Chapter Text
— Tá tudo certo pra hoje? — Perguntou carinhosamente enquanto checava seu telefone.
— Claro! Adiantei minhas coisas ontem pra poder ficar com você.
Andando de mãos dadas pelos corredores da mansão, eles adoravam agir como se nada estivesse acontecendo, marcando um encontro normalmente. Haviam se passado seis dias desde que Christopher voltou de sua missão, toda aquela euforia já havia passado
Ninguém entendeu muito bem o paradeiro de Felix, e qualquer pessoa que parecesse saber de alguma coisa, se recusava a responder.
Com o passar dos dias, as especulações foram surgindo e os murmurinhos nos corredores foram ficando mais presentes. E não havia nenhuma resposta concreta sobre o que de fato estava acontecendo.
— Hoje só preciso checar algumas coisas com Seungmin, e tenho uma reunião com a equipe nova de tarde, e você, amor?
— Estou praticamente livre, minhas turmas descansam hoje. Vou dar uma checada no Minho e só.
Sendo o único casal da “panelinha” da organização, Jeongin e Changbin preferiam ser discretos em público, mas deixando que todos soubessem que estavam juntos.
Se conheceram quando crianças e cresceram juntos, conheceram o amor juntos. E todos da família respeitavam e sabiam do relacionamento — que sempre foi apoiado por seus amigos.
Agora, mesmo atuando em áreas tão distintas na organização, quase sempre era possível vê-los juntos nos corredores, sempre que tinham algum tempo livre. Se encontrando e realizando missões juntos, como se realmente fossem inseparáveis.
Já faziam anos, e a relação nunca havia “esfriado” ou caído na mesmice.
— Vou subir as escadas e ir pro quarto do Chris ver o Minho, você vai pro Seung? — Questionou enquanto tirava algo de seu bolso.
— Ainda não Hyung, te mando uma mensagem quando acabar.
— Jeongin, você não precisa me chamar de Hyung.
— Eu sei, mas é costume — Riu.
Changbin revirou os olhos e entregou a chave reserva de seu quarto a Jeongin, e trocaram um selinho singelo antes de se separarem, indo um para cada lado.
— Até mais tarde!
Mesmo depois de tanto tempo, quando estavam juntos, o coração de Changbin palpitava, e ele andava por aí saltitando de felicidade. Era completamente apaixonado pelo mais novo, e sentia que essa sensação nunca passaria.
Subiu as escadas como se estivesse nas nuvens, cumprimentando as pessoas que passavam por ele, a maioria com pressa e preocupadas com suas próprias obrigações.
Chegou rapidamente à porta do quarto de Christopher, e logo que entrou, toda aquela felicidade por estar ao lado de Jeongin, havia desaparecido em um piscar de olhos.
O quarto estava bagunçado, Minho estava sentado no sofá olhando para o lado de fora com um tique ansioso em sua perna que não parecia parar. Profundas olheiras em seu rosto e uma expressão de alguém que não tinha uma boa noite de sono há dias.
Christopher andava em círculos com o celular no ouvido, dizendo algumas coisas em inglês que não entendia muito bem. E assim como Minho, carregava um semblante exausto.
— Did he say that? Oh, okay. Tell him I’ll be there. — Exasperou desligando o celular.
— Chan? Tá tudo bem?
— 네…~ Yes- Fuck! Sim! Tá tudo bem!
[Sim]
Foi ao encontro do amigo e o conduziu até que sentasse ao lado de Minho no sofá, tirou as garrafas de bebida de perto de ambos e foi procurar alguns copos para trazer água a eles.
— Pronto, agora as coisas vão melhorar. Minho, você está melhor?
— Tenho cara de alguém que está melhor? — Retrucou. — Não tenho vontade de sair desse quarto tem uma semana, estou atolado de trabalho e não sei nem por onde começar.
Changbin estava um pouco perdido, ao ver seus dois amigos mais velhos naquele estado, ele sabia que precisava fazer algo para ajudar, mas não sabia o quê.
Christopher teclava sem parar em seu celular, com o cenho franzido e uma expressão irritada. E Minho continuava a procurar pela bebida que havia escondido.
Ambos estavam em uma situação deplorável, e ele não sabia o que fazer. Sentiu uma falta imensa de Hyunjin, que sempre sabia o que fazer e falar nessas situações complicadas, especialmente por que sempre, os apoios emocionais eram Christopher e Minho.
