Bárbara e eu não consigo passar um dia sem ter uma discussão com um dos meus irmãos, ou com a minha ficante. Que ótimo. E para melhorar tudo, tem Sheila arrumando briga com Amelie logo cedo e me fazendo ter que intervir.
Entrando no meio das duas, Amelie diz que as meninas tem que ficar longe de Bárbara ou vamos brigar mais do que brigamos. Meu olhar caiu nos dedos entrelaçados de Bárbara com minha irmã. Ah que ótimo, elas são amigas agora?
Quando eu acho que as coisas não podem ficar piores, Otávio e Vitinho se levantam de suas cadeiras vindo até onde estávamos e impedem Sheila de tomar mais um passo.
— Parou! — Otávio virou para mim e o mínimo esforço fez ele colocar a mão no peito. — Não vamos ter essa discussão. E não vamos mais incomodar a Bárbara.
— Perdão, o quê? — Sheila diz e volto a encarar a loira. A garota tinha abraçado o braço de Amelie e praticamente se escondido atrás dela, Milo fazia a mesma coisa, só que com Olivier.
— Bárbara Lima está fora de questão, entendeu? — disse Vitinho com um placa roxa no rosto.
— Pedrinho — chamei o rapaz, que só levantou os olhos para mim. Suas mãos estavam com talas e ele não tinha firmeza nem para segurar um copo. — Está concordando com eles?
— O Pedrinho, não tem que concordar com nada — falou Otávio. — Não vamos arrumar uma briga que não vencemos, Helena. Bárbara Lima, é intocável nesta escola. Entendeu?
— Claro que não. — Fiz a menção de me aproximar e Vitinho entrou no meio.
— Entendeu, Helena?
Eu não sei se algum de vocês, sabendo que um dos irmãos é bom de briga, viu o olhar aterrorizado de alguém que levou uma surra para um deles. Sei que Amelie é boa de briga, e conheço o olhar de Otávio com medo dela. Amelie fez isso. Fez isso com todos eles.
— Entendi.
Ele acenou com a cabeça, respirando aliviado e olhou para Bárbara e em seguida para Milo.
— Vocês querem ajuda com suas bolsas? — O mais velho se aproximou aos poucos. — A sala de você é um pouco longe do térreo, nós podemos carregar os seus materiais.
— Eu não vou carregar porra nenhuma!
— Ah você vai sim — Otávio praticamente voou até irmão estava e o agarrou pela gola da camisa, levantando-o e arrastando para onde estávamos. — Você e Vitinho vão levar o material de pintura e de música do Milo. Eu vou levar os livros e a mochila de Bárbara.
— Eu não vou servir de escravo para essa...
— Essa o quê? — disse Olivier se aproximando do rapaz. — Essa bicha? Termina a frase, Pedrinho. Vou adorar conversar com você mais tarde. — Ele engole em seco e o irmão aperta mais a camisa.
— Você vai sim. Porque foi tu que meteu a gente nisso. — Lançou o garoto para Milo que se escondeu atrás do meu irmão de novo. Vitinho se aproximou do pescador e estendeu as mãos. Recebendo um aceno positivo de Olivier, Milo estende suas coisas para Vitor e seus materiais leves para Pedro. — Posso, senhorita Lima?
Com um receio aparente, Bárbara entregou sua mochila e livros para Otávio, que passou a mochila para costa e empilhou os livros nas mãos.
O grupo incomum seguiu em um silêncio quase constrangedor.
Observo Amelie pelo canto dos olhos e vejo um sorriso contente. Ela toca no cotovelo de Olivier para chamar sua atenção e eles entrelaçam os braços antes de seguirem para suas salas.
Minha irmã, aparentemente, espancou eles a torto e a direita, agora os rapazes mais durões estão com medo de Amelie.
Que começo de dia maravilhoso.
Acho que não posso culpar a equipe feminina de esgrima por me encarar como se quisessem me matar e tomar meu lugar. Eu descarreguei minhas frustações no treino delas. Foram corridas seguidas, três séries de 30 flexões, intercalando com 30 abdominais e etc. Tudo que possa fazer essas crianças ricas e mimadas sofrerem e quererem ir para casa.
Depois de um tempo, elas seguem para um treinamento com Mia Veríssimo e eu posso me concentrar em mim. Vou ter que disputar com Amelie daqui há 3 dias, nada pode me distrair de continuar no cargo de capitã do time. Eu preciso ser impecável. Minha irmã tem uma força física impressionante e avassaladora. Ela é capaz de partir ossos ao meio com o soco certo, assim como também pode ser muito flexível e chutar alto, além de, é claro, ter uma precisão infernal. Se eu quisesse ganhar de Amelie, precisaria de um pacto com o diabo.
Com o tempo de 20 minutos de pausa, eu aproveito para beber água, comer uma maçã e vasculhar o Instagram alheio, só para ver se alguma das meninas tinha postado alguma coisa nova. Mas assim que passo pelas redes sociais de Amelie, meus olhos bateram em uma foto e derrubo minha garrafinha no chão espalhando o líquido por todo o piso.
Não. Não pode ser verdade. Elas não poderiam... elas não poderiam fazer isso comigo.
A câmera estava um pouco longe, mas tinha uma resolução boa o suficiente para que soubesse que era Bárbara com seu rosto escondido no pescoço da minha irmã. E pela posição, ela está praticamente montada em Amelie.
Procuro o banco mais próximo para me sentar e continuo a vasculhar o Instagram da minha irmã, até que acho sua postagem mais recente. São um par de mãos dadas, e Amelie colocou na legenda que ela e Bárbara estavam aproveitando o encontro. Encontro?
Meu peito doeu como se eu tivesse levado uma facada e eu sei que a facada doeria menos. Isso é o fim. Como ela pode fazer isso comigo? Como elas puderam? Como Amelie pode fazer isso comigo de novo? Ela fez a mesma coisa com a Carina.
— Helena, você está bem? — perguntou a voz suave de Mia e olhei para no susto.
— Sim... — Minto e procuro minha bolsa. — Eu tenho que sair agora. Pode cuidar do treino para mim?
— Claro.
Saio da sala o mais rápido que posso, mas percebo cabelos cacheados escuros. Eleonor.
— Não tenho tempo para suas piadinhas, Pimentel.
— Estou vendo que está com problemas no seu paraíso particular — diz sua voz atrás de mim. A desgraçada está me seguindo.
— Você ache que só porque nos beijamos e em algumas dessas vezes parei na sua cama, eu te devo explicações? — A olho por cima dos ombros e ela está chegando cada vez mais perto.
— Não, claro que não. Só espero que o seu relacionamento desastroso com Bárbara continue assim. — Paro bruscamente e me viro na sua direção. — Eu sei do relacionamento, Helena. Achou mesmo que eu não sabia? Ah, é verdade, desculpe pelo erro. Aparentemente, Bárbara está com Amelie agora. Acho que finalmente uma das garota escolheu a irmã certa.
Avanço em sua direção e a empurro na parede. Envolvo minhas mãos em seu pescoço e ameaço apertar.
— Repete. — digo entre os dentes fechados.
— Pelo menos uma das garotas escolheu a irmã certa. Carina errou. É bom saber que Bárbara não vai errar — Começo a fechar minhas mãos em sua traqueia e o sorriso só cresceu. — Isso, continua. A cada surto seu, você vai perder o seu posto de capitã do time e não vou ter que fazer praticamente nada. Só me candidatar para a vaga que vai abrir.
— Mesmo que seja verdade — sussurro me aproximando dela. — Ainda vai ter que passar por cima de Amelie.
Com uma gargalhada, a garota segura meu rosto, mesmo com minha mão em seu pescoço.
— Isso pode ser mais fácil do que pensa — Suas mão macias passam pelo meu cabelo. — Especialmente com Carina Leone chegando da Itália.
O quê?
Solto seu pescoço pelo susto e ela se diverte com a minha reação, como se estivesse contente com o que acabou de acontecer. Não dá tempo de processar quando sinto seus lábios cheios nos meus. É um beijo raivoso e irritado. Eu queria matá-la naquele momento, mas talvez só depois que acabasse.
Ela se afasta sorrindo.
— Clarissa me disse que ela chega de viagem amanhã. Então em breve teremos as irmãs Florence de volta ao habitat natural delas. Brigando por Carina Leone.
E volta para o campo onde as líderes de torcida estão treinando, como se não tivesse soltado a maior bomba da minha vida.
Balanço a cabeça tentando me livrar da ideia de matá-la por causa do que me disse e beijá-la de novo. Devo seguir para meu foco inicial: secretaria.
A secretária é a mesma velha irritada de sempre, só precisei de uma desculpa bem convincente do tipo: o horário de esgrima vai mudar para encaixar uma aula extra e não consigo achar a Bárbara em nenhum lugar para avisá-la. A senhora caiu e me mostrou a ficha dela, o seu horário agora é química.
Tenho 15 minutos.
Consigo chegar na sala indicada a tempo de ver a loira dobrando o corredor. Corro até ela e seguro seu braço a impedindo de continuar o seu caminho. Seus olhos amarelos olham para mim abismada e depois descem para minha mão como se rejeitasse o contato físico.
— Inacreditável — diz a jardineira e puxa seu braço tentando sair, mas aperto mais seu pulso. — E a história de não falar comigo em público?
— O que você pensa que estava fazendo ontem? — questiono. — As fotos nojentas entre você... e minha irmã. Foi para me atingir?
— Uau, quando as coisas te afetam, você pisa em cima das suas regras não é? Quando é sobre você, tu dá um jeito de desabar a sua redoma perfeita. — Seu tom de voz é debochado como o de Amelie e sua expressão é praticamente neutra.
Porém, isso me alertou para onde estávamos.
Puxei seu braço e arrastei ela comigo até uma das salas de biologia vazias neste andar. Assim que entro na sala, eu bato o corpo de Bárbara na parede e seguro seus braços agitando seu corpo, em seguida, prendo sua cabeça entre meus braços e vejo seus olhos brilhando. A vagabunda ia chorar.
— Não. Não. Não. Você nem comece — grito bem perto de seu rosto. — Eu descubro que você está fodendo a minha irmã e é você quem chora? Eu fui traída e é você quem é a vítima? Por que ela? Por que Amelie? Por que me atingir assim, desse jeito?
— Nem tudo é sobre você, Helena — responde no mesmo tom. — Sua irmã me enxerga de uma maneira que você nunca vai me ver. Eu sinto que vivi mais com ela em dois dias, do que com você em seis meses. Nós vamos viver coisas que nunca vou poder experimentar com você, e isso é inteiramente culpa sua.
— Seja honesta, Bárbara, você acha que é a primeira vez? — Ela para. — Deixa eu te contar uma coisa, eu e Amelie tínhamos uma amiga em comum, Carina Leone. Amelie gostava dela, mas Carina me queria, então aconteceu. Nós ficamos juntas por uma noite e minha irmã ficou irritada. Amelie só quer se vingar pelo que eu fiz ao relacionamento dela com Carina, e agora ela vai arruinar a nossa relação. A verdade cruel, é que eu não me importo de ter tirado dela algo com o qual minha irmã se importava muito. Só sabia que a queria.
— É isso então? — perguntou com desdém. — Você tirou dela a mulher que ela amava e ela se magoou?
— Esse é o problema com a Amelie. Ela não se magoa, ela se vinga. E você não passa de um peão descartável em um jogo que ela está manipulando há anos. Você não é especial, Bárbara.
— Vai pro inferno, Helena. — Volta a andar para porta.
— Tem mais uma coisa.
— Eu não quero ouvir.
