Chapter 1: Para Sasuke - Uma não declaração de amor
Summary:
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
ㅤㅤㅤㅤSasuke,
ㅤㅤㅤㅤSei que anda ocupado e que na última vez que nos vimos o idiota do Naruto monopolizou toda a nossa atenção naquela história de tentarmos mais uma vez descobrir o que tem por baixo da máscara do professor Kakashi, enfim... eu estou enrolando, não estou?
ㅤㅤㅤㅤSendo direta agora, tem algo pesando no meu coração, uma dúvida que não toma a minha mente o tempo todo, mas que sempre paira no ar quando penso em nós dois. Desculpe, mas eu realmente preciso dessa resposta. Tem sido difícil para mim esses últimos quatro anos, a incerteza, e eu já não sei se o que eu sinto é o que eu devo sentir, ou se o que eu estou cultivando no meu peito é um sentimento que virá a dar frutos um dia. Pensar nisso, me perguntar isso, mesmo que apenas uma vez ou duas no dia, é algo que tem me enfraquecido e me deixado doente pouco a pouco. Eu preferi lidar isso sozinha até agora, mas eu sei que não vou encontrar a resposta que eu preciso em mim, e eu juro que não estaria o incomodando nesse momento se não fosse algo que está realmente me fazendo mal. Eu preciso da sua ajuda, e eu espero que não seja pedir demais. É apenas uma resposta, uma garantia ou uma libertação, um "sim" ou um "não" que vai tirar esse peso da minha mente e essa dor no meu coração.
ㅤㅤㅤㅤVocê poderia, então, fazer isso por mim? Responder essa dúvida? Porque a minha dúvida é:
ㅤㅤSasuke, você ainda retribui os meus sentimentos por você?
Notes:
O ship é estranho, eu sei, mas eu não pude deixar de escrever skksksks
Enfim, acho que vou começar a postar uma coleção de ships estranho com o Levi, porque ele simplesmente tem sido a minha obcessão nos últmos... quatro anos.
A fanfic também está sendo postada no Spirit Fanfics e no Wattpad, no meu perfil nessas plataformas (@input), então não precisam denunciar por plágio.
A capa e o banner foram editadas por mim usando prints e imagens oficiais da obra, então seus devidos créditos ao Hajime Isayama e ao estúdio Mappa, Masashi Kishimoto e ao estúdio Pierrot.
Até o próximo!
XOXO
Chapter 2: Presença Ilustre - Sasuke Retorna a Vila!
Summary:
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
ㅤㅤㅤㅤUm suave vibrar ecoava pela madeira da mesa repleta de papéis e cabelos rosáceos bagunçados, fazendo a dona destes resmungar e cerrar as pálpebras incomodadas pela luz vinda dos prédios em volta do seu. A jovem mulher coçou a cabeça, erguendo-a da escrivaninha de forma lenta e relutante enquanto usava a outra mão para tatear o aparelho responsável por acordá-la. Aos poucos a lucidez tomava o lugar da sonolência, forçando-a a focar seus olhos cansados na mensagem em destaque na tela do pager. É da administração da Torre do Hokage e requer a presença dela o mais rápido possível no escritório dele. Ela desviou a sua atenção do texto e a focou no horário que marcava no seu novo apetrecho. Eram apenas 4 da manhã — ou seria da madrugada? Resmungou outra vez, se perguntando se a penalização de ignorá-lo valeria uns minutos extras de descanso.
ㅤㅤㅤㅤNão lembrava exatamente quando havia caído no sono, mas sabia que tinha sido pouco tempo atrás. Chefiar o departamento médico do hospital e, agora, a clínica para órfãos que estava prestes a sair do papel estavam consumindo-a. Amava o que fazia, claro; apenas era cansativo passar horas nas alas e mais horas fazendo pesquisas em casa, e essa noite não havia sido diferente: uma cirurgia de emergência complicada no fim da tarde que se estendeu até tarde da noite e depois horas incessantes de estudo no seu quarto. Provavelmente desmaiou de tanto cansaço. Ossos do ofício. Agora não era hora de ficar se lamentando, afinal, sabendo como ela era ocupada, Kakashi só faria esse requerimento se fosse importante...
ㅤㅤㅤㅤSakura então se levantou da cadeira e esticou as costas, em dúvida se deveria tomar um banho antes de vestir uma roupa apropriada para visitar o Hokage. Lembrando do tom de urgência da mensagem, decidiu que não o faria. Colocou as mesmas roupas que jogara em cima da cama antes: uma calça clara, uma blusa de manga comprida verde e uma sandália. Trancou a porta rapidamente e seguiu em direção à cidade antiga, observando como Konoha era agitada mesmo neste horário. Seus passos eram ligeiros e boca dela se ocupava em comer a maça que pegou antes de sair para ter algo no estômago, caso a sua visita lá fosse demorar muito.
ㅤㅤㅤㅤEra outono, o céu estava escuro e cheio de nuvens. Seria impossível ver as estrelas mesmo se estivesse limpo, afinal, a luz da cidade nova se sobrepunha a qualquer brilho vindo do espaço. A lua continuava exibindo, mesmo entre as nuvens, marcas do último incidente potencialmente apocalíptico que assolou o mundo ninja, mas as cinco nações estavam empenhadas em restaurá-la o quanto antes, e estava dando certo; havia muita diferença entre dois anos atrás e agora. À medida que chegava na cidade antiga, as luzes e o movimento de pessoas reduziam. Era de se esperar, já que lá é uma região residencial. Nas ruas, apenas alguns vagabundos bêbados que lhe proferiam vez ou outra uma palavra nojenta e agentes da polícia que faziam sua patrulha rotineira. Os edifícios ali eram menores, e já era possível ver a Torre do Hokage mesmo que não estivesse tão perto.
ㅤㅤㅤㅤUma brisa fria passou pelas suas costas, a fazendo se apressar ao mesmo tempo em que se perguntava o porquê de ter dispensado um casaco. Cinco minutos de caminhada depois, e ela já conseguia ver os portões da torre e os guardas de prontidão. Os que estavam próximos da entrada lhe cumprimentaram com um bom dia que a Haruno retribuiu com um sorriso gentil, apesar do rosto cansado. Já perdera as contas de quantas vezes passou ao longo aqueles corredores. Memórias, desde as recentes até as antigas, inundaram a mente dela enquanto era acompanhada por uma moça até o escritório de Kakashi. Inevitavelmente, enquanto revisitava as suas lembranças, pensou em Sasuke e com isso veio um sentimento que apertou o seu coração. Ele não havia a respondido. Enviara uma carta há mais de dois meses, entretanto nenhuma outra chegou em retorno.
ㅤㅤㅤㅤApós de tantos anos, se perguntava o que ele disse antes de partir mais uma vez tinha sido uma alucinação sua ou se ele só havia mudado de ideia depois. Eles tiveram poucas oportunidades de estarem a sós, no entanto os poucos momentos juntos desde então não serviram para tirar as suas dúvidas, e quando decidiu ser direta e perguntar-lhe se ele ainda retribuía os seus sentimentos ou se ela estava amando sozinha... foram anos investindo num amor incerto, boa parte desse tempo devido a imaturidade e insistência, mas parecia, naquela época, anos atrás, que não tinha sido em vão. Pela primeira vez se via em dúvida quanto a isso. Ela já não queria perder vida dela nutrindo um amor que não floresceria.
ㅤㅤㅤㅤ"Senhor Hokage? A senhorita Haruno chegou." A voz aveludada da moça a sua frente a despertou dos seus pensamentos conflituosos.
ㅤㅤㅤㅤ"Deixe-a entrar." A fala de Kakashi estava abafada pela porta pesada de madeira, porém, foi audível.
ㅤㅤㅤㅤSakura abaixou a cabeça levemente, dissipando completamente qualquer devaneio que porventura restasse em sua mente, e quando ouviu a porta abrir, focou atenção no chão e entrou.
ㅤㅤㅤㅤ"Bom dia, Senhor Hokage. O senhor pediu para que eu..." Seus olhos subiram devagar para os presentes na sala, e então a figura que há segundos fazia presença apenas na cabeça dela, agora estava materializada poucos metros à frente, de costas para si. "Sasuke?"
ㅤㅤㅤㅤIsso foi o suficiente para fazê-lo tornar a atenção nela.
ㅤㅤㅤㅤ"Oi, Sakura."
ㅤㅤㅤㅤ"Oi..."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu sei que é uma presença ilustre a do Sasuke, mas o assunto é realmente urgente." Kakashi interrompeu a confraternização, com um olhar cansado em meio a pilhas e pilhas de papel e pergaminhos.
ㅤㅤㅤㅤ"Tem razão, Senhor Hokage. Sinto muito."
ㅤㅤㅤㅤKakashi suspirou pesadamente antes de se levantar e a entregar um conjunto de quatro páginas com a letra que ela reconheceu como sendo a do Uchiha ao seu lado. Era um relatório. Sakura começou a ler. A primeira página parecia ser o fim de um relato sobre o último templo de Kaguya que Sasuke rastreou, no entanto, comparado com as informações que vinham a seguir, aquela parte não era a mais preocupante.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu a chamei porque tenho uma missão para você."
***
ㅤㅤㅤㅤO sol estava nascendo no horizonte por entre as nuvens que insistiam em ficar cobrindo o céu. Elas estavam pintadas de lilás e laranja e se moviam calmamente com a brisa do outono. Sakura e Sasuke já estavam do lado de fora. Foi uma reunião um tanto longa. Como ela não teria tempo para estudar os detalhes da missão de emergência, Shikamaru e Sasuke a atualizaram sobre a situação, o objetivo e o seu papel na operação. Seria uma infiltração em dupla num país pequeno perto do País da Água. Quando Sasuke estava na região, reparou numa movimentação estranha de criminosos de alto nível. Relatou isso ao Kage mais próximo e este, depois de perder ninjas de elite na investigação, pediu a ajuda de Konoha. Naruto estava em missão, além do que, investigação e espionagem não são exatamente o forte dele. Dito isso, ali estava a Haruno.
ㅤㅤㅤㅤ"Já comeu alguma coisa?" Sasuke perguntou. Foi tão inesperado que a garota pulou de susto.
ㅤㅤㅤㅤ"Sim... ah... na verdade, foi só uma maçã."
ㅤㅤㅤㅤPelo amor de Deus, Sakura, o que você tem na cabeça para falar desse jeito?
ㅤㅤㅤㅤEle riu.
ㅤㅤㅤㅤEle riu?
ㅤㅤㅤㅤO rosto dela ficou vermelho.
ㅤㅤㅤㅤ"Espero você no portão da Folha em duas horas." Ele deu alguns passos para frente, a deixando congelada no mesmo lugar.
ㅤㅤㅤㅤ"É... certo!"
ㅤㅤㅤㅤAntes de ele se virar à esquerda na saída do prédio do Hokage, seus olhos se encontraram.
ㅤㅤㅤㅤ"Descansa um pouco, também. Você está péssima."
ㅤㅤㅤㅤA garota murchou. Era como se uma aura pesada de fracasso estivesse pairando sobre ela, e a acompanhou até em casa, durante o café da manhã e banho e até se jogar de bruços na cama. Felizmente, ou não, o seu drama adolescente durou pouco, já que o cansaço tomou o corpo dela e fez os seus olhos fecharem. Sem sonhos, apenas o completo escuro das suas pálpebras. Em alguns momentos até se perguntava se estava mesmo dormindo, ou se apenas se mantinha de olhos fechados por longos minutos. A ansiedade a impedia de relaxar. Só teve certeza do seu sono quando o despertador ao lado da cama pareceu ter tocado dez minutos depois, sendo que na verdade já havia se passado mais de uma hora. Ela morava relativamente perto do portão, então não teve tanta pressa em se arrumar. Vestiu seu típico uniforme vermelho, desta vez mais escuro, sobre uma calça preta levemente justa. Na cintura o cinto com duas bolsas já preparadas periodicamente por precaução, nos pés as clássicas botas de cano alto e cobrindo tudo isso, um manto verde escuro longo que a cobria inteiramente. Não se olhava no espelho por vaidade, apenas conferia visualmente se havia reunido todo o necessário. Da gaveta da mesa de cabeceira, Sakura tirou a sua praticamente esquecida bandana, limpou o pó acumulado do metal e posicionou sobre os seus cabelos no lugar da faixa que usava cotidianamente.
ㅤㅤㅤㅤPronta.
ㅤㅤㅤㅤRepetiu outra vez o ritual de trancar a casa e partiu para o portão da vila. A cidade neste horário estava muito movimentada em comparação quando de madrugada. As nuvens não estavam tão presentes no céu agora, apesar da brisa fria persistir. Conhecidos a cumprimentaram, desejando boa viagem, afinal, ela estava dando na cara com aquela roupa toda.
ㅤㅤㅤㅤOs prédios voltaram a se tornar escassos perto da fronteira da vila, mesmo assim, o fluxo de viajantes os substituía tão bem naquela larga passagem... não foi difícil de encontrar Sasuke na multidão, no entanto. Apesar de ele ter trocado de roupas — limpas e sem nenhuma avaria —, pareciam ser exatamente as mesmas. Conhecendo bem a praticidade com que o Uchiha levava a sua vida, conseguia imaginar perfeitamente um guarda-roupas enorme cheio de cópias das suas roupas usuais. Sakura apressou mais seus passos, parando apenas a três de distância dele. Após um instante de silêncio desconfortável, eles se cumprimentaram.
ㅤㅤㅤㅤ"Me esperou muito?"
ㅤㅤㅤㅤ"Na verdade, não."
ㅤㅤㅤㅤA dupla apresentou a ordem deles à guarita da entrada e logo seguiu rumo ao seu destino.
Notes:
Para quem tá esperando pelo Levi, aguenta mais alguns poucos capítulos que ele logo tá ai! Estou tentando fazer algo realmente crível, um crossover bem feito, e o romance vai ser slow burn, bem slow mesmo sksksk
Como eu tenho alguns capítulos prontos, até o capítulo 13 eu vou postar 3 vezes na semana. A partir disso, a atualização vai varia de acordo com o tamanho do capítulo.