Pensou em ligar para Seugmin, que era mais calmo e deveria saber como acalmá-los. Ou talvez até para Jeongin, que mesmo não sendo bom nessas coisas, poderia ajudar.
Mas, antes que pudesse ligar para qualquer um dos dois, conseguiu pensar em algo que pudesse ajudar, algo que talvez Hyunjin faria. Respirou fundo, olhou para seus dois amigos e pôs a tal ideia em prática.
— Chan, o que você tem pra fazer hoje?
— Alguém por algum motivo teve a autorização de Kija pra limpar minha agenda hoje de manhã, e tenho uma reunião com ele mais tarde. — Explicou
— Mas isso não é bom?
— É! Mas eu não consigo parar de pensar que vou deixar de fazer um monte de coisas!
— Vamos fazer o seguinte, Chan, vai ver o Seungmin e ver o que ele descobriu sobre aquele assunto, assim você não precisa ficar o dia inteiro sem fazer nada. — Instruiu com cautela o amigo.
Christopher era bem conhecido por nunca conseguir ficar parado, sempre precisando fazer alguma coisa produtiva e importante, raramente descansando. Então, para ele, um dia de folga podia ter o efeito contrário.
Mas tinha a estranha sensação de que o Kim saberia o que falar.
— E Minho, eu te ajudo a começar a lidar com o trabalho acumulado. Eu não quero ver vocês dois aqui assim.
Por mais que a altura de Changbin fosse um empecilho, ele sabia se impor quando necessário. Christopher e Minho escutavam quietos.
— Estão esperando o quê? Acham que estou brincando? — Esbravejou enquanto se levantava, começando a arrastar Minho para fora do quarto.
— Seu filho da puta, eu sou mais velho que você! — Minho reclamou.
Christopher continuou sentado por alguns segundos, tentando processar o que havia acontecido ali. E resolveu seguir o conselho de seu amigo — para não precisar ser arrastado como o Lee.
Estava naquela sala havia algumas horas, e mesmo que ainda fosse cedo, já estava quase acabando suas obrigações. Se perguntou o que seus amigos estariam fazendo.
Como odiava deixar as portas fechadas, Seungmin sempre estava com um fone em seus ouvidos para reduzir o ruído, e era assim que ele trabalhava dia e noite.
Era o mais novo e considerado o melhor guarda-costas de Kija, então não tinha muitas oportunidades de ficar o dia inteiro na sala de segurança.
Estava aproveitando o tempo em que o chefe retomava seu lugar, enquanto Christopher cuidava de outros assuntos.
E por falar nele, Seungmin foi novamente surpreendido pelo mais velho, que adorava assustá-lo. Com os fones, não o escutava entrar na sala ou ser chamado.
— Ráá!!
— Misericórdia, Christopher! Você quer que eu morra do coração? Se quiser é só falar! — Seungmin exclamou com a mão no peito.
— Eu já avisei que sempre que não me ouvir, vou te assustar.
Com um sorriso cansado em seu rosto, Chris puxou uma cadeira e a colocou ao contrário à frente de Seungmin, apoiando os cotovelos no encosto.
— Por que você tá aqui tão cedo? Precisa de alguma coisa?
— Desde quando eu venho aqui só quando quero alguma coisa? E se eu só quisesse te ver?
Seungmin riu alto e virou sua cadeira para o amigo, e começou a encará-lo até que Christopher cedesse. Sabia que “e se eu só quisesse te ver” não era o caso, por mais que a ideia soasse tentadora.
— Não, mas é sério, eu preciso sim.
— Como se eu não te conhecesse, Chris… — Suspirou — Do que você precisa?
— Ah, na verdade, eu só queria perguntar sobre aquele assunto do Minho.
Christopher ergueu uma sobrancelha ao ver os olhos do Kim brilharem quando tocou no assunto. O observou virar novamente a cadeira e buscar alguma coisa em seu computador.
Esperou em silêncio, tentando entender alguma coisa do que se passava nas inúmeras telas que Seungmin comandava ao mesmo tempo, admirando sua inteligência.
— Então… Era pra eu ter dito isso antes, mas eu quis esperar os nervos se acalmarem um pouco.