— Carina vai voltar amanhã — Ela para e vira devagar para me encarar. — A ex-namorada da minha irmã está voltando e pense, Bárbara, porque Amelie ficaria com você, se pode ter quem ela sempre quis de volta? — O olhar de Bárbara vai decaindo aos poucos.
No fim de tudo, saber que Carina vai voltar acabou sendo o que eu precisava para que Bárbara ficasse. Minha irmã tirou Carina de mim, então vou tirar Bárbara dela.
— Nós tínhamos regras. Regras confortáveis para nós duas. — digo, sentindo meu rosto molhado pelas lágrimas e toco em seus cabelos, em seguida no seu rosto, deixando um leve carinho. Mas Bárbara me encarava confusa.
— As nossas regras eram confortáveis para você, Helena. — Me empurrou pelos ombros.
A sua expressão de medo não estava mais suave, meu problema foi olhar em seus olhos. Mesmo com o que disse de Amelie, ela parecia me encarar com ódio puro, como se não fizesse diferença. E eu faria aquele olhar mudar. Faria ela olhar para mim como antes.
Por puro impulso selo nossos lábios e Bárbara começa a apertar meus ombros, se movendo contra mim para tentar me afastar, mas continuo o beijo.
Até que sinto algo me puxando e me jogando contra o chão frio da sala.
Quando levanto meu olhar e vejo os cabelos platinados de Amelie segurando o rosto de Bárbara com as duas mãos, estudando cada centímetro dele como se ela fosse um objeto frágil que eu havia quebrado.
Minha irmã vem até mim e me levanta, segurando a gola de minha camisa. Os olhos estava reduzidos a uma piscina de ódio e ela mostrou isso acertando uma cabeçada em meu nariz, golpeando com um soco logo em seguida, me causando uma dor aguda e muito sangue. Antes que possa falar algo, ela soca meu queixo, me fazendo beijar o chão mais uma vez.
Ela até foi generosa. Julgando o que fez com os Nemiera, eu deveria estar impossibilitada de andar.
Quando sai de cima de mim, vejo sair correndo de volta para Bárbara.
— Amour, você está bem? — perguntou segurando o rosto da garota mais uma vez. — Ma marguerite, o que ela fez?
— Além de me beijar a força? — A platinada assente. — Nada.
Com esforço, me sento no chão observando a cena de minha irmã preocupada chamando Bárbara pelos nomes de “Amor” e “Minha Margarida.” Eu queria, com todas as minhas vontades chamar a cena de patética, mas a verdade era que estava com inveja.
Inveja de ter ver Bárbara praticamente se jogando no braços de minha irmã. Inveja do encontro que tiveram ontem. Dos momentos engraçados que devem ter dito e inveja principalmente dos beijos que devem ter trocado em público. Inveja de uma liberdade que nunca tive.
E então, como se fosse a hora perfeita, os cabelos negros amarrados em um coque bagunçado de Elizabeth Webber cruzam a porta da sala.
— Diretoria — diz com voz de comando. — Agora.
Amelie vem até mim e me puxa para ficar de pé, me entregando um lenço branco do bolso. Sussurro um “obrigada” e ela começa a andar.
Sigo minha irmã até a diretoria e ela seguiu o caminho todo de mãos dadas com Bárbara. Na hora de entrar, ela passou um fio de cabelo loiro para trás e sussurrou algo para a jardineira que aceitou de bom grado.
— Senhorita Florence — disse a voz grave do nosso diretor, Sr. Veríssimo. — Não a esperava aqui com a sua ficha de aluna impecável. Já você, Amelie, soube que viria aqui mais cedo ou mais tarde. Tive relatos de seu comportamento na nossa filial francesa. E, senhorita Lima, confesso que estou surpreso de vê-la na minha sala.
— Sou a vítima, Sr. Veríssimo, não fiz nada de errado — disse em voz calma e sinto uma vontade extrema de fugir dali. — Já a senhorita Florence por outro lado.
A loira encara meus olhos e vejo desprezo puro vibrando entre o amarelo. Desvio meu olhar do dela e me mantenho em silêncio.
— Sentem-se — Apontou para as cadeiras e antes que me sente, Amelie espalma a mão em uma batida contra meu peito me mantendo no lugar. Quando penso em reclamar, vejo Bárbara escolhendo a cadeira e se senta na ponta esquerda. Amelie se senta no meio e não me deixa escolha a não ser, sentar na direita. — Agora, podem me contar o que aconteceu. O que Helena aprontou para Amelie bater nela na sala?
Encaro Bárbara e depois minha irmã, se uma delas contasse o motivo real da briga, a minha vida e reputação nesse colégio e com meu pai, estariam arruinadas. Eu poderia até mesmo responder a um processo jurídico.
— Minha namorada estava sofrendo um ataque homofóbico, Sr. Veríssimo. — disse Amelie. Isso me fez encará-la de maneira confusa. Amelie se inclina na minha direção e em uma voz sussurrada diz: — Confirmez l’homophobie ou vous serez connu comme un putain de harceleur. Le choix vous appartient, Hélène. — E se eu não faltei nenhuma das aulas de francês do nosso pai, isso queria dizer: “Ou confirma homofobia, ou vai ser conhecida como a porra de uma assediadora. A escolha é sua, Helena.”
— Bárbara, isso é verdade? — perguntou o homem grisalho focando na loira. Então seu olhar caí em mim. — Sabe que não tolero esse comportamento aqui no Ordem, correto?
— É verdade, senhor — Concordou Bárbara em uma voz fria. — Já tem ocorrido a algum tempo.
Seus dedos batem devagar na mesa, enquanto me encara com um olhar irritadiço.
— Não tem algo a dizer a sua colega, senhorita Florence? Estamos esperando.
— Me... desculpe — Foco nos olhos de Bárbara com Amelie na minha frente e desvio em seguida. Não consigo suportar contato por muito tempo. — Me desculpe, Bárbara. Não vai acontecer de novo.
— Tenho certeza que não — Levanto o meu olhar e a loira continuava com aquela expressão neutra e um olhar inexpressivo. — Desculpas aceitas.
— Amelie — Minha irmã olha para o diretor com um sorriso. Ela sabe o que vai acontecer. — Não toleramos violência igualmente, mas acredito que tenha tido um bom motivo. Mesmo assim, você vai poder usar essa sua força em um lugar adequado. Vai ficar de detenção sexta, depois da aula com o treinador Cohen. — Não teve questionamento, apenas concordância da sua parte. — Quanto a você, senhorita Florence, já que gosta de usar suas palavras como arma vai ajudar o professor Dante e o professor Hartmann, com literatura. E, deve fazer isso enquanto cumprir sua suspensão de uma semana. Entendido? — Engulo em seco e concordo igualmente. — Ótimo, isso vai te dar tempo para pensar sobre o que fez e sobre não importunar sua colega de novo.
A nossa liberação é feita e percebo Bárbara me encarando de canto. Ela e Amelie parecem trocar algumas palavras, discutindo sobre alguma coisa. Não demora muito me irritar com aquele murmurinho e seguir na direção delas para tirar outra coisa a limpo.
— Foi você, não foi, Amelie? — Ela arqueia uma de suas sobrancelhas.
— Vou precisar de mais do que isso.
— Os irmãos Nemiera, foi você?
— Ah, sim. É, culpada. — Seguro seu blazer e fecho minhas mãos com força mantendo-a ali. — Eles mereceram, Helena. Fizeram algo que não deviam e pagaram.
— Você quebrou os melhores atletas do time principal de futebol. Otávio foi seu namorado!
— Opa. — disse em sarcasmo.
— Ela estava me protegendo! — gritou Bárbara segurando meu ombro e meu braço para tentar me tirar de perto de Amelie.
— Não me toca! — Eu pude ouvir minha irmã rosnar e tirar minha mão de seu peito.
Sinto sua mão no meu pescoço e ela começa a apertar, quase me tirando do chão de novo.
— Você se atreve a levantar a voz para ela na minha frente? — Aperta um pouco mais. — Se você machucar ela, um pouco que seja, mesmo que seja minha irmã, eu não vou mostrar misericórdia! — Solta meu pescoço e me joga para trás.
Levo uma de minhas mãos para tocar onde me enforcou e observo ela começar a se afastar de mãos dadas com Bárbara. Certeza que minha irmã ia deixar a loira na sua sala, só para me atingir. Então, vou ignorá-las ao máximo e seguir para enfermaria. Eu preciso de um analgésico pelas pancadas de Amelie.
[...]
Návia me olhou com a maior negação em seu rosto. Meu nariz sangrava ocasionalmente, mas ainda tinha o pano que Amelie tinha me dado para usar. A mulher me recomendou fazer um raio-x só para ter certeza de que minha irmã grossa não tinha quebrado meu nariz por acidente. Conhecendo minha irmã, ela fez de propósito.
Saio andando pelos corredores e dou de cara com Clarissa Leão me esperando em um deles. Tento seguir meu curso normalmente, mas é claro que ela não ia deixar.
— O que aconteceu com sua cara? — perguntou cruzando os braços.
— Briga de família. — respondo simplista e limpo mais um pouco do sangue.
— Você está parecendo um dos irmãos... — Ela para de falar como se tivesse conectado dois pontinhos. — Amelie fez aquilo com eles?
— Parabéns por me provar que tem um cérebro — Bato palmas para ela. — Eles mexeram com Bárbara e minha irmã foi mostrar quem manda, ao jeito de Amelie Florence.
— Surrou eles até esquecerem os nomes? É a cara dela.
— O que quer comigo, Clarissa?
— Pela sua cara de estressa eu achei que poderia querer um... — Ao fazer a menção de tirar um de seus frascos do bolso, ponho minha mão sobre a sua e a impeço.
— Não — Tem um sorriso no meu rosto. — Eu estou orgulhosa da minha sobriedade e isso quase me matou da última vez.
Embora odeie admitir, Amelie está certa. Não posso arriscar minha vida como se nunca fosse morrer.
— Então se veio me contar de Carina, eu já sei. Eleonor esfregou na minha cara com gosto.
— Ah, ela tirou todos os meus motivos para vir falar com você.
— Então, o que caralhos você quer?
— Você. — diz e segura meu rosto me beijando.
A minha reação é retardada, mas ela chega.
Seguro seus cabelos pela raiz e a puxo para mais perto de mim dando profundidade ao beijo. É uma briga por dominância. Briga essa vencida por Clarissa e só quando o ar falta é que nos separamos.
— Eu me pergunto até quando vai durar — disse tirando alguns dos meus fios presos a minha testa. — A sua fachada de hétero não vai ser para sempre, mesmo que namore o atacante camisa 10, a estrela do time de futebol. Seu estilo de patricinha conversadora — Deixa alguns beijos pela extensão do meu rosto, me causando cócegas. — Você não vai aguentar por muito tempo, não lida bem com a pressão. Foi o que te fez fugir da Carina. Foi o que deixou abertura para ela ficar com Amelie. E quando você perceber, será como nós.
O final da frase é como um soco no estômago. Separo nossos corpos e tento não parecer afetada. Ela estava errada. Quando o assunto é relaxar é normal as pessoas optarem por sexo, ou uma sessão de amassos, é mais saudável do que consumir drogas, ou beber, ou fumar.
— Espere o dia sentada.
Digo saindo do corredor e dando de cara com Eleonor com um sorriso irritante nos lábios perfeitos.
— Porra, você não tem uma vida para cuidar não?