Até o próximo!
Chapter 3: Sr. e Sra. Inoue - Uma Missão no País do Mar!
Summary:
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
ㅤㅤㅤㅤApesar das semanas passadas juntos, a relação dos dois não teve uma mudança significativa, apenas conversas sobre a missão, perguntas rotineiras sobre a saúde um do outro, até mesmo comentários sobre clima frio da região — este último sempre partia de Sakura, que ficava sem receber qualquer resposta. Tirando quando Sasuke ajudava Sakura a refinar um jutsu do estilo relâmpago necessário para a missão, ele nunca falava. Sendo sincera, muito sincera, para Sakura, se Sasuke retribuía os sentimentos dela, ele não parecia. Na verdade, ele não parecia nem tentar parecer. O que nos primeiros dias era uma frustração de Sakura, agora só era como um calo: não dói, raramente incomoda, mas volta e meia ela dá um jeito de lembrar você de que ela está ali. Chegou a pensar que talvez Sasuke não quisesse resolver essa questão durante a missão, mas, honestamente, quando eles resolveriam? Ele nunca está na vila, quando decide aparecer é sempre sobre trabalho ou porque precisa repor algo que faltou ou estragou, o que também é trabalho. A cada vez que pensava nisso — e cada vez pensava menos — menos esperançosa ela ficava. Chegou a pensar que a sua carta tivesse se perdido, que Sasuke não a recebera, mas a forma como ele a olha de soslaio pensando que ela não notaria era prova de que ele a recebeu.
ㅤㅤㅤㅤDe qualquer forma, não era momento para isso — mesmo que o momento tornasse esse calo extremamente evidente. Lembraria de questionar, assim que voltassem para Konoha, quem teve a brilhante ideia de o plano incluir um disfarce de casal. Mesmo com a qualidade impecável dos seus disfarces, Sakura se sentia a cada segundo mais deslocada. O salão era enorme e luxuoso, assim como as vestes de todos os presentes. Algum clássico era tocado de fundo pelos músicos contratados para o evento, entretanto os convidados apenas se concentravam em conversar. Sasuke, que agora atende pelo nome de Kazuki Inoue, mantinha o seu típico ar antissocial, já Sakura, ou melhor, Mei Inoue, compensava isso com um sorriso gentil e cortesia. Em determinado momento, Sasuke a cutucou discretamente, e indicou com o olhar o seu alvo.
ㅤㅤㅤㅤApesar de uma operação cuidadosa, eles trabalhavam tão bem juntos, que não levaram mais do que uma semana para responder as seguintes perguntas: "quem?", "por quê?" e "como?". Kenji Watanabe é líder de uma organização criminosa chamada Shinkage, que visava o fim da era das Cinco Grandes Nações e dos seus respectivos Kages com o objetivo de fazer nascer um novo regime político. Aparentemente, essa organização se manteve oculta há anos, nutrindo o ideal de que o poderio militar e político polarizado do jeito que é, inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, culminaria em guerras, e que, para encerrar esse ciclo sem fim, esse sistema deveria ser destruído e substituído por apenas um único núcleo, mesmo que para isso, haja conflito. O que os tirou das sombras, no entanto, é o cenário político atual. Com a nova ascensão do País da Água, trabalhar numa nova diplomacia que reaproxime os países fronteiriços se tornou uma das prioridades, visto que a má reputação da Névoa com a região ainda persiste. Um dos métodos é o auxílio e o reconhecimento de vilas ocultas nesses países periféricos. O país do Mar, no entanto, se mostrou relutante a respeito disso desde o início. Não a população, em si, mas os líderes políticos. Considerando que a "atividade econômica" de uma das principais ilhas é justamente a criminalidade, não seria interessante para os figurões um poderio militar interferindo nos seus negócios. Foi nesse contexto que a Shinkage surgiu pela primeira vez.
ㅤㅤㅤㅤDevido à pressão internacional e da população, o País do Mar se encontrava cada vez mais sem saída, até que "acidentes" começaram a ocorrer com os diplomatas da Água. Sequestros de membros importantes que estavam cedendo, desaparecimentos de documentos importantes, notícias falsas sobre o País da Água e do Mar plantavam daninhas na opinião popular para gerar contradições e desconfiança. Estava dando certo, até agora.
ㅤㅤㅤㅤO objetivo da missão de Sasuke e Sakura se tornou, então, coletar provas sobre a manipulação política que o País do Mar estava fazendo, e viabilizando de uma vez uma relação diplomática estável entre os dois conflituosos países.
ㅤㅤㅤㅤ"Boa noite, senhores", o tal Kenji acenou ao se aproximar dos ninjas disfarçados. Ele pegou as delicadas mãos da única dama presente ali e a levou até os lábios. "Boa noite, senhorita. Prazer em conhecê-la."
ㅤㅤㅤㅤKenji Watanabe era um homem de meia idade bem afeiçoado, de estatura e porte físico medianos. Os curtos cabelos ruivos estavam cuidadosamente penteados para trás, e ele trajava um terno elegante terno preto com um subtom esverdeado. A aparência incomum destoava na multidão, somado a isso a presença dele praticamente abraçava o ambiente mesmo quando ele ficava nos cantos do salão. Sakura não deixou que essa percepção a fizesse tropeçar, com um sorriso convincente no rosto, ela desempenhou o seu papel.
ㅤㅤㅤㅤ"O prazer é todo meu. Me chamo Mei Inoue" a jovem respondeu retirando educadamente a sua mão da dele e enlaçando o seu braço ao do homem ao seu lado, que mantinha a sua típica expressão antipática. "Este é o meu esposo, Kazuki."
ㅤㅤㅤㅤKazuki estendeu o braço direito para um aperto de mão, a voz dele firme e retilínea enquanto cumprimentava o homem de volta. "Prazer em conhecê-lo."
ㅤㅤㅤㅤ"Nossa! Você tem um aperto de mão forte!" O homem comentou, com um rosto cordial, ainda mantendo a expressão gentil apesar do incômodo.
ㅤㅤㅤㅤSakura, temendo que o temperamento duvidoso do seu companheiro estragasse as suas chances de infiltração, buscou qualquer assunto para acabar com aquela situação impertinente. Com sorte, Kenji interpretaria aquele comportamento apenas como uma demonstração de ciúmes depois do homem ter, em tese, flertado com a esposa dele.
ㅤㅤㅤㅤ"Você deve ser o anfitrião, o senhor Watanabe. Estou certa?"
ㅤㅤㅤㅤIsso bastou para que Sasuke soltasse a mão do suspeito, que massageou a palma levemente antes de esconder as mãos atrás das costas. "Estou impressionado. Como sabe?"
ㅤㅤㅤㅤ"Habilidades de observação. Aprendi depois de tanto acompanhar o meu marido nessas festas. Sabe? No ramo dos Inoue, é o mínimo que se espera da esposa do chefe da família." Ela enrolou, com confiança. "Além disso, o seu nome estava no convite, e o senhor é o único que está cumprimentando a todos."
ㅤㅤㅤㅤ"Além de bela é perspicaz! Com todo respeito, senhor Kazuki." O sorriso de Kenji diminuiu ao ver o rosto fechado homem ao lado dela.
ㅤㅤㅤㅤSakura, no entanto, desdenhou da preocupação do homem, olhando para Sasuke por um momento, colocando uma mão sobre o ombro dele, aparentemente suave, mas firme o suficiente para mandar um aviso ao companheiro. Ainda com a mesma expressão educada no rosto, ela se virou para Kanji e respondeu, "peço desculpas pela grosseria do meu marido. Além dele ser um tanto turrão naturalmente, estamos enfrentando uma fase turbulenta nos negócios. O movimento político mesmo daqui consegue nos afetar até quem está do outro lado do continente. Tem sido estressante."
ㅤㅤㅤㅤ"Sinto muito saber disso. Infelizmente muitos de nós também estamos enfrentando obstáculos." Kenji deu o primeiro gole em seu espumante, acabado de ser pego da bandeja de algum funcionário que passou por perto. "Mas fiquei curioso... não quero ser indelicado ou parecer enxerido... qual seria o ramo dos Inoue? Nunca ouvi falar de vocês."
ㅤㅤㅤㅤ"Bom, quase ninguém ouve na verdade..."
ㅤㅤㅤㅤ"Trabalhamos com encomenda de artefatos bélicos raros." Kazuki interrompeu sua esposa, tomando finalmente mais posição nesta conversa.
ㅤㅤㅤㅤ"Raros como?" Kenji demonstrou interesse.
ㅤㅤㅤㅤ"Como técnicas secretas e doujutsus e kekkei genkai" ele tornou a responder.
ㅤㅤㅤㅤO clima da conversa pesou. A expressão cordial de Kenji derreteu em uma feição aterrorizante e nojenta. Seus olhos se tornaram turvos, e o sorriso simples se curvaram de uma forma sádica. Ela engoliu em seco, mas rapidamente retomou a postura.
ㅤㅤㅤㅤ"Acham que podem me enganar?"
ㅤㅤㅤㅤA espinha de Sakura gelou. A possibilidade de terem sido descobertos preenchia a sua mente, a fazendo lutar contra o instinto de comprimir seu chakra. Ela olhou para Sasuke. Ele permanecia impassível.
ㅤㅤㅤㅤ"Vieram como representantes do País da Geada, mas a real intenção de vocês aqui é..." Os músculos de Sakura tensionaram, preparados para qualquer sinal de ataque. De repente, todos naquele salão pareceram inimigos prestes a atacá-los. "...fazer negócios comigo!"
ㅤㅤㅤㅤSakura suspirou, aliviada, mas contida, ainda dentro do disfarce dela. "Por um instante achei que estivesse irritado com o nosso plano de uma parceira comercial, que tivesse soado de forma rude," ela respondeu com um sorriso levemente nervoso, a voz dela levemente instável, do jeito que deveria ser diante da situação.
ㅤㅤㅤㅤ"Como você é uma pessoa influente e com ótimas conexões na região, pensei que seria vantajoso para ambos uma parceria". Kazuki tornou a negociar, praticamente ignorando o que a sua esposa havia dito, como se não fosse importante — e aos olhos de Sasuke, de fato não era.
ㅤㅤㅤㅤ"Acredito que seja uma excelente oportunidade, mas não para tratarmos agora," Watanabe respondeu, indicando o ambiente lotado com a taça na mão dele antes de dar mais um elegante gole. "O que acha de uma reunião?"
ㅤㅤㅤㅤSasuke sorriu com a sugestão, um sorriso estranho e quase fora do lugar, um que não era genuíno, mas que encaixou bem naquela situação, de alguma forma.
ㅤㅤㅤㅤ"Não esperaria menos."
ㅤㅤㅤㅤKenji novamente tornou a apertar a mão de Kazuki e beijar a mão de Mei, desta vez em despedida. "Entro em contato para discutirmos melhor os detalhes da nossa reunião. Aproveitem a festa."
***
ㅤㅤㅤㅤ"Você precisa melhorar a sua atuação na próxima vez" Sasuke disse um tom repreensivo, enquanto retirava todos os apetrechos do disfarce do seu corpo.
ㅤㅤㅤㅤSakura, por sua vez, já completamente desmontada e jogada sobre a cama do quarto de hotel retrucou, em um sussurro esganiçado. Sua atuação não teria sido comprometida se Sasuke soubesse se controlar. Sinceramente. Por que ele havia ficado tão irritado, de repente? Se não fosse o raciocínio rápido de Sakura, ele teria espantado Kenji no primeiro minuto e, se isso acontecesse... adeus, missão. O trabalho de duas semanas iria inteiramente para o lixo. Bom, ela conhecia Sasuke o suficiente para saber que reclamar só levaria a mais discussão. Fora que o plano deu certo. De forma desajeitada, mas deu. Isso é o que importa. Além disso, no fundo, Sakura sabia que Sasuke pensava que ela fez dar certo. E ele sabe que ela sabe disso. Algumas manias deles de implicar com ela voltaram com essa viagem. Não como era antigamente, claro. Era mais leve.
ㅤㅤㅤㅤÀs vezes ele só parece não saber como agir comigo, o que é de se esperar visto o passado conturbado de ambos. Para muitos é uma surpresa que a garota ainda consiga se dar bem com Sasuke, apesar dos pesares. Para muitos outros, é só loucura mesmo.
ㅤㅤㅤㅤ"Não se sente desconfortável com a forma que os homens se aproximam de você?" A pergunta dele não pareceu ter alguma segunda intenção ou sentimento por trás além de preocupação. Mesmo assim isso fez o coração dela palpitar. Era a primeira vez que ele iniciava um assunto. "Não só como foi na festa, eu digo."
ㅤㅤㅤㅤSakura parou para pensar por um momento. Não que precisasse elaborar uma resposta. Ela a tinha na ponta da língua. Só era curioso como Sasuke não pensava direito ou não tinha noção nenhuma sobre como uma pergunta como aquela poderia soar. Faz alguns anos, mas ele a rejeitou, categoricamente, antes de se tornar um renegado. Se ela fosse mais jovem e imatura, confundiria seus sentimentos e se iludiria pensando que eram "ciúmes, Sasukezinho?", mas não era isso — se caso fosse, se sentiria uma idiota por ter se apaixonado por alguém assim.
ㅤㅤㅤㅤEla virou de barriga para cima e encarou o forro.
"Infelizmente é uma coisa que você se acostuma. Não deixa de ser revoltante ou desconfortável, claro. Só não vale a pena se estressar com isso toda vez." O tanto de vezes que Sakura ouve papos tortos de desconhecidos, até pacientes do hospital... e não é como se ela se achasse linda a ponto de todo homem se apaixonar por ela. Eles simplesmente o faziam para satisfação do próprio ego. "No início é difícil: você acha que são homens apenas elogiando, até perceber o quão nojento é. Parece que eles não veem você com uma pessoa digna de respeito."
ㅤㅤㅤㅤ"É uma merda que isso aconteça."
ㅤㅤㅤㅤ"É, sim..."