— O que você descobriu? — Perguntou curioso, chegando mais perto com a cadeira, para ver melhor.
— Bastante coisa. Esse cara não é tão cuidadoso quando achávamos.
Jogando diferentes imagens em diferentes telas, Seungmin se animava cada vez mais em ver seu trabalho. Queria que Jeongin estivesse ali também para mostrar sua parte, mas não o via desde a noite anterior.
— A palavra que eu achei primeiro, aparece em alguns sub-fóruns dessa região da Coreia… Aqui.
Mostrou na tela, um site mal-construído e visualmente poluído com vários anúncios em vários lugares diferentes. Abaixo de imagens, apareciam diversos comentários estranhos que chamaram a atenção de Christopher, e que Seungmin fez questão de destacar.
“ J.One이 누구인지 궁금합니다…”
[Me pergunto quem é J.One…]
“ J.One의 그림을 보셨나요? 놀라서! ”
[Já viram as pinturas de J.One? Incríveis!]
“ 이 제이원은 도시를 더럽힌 죄로 죽어 마땅합니다! ”
[Esse ‘Jay One’ merece morrer por poluir a cidade]
Essas eram algumas das várias menções do nome, e algumas tinham até fotos de pichações parecidas com a que observavam, a maioria contendo a mesma coroa registrada pela câmera da organização.
Iam de anônimos destilando ódio e ataques contra a “sujeira” que o homem fazia, até denominados fãs do homem e do que ele fazia, que exaltavam sua arte e expressão.
— … Mas onde isso nos ajudaria?
Christopher estava confuso, não entendia onde um punhado de mensagens de contas anônimas poderiam levá-los ao homem que estavam buscando. Olhou para Seunmgin em busca de uma explicação.
— É aí que fica interessante… Eu fui um pouco mais a fundo e descobri isso aqui…
“ 15년 넘게 염곡동 거리를 뒤덮고 있는 이 오물들 ”
[Essa sujeira cobre as ruas de Yeomgok-dong há mais de quinze anos]
— O que significa que este homem já faz isso há quinze anos… Então ou ele já é velho, ou começou muito novo.
— Se fosse velho não conseguiria fugir de nossos agentes tão bem. — Christopher complementou.
— Faz sentido… Então, há 15 anos, a região de Yeomgok-dong quase não existia, uma parte hoje se tornou uma área média, e o que já existia virou uma comunidade. Considerei as possibilidades dele ser de ambas as áreas, mas não faz muito sentido.
“95% das pessoas que moram nessa área média, vieram depois da definição das regiões, as que ficaram são idosas. Mas quem já estava e continuou na comunidade, é quase a população inteira. Ninguém saiu de Guryong.”
Mais uma vez, Seungmin se calou e voltou a teclar e clicar em pastas nomeadas estranhamente, colocando senhas em arquivos como um raio, sempre checando seu caderno de anotações.
Christopher mal conseguia acompanhar, tonto com tanta informação surgindo ao mesmo tempo. Não sabia como o Kim aguentava tudo aquilo e agir com tanta naturalidade.
— Aqui! Demorei alguns dias, mas consegui descobrir a marca das tintas que ele usa… E não tem marca!
— Hã?
— Não tem marca, Chan! — Seungmin repetiu com animação, como se fosse algo óbvio. — Nessa região, apenas lojas pequenas vendem tintas sem marca, sem rotulação. Existem apenas duas beeeem separadas, quase nos extremos da comunidade.
“Mas aí, eu fiz uma teia de todos os relatos de pichações nos fóruns, entrei em databases da polícia de Seoul, e não só descobri qual a loja exata, mas consegui imagens com a ajuda do Jeongin, hackeei uma câmera de segurança e consegui, não faz muito tempo”
As imagens agora mostradas na tela eram embaçadas, típicas de câmeras ruins, mas era óbvia a silhueta do homem que apareceu nas filmagens pixeladas. E não era fácil esquecer aquela jaqueta excêntrica, com uma coroa em lantejoulas nas costas.
O vídeo mostrava uma rua deserta, que parecia estar com a imagem congelada até que um homem com um capuz escondendo o rosto aparecesse, e entrasse em uma loja que tinha a palavra “tintas” levemente ocultada pelo desgaste e sombras.