— É claro que tenho, mas você fica constantemente fugindo e se metendo em confusão, né amor? — Minhas bochechas avermelharam e ela me dá um sorriso fofo. Diria que até amigável. — Mas sua suspensão só prova que você não vai sair impune de tudo o que faz e diz pelos corredores desse colégio, especialmente com sua irmã de volta para te por numa coleira. E uma hora ou outra, querida, alguém vai te tirar do armário. Seja bem-vinda ao vale.
Sua piscadela para mim é a última coisa que vejo antes dela sumir.
Tá legal, agora eu quero mesmo socar a cara dela. Não vou agredi-la hoje, hoje eu pretendo ignorá-la. Ela tem todos os requisitos como líder de torcida, por que se arriscar em ser esgrimista? Ela é carismática, bonita, tem um corpo maravilhoso e... eu vou parar por aqui porque não quero pensar em Eleonor Pimentel desse jeito de novo.
Volto para dentro para pegar minhas coisas. E enquanto desço as escadas principais, penso na bagunça que está ocorrendo. Carina está voltando, Bárbara está namorando Amelie, minha irmã deixou os melhores zagueiros e o meio de campo do time impossibilitados de jogar e se eu achava que não podia piorar, e na saída eu dou de cara com quem menos queria ver.
— Oi, querida — disse a voz tranquila de mulher loira de meia idade do lado de fora. — Você deu uma esticadinha nesse ano que passei fora. Faz muito tempo desde nossa última ligação.
— M-mãe?
Ao encarar Angelina Florence me esperando, quase sinto vontade de correr para o colégio e tomar a pior decisão da vida. Pedir socorro para minha irmã mais velha.
Chapter 8: Pequenas Confissões
Notes:
Oi. Eu sei que passei um tempo afastada, e como eu disse, eu escrevi dois capítulos no mesmo dia para poder descansar com uma sensação de que estava alimentados até minha volta triunfal.
Enfim, hoje é um dia especial para mim porque é meu aniversário de 19 anos, então, eu estou aqui querendo dar um presente a vocês também por estarem me acompanhando nessa viagem de autora e leitores.
Eu nunca pensei em ser escritora. Pensei em ser delegada, arqueóloga, e atualmente eu faço bacharelado em educação física e sou dona de uma academia, tudo isso para ter dinheiro para bancar minha faculdade de química para ser perita criminal.
Escrever sempre foi um hobby. Só que agora com os livros e até mesmo com essa história, eu vejo as chances reais de expressar o que sinto e o como eu quero que as outras pessoas se sintam sobre o que escrevo. Por isso, quis postar esse capítulo hoje, para que se sentissem presenteados como eu estou me sentindo.
Avisos: podem conter gatilhos.
Boa leitura.
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Chapter Text
[Milo Castello]
Eu acho que ao contrário de todos os meus outros dias, eu não estava com medo quando deixei Bárbara entrar no carro de Amelie aquela noite. Pela primeira vez em anos de amizade com Bárbara, eu vi que estava confortável com alguém além de mim, ou de Miguel.
E Miguel era de longe a última pessoa que eu incentivaria Bárbara a ver depois do término dela com Helena. Sendo honesto, eu gosto da ideia dela saindo com Amelie. Parece que realmente está gostando dela, e Amelie está se esforçando; tinha até trago as flores favoritas de Bárbara.
Entrei na casa deixando o buquê em um vaso com água no quarto da loira, se Lívia visse ela pensaria que Bárbara está cuidando delas. Não seria uma mentira, mas não seria uma verdade.
O ponto de Lívia me odiar, é que ela acha que eu e Bárbara temos algo. Mas Bárbara não se sente atraída por mim e eu estou muito enrolado, sofrendo no meu crush não correspondido por Olivier Florence para me importar com o que a dona Lívia acha que eu faço com a filha dela ou deixo de fazer.
Enquanto esperava minha amiga voltar de seu encontro, eu recebi uma ligação de Barnabé da mercearia. Ele queria saber se eu poderia cuidar de Amora, sua filha, no outro dia depois do colégio. Aparentemente ele tinha algumas cosias para resolver até altas horas da noite e queria Amora segura. E parece que eu também ficaria com o Ian, filho da professora da escolinha local. Por um lado seria bom, porque eu teria Bisteca para distrair as crianças quando eu quisesse fuxicar o Instagram de um certo francês.
Mas pode imaginar a minha surpresa, ás exatas onze horas da noite, uma luz amarelada de farol passar pelos vidros e os cabelos loiros de Bárbara passarem pela porta. O sorriso de orelha a orelha deixa claro que tinha gostado da noite. E mais ainda, que estaria gostando de Amelie.
— Foi bom?
— Bom? — perguntou irônica. — Milo, ela alugou o cinema, só para gente. Me deixou escolher o filme. Me deixou escolher a pipoca. Ela até me levou para dançar na pista do local. — Com um sorriso que não cabia mais em si, ela se aproximou de mim. — Milo, já estava ficando tarde e eu estava enrolando para vir, ela segurou minhas mãos, depois o meu rosto e disse: “Se estivéssemos em um encontro de verdade, agora seria o momento em que eu te beijaria.”
— Que bonito pra você, não Bárbara? Está esfregando seu relacionamento falso na minha cara.
— Já disse que está solteiro porque quer. Você está mirando no Olivier a seis meses, e o que você conseguiu?
— Ser prensado em uma parede por ele conta? — Vi os olhos de Bárbara se arregalarem e ela vir se sentar mais perto de onde estava.
— Ele te prensou na parede? — Concordei com um riso e ela segurou minhas mãos. — Conta tudo.
— Hoje mais cedo, enquanto ele estava fugindo dos Nemiera, ele me achou e antes que eu pudesse denunciá-lo, agarrou meu pulso e me lançou na parede, cobrindo minha boca com a sua mão em seguida. — O rosto vermelho por contar a história denunciava meus sentimentos pelo francês, não que ela já não soubesse. — Bárbara, nós estávamos tão perto que posso jurar que sei de cor quantas sardas ele tem. E posso saber qual é a cor dos seus olhos só olhando para um objeto de cor semelhante.
— Você está muito rendido, Milo,
— Olha quem fala, Bárbara. — disse em tom de deboche.
E assim foi a nossa noite.
Eu contando sobre meus desejos secretos por Olivier, e Bárbara a sua amabilidade por Amelie.
Eu acordei no outro dia feliz pela nossa noite de fofocas, mas não acordei sozinho. O que me tirou da minha terra dos sonhos foi a voz de Miguel na porta.
Pisquei algumas vezes pela claridade e então vi seu corpo escorado, me esperando levantar na maior paciência do mundo.
— Bom dia, irmãozinho.
— Bom dia, peixinho. — respondo e ele sorri para mim. Gostava desse apelido.
— Sua noite de biscoito, chá e fofoca me parece produtiva. — Solto uma risada me levantando para o café.
— Bárbara acha que está na hora de investir em Olivier. Chamar ele para sair ou tomar um passo maior. Tipo, segurar a mão dele.
— E você se sente pronto para isso? — perguntou com um tom de preocupação.
— Ela diz que ele gosta de mim como gosto dele. Um de nós só precisa tomar o primeiro passo.
— Hum, se esse for o caso, é melhor que invista. — Com uma pequena pausa ele parece pensar muito sobre o que ia me falar. E pela minha conexão de gêmeo, sinto que é uma coisa que não posso responder. — A Bárbara... tá saindo com alguém?
Isso é algo que não posso dividir com meu irmão. Miguel foi o ex-namorado de Bárbara, ela gostava dele, mas nunca o amou. Diferente do meu pai que acha que meu relacionamento com Bárbara é baseado nas antigas preferências do meu irmão, Miguel sabe de quem eu gosto, e do que gosto, é o que faz com que ele não tenha medo de me deixar com Bárbara.
Mas tem algo que nem ele sabe... a sexualidade dela.
Por mais que meu irmão queria saber de quem ela gosta ou com quem ela quer sair, eu não posso contar sem tirar ela do armário. Assim como ela não pode dizer para Lívia que nada vai acontecer entre nós, porque senão ela nos tiraria do armário.
— Eu não posso te dizer isso, Miguel. Não é da sua conta. Se Bárbara quiser que saiba se ela está saindo com alguém, ela mesma te contaria. Seu direito acabou quando terminaram.
Seu rosto toma uma expressão triste, mas compreensiva. Embora eu tenha certeza que meu irmão não é do tipo de brigar para recuperar a ex, fazer barraco na porta da casa; eu gosto muito dele para deixar que ele morra nas mãos de Amelie Florence.
Nosso café foi rápido porque papai tinha saído cedo para pescar e Miguel teria que encontrá-lo rápido, então ele nos deixou no colégio e seguiu para cuidar dos peixes.
Eu encontro Olivier encarando Bárbara, perguntando se ela estava bem. Digamos que nunca me senti mais orgulhoso do francês por ter me contado sobre ela. Disse que faria a mesma coisa por ele, se fosse Amelie. É claro que faria.
Para completar o encontro, temos Sheila empurrando Bárbara em primeira mão e quem entra no meio para impedir que ela chegue mais perto? Isso mesmo, Olivier. O rapaz foi muito rápido, ele levantou e segurou Bárbara até Amelie chegar, tratando Bárbara como sua namorada e chocando várias pessoas.
E meu Senhor, ela arregaçou eles. Otávio não se mexia sem pôr as mãos no peito. Vitinho tinha várias placas roxas no rosto. E Pedrinho usava talas nas duas mãos. Eles foram destroçados. É isso que chamo de carma. Eu deveria me ajoelhar e oferecer sacrifícios a Amelie por ter feito isso com eles.
Otávio obrigou os irmãos a carregar nossas coisas até nossas salas no terceiro andar e a cada degrau que subíamos, Pedrinho resmungava puto pelo que estava fazendo. Seus irmãos não pareciam se importar.
— Então, vocês estão namorando o rei e a rainha do colégio? — perguntou Vitinho para mim e dei um sorriso amarelo para ele.
— O quê? Não. Eu não namoro o Olivier.
— Sério? Eu jurei que sim pela cena da parede, sabe? Ele te prensando. Parecia que eu tinha interrompido um momento íntimo.
— Não, ele só queria que eu mantivesse silêncio para que não soubessem onde ele estava na fuga. — digo sem muita preocupação. O acontecimento já passou e ao que parece, nada que eles façam vai mudar.
— Espera aí, você sabia onde aquela bicha tava? — Pedrinho falou alarmado virando pro irmão. — Você viu onde aquele francês viado estava e não nos contou?
— Não fala assim dele. — Aumentei o tom da minha voz e o rapaz riu.
— Eu já falo com você, projeto de bambi. — Por alguns segundos ele pareceu refletir no que falou e deu um sorriso. — Nossa, isso saiu muito mais perfeito do que eu pretendia. É um veado e a mãe tá morta.
— Não fala assim com ele, Pedrinho. — Vitor tomou partido por mim, enquanto eu sentia o meu peito doer e algumas lágrimas quererem sair.
— Pedrinho — Bárbara chamou a atenção dele. — Eu tomaria muito cuidado com o que falaria para o Milo na minha frente. Porque certos alguéns podem saber, e vejo que conheceram minha namorada. — disse em um tom de deboche, com uma ofensa.
Pedrinho ameaçou vir na nossa direção, mas Vitinho cruzou sua frente e colocou a mão em seu peito, pude ver o garoto olhar bem fundo dos olhos do irmão.
— Se tocar nele, eu conto pro Olivier.
— E se você tocar nela, eu conto para Amelie — disse Otávio. — Não há nada pior do que dois alvos em suas costas postos pelos irmãos Florence.
— Se afasta deles. — Pedrinho olhou para a porta e viu a placa do departamento de música. Ele jogou o material no meu peito e por pouco não deixo cair.