ㅤㅤㅤㅤFoi uma pergunta íntima, mas sem nenhuma intenção romântica. Ela sabia disso. Não é a primeira vez que ela teve esse tipo de conversa com um homem — Sai consegue ser extremamente inconveniente e inocente ao mesmo tempo com os seus questionamentos, afinal —, mas tinha desacostumado a ter esse tipo de interação com seu antigo parceiro de time. O amor platônico que pensava estar desaparecendo teve uma recaída. Por saber da natureza da relação que Sasuke e ela estão construindo nesse momento, era tudo o que ela menos queria.
ㅤㅤㅤㅤ"Sakura, eu sei que esse não é o momento para conversarmos sobre isso, mas tem algo me incomodando." Novamente o coração dela falhou. Ela respirou fundo e levantou seu dorso do colchão, ficando sentada com as pernas cruzadas. "Sobre a gente..."
ㅤㅤㅤㅤO medo de ser rejeitada surgiu no último momento.
ㅤㅤㅤㅤ"Está tudo bem com a gente..."
ㅤㅤㅤㅤ"Não, não está." Ele a cortou, com o mesmo tom de sempre. "Eu estou conseguindo refazer os laços que eu quebrei com o Naruto. Ele é uma pessoa extremamente simples, me perdoou e entendeu com uma facilidade assustadora, ainda que eu mesmo não tenha conseguido fazer isso por mim mesmo. Talvez tenha alguma relação com aquela história de espíritos irmãos reencarnados, eu não sei..."
ㅤㅤㅤㅤÀ medida que Sasuke falava, o peito de Sakura se apertava, mas já não era de esperança. Chegava a ser cruel a forma austera que o Uchiha acendia a sua alma só para jogar um balde de água fria depois. Não era proposital. Devia ter se acostumado, mas o coração humano é idiota e adorava se agarrar a falsas expectativas. Não tinha como não se sentir irritada com isso.
ㅤㅤㅤㅤ"Pode chegar ao ponto, por favor?" Ela lutou e teve sucesso em manter a sua voz estável. "Temos uma operação importante amanhã, e é fundamental que estejamos bem descansados."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu sei disso."
ㅤㅤㅤㅤOs olhos dele desviaram para algum lugar atrás dela, de forma distante. Talvez chateado? Bom, ele não teria o direito de reclamar depois de ter feito o mesmo nas últimas semanas. "E então...?" a jovem incentivou.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu quero me desculpar com você."
ㅤㅤㅤㅤOs olhos marejaram, peito apertou e a garganta começou a doer insuportavelmente. Ela olhou o teto e respirou fundo.
ㅤㅤㅤㅤ"Você já se desculpou comigo, e eu o desculpei. Do que mais precisa?" Desta vez ela não conseguiu manter a postura. A sua voz vacilou.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu preciso que as feridas entre nós dois se curem de verdade." Apesar da expressão levemente mais suave, a sua voz se mantinha fria. "Um 'desculpe' e um 'tudo bem' não são suficientes para resolver isso. Eu sei que você ainda tem mágoas do passado, com relação a mim, e tem razão para se sentir assim. Eu só quero resolver isso de verdade, para que a gente possa voltar... a ser como era antes."
ㅤㅤㅤㅤ"O que sugere para que cheguemos a isso?"
ㅤㅤㅤㅤSasuke deu alguns passos em direção a ela, já com a sua roupa usual, perguntando silenciosamente se poderia sentar ao seu lado. Sakura meneou a cabeça, sinalizando um "sim". Ele se sentou, apoiando o queixo em sua mão direita e o cotovelo sobre os joelhos, de forma que os dedos cobrem o seu rosto até a altura do nariz.
ㅤㅤㅤㅤ"Inteligência emocional não é o meu forte."
ㅤㅤㅤㅤ"Tem razão." Poderia ter sido uma piada, mas não era. Na verdade, no fundo, Sakura sabia que aquela resposta era apenas uma provocação, uma pequena vingança para o magoar da mesma forma que ele havia a magoado antes e estava a magoando agora. "Por que decidiu falar sobre isso justamente agora, depois de tanto tempo?"
ㅤㅤㅤㅤO silêncio se fez presente, apenas a respiração estável dele e a tentativa de estabilidade dela. Os olhos de Sasuke estavam fechados, provavelmente organizando as palavras na sua cabeça, as sobrancelhas levemente franzidas eram a única coisa que denunciava algum conflito interno que ele pudesse estar sofrendo. Sakura, por sua vez, encarava a janela, fazendo o possível para se manter firme.
ㅤㅤㅤㅤ"Você não repara como é um livro aberto, não é?" Sasuke perguntou, a voz dele quase um sussurro, ao ponto de Sakura duvidar da própria audição. "Durante esses anos, depois da guerra, depois de fazermos as pazes... está estampado na sua cara que as coisas que eu fiz contra você e o Naruto, contra os seus amigos, ainda machucam você. Ficou ainda mais explícito durante a missão."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu já disse que desculpei você, Sasuke."
ㅤㅤㅤㅤ"Mas isso não significa que você tenha me perdoado. Nem é sobre perdão." Ele abriu os olhos e a fitou de canto. "Eu não quero que você fale que está tudo bem só para que eu não me sinta culpado. Se é isso que você planeja, não funciona se eu sei a sua intenção."
ㅤㅤㅤㅤ"O que quer que eu faça, então?" Ela devolveu o olhar. Os olhos dela quase transbordavam as lágrimas.
ㅤㅤㅤㅤ"Quero que fale o que sente."
ㅤㅤㅤㅤSakura soltou uma risada sarcástica, revirando os olhos, deixando a primeira gota rolar pela sua bochecha que rapidamente foi seca com o punho.
ㅤㅤㅤㅤ"Virou psicólogo agora?"
ㅤㅤㅤㅤ"Na verdade, foi o Naruto que a aconselhou a ouvir você, e..."
ㅤㅤㅤㅤ"É claro que foi o Naruto..." A garota cobriu os lábios com uma das mãos, se sentindo ridícula por estar sendo questionada sobre esse assunto justamente pelo Uchiha. Isso era pura ironia.
ㅤㅤㅤㅤ"E eu concordo com ele. Você não se abre com ninguém."
ㅤㅤㅤㅤ"Como se você se abrisse."
ㅤㅤㅤㅤ"É, eu sei. Também não sou um bom ouvinte, mas estou tentando consertar as coisas. Talvez ajude se falar para mim o que está incomodando você."
ㅤㅤㅤㅤ"Não acabou de dizer que eu sou um livro aberto? Então sabe o que eu sinto."
ㅤㅤㅤㅤO rapaz suspirou. Mesmo que uma metade sua quisesse aceitar a proposta dele e vomitar tudo o que estava enterrado em seu peito nos últimos anos, falar o que sentia, os seus sentimentos ruins... a assustava. Ela não queria tornar as coisas mais difíceis do que são. Já era ruim o suficiente lidar com o clima estranho que ficava entre eles todas as vezes que se encontravam, sozinhos ou não. Já era ruim o suficiente estar ali agora. Sakura se levantou da cama e começou a andar de um lado para o outro, conflituosa. Essa situação toda estava a estressando tanto, a sua garganta estava machucando. Odiava ficar estressada. Odiava se sentir fraca e horrível daquele jeito.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu entendo que esteja na defensiva comigo, mas você sabe que deixar as coisas como estão não vai resolver nada."
ㅤㅤㅤㅤSakura se virou para Sasuke, que a encara fixamente, na mesma pose anterior. Suas mãos se fecharam, apertando os seus dados até os seus nós esbranquiçaram. Ela estava no seu limite.
ㅤㅤㅤㅤ"Você quer que eu fale o que eu sinto? Eu falo" A garota secou as lágrimas que agora escorriam livremente pelo seu rosto vermelho pelo choro e pela raiva. "Eu estou irritada. Irritada pela forma como você me ignorou pelos últimos quatro anos, e como piorou nas últimas semanas, mesmo que tivéssemos mais tempo para passar por cima de tudo e nos resolver. Me irrita como você parece brincar comigo; uma hora é gentil, me faz criar expectativas falsas de que está tudo se ajeitando, mesmo que de maneira torta e desajeitada, só para em seguida fingir que eu não existo."
ㅤㅤㅤㅤ"Me desculpe por..."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu não terminei!" Ela o interrompeu. "Eu estou cansada da nossa ligação ser uma via de mão única. Eu estou cansada de você não responder as minhas cartas e nem tratar delas quando temos a chance de nos ver. Eu estou... exausta de me esforçar tanto por você e não receber nenhum sinal de que não está sendo em vão. É confortável estar nessa posição, não é? Ter alguém que te ama sem precisar fazer nenhum esforço para isso. Poderia ter sido um milagre, depois de todos esses anos, você perceber que deveríamos resolver isso, mas precisou outra pessoa vir falar o óbvio. Acha que deveríamos conversar? Resolver as coisas? E o que eu tenho tentado fazer desde sempre, Sasuke? Acha que agora é hora de tentar curar as minhas feridas? Não se preocupe. O tempo já fez isso por você."
ㅤㅤㅤㅤOs olhos dela se fecharam, como se não quisesse ver as consequências do que ela tinha falado. Ela não queria ver a expressão no rosto dele, ou os olhos dele. Ela não queria ver a possibilidade de ter sido injusta com as palavras dela e ter machucado ele, porque mesmo que fosse o que ela queria de verdade, fazê-lo ter pelo menos um gostinho do amargo que era estar no lugar dela, machucar alguém que ama nunca foi algo que ela faria. Ela não gostava de conversar sobre coisas assim, então, tudo se acumulava como em uma panela de pressão. Ela odiava explodir assim, porque mesmo que fosse o que estava no coração dela, ela sabia que os estilhaços acertariam todos os que estavam ao redor. Era isso o que tinha acontecido agora, e ela não queria ver o resultado.
ㅤㅤㅤㅤEntão ela ficou em silêncio, os olhos fechados, sentindo as lágrimas se misturarem com o suor no pescoço.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu sinto muito, Sakura."
ㅤㅤㅤㅤ"É. Eu também sinto." Sakura colocou as mãos na cintura e olhou para a janela novamente, por alguns segundos. "Eu preciso beber."
Notes:
Olha só, outro capitulo que o Levi não apareceu, pra quem estava esperando... Calma que ele logo mais vai tá aí, arrasando corações (não no bom sentido da palavra, claro).
Enfim, eu estou dando esse embasamento pra Sakura antes dela ir parar no SNKU por dois motivos: (1) essa relação dela com o Sasuke vai ser importante pra trama no futuro, (2) eu não queria só jogar a garota lá, né? Como a situação da Sakura não é canônica aqui (no caso, a essa altura do campeonato, no canon ela já estaria casada e com filho agora) eu também acho importante explicar como tava sendo a rotina dela, a situação dela antes de ir para em Paradis, enfim. Espero que tenham gostado.
Até mais!
XOXO
Chapter 4: Kenji e Iori - A verdade por trás da Shinkage
Summary:
Chapter Text
ㅤㅤㅤㅤA noite passou rápido no bar do hotel. Sakura não conseguiu beber muito por receio de comprometer a operação que estava por vir. Kenji enviou para Sasuke, no fim da festa, um bilhete informando o local e o horário da reunião. Seria apenas os dois, o que é ótimo, pois daria a oportunidade perfeita para Sakura de infiltrar e coletar as provas materiais sobre a conspiração da Shinkage, ela pensou. Quando a jovem voltou para o quarto, Sasuke já estava na poltrona, dormindo um sono tão leve que parecia poder acordar com qualquer mínimo som. Quando ela o viu ali, no entanto, tudo que tinha sentido horas atrás voltou, graças ao álcool, com menor intensidade. Não conseguiu ficar muito tempo lá; pegou os equipamentos necessários para a infiltração e deixou um bilhete com instruções para o seu companheiro em cima da mesa da suíte — afinal, como a sua patente era a mais alta, ela era a líder da equipe. Agora ela estava rondando o local da reunião, disfarçada. Era mais fácil de analisar as possíveis entradas com a luz do sol, mesmo que tivesse que ser mais cautelosa.
ㅤㅤㅤㅤA segurança do prédio era forte. Podia reconhecer alguns rostos do livro bingo — nenhum deles era menor que Ranque A —, e eles pareciam ocupar uma posição de relevância na equipe de proteção, já que hora ou outra enviavam ordens para os subordinados. O edifício onde funcionava a corporação de comércio Watanabe, fachada para a sede da organização Shinkage, era tão moderno a ponto de destoar da paisagem urbana local. Ele tinha diversos andares para cima, mais de trinta, e em todos eles havia vigilância. No terreno atrás da construção, uma floresta tropical se iniciava. Sakura anotou no seu caderno todas as informações que achou relevante, tanto para formular o plano de infiltração, quanto para auxiliar na redação do relatório quanto tudo isso terminasse.
ㅤㅤㅤㅤSe tudo estivesse acontecendo como planejou, Sasuke já teria saído do hotel onde os Inoue estavam hospedados e já teria colocado os espiões do Watanabe em um genjutsu que os fizesse acreditar que Mei Inoue estava se arrumando para passear no centro da cidade. Já chegava perto das nove horas e, conhecendo a pontualidade do Uchiha, ele deveria aparecer no fim da rua em alguns minutos. Dito e feito, ela pensou ao ver a figura disfarçada virando a esquina. Com a aproximação dele, os vigilantes ergueram a sua guarda, e da porta principal do prédio, saiu uma mulher com roupas formais acompanhada de mais dois guarda-costas e se posicionaram ali, aguardando a chegada do senhor Inoue. Sem cumprimentos, assim que Sasuke chegou todos entraram no prédio.
ㅤㅤㅤㅤ"Segura as pontas, Shin. Vou tirar a água do joelho." Sakura ouviu um dos vigias falar com seu colega, perto de onde ela estava.
ㅤㅤㅤㅤ"Você enlouqueceu, Seiji? O nosso turno acaba em 10 minutos! Se o Iori pegar a gente..."