Christopher já estava surpreso com toda a informação nova que Seungmin e Jeongin haviam conseguido em tão pouco tempo, e ainda sem deixar suas outras obrigações de lado; e o Kim ainda nem havia acabado.
— Eu fiz uma análise de outras filmagens e consegui diminuir a nossa área de busca para um raio de aproximadamente cinco a dez quilômetros. É nessa área que esse cara deve morar.
E novamente, bombardeado com informações e boas notícias, Christopher alternava seu olhar do computador para Seungmin, tentando processar tudo o que havia escutado.
— Seungmin, eu… Eu não sei nem o que falar… Você é incrível…
Não sabia o que fazer. Não sabia se queria gritar, comemorar, sair correndo, abraçar Seungmin, correr para Minho, simplesmente não sabia como fazer seu cérebro funcionar.
— De verdade, isso tudo… É muito mais do que o suficiente pra conseguirmos finalmente pegar esse cara — Afirmou surpreso.
— Uma hora ou outra vocês iam acabar descobrindo todas essas coisas… — Desviou o olhar, escondendo o rosto constrangido pelos elogios. — Já vai ir contar pro Minho?
— Ainda não, ele está com Changbin.
Anotando e passando as informações do computador para seu celular, Christopher se espreguiçou e continuou na cadeira ao lado de Seungmin, claramente feliz por todas as descobertas que o mais novo havia feito.
Agora, ele e Minho estavam mais próximos de acabar com aquele problema de uma vez por todas. O Bang ainda se preocupava com a falta de mensagens ou ligações de Felix, ligaria para ele quando saísse da reunião com Kija.
Ao se levantar e ir até a porta, Chris parou por um instante para se despedir do amigo, e assim que estava para sair, ouviu a voz de Seungmin novamente.
— Inclusive, vê se aproveita sua folga. — Recomendou com a voz repentinamente distante.
— O quê? Foi você?
— Lógico que fui eu. Aparentemente mais ninguém aqui dentro tem olhos e um cérebro que funcione.
— Mas…
Seungmin virou para o amigo, claramente confuso com o motivo de ter feito algo assim sem tê-lo consultado antes. E Christopher ficou ainda mais perdido ao ver o olhar do Kim endurecer.
— Você não se vê no espelho desde quando?
— O quê?
— Está péssimo, Christopher. Precisava tirar um tempo, pelo menos enquanto não resolvem esse assunto sobre Hyunjin.
Sem ter muito o que dizer, concordou normalmente e voltou a ir em direção à porta, quando enfim seu corpo paralisou novamente, e o choque de realidade fez a ficha cair, sobre o que havia escutado.
“ Pelo menos enquanto não resolvem esse assunto sobre Hyunjin. ”
Christopher não havia dito para Seungmin sobre a missão de Felix.
Ele não deveria saber sobre Hyunjin.
— C-como você…? — Virou-se lentamente, com os olhos arregalados.
— Eu não sou burro, Chan. Toda essa correria, você quase saltitando por aí e se matando de trabalhar, em reuniões aqui e ali com Kija. Você congelando toda vez que alguém citava o nome dele.
A voz do Kim estava fria, e seu semblante apresentava irritação. Não era possível que ele havia descoberto o que estava acontecendo tão facilmente — certo, estava mais feliz do que o costume, mas tomou todas as precauções para que ninguém descobrisse.
— Para um líder de máfia, você deveria mentir melhor. E Minho provavelmente sabe também, ou então já teria descoberto.
Sentiu os dedos formigarem com a ansiedade, e o coração acelerou com o olhar profundo e sério que Seungmin o lançou. Não sabia o que fazer naquele momento, provavelmente o Kim saberia se estivesse mentindo, mas também tinha ordens restritas para não falar sobre aquele assunto com ninguém.
— Entendo que por se tratar de Hyunjin, nem todos poderiam saber. Mas você poderia pelo menos ter me contado, e não me deixado descobrir desse jeito! — Repreendeu.
Com o coração nos ouvidos, estava tendo dificuldade para raciocinar enquanto Seungmin falava, ele nunca ficava bravo daquela maneira, e ainda o repreendia com tom baixo, para que ninguém além dele pudesse ouvir a conversa.
— A sua sorte é que Jeongin está preocupado demais com seus próprios trabalhos, e Changbin nunca faz a menor ideia de qualquer coisa que está acontecendo.