— Até mais, órfão.
Sai dando um encontrão no meu ombro. Otávio nega com a cabeça e sinto a mão de Bárbara nas minhas costas. Ela dá um beijo no meu rosto, sussurrando que tudo vai ficar bem e sai com Otávio para sua primeira aula de literatura com o professor Dante.
Vitinho ficou me encarando sem saber muito o que dizer. Parecia até que ele estava considerando que a culpa tinha sido dele.
— Você quer que eu fique? — perguntou depois de alguns segundos.
— Você tem aula agora.
— Eu posso faltar se quiser. Ou posso vir aqui para te buscar e te levar para sua aula de artes.
— Não precisa ser legal comigo porque está com medo da Amelie, ou do seu irmão. — digo pegando o resto do meu material.
— Não é por isso — resmunga batendo o pé como um bebê. — Eu gosto de você, Milo.
Meus olhos se fixam no seu rosto de maneira intensa e vejo suas bochechas avermelhando. Era como se ele não pudesse ter dito aquilo.
— Pode ir assistir sua aula. Se eu precisar de ajuda, dou um jeito de te chamar.
O garoto concorda com a cabeça e sai correndo como uma bala para escapar do meu olhar.
Vitor Nemiera gostava de mim. Em que sentido? Será que foi por isso que ele perguntou se estava namorando Olivier? Será que ele gostava de mim naquele sentido? Não. Não. Não. Tira isso da sua cabeça. Você já sofre por um, não precisa sofrer por dois.
[...]
A aula de música distrai os meus pensamentos por tempo o suficiente para que eu sinta minha cabeça sem dor alguma.
O professor Arthur Cervero, perdeu um dos braços em um acidente numa mina. Desde então, ele criou seu próprio método de tocar guitarra, ele é uma inspiração para todos nós daqui do Ordem, e eu sou apenas o rapaz do banjo, não vou ser tão bom como ele, mesmo que me esforce.
Com o final da aula, Arthur me pediu para ficar. Ele estava me aconselhando em um projeto especial e eu queria agradá-lo então, fiquei.
Ele analisava em silêncio os acordes que tinha escrito no dia anterior e na outra folha tinha uma versão não terminada de um cover. Os dois faziam parte do projeto.
— Bem — disse depois de um breve silêncio. —, eu estou gostando do que está fazendo com Bad Romance. A sua visão da música ser um pouco mais country e acústica, me parece bem promissora. Só não entendi porque usar uma música com uma parte em francês. Você tem dificuldade com inglês, Milo, ter escolhido Lady Gaga foi uma surpresa, mas Bad Romance?
— Eu quero um desafio e... só tem uma parte em francês. — Tento não deixar claro os meus motivos principais.
— Devo pedir para o Olivier te ajudar?
— Como? — Saio de um breve engasgo com ar pela menção do nome.
— Ele faz parte da minha turma também. Eu o ensino piano.
— Ah, sim, claro. Eu vou falar com ele. — Vejo um sorriso e depois disso, ele se foca na minha original e sua testa franze. — Algo errado?
— Não, só um conselho. — Me entrega as partituras e segura meu ombro, apertando de leve como se me passasse conforto. — A música pode ser umas das maneiras de retratar como se sente de verdade sobre alguns acontecimentos da sua vida. E pelo que eu vejo nas suas partituras, você está confuso, Milo. Eu não sei o que está acontecendo na sua casa, com seu pai, seu irmão, com a Bárbara, ou até mesmo na sua vida amorosa. Mas está tentando criar uma ordem, onde não tem. E a melhor forma de resolver isso... é se entregar ao que está sentindo.
— E se eu não souber o que estou sentindo? — Ele me lança um sorriso amigável.
— O Wanderley vai ficar na sala dele até o final do expediente. Pode passar lá para conversar. Ou pode falar comigo se preferir.
Solto o ar que estava preso e abraço Arthur com tudo que tenho. Ele afaga meus cabelos e me liberta do abraço.
Quando saio pela porta, sinto que meu mundo quer ruir. Meu peito doía por vários fatores. Palavras não ditas. Sentimentos não confessos. Emoções guardadas e ressentidas. Eu não sei o que fazer.
O papai comemora todos os anos o aniversário da mamãe e chora todos os anos no dia de sua morte. Miguel e eu nunca sabemos o que fazer porque nunca a conhecemos. Acho que esse foi o nosso primeiro bloqueio emocional. E mesmo que eu seja mais emocional que ele, tem coisas que não consigo deixar sair.
— Você está bem? — Ouço um voz baixa e grave bem perto de mim. Era a voz de Olivier. Viro e dou de cara com o francês escorado em uma das barras da escada, me olhando preocupado.
— Só uma conversa emotiva. — Limpo as lágrimas. — O que faz aqui?
— Eu liberei o Vitinho e o Pedrinho de vir servir você, para que eu mesmo viesse tomar esse lugar. — Com um sorriso simples, ele se aproxima de mim para pegar meus materiais. — Nossas aulas serão no mesmo andar e não vi porque não te levar lá eu mesmo. E Vitinho me contou de algumas coisas que Pedrinho disse. Vim saber se quer que tenha uma conversa com ele.
— Quis dizer “bater nele”. — Faço aspas com os dedos e ele dá de ombros.
— Eu prefiro conversar, de verdade. Não sou combatente, sou especialista. Mas se quiser, eu desço a porrada nele.
— Por que se importa, Olivier? — digo estendendo minha mão para tentar pegar minhas coisas de volta.
— Porque ele magoou você — Ele se aproxima de mim muito rápido, o suficiente para que nossas respirações se tornassem únicas outra vez. A sua mão que não está coberta, toca as maçãs do meu rosto e com um afago quente, diz: — E ninguém tem o direito de magoar você.
Meu rosto rubro deixa claro a minha vergonha, mas minhas pupilas deixam claro outra coisa. Minha excitação. Se eu estivesse ouvindo meus sentimentos corretamente, tudo me dizia para segurar seu rosto e beijá-lo até meus lábios ficarem dormentes.
Isso não aconteceu. Não aconteceu porque Bárbara apareceu atrás dele com Otávio carregando suas coisas.
— Desculpa. Eu não queria interromper vocês. — disse e me olhou com um leve sorriso de arrependimento.
— Estávamos conversando sobre o Pedrinho. — Otávio desviou o olhar.
— Amelie já está sabendo do que ele disse. Ela perguntou se quer que algo seja feito.
— Ela sim vai arrebentar ele na porrada. — Zombou Olivier.
— Não. Ele não precisa de outra punição. — digo e olho minha amiga. — Você veio me procurar para alguma coisa. O que foi?
— O professor Dante. Ele pediu uma releitura de A Divina Comédia, mas do texto original em italiano. Quem neste colégio fala italiano?
— Amelie — Olivier responde focado em suas unhas. — Ela é fluente em italiano e latim.
— Ah, claro que é — disse em um tom debochado com sonhador. — Tá, eu falo com ela depois da minha aula de química. Milo eu te vejo pro lanche, certo?
Aceno positivamente e ela se vira pegando suas coisas, saindo com Otávio.
Olho de relance para Olivier que segurava minhas coisas como um namorado que carregava a bolsa da namorada quando iam ao shopping. Me permito dar um sorriso tímido para ele e apontar na direção que tínhamos que andar.
Não teve diálogo o caminho todo. Estávamos em nosso próprio mundo de silêncio confortável, onde eu não preciso falar com ele para saber que está do meu lado, só preciso sentir sua presença.
Me entrega o material e se despede de mim, avisando que viria me buscar para me levar para lanchar com a Bárbara. Não antes de abrir a porta e para que eu entrasse atraindo os olhares da sala.
Eu me permito uma leve risada. O que ele estava fazendo? O que ele queria me dizer com todo esse flerte aberto? Eu balanço a cabeça para me livrar daqueles pensamentos, por mais interessantes que eles sejam. Eu tinha uma aula de artes para me preocupar.
Bom, quem dera se eu tivesse só a aula de artes para me preocupar.
Eu dividia a aula com David Montes. Um moreno alto de olhos escuros, corpo forte e completamente babaca. David era um valentão. Meu valentão pessoal. Ele só perseguia a mim naquele colégio.
Eu perdi as contas de quantas vezes eu fui perseguido por aquele idiota. De quantas vezes ele me fez pegar o caminho mais longo até o estacionamento só para não ser emboscado por ele. Um grande imbecil.
Eu sinto o olhar dele queimando a minha nuca a aula toda. E eu sei porque, digamos que ele me deu um olhar raivoso ao me ver com Olivier. Ao ver como o francês me acompanhou até a sala.
E o que me irritou não foi a forma que ele me olhou durante a aula. Foi a forma que me seguiu durante o fim da aula. Eu tentei fugir dele, antes que Olivier aparecesse. Mas na primeira curva que tomei, seus passos continuaram a me seguir.
— O que foi? — perguntei virando para encará-lo. — Posso te ajudar em algo?
— Sim. Saindo do colégio.
— E por que eu faria isso? — Ele se aproxima e em rosto tinha uma expressão escarnecedora.
— Porque ele não é lugar para gente como você. Seu irmão seria muito mais bem-vindo aqui do que você. — Engulo as palavras que queriam surgir pela minha garganta.
— Miguel quis que eu estudasse para eu não ter que trabalhar como ele.
— É, e você merece essa chance? Digo, você sempre foi um garoto inútil. Miguel sempre foi melhor. — Não posso dizer que está errado. Eu nunca fui bom. Nunca fui o melhor gêmeo.
— David, será que não pode me deixar em paz? — Reclamo empurrando seus ombros. — Qual é o seu problema comigo? — Vi os olhos do rapaz escurecendo e quando tentei sair de perto, ele segura meu braço. — Me solta.
— Não. Se você não fosse essa... vadia exibida, desfilando pelo colégio com o seu namorado, eu não teria que lidar com o que eu sinto por você!
— Com o quê? — exclamo sentindo um nó na minha garganta. — Se você é gay eu não tenho nada a ver com isso.
— Eu não sou gay!
No segundo seguinte, minha cabeça bate na parede fria daquele corredor e sinto aquele corpo maior ser posto contra o meu.
Quando começo a empurrá-lo, ele segura minhas mãos e as levanta. Sua perna é posta no meio das minhas, pressionando contra mim e eu nunca me senti tão violado na minha vida.
Era, sem dúvidas, uma das piores sensações que tive.
— Para. — digo em um sussurro contra ele, mas parece que não me ouviu, ou não quis me ouvir.
Não gostava de como os lábios ásperos dele eram postos sobre os meus. Muito menos gostava do que ele estava fazendo. Minhas mãos estavam prensadas na parede e por mais que meu desgosto fosse um combustível notável, ele ainda era mais forte. Porém, assim que sinto ele ser arrancado para longe de mim, meus olhos se abrem e vejo Olivier agarrando o rapaz, jogando-o no chão.
— Ele mandou você parar, filho da puta — Quando ameaçou levantar, Olivier fechou um de seus punhos como se fosse um aviso. — Vaza, porra!
— Eu escutaria ele se fosse você — Amelie surgia dos corredores, caminhando com uma calma ofensiva. Ela se abaixou perto de mim para pegar minhas coisas e me colocou perto dela. Passou a mão pelo meu rosto e limpou minha boca com seu polegar como se quisesse tirar o vestígio do que ele fez. — Você não vai querer descobrir como meu irmão é quando irritado.
Ela me puxa para um abraço e enquanto me escondo em seus pescoço, vejo David se levantando e chegando perto de Olivier.