ㅤㅤㅤㅤNão adiantou, o seu parceiro já estava indo em direção aos arbustos com a mão no zíper.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu estou segurando desde o início do nosso turno. E o Iori não vai ficar sabendo se você não contar."
ㅤㅤㅤㅤSeiji então desapareceu dentro da mata. Ele não foi muito longe, ainda dava para ver seu companheiro. Com o zíper já aberto, ele se aliviou, tombando a cabeça para trás suspirando depois de segurar por horas. Por fim, se secou e fechou a calça, jogando um pouco de terra e folhas secas por cima da poça que havia se formado sob os seus pés.
ㅤㅤㅤㅤCrac! Foi o som que fez alguns metros atrás de si. O jovem homem montou sua guarda, virando em direção de onde parecia ter vindo o som. Ele deu alguns passos, vasculhando ao seu redor com os olhos.
ㅤㅤㅤㅤ"Tem alguém aí?" ele perguntou.
ㅤㅤㅤㅤCric! Crac! Veio de mais perto, de um arbusto logo a frente. Ele se aproximou com a sua faca em mãos, um passo de cada vez. E então, após mais alguns ruídos, um esquilo saltou das folhas e correu para uma das arvores. Aliviado, o rapaz não percebeu a movimentação furtiva que avançava ofensivamente para cima dele. No instante seguinte, tudo ficou escuro.
***
ㅤㅤㅤㅤ"Caramba, Seiji, você demorou demais!" Shin reclamou assim que viu o colega sair do meio da floresta. "A troca de turno já vai acontecer."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu disse que estava segurando desde cedo!" o rapaz retrucou encabulado, voltando a sua posição, mas não por muito tempo. O sinal para o revezamento acabara de soar, indicando o fim do turno. "Ainda bem que acabou!"
ㅤㅤㅤㅤEles aguardaram até os próximos vigias chegarem até o posto deles, mantendo a postura desta vez por insistência de Shin para que não levassem uma advertência. Assim que o fizeram, seguiram para dentro do prédio, em direção aos vestiários. Shin e Seiji conversaram futilidades durante o percurso até um amigo do primeiro chamar este, aparentemente ansioso para conversar sobre algum assunto que não interessou Seiji. No momento em que Shin moveu a sua atenção para o amigo, desfrutando da mesma animação contida, Seiji se distanciou e se separou do grupo, entrando no almoxarifado mais próximo após garantir que não estava sendo seguido.
ㅤㅤㅤㅤ"Estou dentro" ele disse baixinho no comunicador oculto em sua orelha.
ㅤㅤㅤㅤ"O escritório de Kenji Watanabe fica na cobertura. Toma o andar inteiro." Era Sasuke. Da mesma forma, falava de maneira discreta.
ㅤㅤㅤㅤ"Ele está com você agora?"
ㅤㅤㅤㅤ"Ainda não, mas tem câmeras por todos os lados aqui. Se eu sair, vão ver." Ele respondeu, aparentemente impaciente com a situação, como ele costumava ficar quando as coisas não iam como o esperado. "Mas, quando analisei o prédio com o Rinnegan, encontrei uma área no 29º andar que está selada com uma barreira. Não consegui ver o que estava dentro, mas parece suspeito."
ㅤㅤㅤㅤDesfazendo a transformação de Seiji, Sakura observou a sala onde estava. Não era muito grande, talvez uns nove metros quadrados, cheio de prateleiras com produtos de limpeza e outros equipamentos de reposição para a equipe de faxina. No teto, uma única lâmpada que agora estava apagada.
ㅤㅤㅤㅤ"As provas que precisamos devem estar lá." Sakura respondeu depois de alguns segundos, concentrada em encontrar um ponto de entrada até que ela fixa o seu olhar na entrada de um duto de ventilação acima de um dos armários de limpeza. As mãos da jovem tocam a parede mais próxima, e com isso, o chakra dela fluiu pelas estruturas, permitindo que ela mapeasse o lugar inteiro. "Todo o sistema de ventilação do prédio é interligado, exceto pela sala que você citou."
ㅤㅤㅤㅤIsso era ótimo. Não era perfeito, mas era suficiente. Sasuke tinha falado sobre essa possibilidade, um sistema de segurança forte ainda mais reforçando na sala do cofre, uma rede de vigilância eletrônica de última geração. Por isso a necessidade de treinar aquela técnica de estilo relâmpago, que Sakura ainda não dominava. Pelo menos ela poderia chegar na sala do cofre com facilidade sem que fosse vista pelos capangas do Kenji.
ㅤㅤㅤㅤ"29º andar, certo?" Ela não falou isso no ponto, foi para si mesma.
ㅤㅤㅤㅤCom o máximo de silêncio possível, Sakura abriu a grade da entrada de ar e se esgueirou por lá. Como era pequena, e considerando que os dutos tinham cerca de meio metro quadrado, ela conseguia transitar por ali com certa facilidade sem fazer barulho. A parte mais exaustiva na sua opinião era passar de um andar para o outro por 29 andares, e mesmo assim, não levou mais de alguns minutos para tal. Assim que chegou no lugar certo, ela procurou a saída de ar para analisar a situação. A luz da sala abaixo iluminou o roste dela pelas frestas enquanto espiava através da grade do filtro. Havia quatro guardas no local: dois na saída do elevador e dois na porta do que parecia ser um cofre. Como Sasuke havia dito, o local estava repleto de câmeras, não deixando nenhum ponto cego que Sakura pudesse aproveitar.
ㅤㅤㅤㅤEspeto que você esteja certo...
ㅤㅤㅤㅤDurante o tempo que Sasuke e Sakura se preparavam para a missão, a Haruno apontou para o avanço tecnológico dos últimos anos, e como isso havia impactado o ramo da segurança. Como desde o início eles planejaram se dividir em duas frentes, seria fundamental para Sakura aprender a controlar o elemento raio para caso se deparasse com uma situação como a daquele momento. Se ela fizesse algo errado, no entanto, em poucos segundos o sistema de proteção do prédio emitiria um alerta geral, e a missão fracassaria. Apesar da sua capacidade de aprender coisas novas, chakra elemental tem a ver com afinidade. Não foi fácil. Na verdade, ela mal chegou num nível aceitável, visto que a técnica requer um controle fino o suficiente do elemento para fazer as câmeras apenas congelarem, e não serem destruídas. Sasuke disse que seria o suficiente, mas ela estava duvidando, naquele momento.
ㅤㅤㅤㅤSakura fechou os olhos e inspirou profundamente, se concentrando para fazer os elementos de mão típicos para transmutar o chakra comum para ser utilizado em jutsus do estilo raio. Ela começou a sentir as palmas da sua mão formigar por conta do tipo de energia sendo concentrada ali. Relembrou todas os conselhos dados por Sasuke, e, quando colocou a palma na parede do duto a sua frente, memórias da noite anterior invadiram a sua mente, tirando o seu foco por uma fração de segundo.
ㅤㅤㅤㅤMerda, ela praguejou, esperando ansiosa o alarme soar.
ㅤㅤㅤㅤSilêncio.
ㅤㅤㅤㅤEla soltou o ar que tinha prendido em seu peito, aliviada.
ㅤㅤㅤㅤPasso dois...
ㅤㅤㅤㅤDe dentro do bolso, Sakura retirou uma pequena bolinha avermelhada, um sonífero feito por ela duas noites atrás. A esfera rolou pela abertura do duto em que estava em direção ao centro da sala, o baque seco no piso frio chamou a atenção dos vigilantes, que se aproximaram com cautela para averiguar o objeto. Segundos depois de se aproximarem, um gás avermelhado e inodoro começou a emanar da pequena e aparentemente inofensiva bolinha. Um por um, cada um dos guardas caíra desacordados no chão, as armas e os comunicadores caindo das suas mãos. Apesar da situação aparentemente controlada, empurrar a grade da ventilação e entra na sala foi um movimento cuidadosamente calculado. Lá de dentro, Sakura conseguia a analisar com mais clareza o cômodo. As paredes eram cinzas e lisas com algumas janelas. Na parede sul, o elevador com duas portas, na parede norte, a porta do cofre. Sakura conferiu as câmeras — congeladas — e rendeu todos os seguranças com firmeza, realizando um fuuinjutsu para restringir o chakra deles apenas como garantia. Considerando que estes indivíduos estavam fazendo a segurança do cofre que mantém provas e informações potencialmente nocivas para a Shinkage, seria imprudente descartar a possibilidade de eles serem lutadores habilidosos, o que provavelmente eram. E mesmo que Sakura tivesse confiança em suas habilidades de luta, uma batalha nesse cenário seria apenas um empecilho que acabaria com a missão.
ㅤㅤㅤㅤA porta do cofre parecia funcionar com cartões de acesso. Era um sistema muito mais complexo do que o de câmeras, então sabia que ela não tinha chance de arrombar sem acionar o alarme do prédio, não com o Sasuke tão longe. O nível de acesso do cartão de Seiji não era suficiente, então revistou os pertences dos homens que havia sedado. Apenas um deles tinha o cartão, provavelmente era o responsável pela equipe. Sakura se aproximou da porta e aproximou o cartão do leito, a luz verde iluminando a mão dela ao som de um metálico de engrenagens girando. A pesada porta de aço se abriu em silêncio, revelando uma sala de paredes escuras repleta de armários e de artefatos raros que provavelmente haviam sido conseguidos de maneira ilegal. A Haruno entrou rápido, sentindo o ar gelado e pesado lá dentro, a saída se fechando assombrosamente, um lembrete de que ela havia chegado num ponto sem retorno. Ela não sabia o que estava procurando exatamente, exatamente. Sabia que eram documentos, mas se tratando de uma empresa de fachada, eles poderiam estar classificados como qualquer coisa.
ㅤㅤㅤㅤUni-duni-tê... seu dedo parou no primeiro armário a sua esquerda. Começaria por ali.
ㅤㅤㅤㅤAbriu a primeira gaveta, revirando pasta por pasta, documento por documento. Acostumada a lidar com tantos arquivos, na leitura dinâmica de Sakura, ela procurava apenas por palavras-chave, indícios do envolvimento da empresa com os incidentes políticos do país. Nos primeiros quinze minutos terminava de procurar naquele armário, partindo agora para o segundo. Este tinha gavetas maiores, e as pastas guardavam plantas de construções e mapeamento de regiões com os futuros empreendimentos da empresa.
ㅤㅤㅤㅤNada.
ㅤㅤㅤㅤPróximo.
ㅤㅤㅤㅤNada de novo.
ㅤㅤㅤㅤSeguinte.
ㅤㅤㅤㅤ"Achei você...!" ela disse analisando melhor o documento em suas mãos. Eram comprovantes de transferências com um relatório relacionado ao novo conselheiro do senhor feudal do País do Mar, com datas em torno do desaparecimento do seu antecessor. Procurando mais um pouco naquela região da sala, encontrou mais e mais arquivos relacionados aos incidentes políticos locais.
ㅤㅤㅤㅤ"Encontrei as provas que precisávamos. Estou saindo," ela anunciou no comunicador enquanto guardava os papéis dentro da bolsa dela.
ㅤㅤㅤㅤAo dar meia volta, no entanto, sem nem tempo para pensar sobre o que aconteceu, Sakura sentiu a sua barriga ser perfurada por uma longa lâmina de metal. E ela parecia alongar cada vez mais, a ponto de atravessar as suas costas.
ㅤㅤㅤㅤ"Kenji é tão descuidado as vezes..." O dono da voz era um rapaz alguns centímetros mais baixo que Sakura, o que o fazia parecer uma criança um o adolescente. Os cabelos brancos dele cobriam boa parte do seu rosto, e o punho da manga da roupa branca que ele usava agora estava manchado pelo sangue da Haruno. "Deixar ninjas da Folha entrarem aqui, sem mais nem menos?"
***
ㅤㅤㅤㅤAlguns minutos antes, Sasuke e Kenji estavam frente a frente, sozinhos no escritório principal. A conversa antes de iniciar o assunto principal da reunião não se estendeu muito, graças a simpatia nata de Sasuke, ou melhor, de Kazuki. Kenji havia perguntado como estava Mei, vulgo, Sakura, e recebeu como resposta um curto e ríspido "está muito bem, obrigado". O mais velho chegou a tentar estender a conversa, questionando se o mal humor do seu convidado era algo constante ou só quando envolvia Mei, mas, novamente, não foi feliz na sua tentativa.
ㅤㅤㅤㅤ"Lembro de você ter dito algo sobre uma parceria vantajosa para ambos. Poderia falar mais sobre?"
ㅤㅤㅤㅤ"Serei sincero com você, Watanabe." Sasuke pegou a mala que estava descansando ao lado da sua cadeira e colocou sobre a mesa entre eles. "Usei essa desculpa apenas porque o momento não era oportuno para falarmos abertamente sobre o meu interesse em contribuir para os objetivos da Shinkage."
ㅤㅤㅤㅤCom sua mão direita, ele destrancou e abriu a mala, revelando o único conteúdo dela: um Rinnegan.
ㅤㅤㅤㅤ"Considere isso como um ato de boa-fé."
ㅤㅤㅤㅤKenji pegou o frasco com o doujutsu com ambas as mãos, maravilhado e ao mesmo tempo receoso. Dava para sentir a energia daquele artefato emanar do vidro.
ㅤㅤㅤㅤ"Onde conseguiu isso?"
ㅤㅤㅤㅤ"Digamos que tive a oportunidade de recuperar isso do corpo revivido de Madara Uchiha."
ㅤㅤㅤㅤO homem devolveu o objeto para a mala. Sasuke a fechou novamente e esperou o que Kenji tinha a dizer, mas por alguns segundos ele apenas ficou encarando a mala fixamente. Novamente, o mesmo sorriso perverso da noite anterior surgiu nos lábios do Watanabe, e só então ele voltou a sua atenção ao seu convidado.
ㅤㅤㅤㅤ"O que você sabe sobre a Shinkage?"
ㅤㅤㅤㅤ"Apenas que é uma organização que tem o objetivo de acabar com o domínio das Cinco Nações. Algo como isso é bom para o meu negócio."