— Seungmin, eu…
— Foi pra isso que Kija contratou Felix? — Perguntou irritado — É por isso que você e Minho estão andando por aí feito dois zumbis? De um lado pro outro mais do que nunca?
Christopher estava acoado, querendo acreditar que aquilo não passava de um sonho cansado. A brutalidade no tom de Seungmin era o que mais o desestabilizou naquele momento.
— Vai descansar e vê se para de se matar à toa. E pode deixar bem claro com Kija que eu vou reclamar por não ter sido informado.
— Eu queria contar!~
— Agora, Christopher? Eu não quero saber. O fato de eu ter precisado descobrir, já me diz tudo o que preciso.
Mal-humorado de uma maneira que Christopher nunca havia visto, o Kim virou as costas e voltou a mexer em seu computador, sem dizer mais nenhuma palavra. Chris entendeu e o deixou, saindo da sala.
O coração estava aflito pela bronca, e pelo fato da missão agora arriscar se tornar pública — mesmo que tivesse a certeza de que Seungmin não contaria nem a Jeongin, ainda era um risco que não poderiam correr.
Mas após aquela desilusão, sua vontade era apenas de terminar a reunião com Kija e descansar o resto do dia, ligaria para Felix pela manhã.
Saiu andando pelos corredores, ainda levemente atordoado, mas já começando a se acalmar. Ainda tinha algumas horas antes de sua reunião, e pretendia usá-las para descansar ao menos um pouco.
Esperava que o Kim não ficasse bravo por muito tempo, mas se sentia culpado em aborrecê-lo daquela maneira, logo após o mesmo ter feito um trabalho tão eficiente para ajudá-los, sacrificando seu merecido descanso.
Tinha a plena consciência de que um acontecimento do passado ainda assombrava Seungmin, e era isso o que os afastava tanto. E Christopher havia conseguido piorar a situação, não contando para ele algo tão importante quanto o retorno de Hyunjin.
Seungmin fazia falta.
———————
Andava por aquelas ruas úmidas, sob o céu nublado e frio, sem se preocupar com o rumo que estava tomando. O capuz protegia seu rosto do vento, e a mochila pesada parecia puxar suas pernas cansadas para o chão.
Naquela hora da manhã, não havia ninguém perambulando no frio. O som de carros distantes nas avenidas movimentadas era o único som que quebrava o silêncio agourento daquele lugar vazio.
As casas escuras refletiam todo o ódio que percorria invisível por aquelas ruas precárias, de moradores antigos e abandonados, esquecidos e deixados para apodrecer. Esse ódio tomava forma em um jovem com os olhos decididos, um jovem cujo nome permanecia desconhecido por todos ao seu redor.
J.One , admirado por alguns, odiado por muitos. Tinha sua convicção inabalável, e expressava todo o seu desprezo pela sociedade hipócrita e falsamente perfeita na qual o país se apoiava. Adorava irritar com sua arte qualquer um que se vangloriava pelos privilégios que o dinheiro sujo lhes trazia.
Após vários minutos andando, a expressão fechada e as mãos nos bolsos, parou no fundo de um beco que levava para outras duas ruas escuras e desertas, apoiou-se em uma parede e esperou.
“ Andei tudo isso nesse frio, e aqueles desgraçados não estão aqui ainda. ” Pensou irritado, apenas querendo chegar em sua casa e dormir o resto do dia e recomeçar naquela madrugada.
Agradeceu por não ter de esperar muito. Ao ouvir passos vindos de uma das vielas, baixou seu capuz e subiu o resto do ziper de seu casaco, impedindo que vissem seu rosto inteiro. Não demorou para que duas figuras surgissem na entrada do beco.
— Ei Jay! Aqui! — O homem chamou em tom baixo, se aproximando.
O primeiro, um homem baixo, carrancudo e com o nariz torto e os olhos tão pequenos e puxados que pareciam sempre estar fechados, os cabelos oleosos caindo sobre a testa, e uma expressão de poucos amigos.
O outro, servia como guarda-costas, alto e gordo, forçando uma expressão irritada como se estivesse franzindo o cenho o tempo inteiro. Com os braços cruzados, chegou lado a lado com o outro homem.
— Finalmente, achei que fossem me deixar congelando aqui por mais tempo.