— Se tocar no Milo mais uma vez, eu vou te fazer engolir as suas mãos. — David era maior, mas Olivier tinha algo que ninguém contava. Pavor. A verdade era que a fachada de filhos da puta que os irmãos Florence tinham, era para proteger, nós, meros mortais de quem eles eram de verdade. Posso ser apaixonado por Olivier, não sou cego. Eles sabiam como infligir o medo. Por isso não estranho quando o rapaz dá meia volta e corre para longe.
Olivier se volta na minha direção e Amelie se solta de seus braços para que dessa vez, eu afunde nos braços de seu irmão. Era a primeira vez que eu o abraçava de fato. Olivier tinha mãos delicadas, fazia sentido ser pianista. Tinha um cheiro característico de colônia amadeirada e seu coração batia calmo e compassadamente.
— Eu estou aqui. Eu estou aqui. — sussurrou aquelas palavras de forma repetida. — Não vou deixar ele encostar em você de novo. Ninguém vai te machucar.
Sua mão acaricia meus cabelos e ouço por alto um sussurro de Amelie sobre ir buscar a Bárbara. Ignoro, sabendo que minha amiga estará em boas mãos e me concentro no momento que estou tendo. Se meus sentimentos quiserem sair, não vão ter impedimento.
Então não estranho quando começo a chorar. Não estranho os soluços altos e incontroláveis que saem de mim. Em nenhum momento o francês me solta. Sinto seus lábios no topo da minha cabeça, ela dizia palavras doces e ás vezes, deixava afagos em meus braços para me confortar.
— Eu sinto muito, Olivier. — digo entre meus soluços e percebo o francês negar com a cabeça. — Me desculpa.
— Olha para mim, Milo — Ele segura meu rosto entre suas mãos. Indicadores atrás de minhas orelhas, polegares nas minhas bochechas e o resto de seus dedos no meu pescoço. — Isso não foi culpa sua.
— Então por que eu me sinto tão sujo, Ollie?
— Ele, aquele homem, é culpado. Não você. — Limpa minhas lágrimas com seus polegares e afasta o cabelo caído em minha testa. — Não tem que se desculpar, Milo. Ele é a escória. Você não fez nada de errado, meu amor.
Com uma das minhas mãos, seguro uma das suas e meu coração se sente um pouco mais curado ao ouvir ele me chamar de “meu amor”.
O silêncio entre nós foi confortável. Olivier se levantou ainda abraçado comigo, pegou minhas coisas e entrelaçou nossas mãos. Enquanto caminhávamos para o “cantinho do conforto”, onde os alunos poderiam descansar se tivessem tido um dia terrível, ele me observava a cada passo. Preocupado. Com medo.
— Ele — Sua voz soou baixa, como se não quisesse me machucar ou me ofender. — Ele foi...
— O meu primeiro beijo? É. — Sinto que seu aperto aumenta, mas não com a intenção de me machucar. — O meu primeiro beijo foi roubado por um babaca, filho da puta, assediador...
— Milo — Chama minha atenção. — Ele vai pagar. Isso eu posso te garantir. — Suas mãos afagaram meu rosto e seus olhos caíram em meus lábios. — Vou proteger você.
— Está dizendo que se eu tivesse preso em casa, você viria ao meu resgate. — pergunto tentando aliviar o clima, isso me fez ganhar um sorriso completo de Oliver.
— Estou dizendo, príncipe Milo, que se eu tivesse uma bicicleta e você estivesse em casa entediado, eu iria até sua casa, jogaria pedrinhas na sua janela e te levaria para um passeio à luz da lua, na garupa da bike.
— Parece tentador, príncipe Ollie. — Vi o francês dar um sorriso de lábios. Acho que nunca o vi sorrindo de verdade. Os dentes brancos expostos e com rugas ao redor dos olhos. Talvez ele risse mais quando Amelie estava por perto. Pelo que Bárbara dizia, os Florence eram bem próximos, antes de Amelie ir para França e Olivier para o exército. E sendo bem honesto eu acho que nunca vi Bárbara sorrir tanto. Amelie faz bem para ela.
— Bárbara vai ficar bem — disse como se lesse minha mente. — Eu conheço minha irmã. Amelie está totalmente rendida por ela. Se Bárbara quiser, ela senta, deita, rola e dá a patinha.
— Eu me preocupo porque minha amiga está no meio...
— De um fogo cruzado com duas superpotências com um arsenal bélico nuclear. Eu sei. Acredite, eu sei como é, porque eu também estou. Se envolver com um de nós é... complicado, e eu estou sendo gentil ao falar que é complicado. É um eufemismo. Nosso pai é homofóbico e por mais que nossa mãe nos ame, ele nunca a deixa por perto por tempo o suficiente para nos acobertar. Eu tenho um histórico tão sujo que eu iria para cadeia direto, sem nem passar pelo reformatório.
— Você não é ruim, Olivier.
— Posso não ser, mas não sou um santo. Minha irmã diz que nossa família faz qualquer coisa por amor. Somos apaixonados incorrigíveis.
— Está apaixonado por alguém? — Ele sorri dessa vez. Seus dedos passearam pelos meus cabelos.
— Eu tenho alguém em mente, mas não acho que daria certo.
— Por quê?
— Porque ele é como o sol e eu sou a lua. Apago o brilho se fico perto demais dele. — Seus dedos desceram pelo meu rosto e traçaram meus lábios. — Embora, tenham tentado apagar seu brilho e eu estou chegando para ser o pesadelo dele.
Ele se aproxima deixando um beijo calmo em meu rosto. Meus lábios tremiam só de pensar que ele me beijaria de verdade.
— Você está livre hoje à noite?
— Adoraria dizer que sim, mas vou ficar de babá. — Seu olhar se torna muito mais suave e vejo um riso doce.
— Então nós marcamos outro dia. Vou te levar para um encontro decente.
Olivier gira a maçaneta da sala de conforto e meus olhos caem em Bárbara sentada no colo de Amelie que fazia carinho em seus cabelos.
A platinada levanta com minha amiga no colo e a põe sentada na cama, seguindo até onde eu estava e me abraçando outra vez. Ela segura o irmão e se afastam aos poucos, como se para nos deixar sozinhos e confortáveis.
Olhei para Bárbara com dúvidas e ela soltou um suspiro alto.
— Assédio? — perguntou ao ver como eu olhava para ela. Não consigo responder, apenas desvio o olhar. — Eu também. — Arregalo meus olhos e corro para abraçá-la.
— Deus, Bárbara. Quem...
— Helena.
— Aquela filha da puta!
— Amelie resolveu — disse de forma calma. Eu conhecia Bárbara bem o suficiente para saber que ela estava com dor. Não física, bem mais emocional. — Ela disse ao diretor que eu sofri um ataque homofóbico e Helena foi suspensa.
— Como ela pôde?
— Digamos que ela não está feliz por eu ter tido um encontro com Amelie. Nem por eu estar escolhendo ficar com Amelie.
— Ela te segurou? — Acenou com a cabeça e eu fechei os olhos lembrando do que ele fez. — Te beijou a força? — Outro aceno. — Ela forçou sua perna contra a sua intimidade?
— Milo, ele te molestou sexualmente? — Eu evito responder e desvio os olhos para ver os irmãos Florence na porta da sala. Eles cochichavam alguma coisa e Olivier não tirava os olhos de mim. — Ele vai morrer.
— Eu sei — Olho para minha amiga e seguro sua mão. — E sendo honesto, eu não sei se quero impedir o Olivier de fazer algo. David merece o que ele está planejando.
Os olhos dourados de Bárbara caem atrás de mim e quando me viro, vejo o moreno com uma jaqueta branca. Com um sorriso meigo, Bárbara desce da cama e segue até Amelie para uma conversa ou pelo menos fingir que estão tendo uma.
Olivier estende a jaqueta para mim.
— Toma.
— Para quê? — Seguro e vejo o nome “FLORENCE” escrito na costa com letras de forma. É a jaqueta de esgrima. — Isso...
— É proteção. Bárbara está namorando Amelie, não precisa usar a jaqueta. Ela vai proteger você de gente como o senhor Montes. Quem te ver com essa jaqueta vai saber que mexer com você é mexer comigo. — Me mantive em um silêncio de túmulo. Ele queria que eu usasse sua jaqueta de esgrima. Ele queria que eu usasse algo dele. — E meu número está aqui. Qualquer coisa que aconteça e qualquer coisa que precisar, é só chamar.
— Obrigado. — Ao pegar o papel, os nosso dedos se tocam e eu sinto aquela corrente de eletricidade famosa.
Olivier vira na direção da irmã que se aproximava com a namorada e sorri de maneira envergonhada ou tímida.
— Amelie, vamos almoçar. Eles precisam de um tempo sozinhos.
— Vamos.
— Não vai pedir permissão para sua namorada? — Senti a provocação destilando no francês.
— Permissão — Zombou. — Bárbara, eu vou ali com o Olivier, tudo bem? — Vi minha amiga acenar de forma positiva e logo depois a garota platinada encara o irmão. — Não vai pedir permissão para o seu?
Pro dele? De quem ela tá falando? Ele tem namorado?
— Engraçadinha — Olivier pega sua bolsa e vira para mim. — Milo, eu estou indo almoçar com a Amelie, tudo bem?
Juro por todos os monstros marinhos que abri e fechei minha boca várias vezes, sem saber o que responder. Senti o olhar de Bárbara em mim e tudo que fiz foi acenar com a cabeça.
O francês sorriu e deixou um beijo no topo da minha cabeça.
— Até outro dia, meu príncipe.
E saiu puxando a irmã pelo pulso pelos corredores. Assim que estão longe o suficiente, minha amiga se virou totalmente para mim.
— A antiga namorada de Amelie está voltando, Milo — Bárbara disse me arrancando dos meus bons pensamentos. — Não sei o que isso significa para o meu namoro falso. Eu não sei porque meu peito tá doendo.
— Tomara que seja infarto.
— Tomara. Se for amor, eu tô ferrada.
Enquanto Bárbara aflita segurava meu pulso, eu pensava que se estivesse certa, Olivier deveria estar trazendo as notícias ruins. A chegada da ex-namorada da irmã.
É nesse momento que — por mais egoísta que seja — não consigo parar de pensar. Se Olivier estivesse falando sério sobre me levar em um passeio de bicicleta a luz do luar, qual era a chance de vir alguém do passado dele atormentar o nosso — ainda incerto, talvez, possível, futuro — relacionamento, se não muito delusional da minha parte.
O quão perto eu estaria de perder alguém que eu nunca tive de verdade?
Notes:
Foi isso, espero que tenham gostado. Eu aprecio comentários, sugestões e é claro, teorias. Vejo vocês em breve, e muito mais cedo do que esperam.
Até o próximo capítulo.
Chapter 9: Questões Pendentes
Notes:
Como eu disse, este capítulo seria postado sábado, mas por motivos que devem saber, eu fiquei feliz e é Dia das Bruxas, quem não fica feliz no Dia das Bruxas.
Mas meus avisos persistem, as coisas estão começando a pesar. Nada de bom pode surgir disso.
Boa leitura.
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Chapter Text
[Amelie Florence]
Minha especialidade como irmã mais velha é irritar meus irmãos mais novos, e tenho o orgulho de dizer que eu faço isso muito bem. Mas admito que nunca vi Olivier tão irritado quanto, como ele viu David beijando Milo a força. Nada era capaz de justificar o ódio que sentia naquele momento. Talvez até mesmo puro ciúme, só que meu irmão não é do tipo que sente ciúmes se a pessoa não quis.