ㅤㅤㅤㅤKenji se ergueu da cadeira, dando alguns passos até chegar a ampla janela atrás de si, com as mãos nas costas.
ㅤㅤㅤㅤ"Não somos uma organização. Somos uma ideia. Temos um mundo divido, e acabar com essa divisão é o primeiro passo para um mundo sem conflitos. Todos sob as asas de um único poder. Uma única sombra." Ele então se virou para Sasuke. "É importante que você saiba que existe diferença."
ㅤㅤㅤㅤ"Para mim, o que importa é saber que os meus interesses vão estar protegidos nessa nova era. E não medirei esforços para ajudá-lo a chegar nela."
ㅤㅤㅤㅤKenji deixou o seu sorriso derreter em uma careta irritada e sombria.
ㅤㅤㅤㅤ"Um homem de negócios."
ㅤㅤㅤㅤ"Negócios não tem alma."
ㅤㅤㅤㅤ"Certo." O homem voltou para a mesa, e sentou-se novamente, as mãos unidas sobre a madeira, próximo a maleta, como se estivesse se contendo para não pegar o objeto de novo. Mais alguns segundos calado, e os olhos do Kenji saíram de onde estava o Rinnegan e subiram até o rosto de Kazuki "Posso aceitar isso. Um homem como você não trairia os seus interesses. No fim das contas, isso significa que não trairia a mim."
ㅤㅤㅤㅤ"Por tabela." Sasuke concordou, fechando os olhos por um pequeno instante. Ele precisava de uma confissão de Kenji. "Estou dando um salto de fé aqui. Preciso saber o quanto está empenhado na sua ideia."
ㅤㅤㅤㅤKenji cruzou os braços. Considerava se deveria ou não responder essa pergunta implícita. O que eles tinham feito até então que provasse à Kazuki que eles estavam comprometidos e que esse investimento não seria em vão. Se o seu ato de boa-fé foi um Rinnegan, o que mais ele poderia oferecer à causa? Contra as Cinco Nações, ele precisaria de todo o poder possível, afinal, a equipe que venceu a Quarta Grande Guerra Ninja são de uma das Cinco Nações: o famoso Time Sete, heróis de guerra, com um portador de outro Rinnegan, um jinchuuriki, o atual Hokage e a garota que superou um dos Três Sábios.
ㅤㅤㅤㅤ"Se você acompanha as notícias internacionais deve estar a par da tensão entre o Mar e a Água, certo?" Teve como resposta apenas um único manear de cabeça. "Os incidentes que estão gerando essas tensões estão sendo deliberadamente causadas pela Shinkage, a fim de rechaçar a subordinação militar do Mar à Água e a implementação de uma vila oculta aqui."
ㅤㅤㅤㅤ"Você tem como atestar isso?"
ㅤㅤㅤㅤ"Obviamente. Imagino que tenha chegado aos seus ouvidos a troca de conselheiro do senhor feudal do Mar. O seu sucessor será integrante da Shinkage, Nobuhiko Yamamura. O nome dele ainda não foi anunciado, mas você terá a confirmação do que eu estou falando em alguns dias," Kenji respondeu em um suspiro, escorando-se no encosto da sua cadeira. "É o suficiente para você confiar na nossa competência?"
ㅤㅤㅤㅤ"Enviarei dois carregamentos com pergaminhos de jutsus secretos para sua organização em duas semanas, se o que você estiver dizendo for verdade." Sasuke declarou solenemente ao se levantar, sendo acompanhado por Kenji. Ele estendeu o seu braço direito para um aperto de mãos, e foi prontamente respondido. "Faço questão de selecionar pessoalmente cada item, para garantir que todos tenham uma ótima serventia para a sua ideia."
ㅤㅤㅤㅤ"Foi um prazer fazer negócios com você, Kazuki."
ㅤㅤㅤㅤ"Encontrei as provas que precisávamos. Estou saindo." A voz de Sakura preencheu seu ouvido. Missão cumprida, então.
ㅤㅤㅤㅤ"Igualmente." Sasuke respondeu antes de soltar a palma do mais velho e se virar para a saída. "Não precisa me acompanhar."
ㅤㅤㅤㅤ"Tenha um bom dia."
ㅤㅤㅤㅤ"Igualmente."
ㅤㅤㅤㅤKenji fez um sinal para o seu subordinado chamar o elevador e liberar a saída dele, e o rapaz prontamente atendeu, usando o cartão em seu cinto para conceder o acesso. Alguns segundos se passaram. Kenji voltou a observar com deslumbramento para o item na maleta, enquanto Sasuke encarava incansavelmente os números subindo no painel acima do elevador. Porém, antes que as portas se abrissem, um alarme começou a tocar e luzes vermelhas iluminaram a sala. Setor por setor, as janelas começaram a se fechar com uma malha de aço, tornando a iluminação baixa e confusa demais.
ㅤㅤㅤㅤ"O que está acontecendo?" Kenji pegou a maleta de mesa e protegeu entre os seus braços. Ele levou apenas um momento para fazer a ligação entre o alerta e o homem a sua frente, que agora já estava em posição defensiva, desfazendo a sua transformação. "Ah! Seu filho da..."
ㅤㅤㅤㅤBoom!
ㅤㅤㅤㅤO chão abaixo deles foi destruído pelo corpo de um homem totalmente vestido de branco, e logo em seguida o teto se desfez, da mesma forma. De dentro do buraco deixado pela destruição, um vulto rosa surgiu, seguindo em direção ao homem. Sasuke então decidiu por render Kenji. Usando a habilidade do seu Rinnegan, ele teleportou para trás do seu alvo, porém, quando colocou sua mão nele para o nocautear, o corpo de Kenji se desfez em lama.
ㅤㅤㅤㅤ"Bem que o Iori me avisou. Sorte a dele por ter puxado a inteligência da mãe." A voz de Kenji atrás atrás de Sasuke. Com o frasco do Rinnegan em mãos, ele o quebrou, com os dedos apenas, fazendo o objeto se desmanchar em terra. "Ato de boa-fé, é?"
ㅤㅤㅤㅤEra falso.
ㅤㅤㅤㅤSasuke sacou uma faca ninja e desferiu um ataque rápido em Kenji, que apenas desviou, parando em cima da mesa. Quando Sasuke se virou, se deparou com o rosto de Kenji alinhado com o seu.
ㅤㅤㅤㅤ"Mas temos o verdadeiro aqui. Não teria como eu sentir a energia do Rinnegan se ele não estivesse aqui, de fato, não é, Sasuke Uchiha?"
ㅤㅤㅤㅤSasuke investiu contra ele novamente, dessa vez uma sequência de golpes energizados com chakra do elemento raio, tornando o combo mais veloz e mais difícil de se desviar. No entanto, Kenji o fez.
ㅤㅤㅤㅤ"E eu vou tê-lo para mim!"
ㅤㅤㅤㅤDessa vez, quem avançou foi Kenji, com aquele sorriso sádico, desferindo golpes desajeitados, mas poderosos, quase como se ele fosse algum tipo de monstro dentro do corpo de um homem. Sasuke esquivou dos ataques, e quando percebeu que ficaria encurralado, quebrou a barreira de aço atrás de si e recuou até a floresta. Os homens que fazia a segurança do prédio partiram para cima de Sasuke, mas ele lidava facilmente com eles, mantendo a sua atenção na cobertura, esperando o momento que Kenji o perseguiria.
ㅤㅤㅤㅤ"MALDITO!" O grito de Sakura soou perto de onde estava, e então o barulho de mais uma parede destruída tomou o lugar. "Você só sabe desviar, porco-espinho?"
ㅤㅤㅤㅤA Haruno surgiu a alguns metros, desferindo socos rápidos e poderosos no seu oponente baixinho. Dava para ver alguns resquícios de sangue e o que deveriam ter sido em algum momento roupas brancas, mas elas rasgadas por conta das inúmeras lâminas de metal que cresciam de várias partes do corpo dele. Antes que Sasuke pudesse pensar em acabar de uma vez com os capangas que insistiam em atacá-lo para apoiar Sakura, um estrondo se fez exatamente onde estava, uma enorme cortina de poeira emergindo dali. Sasuke desviou, claro. Não havia chance de conseguir pegá-lo de surpresa enquanto tivesse com o sharingan ativo.
ㅤㅤㅤㅤDaquela cortina de terra, uma energia sinistra e pesada emergiu, e aos poucos, a silhueta do que era um homem se transformou em um monstro. Sasuke não demorou a reconhecer o que era aquilo. Uma marca da maldição.
ㅤㅤㅤㅤ"Sakura! Reagrupar!"
ㅤㅤㅤㅤA Haruno apenas se distraiu por um segundo, ao ouvir a voz de Sasuke. Essa foi a brecha que Iori usou para tentar atacá-la, desta vez em um ponto vital. Além de não conseguir acertar, Iori levou um contra-ataque forte que o fez voar alguns metros para longe. Sakura aproveitou o momento para fazer o que Sasuke disse.
ㅤㅤㅤㅤ"O que aconteceu?" O Uchiha perguntou assim que a sua companheira parou ao seu lado.
ㅤㅤㅤㅤ"Aquele moleque me acertou quando eu estava no cofre e acionou os alarmes."
ㅤㅤㅤㅤ"Você está bem?"
ㅤㅤㅤㅤ"É claro que sim," Sakura sorriu ao responder apontando para a marca em sua testa. Regeneração da Criação - Força de uma Centena, a técnica que a tornava virtualmente imortal enquanto seus estoques de energia estivessem bem. "Qual o problema aqui? Que coisa é essa?"
ㅤㅤㅤㅤ"É o Kenji. Ele está com a marca da maldição ativa. Mas essa é diferente da minha."
ㅤㅤㅤㅤIori surgiu dos escombros, agora acompanhado de outros capangas. Sasuke e Sakura reconheceu os rostos deles. Eram prêmios do livro bingo. A e S. Assim como Kenji, Iori e seus capangas começaram a sofrer modificações corporais, deixando a sua pele escura e seus ossos e músculos distorcidos e maiores. Contando por alto, eram mais de 10 criminosos com a marca da maldição, e sem dar brechas para os ninjas da Folha se prepararem, os Kenji e os outros avançaram de uma única vez, forçando Sakura a socar e destruir o chão a sua frente para atravancar a formação inimiga, dando assim a chance que Sasuke precisava para lançar um ataque de fogo destrutivo.
ㅤㅤㅤㅤ"Se concentra no Kenji, okay? Eu te dou cobertura!" Sakura ordenou, partindo para cima do primeiro inimigo que emergiu das cinzas.
ㅤㅤㅤㅤ"Conto com você."
ㅤㅤㅤㅤSasuke desapareceu tão rápido de onde estava que pareceu ter se teleportado. Com a sua katana em mãos, ele desferiu um ataque no estilo raio, dessa vez para conseguir mais poder de perfuração, além da velocidade. O seu ataque foi bloqueado pelo punho rochoso de Kenji, que tentou um contragolpe no estômago do alvo, que desviou. Assim uma sessão de golpes velozes e poderosos eram trocados, e cada vez que algum dos capangas de Kenji tentava se aproximar, Sakura cumpria com a sua parte no plano e os impediam de forma dolorosa.
ㅤㅤㅤㅤApesar de estar desacostumada com combates desse nível, ainda mais com múltiplos inimigos, a Haruno estava se saindo muito bem. Ela não só dava apoio ao combate de Sasuke, como também estava impactando os inimigos ativamente na batalha. Seus golpes estavam em perfeita harmonia com os de Sasuke; nenhum atrapalhava o outro, e ainda havia momentos que, mesmo sem trocar uma palavra, combinavam ataques em equipe. Entre todos os inimigos presentes, os mais perigosos, definitivamente eram Iori e Kenji. Dava para ver que o nível entre as marcas da maldição deles e dos outros eram completamente diferentes. Entretanto, mesmo que alguns já estivessem morrendo sozinhos por conta do efeito colateral do juinjutsu de baixo nível que desenvolveram, continuavam sendo criminosos de ranque alto. E, finalmente, depois de um ataque certeiro, o último deles caiu.
ㅤㅤㅤㅤ"E aí? Vai encarar?" ela vociferou mais uma vez, agora interrompendo uma investida que Iori pretendia lançar contra Sasuke, ocupado com o pai do garoto. "Somos você e eu. De novo, embora eu não goste de bater em pirralhos."
ㅤㅤㅤㅤIori, já tomado pela loucura da maldição, partiu selvagemente para cima de Sakura. O que antes eram golpes calculados e diretos, agora eram apenas descontrolados e impetuosos. Sakura alternava entre bloquear e desviar dos ataques. Ela começava a sentir a fadiga de uma luta extensa. Mesmo assim, a cada oportunidade que encontrava, ela atacava Iori, quebrando lâmina por lâmina do seu corpo e usando como arma para feri-lo. A cada novo golpe infligido, mais bárbaro Iori se comportava. Houve enfim o momento em que não tinha mais nada de humano nele. As lâminas que antes só surgiam no seu corpo, agora eram arremessadas através dele, para todas as direções, inclusive acertando Kenji, que sequer pareceu se importar com o dano, estava apenas atacando Sasuke. Sakura desviou da chuva de lâminas, vez ou outra usando uma kunai para redirecioná-las. Mas ao perceber que não teria como parar aquele golpe contínuo no mano a mano, ela recuou até os escombros do prédio e ergueu um destroço de concreto com dez vezes o seu tamanho e lançou em Iori, interrompendo o seu ataque. Sakura então tomou impulso e pulou em direção ao corpo do rapaz, que se erguia de forma ligeira e se preparava para atacar novamente, desferindo um soco concentrado no diafragma dele. O impacto foi tão grande, que apesar de ele não ter sido lançado para longe, toda a paisagem atrás de si foi dizimada.