— Não seja tão rabugento, nem demoramos tanto assim. — Bocejou indiferente. — E aí? Fez o que combinamos?
— E quando é que eu não faço?
Tomando cuidado para não revelar o rosto, “Jay” puxou sua mochila para a frente de seu corpo e tirou um pacote lacrado, o entregando imediatamente ao homem baixo, que abriu um sorriso amarelo ao pegar. Não queria estar envolvido demais nos negócios sujos que aconteciam naquele lugar.
Não eram amigos, mal conheciam o nome um do outro, não passavam de “parceiros de negócios” como J.One gostava de dizer caso alguém perguntasse demais. Queria evitar ser visto com aqueles dois idiotas.
— Está me devendo umas tintas, só pra avisar. Tive que me esconder de um monte de seguranças. — Reclamou. — Não recebi o suficiente pra isso.
Já ia dar as costas quando sentiu a mão pesada do homem maior segurar seu ombro. Virou-se já irritado, preparado para brigar.
— Se quiser que eu faça mais alguma coisa, pague antecipado. Já é a terceira vez que trabalho para você só essa semana.
— Não. — Cortou o homem baixo. — Eu quero te alertar.
— Me alertar? Está ficando maluco?
— É sério, Jay. É melhor você parar de mexer com aquela gente de Seocho, até Hongjoong está preocupado.
— Ah, você está falando dos mafiosos de Gangnam? — Caçoou. — Eu sei que eles estão me procurando. Fiquei sabendo que um dos cabeças está todo irritadinho comigo.
Uma chama afiada pareceu surgir nos olhos de J.One, que estava se divertindo em ver todas aquelas pessoas procurando por ele, sempre ofendidas quando algo ameaçava sua honra, e era mais divertindo ainda quando se tratava de mafiosos que se achavam tão poderosos.
— É a minha maior fonte de alegria vê-los igual baratas andando em círculos tentando me pegar.
— Sim, sim… É bom, e tudo mais. Mas você sabe muito bem o que vai acontecer se eles acabarem te pegando.
— Em mais de quinze anos, ninguém nunca pôs as mãos em mim, não vai ser diferente agora. Esses malditos acham que estão no topo da sociedade só por que são da máfia. Eu sei o que estou fazendo, não é como se eles pudessem achar qualquer informação minha largada por aí.
— O seu nome corre por essas ruas dia e noite. Os idosos falam sobre você, os lojistas querem você para fazer o serviço sujo, as crianças querem ser como você… Admita que não é difícil saber quem você é por aqui.
— Quem eu sou? — Rebateu com tom ameaçador. — Você sabe quem eu sou? Alguém nesse lugar sabe quem eu sou? Ninguém aqui sabe nada sobre mim, e não vão ser eles que vão descobrir alguma coisa.
Cansado da cara feia daqueles dois, saiu irritado daquele beco fedido a passos apressados, deixando-os para trás.
Desde pequeno, sua maior diversão — e o que o fez ficar conhecido e respeitado naquelas ruas — foi irritar os cidadãos certinhos e que prezavam pela vida segura que tinham. Adorava ver as manchetes de jornais, com moradores indignados com o que fazia.
Viveu a vida toda lutando para sobreviver, e não havia coisa mais injusta, e que o irritava mais, do que ver políticos, gente rica, ou que só não passa fome, desprezando e tornando a vida de quem passava necessidades um inferno ainda pior.
Por anos, o que esquentava o seu sangue e o movia, era todo o ódio pela sociedade hipócrita que tentavam impor, toda a injustiça e corrupção que jogava gente má e desonesta no topo.
Viu amigos de infância sendo vítima da fome, da violência, da discriminação que todos tinham com pessoas como ele. Seu olhar com o tempo foi ficando cego a qualquer beleza da vida, a qualquer afeto ou calor que poderiam oferecer a ele.
E estava decidido que não ia se amedrontar. Queria ter sua voz ouvida, suas necessidades conhecidas por todos, através de sua arte. Estava certo de que ninguém nunca iria pará-lo.
Iria honrar o lugar de onde havia vindo, nascido e crescido em ruas paradas no tempo, com pessoas que trabalhavam dia e noite para sobreviver, e apenas ganhando as migalhas da fartura que as outras pessoas deixavam para trás.
Ele, Han Jisung, honraria o nome de sua família.