Então quando vi Olivier se aproximar para ficar com Milo, eu soube que teria que buscar Bárbara. Ela poderia oferecer a ele mais conforto do que nós e ela passou pela mesma situação.
Ela estranhou ao me ver na porta de sua sala. Estranhou mais ainda eu ter pego sua mochila e oferecido minha mão, mas não questionou, não perguntou; apenas aceitou e a levei pelos corredores até o cantinho do conforto. Certeza que Olivier levaria o Milo até lá.
A sala estava vazia, tinham alguns puffs, alguns sofás-camas, algumas camas e é claro, poltronas reclináveis. Ela era decorada para ser o mais aconchegante possível para o alunos poderem descansar, estudar ou até mesmo se esconder. Digamos que o Ordem preza pelo bem-estar no aluno.
Eu teria me mantido em silêncio, mas Bárbara virou seu corpo na minha direção e segundos depois eu ouvi a sua voz. Não falava comigo, mas chorava baixo.
— Bárbara? — chamei. — Você está bem?
Ela não me respondeu, só tentou se encolher mais ainda.
Bárbara se curvou, levando a mão ao abdômen e seus dedos ficaram brancos de tanto apertar a mesa. No primeiro momento que seu corpo tombou, eu corri para o seu lado e a abracei, apoiando sua cabeça em meu peito.
— Eu estou aqui.
Puxei seu corpo para ficar mais junto do meu, recuando e sentando na primeira poltrona que achei naquela sala. O mais suave que pude, trouxe Bárbara para se sentar no meu colo e apoiei sua cabeça sobre o meu coração para que pudesse escutá-lo batendo.
Minhas mãos passearam pelos seus cabelos, fazendo uma espécie de cafuné.
— Me desculpa — disse antes de levantar seu rosto vermelho e molhado para mim. — Eu estou te colocando em um situação difícil com a sua irmã. Eu não deveria ter aceitado a proposta. Eu estou irritando vocês.
— Não, você não está! — Digo mais alto um pouco. — Entenda uma coisa, Bárbara Lima, você é a melhor pessoa que eu já conheci. Não tem nada de errado com você.
— Eu passei a minha vida toda me encarando como um erro. Uma falha. Todos me dizem isso, Amelie. — exclama olhando nossas mãos que involuntariamente entrelacei com as dela.
— Eu não sou todos, sou? — Negou com a cabeça. — Não. Eu sou sua namorada e embora possa não achar, eu gosto de você. — Segurei seu rosto com minha mão livre.
— Você gosta?
— Claro que sim, como não gostaria?
Depois disso, ela voltou a se esconder no meu pescoço em silêncio. Mas não demorou muito para meu irmão chegar com Milo. Eles chegaram a ver a cena, de uma certa loira encolhida no meu colo, mas nenhum dos dois ligou.
Me levantei com Bárbara no colo e a pus na cama para que pudesse conversar com o rapaz, mas antes eu abracei Milo para que ele sentisse que estávamos ali.
— O que você quer fazer? — perguntei quando cheguei do lado de Olivier para deixar que eles conversassem a sós. Meu irmão não tirou os olhos de Milo desde que chegou.
— Eu quero arrancar a pele dele, tacar sal e álcool. Fazer ele chorar debaixo do meu pé, pressionando o crânio dele até abrir.
— Algo que não nos leve a cadeia tão rapidamente quanto isso.
— Você não foi expulsa da Obscurité por muito menos.
— Eu não fui expulsa. Fui transferida.
— Que seja — Revirou os olhos. — Eu quero que ele sofra. Ele machucou alguém que não merecia, agora ele com certeza merece.
— Eu tive uma ideia, mas você vai precisar de botas.
Olhando para seus tênis, ele acena concordando. Depois disso vejo ele pegar sua jaqueta para andar até o Milo. Para deixá-los confortáveis, Bárbara veio até mim e apoiou sua cabeça em meu braço e nós ficamos observando aqueles gays inúteis flertando.
Quando Olivier voltou, nós fomos almoçar e deixamos os amigos ali para que conversassem melhor, até porque eu senti que meu irmão tinha algo para me falar.
— Tenho uma notícia para você — disse, me encarando sentado à minha frente na mesa do refeitório depois que os deixamos sozinhos. —, mas envolve uma pessoa que eu não quero dizer o nome.
— Aí me complica, não acha não? — Ele me encarou desacreditado. Com uma respirada funda, ele diz:
— Ela é alta, bonita, tem mechas azuis, luta pra caralho, tem pernas maravilhosas e quer te pegar. — Depois que ele termina de dar as descrição, a minha mente trabalha e só dá a resposta mais automática possível.
— Carina?
— Você descobriu quem era no “tem pernas maravilhosa” ou no “quer te pegar”?
— Vai se foder, Olivier.
— Carina está vindo para estudar aqui pelo resto do ano letivo — É, sobre isso… Dou de ombros e volto a prestar atenção no meu sanduíche fitness, enquanto sentia o olhar de meu irmão queimando sobre mim. — Você parece muito calma depois de saber que Carina Leone está vindo da Itália para estudar no ordem. — disse Oliver depois de alguns segundos de silêncio logo que me deu a notícia. — A equipe de pesquisa achou a passagem comprada para ela e confirmou que estava no nome dela. Por que não está preocupada? Ou surpresa?
Termino de mastigar e dou uma boa golada no suco, antes de responder.
— Porque eu já sabia.
— Como? — Questionou meio cético.
— Ela me ligou.
— Ela fez o quê? — exclamou batendo na mesa atraindo alguns olhares indesejados.
— Carina me ligou ontem para avisar que viria estudar aqui. Ela quer falar comigo assim que chegar. Depois de Yuki e Dom, eu sou a primeira pessoa que ela quer ver.
— Você não vai vê-la! — disse autoritário ganhando minha total atenção. — Não vou permitir.
— Perdão?
— Você está de detenção e, eu estou te deixando de castigo. Você não vai se encontrar com Carina, porque eu não permito que ponha um par de chifres na cabeça da Bárbara. Não vou deixar você trair a Bárbara. — Me permito um sorriso vendo a devoção do meu irmão ao meu namoro falso.
— Carina quer conversar, irmão e não pretendo trair a Bárbara. Eu não sou a Helena. — Deixo meu sanduíche de lado para encará-lo no fundo de seus olhos. — Eu gosto da Bárbara, e embora seja um namoro falso, eu quero que seja real. Não vou jogar tudo para cima pela volta da italiana.
— Mas você ainda fala italiano, não? — Admito que não tenho muitos argumentos para me defender nessa.
— Calado.
Ele solta um riso e começa a comer.
A questão de não poder me entregar a Bárbara sem antes terminar a história com a italiana. Nós tínhamos uma história longa, complicada e cheia de furos. Precisávamos de um fim.
— Amelie — Levantei o olhar para focar nele. — Você viu a Helena?
Merda!
Levanto e puxo meu irmão para começarmos a correr. Ele tem um ótimo ponto, eu não vi a Helena desde a discussão e ele não sabe o que aconteceu. É bem possível que ela ainda esteja no prédio, ou que vá sair, então para porta principal.
Assim que saí dei de cara com Helena, abrindo a porta para entrar e aqueles olhos escuros focaram o fim da minha alma. Ela queria proteção. Queria que eu a ajudasse. Então, pense na minha surpresa quando olho atrás dela e vejo os cabelos loiros platinados de uma mulher que conhecíamos muito bem.
— Mãe? — chamei e ela veio me abraçar, mas no momento que Helena se encolheu, me afastei com minha irmã. Angelina entendeu e ficou onde estava, só que claramente eu tinha a magoado. — O que faz aqui?
— As minhas gravações acabaram e eu quis ver vocês antes de ir para casa.
— Mãe! — Exclama Olivier descendo as escadas correndo e pulando em cima dela.
— Oi, bebê. — disse beijando o rosto dele.
Helena e nossa mãe tinham uma relação tensa, embora não exista muitos motivos. É melhor evitar um atrito maior, por isso minha proteção com ela.
— É melhor irmos para o outro portão — disse. — O motorista não vai nos achar aqui.
Eles concordam antes de ir à frente.
Olivier e mamãe engataram em uma conversa animada. Eu tive mais tempo de convivência com ela pelo tempo que passamos na França antes da minha volta para São Paulo. Com certeza tinham muitos assuntos para pôr em dia.
— Por que você voltou? — A pergunta de Helena me tirou dos meus pensamentos aéreos.
— Olivier mencionou não ter te visto. Eu fiquei preocupada e viemos te procurar.
— Não. Por que veio da França mais cedo? O que fez a ponto de considerar voltar, porque eu não acredito que você foi expulsa por agressão.
— Ah, é uma história complicada. — Paro de falar por alguns segundos para pensar no que causou a minha transferência com exatidão.
— Não sei se você notou, mas eu não estou a fim de conversar com a mamãe. Conversar com você, evita que tenha que falar com ela.
— Só para deixar claro, não fui expulsa. Pedi transferência antes de que aconteceu, porque eu sabia que ia sujar a minha ficha. — Dou de ombros. — Um amigo meu estava sofrendo assédio por um dos professores do colégio. Eu dei três avisos para ele parar. No terceiro, eu bati nele. — Tinha um tom satisfeito na minha voz.
— Você não presta.
— Eu não tolero assediadores — dito isso, aperto seu ombro e faço com que me encare. — Especialmente se dividem o mesmo sangue e forem da minha família, irmã.
— É assim que vai ser? — pergunta em tom irritado.
— Você errou e vou esfregar esse erro na sua cara até se redimir.
Antes que ela possa me dar uma resposta, eu vejo nossa mãe virando para gente com uma expressão preocupada.
— Helena, meu bem, o que aconteceu com o seu rosto?
— Porque não pergunta a sua filha favorita. — resmunga forçando sua saída do meu aperto.
— Amelie, você brigou com a sua irmã?
— Não — digo. — Eu venci uma briga contra minha irmã.
— Não me digam que isso é por causa da esgrima?
— Claro — falou Helena rápido demais. — Ela quer o meu cargo.
— Cargo esse que você só tem, porque eu tive que sair. Você não me venceu justamente para tê-lo. Eu estou pegando de volta. E saiba meu bem, que pela sua suspensão, você não vai poder participar da nossa competição esportiva e o técnico não vai aceitar pessoas como você, então sinto muito, patricinha. O título é meu.
— Eu não acredito que você bateu na sua irmã por isso.
— Acha que eu fiz isso na cara dela por causa da esgrima?
— Pelo que mais seria? — Helena cruza os braços me encarando e zombando. — Não podemos brigar por namorados, ela nem gosta de garotos.
— Sim, Helena, eu gosto. Mas não sei se recebeu o memorando, eu tenho uma namorada! Namorada essa que você estava assediando com seus comentários homofóbicos. — Era mentira? Meio a meio. Ela não sabe que a mamãe sabe, logo nós mantemos as aparências.
— Você assediou a Bárbara? — perguntou Olivier.
— Você está namorando a Bárbara, Amelie?
— Sim e sim.
— Ah, quer saber? Fodam-se vocês! — Helena gritou na nossa direção. — Eu vou para casa ficar com o papai, e certamente terei menos problemas do que com vocês.
Tudo que ouvimos é a porta do carro batendo de forma alta.
— Aquela garota tem que começar a ir a terapia.
— Acredite em mim, querido, eu tentei. Seu pai não concordou. — Mamãe me encarou e me abraçou muito forte. — Ah bebê, eu senti sua falta. — Devolvo o abraço. — O que a sua irmã fez?
— Vamos não falar disso. Eu acredito que já a puni o bastante.
— O que a Helena fez Amelie?
— Ela beijou a Bárbara a força.