ㅤㅤㅤㅤAinda apoiado no punho de Sakura, o garoto começou a retomar a sua forma humana, lentamente, já desacordado, a marca da marca da maldição sugando as últimas energias do corpo do garoto, o deixando para morrer, assim com os outros criminosos consumidos por ela. Ele apoiou a sua canhota no ombro de Sakura, com um olhar fosco, quase sem vida e como sua última tentativa, Iori expeliu uma de sua mão. O metal atravessou o ombro de Sakura, mas, como Iori sabia que aconteceria, assim que ele desmaiou nos braços dela, ela tirou a lâmina do corpo e a ferida se curou rapidamente.
ㅤㅤㅤㅤSakura colocou o garoto no chão, alternando a atenção dela entre Iori e a batalha acontecendo vários metros para longe dela. Ela queria ajudar Sasuke, mas ela não poderia simplesmente deixar uma criança morrer. Os outros? Os outros eram criminosos adultos, maduros o suficiente, responsáveis pelas escolhas que tomaram, mas esse menino não devia ter mais do que quinze anos. Ninguém merecia morrer se tivesse a chance se ser curado, mas principalmente ele deveria ser condenado e ter a chance de se redimir. Ela não era hipócrita. Sasuke fez muito pior e foi perdoado. Mas ainda havia o Sasuke, ele parecia estar tendo problemas em manter a luta sob controle.
ㅤㅤㅤㅤ"Sakura, eu tô bem!" o Uchiha disse em meio a batalha, quase como se ele pudesse ler a mente dela, sentir a indecisão dela. Era a permissão que ela precisava para iniciar os primeiros-socorros, no entanto foi esse diálogo que trouxe atenção de Kenji para o garoto estirado no chão.
ㅤㅤㅤㅤ"IORI!" Kenji grunhiu, apesar da sua inconsciência, como se algo de humano ainda tivesse restado na mente dele corroída pela marca da maldição. Sasuke aproveitou a chance para lançar o Chidori no monstro, mas o ataque não só foi bloqueado como Sasuke foi socado e jogado contra uma das árvores que permaneciam em pé. "IORIII!"
ㅤㅤㅤㅤKenji avançou contra Sakura, a fazendo ter o mesmo destino que Sasuke. Ele se ajoelho em frente ao Iori e grunhiu mais uma vez e o pegou com suas mãos. O garoto parecia um bebê, em comparação ao tamanho do mais velho. Ele aproximou o peito do seu filho no que deveria ser a sua orelha e se concentrou por alguns segundos. A respiração de Kenji começou a ficar cada vez mais descompassada e ruidosa até que subitamente parou. Ele colocou o corpo já sem vida de Iori no chão com delicadeza, e então se pôs de pé. O corpo de Watanabe começou a mudar novamente. O seu corpo começou a diminuir, o som do que pareciam ser ossos se quebrando e reorganizando, os músculos com aparência rochosa rangendo de maneira agoniante, mas a concentração de chakra da maldição só fez aumentar. A aparência dele se tornou algo entre o que era antes e a sua forma monstruosa, quase humana, no vale da estranheza. Ele se virou para Sakura, que estava zonza, tentando se recuperar do último ataque repentino, e pegou um longo pedaço de ferro que anteriormente foi criado por Iori, o segurando como se fosse uma foice.
ㅤㅤㅤㅤ"Sakura! Sai daí!" Sasuke gritou, já de pé, embora apoiado no cabo da sua katana. "SAKURA!"
ㅤㅤㅤㅤNuma velocidade assustadora, Kenji partiu para cima de Sakura, se tornando apenas um borrão, a olhos nus. Sasuke reagiu a tempo, usando o seu olho esquerdo, ele tentou trocar de lugar com Kenji a fim de desviar do ataque, mas algo aconteceu, algo que Sasuke não soube entender, mas que o deixou confuso ao ponto de errar o corpo com quem estava trocando, ficando no lugar de Sakura e recebendo o golpe no lugar dela.
ㅤㅤㅤㅤ"SASUKE!" ela esbravejou, ao ver o corpo do Uchiha sendo atravessado pela lâmina e vomitando sangue em seguida. "SASUKE!"
ㅤㅤㅤㅤOs olhos dela marejaram. Ela lutou para recobrar a postura. A imagem do seu companheiro a desestabilizou ainda mais, tonando o seu raciocínio e a sua coordenação motora esdrúxula. Sasuke atacou Kenji, o lançando para longe com um poderoso ataque de raio. Mas isso não o afastaria por muito tempo. Então, para evitar que ele tornasse a atacar Sakura, que estava debilitada, e para lançar um ataque de destruição em massa, ele abriu um portal com seu Rinnegan atrás dela e, com Shinra Tensei, a empurrou através dele.
ㅤㅤㅤㅤSakura conseguiu ver o início do ataque se Sasuke, entretanto, tudo o que sentiu foi seu corpo despencar alguns metros até bater com força no chão.
Chapter 5: Floresta Sombria
Summary:
Notes:
Por favor, se você está gostando da história, me deixe saber deixando kudos, comentando ou usando o marcador de livro (bookmark)! Vou adorar receber o seu feedback.
Boa Leitura.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
ㅤㅤㅤㅤA consciência de Sakura ia e voltava de tempos em tempos. Ela abria os olhos, mas a fadiga e dores do seu corpo a faziam voltar para a escuridão. Ela não deveria ter bebido na noite passada, ela sabia. Mesmo que seus sentimentos estivem a matando, ela deveria ter sido profissional, mantido a ética de trabalho. O resultado agora era esse: estava incapacitada e, para completar, colocou seu companheiro em perigo. Pensar doía, mas ela não conseguia não ser culpar por como as coisas deram errado. Se ela tivesse ficado, se tivesse planejado melhor as coisas com Sasuke, não terminaria desse jeito.
ㅤㅤㅤㅤSakura sentiu a superfície sob o rosto vibrar de forma ritmada. Por um instante pensou que estava em casa, na mesma situação que estava quando Kakashi requisitou a sua presença no escritório. Mas o cheiro que sentia não era o cheiro da sua casa. Tinha um cheiro doce de terra, capim e sangue. O sangue dela. Isso a fez despertar de vez, de repente. Ela estava caída de bruços no chão. Não estava mais tão dolorida quanto antes. Não saberia dizer quanto tempo se passou desde que desmaiou, mas não foi pouco tempo. Sakura finalmente conseguiu se pôr de pé; seu corpo protestou. Sua mente girou, e ela precisou dar um passo para trás para manter o equilíbrio. Sakura imbuiu sua mão em jutsu medicinal, colocando sobre o seu pescoço, a parte mais ferida do seu corpo. O restante dava para aguentar. De qualquer forma, esteve em situações muito piores quando treinava com sua mestra.
ㅤㅤㅤㅤ"Sasuke? Na escuta?" com esforço e fadiga, ela chamou, no ponto em seu ouvido. "Sasuke?"
ㅤㅤㅤㅤA ninja reparou novamente no chão que vibrava a ponto de mover as pedrinhas. A jovem olhou ao seu redor, não reconhecendo o local. Era uma floresta densa cheia de árvores gigantes. A possibilidade de que Sasuke tivesse a teletransportado para algum lugar próximo do combate invadiu a sua mente. Se isso for verdade, então provavelmente a origem desse vibrar seja onde ele está. Com esse pensamento, tentou escalar a árvore mais próxima, concentrando chakra nos pés, mas ao dar o primeiro passo, seu pé escorregou, como se ela sequer tivesse tentado. Algo estava errado. Tentou novamente, mas o resultado foi o mesmo. Ela concentrou novamente o chakra nos pés, dessa vez para ter impulso em um pulo alto. Deu certo. Por que ela não conseguia subir na árvore então? Gostaria de ter tempo para descobrir o motivo disso, mas Sasuke precisava da sua ajuda. Os estrondos tinham parado. Isso significava que a luta tinha acabado.
ㅤㅤㅤㅤImprovisando, em vez de se locomover pelas árvores, a Haruno usou o seu chakra para aumentar a própria velocidade, indo na direção que o último estouro ocorreu. Observando ao redor, ela reparou que nunca tinha visto árvores tão altas e grossas no País do Mar. A flora, na verdade, parecia muito diferente do ambiente tropical que as ilhas que compunham aquele Estado. A hipóteses que se formavam em sua mente, agora mais centrada, de que Sasuke havia lhe enviado para muito longe se confirmou quando encontrou o primeiro cadáver. Sakura se aproximou, sem qualquer esperança de que ele estivesse vivo. Ele vestia roupas estranhas; uma capa verde com um brasão de asas, calças e camisa claros em contraste com as botas de couro escuras. Na lombar e quadris, um equipamento de metal completamente destruído. O corpo, assim como o chão em seu entorno estava cheio de sangue fresco. Metros à frente, o cadáver de uma mulher prensado contra o tronco de uma árvore. Assim como o anterior, ela usava uma capa verde, botas de couro e um equipamento de metal nas costas. Ela parecia ter a sua idade ou ser mais nova. O seu rosto estava sujo de sangue e tinha uma expressão vaga, sem vida. No chão, vários buracos gigantes que mais pareciam pegadas.
ㅤㅤㅤㅤO que está acontecendo aqui?
ㅤㅤㅤㅤMais um corpo. Usava o mesmo uniforme e equipamento que os outros dois. Dessa vez, pendurado no alto de uma árvore. Aparentemente, aquele dispositivo era usado para locomoção para o que pareciam ser soldados, ela concluiu. Mas por que eles precisariam usar aquilo para se locomover? Aquelas pessoas não tinham controle sobre a própria energia? Sakura lembrou de não ter conseguido escalar as árvores com seu chakra e se perguntou se era aquele o motivo.
ㅤㅤㅤㅤAntes que pudesse concluir o seu pensamento, no entanto, um zunido cortou o ar perto do seu rosto, e então sentiu algo perfurar suas costas e a puxar, como um anzol e uma linha de pesca. Com os reflexos ainda afetados pela luta anterior, Sakura só teve tempo para virar seu corpo e sacar uma faca de sua bolsa, bloqueando o ataque de duas lâminas que estava por vir. O gancho preso em sua pele se soltou, e o homem que tinha a atacado recuou. Assim como os cadáveres que tinha visto, ele vestia as mesmas roupas e usava o mesmo equipamento, com a adição de duas longas lâminas. A expressão no rosto dele era de fúria, um tipo de ódio que era capaz de fazer o corpo dela gelar. Sakura sentiu o sangue escorrer pelas suas costas e outro filete em sua bochecha. Não eram ferimentos graves. Apesar disso, o selo em sua testa se abriu, formando uma espécie de borboleta. A ferida no rosto dela se fechou rapidamente, assim como a das suas costas e qualquer outra que estivesse pelo seu corpo. Com um inimigo ali, ela não poderia simplesmente parar e se curar usando técnicas mais simples.
ㅤㅤㅤㅤSakura se colocou em posição de defesa, colocando a sua kunai na altura dos olhos e deslizando um pé para trás, garantindo a firmeza do seu equilíbrio, forçando a mente dela a ficar focada apesar da fadiga que ameaçava a tomar completamente. O homem desconhecido então se aproximou enquanto troava as suas espadas por uma faca de combate antiga, aumentando a sua velocidade gradativamente até finalmente correr. Quando ele a alcançou, as lâminas de suas armas colidiram, gerando faíscas. Os olhos verdes brilhantes dela se fixaram nos azuis opacos dele, tentando prever os seus próximos ataques e evitá-los. Uma sessão de golpes frenéticos fora trocada, gerando tintilares dos metais batendo contra o outro; hora desviando, hora contra-atacando.
ㅤㅤㅤㅤAnalisando o estilo de combate do estranho, era como se estivesse lutando com um bandido de rua, sem muita técnica e com movimentos aprendidos por puro instinto, mas seus ataques eram firmes, precisos, rápidos e fortes. Em determinado momento, ele conseguiu tirar a kunai das mãos dela, a encurralando contra uma das árvores, mas no momento que tentou desferir um golpe fatal, teve sua mão habilmente desviada e o corpo jogado contra a madeira. Quando percebeu o punho da mulher vindo em sua direção, ele correu para a sua direita, fazendo o ataque acertar o tronco atrás de si, que foi estilhaçado profundamente. Novamente ele sentiu necessidade de recuar.
ㅤㅤㅤㅤAproveitando a folga, Sakura estralou os dedos das mãos e o pescoço. Dessa vez, ela tomaria à frente, e não pegaria leve. Precisava acabar logo com aquilo. Precisava apenas o imobilizar e então fazer as diversas perguntas que inundavam a sua cabeça. Ela precisava saber onde ela estava. Onde Sasuke estava.
ㅤㅤㅤㅤDiferente do soldado baixinho, Sakura avançou impetuosamente, não dando chance para ele bloquear o seu soco, o lançando metros de distância e fazendo com que seu corpo colidisse contra uma arvores. A faca que ele tinha em mãos já estava destruída, assim como a superfície da madeira em que estava apoiado. Da nuvem de poeira que se formou, o mesmo gancho que tinha perfurado suas costas da primeira vez veio em sua direção. Sakura desviou, agarrou o cabo e o puxou, trazendo para si o seu oponente, que agora tinha retornado a empunhar suas espadas. O seu punho foi bloqueado por ambas as lâminas, que se partiram no impacto. O soldado então pegou um dos pedaços, fazendo a sua mão sangrar e a acertando na barriga. A kunoichi recuou, arrancando o pedaço de ferro da sua barriga, manchando o seu manto com o seu sangue. Por conta do selo em sua testa ocultada pela franja, a ferida se fechou. A consciência de Sakura, no entanto, vacilou, e foi nessa brecha que o seu oponente investiu com ira, ataques frenéticos e fortes, finalmente acertando alguns socos, tentando a todo custo a desestabilizar. Finalmente ele conseguiu. Sakura caiu de bruços no chão. Alguma coisa estava acontecendo no seu corpo.
ㅤㅤㅤㅤ"As coisas ficam mais difíceis quando não consegue se transformar, não é, vadia?" ele perguntou com a sua voz rouca, pisando em suas costas antes de se agachar ao lado dela e a puxar pelos cabelos rosas, colocando o rosto dela próximo ao seu. "Eu vou me divertir muito torturando você... da mesma forma que você se divertiu matando os meus soldados."
ㅤㅤㅤㅤO corpo de Sakura gelou com as palavras frias e cruéis dele. Ela estava confusa, a situação era confusa, mas a aura de ódio e intenção assassina que emanava daquele homem clara e era paralisante. O ouviu pegar um dos pedaços das suas espadas e sentiu quando ele enfiou em suas costelas. Sakura grunhiu de dor.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu sei que isso não vai te matar..." E penetrou a lâmina ainda mais até o ponto em que as mãos dele entrassem na incisão. "...então aguenta firme, Titã Fêmea, porque nós vamos nos aproveitar um pouquinho antes de eu levar você ao Erwin... se bem que... é, eu acho que não vai ser tão legal pra você."
ㅤㅤㅤㅤEle estava a confundindo com essa tal Titã Fêmea, Sakura concluiu antes de fechar os olhos e gritar, sentindo o gosto metálico de sangue na sua língua. Ele achava que ela tinha matado os seus amigos, era isso? Provavelmente. Não parecia ter outra razão para toda essa violência. De qualquer forma, era difícil de pensar quando tinha alguém perfurando os órgãos dela até o peito, mas algo definitivamente estava errado.
ㅤㅤㅤㅤ"Acho que... você pegou... a pessoa errada..." Sakura respondeu, com dificuldade, o primeiro filete de sangue escorrendo dos lábios dela antes de uma criese de tosses que apenas a fez cuspir mais e mais sangue.
ㅤㅤㅤㅤEla não sabia o que estava acontecendo com o seu corpo; parecia que estava parando por conta própria. Era por causa da luta anterior? Ela havia ficado tão cansada assim? Não, não podia ser isso. Ela já esteve em batalhas muito mais exaustivas que aquela e nunca havia chegado a esse ponto.
ㅤㅤㅤㅤ"Você acha, é?" ele questionou, sarcástico. Com outro pedaço de metal, ele a feriu, agora num dos braços, um corte superficial apenas, como se estivesse testando uma teoria. O ferimento se curou rapidamente, como ele havia imaginado. "Porque você se encaixa perfeitamente no perfil." E então cravou profundamente a lâmina perto do seu ombro, a mantendo presa no lugar, satisfeito quando ela grunhiu de dor mais uma vez, embora estivesse fazendo um esforço extra para se conter.
ㅤㅤㅤㅤ"Esse dia só melhora..." Sakura reclamou entredentes, a testa grudada no chão numa tentativa falha de conter a dor, evitando de se mover para não piorar as coisas. Ela precisava encontrar uma maneira de sair daquela imobilização, mas aquele cara... ele parecia estar atento a cada mínimo movimento dela.
ㅤㅤㅤㅤ"E quem você acha que é a responsável por isso?" ele perguntou, a segurando novamente pelos cabelos, não se deixando se perguntar porque diabos eram cor-de-rosa, com um joelho mantendo o troco dela preso ao chão com uma força que parecia quase quebrar as costelas dela. "Pelo menos não está fedendo como aquelas coisas, como o Eren fica."
ㅤㅤㅤㅤUm barulho alto, como o que Sakura tinha ouvido antes, veio perto dali, e isso foi o suficiente para chamar a atenção deles. Essa era chance que ela estava procurando. Se aproveitando da distração que o estrondo causou no soldado, ela desprendeu o ombro dela do chão e se virou, o derrubando e ficando por cima dele, imobilizando suas pernas e colocando o mesmo pedaço de espada que ele usou para a esfaquear as costelas no pescoço dele. Por ser um ferimento mais grave, a fissura em sua cintura se fechou com mais dificuldade e ao mesmo tempo, ela sentiu o seu corpo mais pesado.
ㅤㅤㅤㅤNão tinha entendido exatamente o que o fazia pensar que ela era essa tal Titã Fêmea, seja lá o que isso seja, mas o termo que ele usou, associado aos sons ensurdecedores que ouvira antes e se repetiam agora, às pegadas humanas gigantes que estavam espalhadas por ali e aos cadáveres, deu para ter uma boa noção do que estava acontecendo.
ㅤㅤㅤㅤ"Não sei quem montou esse perfil, mas você é péssimo investigador." A alegação dela foi carregada de provocação, frustração e dor. Ele havia a atacado, a feito se esforçar e se cansar ainda mais por conta de um equívoco. Ainda assim, ele não era o único a ter cometido um erro hoje. Nada disso não teria acontecido se ela não fosse tão imatura.
ㅤㅤㅤㅤCom a mão livre, Sakura cobriu a laceração que havia causado anteriormente abaixo do diafragma do homem, quando o socou há alguns minutos. O olhar que ela recebeu foi de ódio e desconfiança, mas isso não foi o suficiente para a fazer recuar, pelo contrário, só serviu para fazê-la querer provar ainda mais o ponto dela. A mão da mulher se iluminou fracamente com uma luz esverdeada que mal iluminava cinco centímetros ao redor, os olhos fechados em concentração para reduzir os danos aos órgãos internos, encontrando uma enorme dificuldade em fazer algo que deveria ser tão natural para ela. Curar. Era o que ela fazia, mas para além de todo o cansaço e dor, o sistema do corpo daquele homem era diferente, e a forçou a adaptar e reaprender a Palma Mística no naquele mesmo momento.
ㅤㅤㅤㅤEstá feito, ela pensou consigo mesma, a fraqueza de antes tomando ainda mais o corpo dela, mas ceder naquele momento não era uma opção.
ㅤㅤㅤㅤSe ele fosse minimamente inteligente, ele interpretaria aquilo como um sinal de que ela não era a sua inimiga, um ato de boa-fé, apesar da maneira como ele havia a torturado. A expressão de raiva no rosto dele cedeu à confusão enquanto sentia a dor em seu corpo diminuir. Sakura então se ergueu, recuando atenta, para o caso dele não ser tão inteligente quanto ela esperava que ele fosse e decidir a atacar mais uma vez, e então apontou para a direção que vinham os estrondos.
ㅤㅤㅤㅤ"Esse tal titã, como você chamou... enfim... deve ter seguido por ali. As pegadas foram para o mesmo lugar de onde vêm esses... parecem passos," ela explicou a respiração difícil, mas a sua observação era afiada e precisa, algo que seria impressionante mesmo para alguém em boas condições.
ㅤㅤㅤㅤIsso, no entanto, não foi o suficiente para fazer aquele soldado menos cauteloso e irritado.
ㅤㅤㅤㅤEle já estava se pondo de pé, com analisando como seu corpo parecia mais leve, a dor no abdômen quase completamente curada, embora houvesse uma fadiga que não estava ali antes. A habilidade de regeneração de um portador de titã não poderia ser transferida dessa forma, poderia? Ele estava olhando para uma mulher estranha de cabelo estranho com uma força sobre-humana até para os padrões dele. E talvez fosse por essa incerteza, o fato de não saber nada sobre aquela garota, que ainda permanecesse tão relutante em aceitar que a observação dela estivesse correta. Um titã normal estaria correndo na direção deles, tentando comê-los, ele sabia disso, ainda assim, o incomodava de não saber com o que estava lidando. "Por que eu acreditaria nisso? Você pode estar tentando fugir."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu tenho motivos suficientes para não querer estar perto de você, depois de você ter... se divertido tanto. Foi como você disse, não é?" Ela respondeu de maneira retórica enquanto, de alguma forma, conseguiu pular para o alto de uma das árvores. A voz dela ficou mais alta, o suficiente para se fazer ser ouvida na distância em que estavam um do outro. "Eu definitivamente estou recuando, fugindo, como você preferir, mas eu não estou mentindo. E caso tente mais alguma gracinha, garanto que você não vai estar vivo no segundo ataque."
ㅤㅤㅤㅤO soldado pegou as manoplas do seu dispositivo estranho, mas dessa vez sem as lâminas. O aviso nas palavras parecia verdadeiro, então, se fosse um blefe, ela era ótima nisso. Ele encarou para a direção que a mulher de cabelos rosas apontou anteriormente, ouvindo os passos de titã se afastarem. Ele tinha que tomar uma decisão rápido, porque a vida de Eren dependia daquilo, o futuro da humanidade dependia daquilo. Quando ele tornou a olhar para onde a estranha estava, no entanto, ela havia desaparecido completamente, sem pistas para onde havia ido. Sem mais decisões para tomar, Levi prendeu os cabos do seu DMT no alto das árvores, na direção dos estrondos, e se lançou para lá, viajando o mais rápido que conseguia para alcançar a Titã Fêmea. Foram alguns minutos de suspense antes do corpo enorme e sem pele surgisse entre as árvores.
ㅤㅤㅤㅤMas se a mulher que havia encontrado antes não era a Titã Fêmea, quem ou o que era ela?
Notes:
Os próximos capítulos até o 9 provavelmente não vão ter capa (porque eu ainda não fiz), mas vou tentar fazer e vou tentar revisar também.
Obrigada por lerem!
Até o próximo
XOXO
Chapter 6: Os derrotados
Summary:
Notes:
Esse capitulo não passou por uma revisão mais minuciosa... pretendo revisar em breve, mas até lá,
Boa leitura!
Chapter Text
ㅤㅤㅤㅤDefinitivamente estava muito longe do País do Mar ou qualquer outro lugar que conhecesse, foi o que ela concluiu ao ver grandes muralhas se erguerem no horizonte. A carroça que a carregava havia sido, de fato, de grande ajuda — o corpo dela estava cansado demais, dolorido demais, para além disso, ela sequer sabia dizer que estava acontecendo consigo mesma, o que estava causando aquelas oscilações na já pouca energia dela. E ainda havia as numerosas perguntas que permeavam a mente dela desde que acordou: onde ela estava? O que havia acontecido naquela floresta? E onde estava Sasuke? Não importa o quanta pensasse ou até investigasse, da forma que podia, ela não conseguiu nenhuma resposta. A única conclusão que conseguiu chegar, diante de tudo o que vivenciou, era que precisava poupar chakra até que descobrisse de fato qual era a situação em que se encontrava e que não deveria se manter escondida até que soubesse onde estava e como poderia encontrar o Uchiha e voltar para casa. Por enquanto, ajudar aquela equipe mal preparada a lidar com os soldados no vagão de feridos era tudo o que ela poderia fazer.
ㅤㅤㅤㅤDepois do seu embate com o soldado desconhecido, Sakura espreitou por uma base cheia do que pareciam ser camaradas dele no meio da floresta de árvores gigantes. Todos usavam o mesmo uniforme, capa verde com o brasão de asas e o dispositivo estranho na região dos quadris, além dos vários conjuntos de lâminas, do mesmo que tipo que tinham entrado no corpo dela há algumas horas. De qualquer fora, eles pareciam empenhados em recolher os materiais que não foram destruídos, seja lá pelo que, e realizar os primeiros socorros aos feridos, o que estava sendo um desastre. Não precisava ser um médico para notar a clara falta de preparo daquilo que deveria ser a equipe médica, mas, como um profissional da área, Sakura conseguia notar ainda mais erros de execução que estavam custando a vida daquelas pessoas; e o que mais chamou a atenção dela foi que nenhum deles parecia conhecer qualquer técnica de ninjutsu médico, cuja a implementação global foi basicamente um consenso entre os países depois da última Grande Guerra. A perspectiva que isso abria para ela não era nada agradável, e ainda assim não respondia nenhuma das dúvidas dela, muito pelo contrário, só levantava mais questões.
ㅤㅤㅤㅤFoi nesse momento então em que ela decidiu se disfarçar como um desses soldados, se infiltrar entre eles, segui-los, na esperança de que fossem até um lugar conhecido ou pelo menos minimamente civilizado. Pelo o que ela viu, do topo das árvores enorme, fora daquela floresta, um campo aberto se estendia por quilômetros além do que os seus olhos podiam alcançar antes de chegar a outra floresta e voltar a se estender depois disso. Sakura nem mesmo sabia em qual direção deveria seguir ou se chegaria a algum lugar se decidisse tentar a sorte em escolher um rumo ao acaso. Os números estavam contra ela, e se os únicos que pareciam ter alguma noção do que estavam fazendo eram aqueles soldados, então ela correria o risco em se esconder entre eles. Enquanto ajudava a fazer os primeiros socorros em uma menina que parecia ter pouco mais de 15 anos, Sakura tentava se convencer disso, se convencer de que não adiantaria tentar encontrar Sasuke na floresta porque ele não estava lá e que a decisão dela foi a certa.
ㅤㅤㅤㅤApesar de ter tomado a forma do cadáver da soldado que viu mais cedo, ela manteve o capuz sobre a sua cabeça, evitando ao máximo que alguém que porventura reconhecesse a mulher morta cuja aparência usurpara. Tudo dependia de ela chegar em segurança e escondida, onde quer que eles estivessem indo, afinal, não tinha como saber como aqueles soldados reagiriam a ela — e digamos que o primeiro contato com um deles não abriu um bom precedente. Seu plano estava dando certo até agora, na medida do possível, embora momentos de tensão tivessem lhe testado, como quando monstros humanoides enormes perseguiram a formação, forçando-os a arremessar os cadáveres fora aliviar o peso das carroças e assim fugirem. Para o alívio dela, não precisou agir, embora não tivesse sido reconfortante assistir enquanto sabia que poderia ter feito algo para ajudar. Dois soldados acabaram morrendo, e ela sabia que o sangue estava nas mãos dela de alguma forma, por conta da decisão egoísta que tomou. Ela sabia que deveria se manter escondida, que poderia ficar em maus lençóis se fosse descoberta, mas isso não tornava as coisas mais fáceis.
ㅤㅤㅤㅤSakura também viu o homem que a atacou e torturou naquele momento. Agora ele estava na linha de frente da formação cavalgando perto do que parecia ser o líder, talvez o tal Erwin a quem ele havia se referido enquanto a fazia gritar de dor. Ela pensou ter sido descoberta quando ele desacelerou o cavalo e se aproximava da retaguarda, mas o homem parecia estar com a cabeça cheia de pensamentos quando deu a ordem de abandonar os corpos então sequer olhou na direção dela. Pela forma como os outros se dirigiam a ele, foi fácil deduzir que ele ostentava de uma patente elevada ou que no mínimo fosse muito prestigiado pelos seus colegas, pois, mesmo diante daquela ordem cruel, mesmo diante da hesitação, os soldados cumpriram com o dever. Depois de passar pelo que passou nas mãos dele, Sakura não sabia dizer se era respeito ou medo essa obediência.