— Como é que é? — perguntaram os dois.
— Como eu disse, acredito que a puni o bastante. Eu nunca vou deixar ela esquecer isso, até que se arrependa.
— Eu deveria ter feito algo por ela mais cedo. — disse Angelina esfregando o braço com sua mão.
— Não que eu ache que papai deixaria. Ele já acha que você é a causa do que nós somos. — disse Olivier, e ele não estava errado.
— Bem, eu ainda posso tentar consertar. — Com um suspiro pesado, ela vira para mim com uma expressão preocupada. — Por falar no pai de vocês, Montel disse que quer conversar com você, Amelie.
— Fodeu. — digo encarando meu irmão.
Eu me limitei a concordar com a cabeça e me despedir de minha mãe. O que aquele corno do caralho poderia querer comigo? Aposto que a filinha querida já queimou meu filme e chamuscou meu trailer.
[...]
Depois das despedidas, eu me foquei na última coisa que deveríamos fazer antes de irmos para casa... cuidar de um certo assediador.
Eu segui até a área dos Realitas, procurando uma das únicas pessoas que topariam participar de uma emboscada. Eu já envolvi o Cés... Kaiser, o Kaiser já foi envolvido e eu preciso de gente de que não se importaria com as consequências que pudessem vir.
Então, quando eu bati na porta da sala de química, aquela cabecinha ruiva curiosa virou para mim com um sorriso largo.
— Amelie! — exclamou a garota, tirando a máscara de gás e vindo correndo até onde estava. Ela não tinha crescido, mas com certeza estava mais madura, se é que isso é possível. Os cabelos ruivos e olhos claros pareciam mais cansados. — Joui me disse que tinha voltado, eu só ainda não tinha te visto.
— Bom, agora eu estou bem na sua frente, Erin — A ruiva continuou a sorrir. — E eu tenho um pedido.
— Ah, Kaiser contou que você fez um pedido a ele também. Você se trancou com os Nemiera no banheiro e eles quase não saíram andando. — Dou de ombros e começo a andar pela sala.
— Eles agrediram minha namorada. Sei que faria a mesma coisa se fosse pelo Joui. — Ela desviou os olhos para a solução que estava fazendo e sorriu. Só fui entender quando notei uma flor de sakura desenhada no Becker. — Aí está minha resposta.
— Eu quero algo em troca — Dou de ombros, e faço um sinal para que ela prossiga. Era justo. — Joui e eu, íamos comemorar nosso aniversário de namoro em um restaurante chique, mas parece que um casal mais rico apareceu e tiraram a nossa reserva. Eu contei para ele e, você conhece o Joui, ele diz que não importa o lugar contanto que estejamos juntos, mas... Eu queria jantar lá para que ele se sentisse mimado. Joui já fez tanto pelo nosso relacionamento e eu queria retribuir.
— Feito. Me dá o nome do restaurante e você vai ter a melhor mesa do lugar. — Com aquele sorriso travesso, tirou uma caixa com várias peças e me encarou.
— Do que precisa?
[...]
Meu irmão foi a isca, era minha vez de ser a dele.
David Montes tinha aceitado me seguir para uma conversa sobre o que aconteceu. A visão dele, e o que contei, era que eu poderia acalmar os ânimos com o Olivier, talvez até fazer meu irmão deixar para lá o que aconteceu entre o rapaz e o Milo.
Nós andamos pelos corredores até a sala de química e assim que entramos
— O que está fazendo, Amelie?
— Sabe, existe uma palavra em francês para o que você fez. É harcèlement, significa assédio. E existe uma palavra para definir você, harceleur. Assediador. — Paro e coloco minhas mãos no bolso sentindo as granadas. — E tem uma palavra no francês para o que eu estou fazendo agora. Embuscade. — Pela sua cara de desentendido, percebi que teria que desenhar. — Emboscada.
Quando sua sobrancelha subiu, eu vi Erin saindo de trás do balcão e arrancando o pino da granada com a boca antes de jogar no chão. Os olhos escuros de David se arregalaram e arremessei as do meu bolso para Olivier que pegou e ativou também.
Em segundos, a sala toda estava coberta de um névoa espessa. Era impossível de respirar e de enxergar um palmo a nossa frente, pelo menos era assim que David se sentia. No meio de sua confusão para achar a saída, ele só conseguiu me ver tarde demais.
Com uma das máscaras de gás que Erin me deu, eu saí da fumaça atraindo sua atenção e acertando seu rosto com um dos livros de química da senhorita Liz. Quando ficou atordoado pela pancada, Olivier emergiu também, mas muito mais irado e com os punhos fechados. Ele investiu contra David o jogando contra o chão lajotado, montou por cima dele e deferiu soco atrás de soco.
Meu irmão não estava se importando com a técnica, não estava se importando se ia ficar legal o que estava fazendo. Ele só que queria que o rapaz sentisse dor.
Erin ligou o exaustor e em poucos segundos, toda a névoa foi convertida para o lado de fora, nós tiramos as máscaras e ficamos observando a cena do meu irmão em cima de um jogador de futebol, socando o rapaz até seus punhos ficarem vermelhos. Os olhos de David estavam roxos e vazios. Olivier parou de bater, apenas para tirar sua máscara e segurar o rosto do rapaz em uma das mãos.
— Você não tem uma ficha muito limpa, não é senhor Montes? — Ele sorri satisfeito com o que sabia. — Eu passei o meu segundo horário todo pesquisando sobre você no colégio. E adivinha o que descobri? Você tem várias reclamações de assédio entre os garotos e só nunca foi expulso, porque um professor é pago para esconder. O seu pai vai concorrer a senador esse ano, não é? Imagine o escândalo que seria se São Paulo toda soubesse dos crimes que o filho dele comete. Sua família estaria afundada na lama. Então preste bem atenção — Pegou um punhado do cabelo do garoto, puxando e o trazendo bem perto. —, fica longe do Milo, fica longe da Bárbara e fica na linha. Se alguma acontecer com ele ou com qualquer outro aluno do Ordem, eu vazo as informações para todos os sites de reportagens do estado e vamos ver só o que vai acontecer com você.
Ao soltar, a cabeça do rapaz ecoou ao bater no chão e vi os cabelos negros de Olivier sair da sala. Precisava de um tempo. Infelizmente para nós, apenas um dos irmãos Florence tinha puxado o lado... homicida da família, e não havia sido ele.
[...]
O silêncio no meu quarto era perturbador.
Montel me encarava desde que chegou e pela sua expressão irritada, a culpa provavelmente era minha. Ele tinha entrado e ficado parado na porta me olhando escrever no meu notebook.
— Quero que perca o combate de esgrima.
Foi tão repentino que até achei que tinha perdido algo ou entendido errado. Parei de escrever e me reclinei na cadeira, olhando nos olhos dele, procurando um único sinal de loucura ou medo. E medo foi tudo que achei.
— Você não confia nela. — disse com um sorriso.
— Confio sim, Amelie.
— Porra nenhuma — Exclamo levantando da cadeira. — Você me pedir para perder a luta, quer dizer que mesmo sua preferência por Helena, não te impede de ver que ela não me ganha em um combate de espadas.
— Sua irmã merece ser a capitã, Amelie. — Se aproxima levantando a voz, mas a minha altura me permite vantagem em intimidação, e eu passei anos da minha vida me impondo contra ele.
— Se ela merecer, então vai me ganhar de forma justa. Caso contrário, eu ficarei muito feliz em assumir meu antigo posto e esfregar minha vitória na cara de vocês. Vá para o inferno com seu pedido, pai. Não vou perder por Helena.
Antes de sair do quarto, eu me viro, dando meu melhor sorriso cafajeste.
— E se quer saber de uma coisa — Ele me encara irritado. — Sua garota perfeita não vai poder competir, porque ela foi suspensa. O que quer dizer, Montel, que está olhando para a nova capitã do time feminino de esgrima do Ordem.
Ouço seus passos irritados descendo a escada atrás de mim.
Eu conseguia ouvir seus gritos em diversões palavrões franceses que não tinha vontade de traduzir. Até que ele entra na sala de estar junto comigo, encontrando todos lá. Seus olhos voltam para Helena e em uma reação totalmente esperada da parte dele, grita:
— Uma suspensão? — Vi minha irmã se encolhendo. — Isso só pode ser um erro, você é uma aluna exemplar, a sua irmã por outro lado...
— Obrigada, pai. Sabe ao menos pelo que foi a nossa suspensão?
Helena me encarou assustada negando.
— Amelie, por favor não.
— Ela me irritou e nós brigamos. — digo mantendo a mentira. Dica de irmã, a minha é frágil e delicada o suficiente para ter uma recaída e para na cama de Clarissa Leão, e com a Carina voltando eu não quero problemas com a Clarissa. — Ela começou, eu terminei. Eu a ataquei.
Helena me encarou confusa, e posso jurar que ouvi um “obrigada”.
— É claro que foi você.
Montel caminha até mim com fúria destacável em seus olhos. Eu vi sua mão estendendo e admito que apanhei muito dele para proteger meus irmãos, não seria diferente. Fechei meus olhos esperando o tapa, mas não acontece. Quando abro os olhos vejo o que parece uma alucinação, Helena segurando o tapa e Olivier a minha frente, fazendo um escudo com seu corpo.
— Mas o quê? Helena?
— Eu provoquei. E nós fomos punidas. Eu fui suspensa e ela está em detenção. — Puxa a mão um pouco para trás. — Ela não precisa ser punida de novo.
Montel solta a mão de Helena, e eu percebo que tinha fechado a minha. Eu estava irritada, podia sentir o ódio subindo a minha garganta e querendo sair como um ataque de raiva. Não por ter sido quase agredida pelo meu pai, isso acontecia direto para fazer a proteção dos meus irmãos, mas porque mais uma vez ele provou que não nos vê como filhos. Pelo menos, não eu e Olivier.
Com uma despedida da minha família eu subo para me deitar, e sou seguida pelos passos de Helena, sim, surpreendentemente, minha irmã subiu, então eu não tive tempo para extravasar a minha raiva crescente do nosso pai. Ela para na porta do quarto, só não entra. Dá meia-volta e segue para o seu.
Nos próximos minutos, o silêncio conquistado é interrompido pelos passos leves de Olivier.
— Como se sente? — pergunto assim que entra.
— Não fui eu quem quase fui espancado ainda agora.
— Verdade, mas não fui eu quem desfigurou um garoto a base de socos. — Ele riu desconcertado e estendeu uma caixinha de veludo negra. — Chegou isso para você. O Cariad veio deixar pessoalmente.
— Obrigado.
Assim que abro vejo o que já esperava. O anel tinha duas cores, ouro normal e ouro branco. O anel todo era de ouro. Não folheado. E com certeza não banhado. Ouro puro. Todo o caule da margarida e suas pétalas foram feitos de ouro banco por ser mais claro que ouro comum e no botão da flor, estava um lindo diamante amarelo.
Exatamente o que eu queria.
— Você é uma negação quando está apaixonada, Amelie. — O encaro e cerro meus olhos.
— Olha quem fala. O que você está indo fazer agora mesmo, Olivier?
— Ir me encontrar com o Milo e prestar o meu apoio solidário ao trabalho dele como babá. — Dá de ombros e sorri. — Você vai ficar bem?
— Eu já passei por coisa pior, Ollie.
— Você não deveria ter que passar. — Me levanto e seguro seu rosto.
— Acredite, irmãozinho, o dia que nosso pai conseguir me deixar para baixo, vai ser o primeiro a saber. Até lá, vai bancar o stalker.
Com uma risada alta e esganiçada, ele sai do meu quarto gritando em alto e bom som: “Vai toma no cu, Amelie.” Bom, não nego a minha vez de rir.
E minha paz momentânea é interrompida pela entrada dos cabelos negros de Helena.
— Você soube da Carina? — perguntou fechando a porta com cuidado.
— Fiquei sabendo.
— E não está preocupada?
— Com o quê? Com a volta da Carina? — Sento na cama, dando um espaço para ela, que não nega. — A volta dela é um presente, Helena. A chance que o destino no deu de encerrarmos a história de uma vez por todas. Eu mereço um fim. Você merece. E Carina mais do que ninguém.
— Ainda assim não te parece estranho? Digo, quanto tempo faz, três anos? Ela passa três anos fora e do nada, volta para terminar de estudar aqui.
— Com o que você está preocupada? Não é com a Carina.
Ela se cala e respira fundo, entretanto quando move sua boca para falar, percebe uma pequena caixa na minha mão. A caixa do anel. Vi o rosto de minha irmã tomar uma cor vermelha em fúria. Ela se levanta e destranca a porta, batendo com força em seguida.
Será que algo vai dar certo hoje para mim?
Quase como se um sinal do universo, meu celular toca com uma mensagem de Bárbara.
Eu estou de detenção...
Você não vai ficar sozinha amanhã.
Ma Marguerite|19:06
Sentiu tanto minha falta que pegou uma detenção de propósito?
Amelie Florence|19:06
É que o Milo...
Ma Marguerite|19:07
Está de babá
O Olivier me disse
Amelie Florence|19:07
E minha mãe foi viajar para achar novas mudas de plantas
E já que você está de detenção, você não poderia vir
E eu...
Ma Marguerite|19:07
Por alguns segundos ela parou de digitar. Seu contato apareceu como digitando e depois, em branco. Ela parecia digitar e apagar, até que finalmente, enviou a mensagem.
Eu não quero ficar sozinha.
Ma Marguerite|19:10
Para que servem namoradas de mentira, não é?
Amelie Florence|19:10
Ela não me responde, então desligo o telefone e o coloco na cabeceira da cama sorrindo que nem uma idiota.
[...]
Era uma sexta de manhã, e nós ficaríamos de detenção. Detenção no Ordo, não queria dizer ficar depois da aula, ou ir para aula no sábado. Não. Detenção no Ordo queria dizer ser punido pelo que fez e da forma que fez. Já que eu usei violência física eu seria punida de forma física. Por isso eu estava encarando o professor Cohen a meia hora olhando para mim e pensando no que fazer.
— Menina, eu não faço a menor ideia do que fazer com você. — disse no seu clássico sotaque brasileiro americano.
— Você não pode ficar o horário todo só olhando para minha cara, Christopher.
— Mas eu não sei o que fazer! Quer que eu faça o quê? — Ele apoiou as mãos na cintura e começou a bater com o pé no chão. — Faz o seguinte, vai ajudar a garota loira ali com os cones, enquanto eu penso em algo.
Viro de costas e sigo até Bárbara perdida no meio dos cones esportivos.
— Eu diria que é a hora perfeita para testar o quanto o grandão corre, fugindo daqui. Só tenho a sensação de que não me apoiaria. — Os olhos amarelos viram na minha direção com um sorriso contido.
— Ele é professor de educação física e técnico de futebol.
— Não quer dizer que ele corra. Eu sou praticante de esgrima e eu consigo vencer todos os atletas dele em uma luta de mãos limpas.
— Vamos não atiçar mais a nossa detenção. — Implica me empurrando.
— Seria muito divertido, mas você quem sabe. — Ameaço começar a correr, quando sinto as mãos dela no meu braço.
— Ou, nós podemos cumprir nossas horas aqui e irmos para minha casa — Paro e viro para olhar sua expressão. — Você pode dormir lá ou coisa parecida. — Dou meu melhor sorriso animado.
— Tudo bem por mim. O que quiser. — Tiro os cones de sua mão e começo a distribuir no gramado.
Nós estamos indo cruzar as linhas adversárias, quando ela acelera o passo, para ficar bem do meu lado.
— Com quantas pessoas você namorou? — Paro o que estava fazendo para prestar total atenção nela.
— Que tipo de pergunta é essa?
— Que tipo de resposta é essa? — Revira os olhos e começo a pensar. Otávio, Carlos, um outro pessoal que não lembro o nome, mas acho que esses foram ficadas aleatórias.
— Umas três ou quatro. — Ela expressa um sorriso largo.
— Só? Eu achei que você fosse...
— A piranha? — Me encarou ofendida.
— Não foi o que eu disse. É só que, você parece o sonho de todos.
— Eu não sou a irmã escolhida, Bárbara. — digo colocando o cone na linha. — Sou a irmã difícil.
— Você é atraente. — Mais uma vez, eu paro e viro para ela, que tinha as bochechas vermelhas, as quais eu não sabia ser era pelo sol ou por vergonha.
— Se sente atraída por mim?
— Não sei de que tipo de atração estamos falando, mas — Ele começa a apertar o saco em suas mãos com um pouco de força. — Existe algo sobre mim que só o Milo sabe. Eu não sinto atração sexual por garotas com muita frequência. Na maioria das vezes é apenas atração romântica.
Quem me conhece sabe que eu não sou uma pessoa que cala a boca e escuta, eu tenho o desejo incompreendido de fazer piadas. Só que não dessa vez. Bárbara tinha que se sentir segura, então eu fiquei em silêncio e ouvi seu lado da história.
— E o que sente pela minha irmã? — Coloquei mais um cone no lugar.
— Como eu disse, grande parte romântica. Só um relacionamento. — Aquilo é como vários socos no estômago. A gente mal se conhece então por que eu estou sofrendo? — Eu nunca quis e continuo não querendo transar com a sua irmã. Talvez eu realmente fosse apaixonada por ela. Mas... as atitudes recentes dela...
— Então você é virgem? — Ela me encarou por alguns instantes, antes de voltar a suspirar.
— Não é como se eu tivesse muitas opções na ilha, e todos daqui, menos você e seu irmão, me olham com uma alienígena. — Cruza os braços e me encara. — Então além de não ser desejável para qualquer outra pessoa, a sua irmã ainda era extremamente conservadora, menos quando ela queria beijar uma garota. Ah, Deus, eu estou fazendo de novo. Você deve estar me achando uma esquisita louca...
— Não. — Seguro suas mãos. — Você é perfeitamente normal. Pode ser lésbica e assexual. Ou demisexual.
— Demi? Eu seria atraída por pessoas enviadas pelo capeta? — Compartilho uma risada com ela, e passo uma mecha do seu cabelo para atrás da orelha para que não caia no rosto durantes a arrumação.
— Não seria mentira. Eu e Helena. — Ela não segura outra risada pela forma que menciono meu pai.
— Por que faz isso? — Expresso minha melhor cara de confusa. — Sempre encontra uma forma para que eu me sinta... inclusa e correta.
— Não há de errado em ser assexual, Bárbara. — Toco seu rosto e passo minha mão por suas bochechas. — E certamente não há nada de errado com você.
— Eu te disse que passei a minha vida me enxergando como um erro. Um falha. Alguém que precisa de conserto. Às vezes, todas às vezes, parece que tem algo de errado comigo. — Ela pôs sua mão por cima da minha e deixou um selo suave, antes de voltar a me olhar. — Eu queria que tivesse sido diferente.
— Como? — pergunto, encarando seus olhos amarelos, agora tristes.
— Eu queria que fosse você aqui seis meses atrás — Senti meu coração dando uma pequena parada Acho que ela também sentiu, porque levou sua mão livre em cima do peito, logo acima do meu coração. — Queria ter conhecido você no lugar da Helena. Queria ter me apaixonado por você ao invés dela.
Eu já sabia dos sentimentos de Bárbara pela minha irmã, e ter a confirmação para mim dos próprios lábios dela chega a ser odioso. Mas, eu faria mudar. Vou mostrar a ela que pode ser quem ela quiser comigo. Que pode ser ela mesma.
— Não é tarde para tentarmos. — Ela sorriu para mim como se não acreditasse. — Estou falando sério, Bárbara.
— Sinto muito.
— Você não tem nada do que se desculpar, amor. — Deixei um beijo no topo de sua cabeça e ela se afundou em um abraço.
— Estou pedindo desculpa pelas coisas que estou pensando sobre sua irmã agora — Admito que isso me chamou atenção. — Eu queria que ela pagasse. Que ela se sentisse como eu me sentia quando me destrava, quando me tratava feito lixo. Mas agora, agora eu quero desgraçar a vida dela. — Suas mãos seguram as minhas em seu rosto e no fundo de seus olhos eu vejo um raiva brilhando em vermelho. — Eu quero que ela se arrependa do que tentou fazer.
Não nego a ideia que passou pela minha cabeça. De puxar Bárbara e a beijar na frente de todos ali na quadra, mas ela precisa me dar permissão.
— Eu tenho uma ideia do que pode ser feito a respeito disso.
— Do que está falando? — Suas mãos desceram para minha cintura. Seu olhar cai nos meus lábios e só a visão dela perdida, sem saber para onde olhar é encantadora para mim. Tudo que eu passo a ouvir, tudo que começo a sentir, tudo que me importa e tudo que é digno da minha atenção tinha nome e sobrenome, Bárbara Lima.
— Você vai saber.
Digo com um beijo em sua testa me afastando para terminar com os cones. O fato é que não vou muito longe, porque assim que saio pelo gramado, Bárbara pergunta:
— Quem é Carina Leone?
Sabe quando você sente uma dor tão grande que parece que seu coração vai sair do peito? Parecia que Bárbara havia enfiado uma faca de peixe no meu peito e tirado meu coração a força. É claro que Helena tinha lhe contado de Carina e conhecendo minha irmã, ela contou a sua versão da história.
Mas antes que eu sequer possa começar a explicar, ouço meu nome ecoando na quadra e quando olho para entrada de jogadores, Gabriel, Yuki e Dom estão me encarando com um misto de medo e excitação. Aquilo só podia significar uma coisa. Carina Leone estava de volta, amor.
Notes:
Eu não sei se é o Halloween, mas eu estou me sentindo... má. Então, eu trouxe um teaser do que pode acontecer no próximo capitulo, ou não.
— Estamos de volta onde tudo começou. A irmã que me amava demais e a que não me amava o bastante. — Ouvi um riso e em seguida a voz de Amelie.
— E a italiana vadia do mau que só amava a si mesma.Lembre, eu aprecio comentários, teorias, sugestões. Bye, até a próxima.
Chapter 10: Não é uma volta, mas uma esperança
Notes:
Olá, há quanto tempo. Eu trago novidades e esperanças.
Chapter Text
Eu sei que não nos vemos há muito tempo e agradeço a todos vocês que esperam a volta dessa história. Por isso trago boas novas. Eu recuperei alguns arquivos que foram perdidos no meu pendrive, mas em função disso meu notebook acabou por falecer. Me tio ficou de comprar um novo, porém isso ainda não se concretizou, entretanto, ele me deu um notebook temporário e é por onde estou escrevendo. Então eu acredito que vocês receberam novas atualizações em breve. Quando esse dia chegar, os dois últimos capítulos serão excluídos e voltaremos exatamente de onde a história parou. Agradeço a paciência e a compreensão de todos vocês, até muito breve.
(Previous comment deleted.)
Red_Viper_Cobra_Kai on Chapter 9 Fri 11 Nov 2022 12:13AM UTC
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HarpiaVendetta on Chapter 9 Fri 11 Nov 2022 01:09AM UTC
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