ㅤㅤㅤㅤMedo, ela concluiu depois de notar que sentia um frio nas costelas cada vez que o olhava antes de desviar a atenção para o ferido em questão no momento seguinte. No estado em que ela estava, cansada e debilitada, definitivamente, ele representava perigo para si, considerando o jeito que ele lutou antes. Sinceramente, ela nem sabia como ainda estava mantendo uma técnica de transformação e sem ter desmaiado.
ㅤㅤㅤㅤNa fronte, o soldado em questão cavalgava ao lado do seu comandante com o olhar firme no seu destino, mas a mente absorta em todo o tipo de pensamentos e sentimentos. Embora transparecesse apenas a sua frieza habitual, o peito dele doía com o luto de ter perdido seu esquadrão inteiro, seus amigos, e para os mais atentos, era possível notar a leve irritação ao redor dos olhos dele. Seus devaneios, no entanto, transitavam entre a culpa, a sensação de impotência e seus questionamentos sobre a mulher de cabelo estranho com quem lutara mais cedo. Relatara tudo a Erwin quando o encontrou e deixou Eren em segurança com os imediatos do comando, todos os detalhes necessários.
ㅤㅤㅤㅤMulher, por volta de 165 centímetros de altura, magra e cabelos rosa. Um manto longo e claro sujo de sangue e com alguns rasgos de lâminas que já estavam lá antes do próprio Levi os rasgar durante o embate e a tortura. Ela lutava como um soldado treinado, muito bem treinado, era excepcionalmente rápida mesmo com os claros sinais de fadiga e usava uma faca estranha. E isso nem é a parte mais bizarra, ele pensou consigo mesmo, lembrando de quando o soco que deveria ter acertado ele simplesmente abriu um buraco considerável no tronco de uma das árvores da floresta, ou quando foi arremessado por metros por outro golpe daqueles. E ainda havia a forma como ela simplesmente saltou para o topo de um dos galhos que estavam a metros do chão.
ㅤㅤㅤㅤEra frustrante.
ㅤㅤㅤㅤLevi não teve como responder as dúvidas do comandante, visto que elas eram as mesmas que as dele próprio. Quem era ela? Era mais um inimigo para se preocupar ou uma ferramenta a ser usada no futuro? E o mais importante: como ela fazia aquelas coisas? A única coisa que Levi sabia era sobre a aparência dela e que tinha treinamento militar, um treinamento militar focado em batalha corpo a corpo que tinha técnicas que superavam e muito ao que era ensinado aos cadetes e que ela não era de fato a Titã Fêmea.
ㅤㅤㅤㅤMerda...
ㅤㅤㅤㅤO cansaço, a tristeza, a frustração e a ira estavam marcadas em seus olhos, as olheiras mais profundas e escuras do que de costume. Sua perna estava ferida, mas sabia que estaria muito pior se aquela estranha não tivesse, de alguma forma, o curado do golpe que recebeu. Essa parte, aliás, não reportara ao seu superior. Ele poderia estar louco, afinal. Nem mesmo ele confiava em sua mente, quem dirá os outros. Mas algum lugar no fundo da mente dele sabia que o que ele tinha sentido era real, e não a facilidade habitual com que o corpo dele se recuperava desse tipo de coisa.
ㅤㅤㅤㅤ"Levi, estamos chegando", a mulher ao seu lado anunciou, a voz atipicamente séria. Era Hange.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu sei."
ㅤㅤㅤㅤEla ficou em silêncio, pensando nas palavras que deveria usar como se pisasse em ovos. Mesmo sendo amigos há anos, ele ainda era uma pessoa difícil de se lidar, e uma vírgula errada num momento ruim era o suficiente para piorar as coisas ainda mais. Desde que ele havia assumido o posto de Cabo e líder de esquadrão, Levi havia perdido inúmeros subordinados, e isso sempre foi um tópico sensível para ele, mas era algo que ele lidava até bem, comparando com outras pessoas. No entanto, essa era a primeira vez que ele havia perdido todo mundo em uma única expedição.
ㅤㅤㅤㅤNão, Hange pensou, se corrigindo. É a segunda vez.
ㅤㅤㅤㅤ"Se preferir, eu posso notificar os familiares, no seu lugar" ela sugeriu, empaticamente, o cavalo dela a apenas algumas polegadas do cavalo dele.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu dou conta, Quatro-olhos." A resposta dele foi mais seca que o habitual, e mesmo com a sua tentativa de não soar tão afetado, os olhos atentos de Hange não perderam os sinais. Os dedos dele agarraram ainda mais forte as rédeas em suas mãos, os nós embranquecendo e o couro rangendo como se fosse se partir. "Você tem a sua cota."
ㅤㅤㅤㅤA mulher suspirou em resignação, tornando a sua atenção no caminho. Fazia anos que não via o amigo naquele estado; agora estaria ao lado dele, da maneira que pudesse.
ㅤㅤㅤㅤUm reflexo foi visto do alto da muralha — provavelmente um soldado da Guarnição conferindo a movimentação com uma luneta —, e no instante seguinte, ouviu-se, mesmo a distância, o alto som alto e metálico do sino. Não demorou muito para a Divisão de Reconhecimento se reunir na entrada para a muralha de Karanese, e quando o fizeram, o pesado portão de rocha e madeira se ergueu ruidosamente do chão. Não levou mais do que alguns minutos para os primeiros soldados começarem a entrar na cidade, a entrada limpa de titãs como sempre era durante o período das expedições. As pessoas se reuniam em torno da rua principal, curiosas sobre o tamanho do fracasso desta missão. No final, era assim que a população os enxergava: mesmo que tenham feito grandes progressos desde que Erwin assumiu o posto como 13º Comandante da divisão, eram um estorvo que jogava pelo ralo a verba da humanidade em operações infrutíferas e retornavam apenas com pilhas e pilhas de cadáveres. Bom, dessa vez, sequer voltaram com isso.
ㅤㅤㅤㅤA carroças com feridos tiveram prioridade, e os que podiam se movimentar, procuravam avidamente pelos seus familiares, buscando algum tipo de conforto depois de terem sobrevivido aos horrores daquela expedição. De volta, com o coração apertado, as pessoas que não os direcionavam um olhar de rejeição, espiavam preocupados para cada soldado, como se procurassem alguém querido; os mais desesperados já se aproximavam de Marlene e outros líderes de esquadrão para saber o porquê de não encontrarem seus filhos, irmãos e pais entre os sobreviventes. Eles já sabiam a resposta, todos já sabiam, mas ninguém poderia culpá-los por terem uma gota de esperança do contrário, mesmo que fosse apenas para ser cruelmente apagada pela verdade que já os encarava de longe.
ㅤㅤㅤㅤÉ o que é, e sempre foi assim — desde a primeira vez que ele havia saído daqueles muros, há seis anos, e com toda certeza antes disso não era diferente.
ㅤㅤㅤㅤ"Capitão Levi!" A voz de um homem de mais idade soou às suas costas, assim como seus passos, se aproximando, particularmente ansioso, mas não preocupado ou triste ou bravo. Levi o reconheceu mesmo sem nunca tê-lo visto antes. Ela havia puxado o rosto da mãe, mas as expressões... as expressões eram iguais. "A minha filha é do seu esquadrão. Eu sou o pai da Petra."
ㅤㅤㅤㅤO homem exibia um sorriso nervoso e segurava fortemente um envelope em suas mãos. O estômago de Levi revirou. Ele manteve seus olhos fixados num ponto qualquer à sua frente, sabendo que as coisas só ficariam pior se olhasse nos olhos do senhor. Não seria a primeira vez a anunciar a morte de companheiro caído a um familiar e também não seria a última, mas agora parecia particularmente mais difícil. Normalmente ele já teria cortado o assunto e preparado o senhor para difícil notícia, mas as palavras simplesmente não saíam, presas na garganta junto com a raiva e a culpa.
ㅤㅤㅤㅤ"Antes que ela me veja, quero falar com você." Finalmente ele ergueu o envelope branco na altura de suas vistas, agora mais à vontade, mesmo que ainda estivesse preocupado. "Ela me enviou esta carta. Disse que você respeita as habilidades dela e por isso a chamou pro esquadrão. Disse que ia se dedicar a você."
ㅤㅤㅤㅤLevi apertou os dedos entre as rédeas de sua égua, evitando olhar para o pai de Petra a todo custo. O homem, no entanto, achando que esta era a maneira habitual que o capitão se portava, como Petra havia dito que ele costumava ser, continuou, hesitante.
ㅤㅤㅤㅤ"Bem, acho que ela está deslumbrada demais para pensar nos sentimentos do pai." O papel nas mãos do senhor amassou um pouco, pensando nas suas próximas palavras. "Como pai dela, acho que é cedo demais para ela se casar... Ela é ainda muito nova e inexperiente."
Ainda com o olhar preso no caminho a sua frente, ele sentiu o seu peito apertar. A relação entre Levi e Petra não era como o pai dela havia interpretado, e talvez Levi risse disso com o esquadrão dele mais tarde se eles ainda estivessem ali, mesmo assim, o Senhor Rall tinha razão, ela era tão nova. E a sua família sequer teria a chance de se despedir, dar-lhe um funeral digno. Esse era o destino de todos os que perderam a vida naquela expedição, e Levi sabia que com seus colegas de esquadrão não seria diferente, mas estar naquela situação, ouvindo o pai de Petra falar dela como se ainda estivesse viva... era como se estivesse pisando no que restava do seu coração.
ㅤㅤㅤㅤ"Apesar disso, confio em você, Capitão Levi, para cuidar da Petra, como tem feito até hoje."
ㅤㅤㅤㅤOs passos do soldado cessaram de repente. Os olhos que antes se mantinham baixos e distantes, agora estavam surpresos, incrédulos, como se estivesse vendo um fantasma. Mais à frente, os cabelos ruivos de sua falecida companheira surgiram. A mesma altura, o mesmo uniforme. A mulher estava de costas, mas dava para perceber que ela tentava se desvencilhar de curiosos que tentavam a alcançar falando besteiras sobre a divisão nos ouvidos dela. Quando ela finalmente virou-se para trás, Levi teve a certeza. Os olhos dela estavam brilhantes, muito diferente da última vez que vira, com o corpo prensado contra a árvore, completamente ensanguentada. Ela também o viu, assim como ele, espantada, as expressões completamente diferentes do que costumavam ser, mas naquele momento, esse detalhe simplesmente não foi importante. Levi entregou as rédeas para o senhor ao seu lado, dando o primeiro passo na direção de Petra, que no mesmo segundo, se afastou o mesmo tanto.
ㅤㅤㅤㅤA mulher colocou o capuz e apertou o passo para longe da multidão. Ela estava se escondendo? Porque ela está fugindo dele? Isso não importa, ele poderia perguntar quando a agarrasse pelo colarinho e a obrigasse responder sobre porque ela tinha o assustado daquele jeito, o deixando pensar que o pior tinha acontecido. Levi seguiu no seu encalço, abrindo espaço por entre as pessoas, usando as vezes até mais força que o necessário, gerando uma agitação que ele sinceramente não se importou. À medida que ficava mais perto, mais gente se colocava em sua frente, tentando falar com ele, os insultos simplesmente caindo e ouvidos surdos enquanto tudo o que ele fazia era seguir os passos dela obstinadamente. E quando finalmente pensou ter a alcançado, quando segurou o ombro dela, quando ela se virou, não era Petra, mas sim uma garota loira que ele nunca fez questão de decorar o rosto ou o nome.
ㅤㅤㅤㅤ"Capitão Levi?" a garota disse, assustada pelo toque repentino, os grandes olhos azuis ainda maiores.
ㅤㅤㅤㅤLevi questionou a própria sanidade, procurando a sua volta por sua companheira, ignorando a soldado baixinha. Uma outra soldado se aproximou dos dois, ridiculamente alta e com a pele queimada pelo sol, sardas nas bochechas e uma cara azeda, nenhum pouco intimidada com a presença de Levi.
ㅤㅤㅤㅤ"Tudo bem por aqui, Christa?"
ㅤㅤㅤㅤ"Ymir..." a garota loira que aparentemente se chamava Christa murmurou.
ㅤㅤㅤㅤ"Vocês viram uma garota com o uniforme do Reconhecimento? Ela é ruiva, da sua altura. Estava usando capuz." A voz dele estava mais ríspida que o normal, e a sua expressão ainda mais assustadora.
ㅤㅤㅤㅤYmir deu um passo à frente, se colocando entre Levi e Christa, usando a sua mão direita para fazer sua colega dar alguns passos para trás.
ㅤㅤㅤㅤ"Vimos alguém seguir por ali, mas não temos certeza."
ㅤㅤㅤㅤA morena apontou para uma ruela afastada, entre dois edifícios e atrás de uma pequena multidão. Sem agradecer ou dizer qualquer coisa, Levi seguiu pelo caminho indicado, podendo ver a ponta da capa verde sumiu numa curva. Ele correu, mas, quando alcançou a tal curva, tudo o que encontrou foi um beco sem saída, completamente vazio a não ser pelos gatos de rua.
ㅤㅤㅤㅤA última gota de esperança foi completamente apagada do seu corpo, algo que reacendeu apenas para ser cruelmente esmagado pela realidade. O peito transbordava tristeza, raiva, culpa, tudo junto e misturado como bile o fazendo querer vomitar. Os olhos desistiram de tentar conter as lágrimas, a cabeça e a garganta doendo pelos últimos esforços para se manter inteiro quando as primeiras gotas escorreram pelo rosto e molharam o uniforme. O luto estava o adoecendo, afinal? Ele olhou para o céu: limpo. O mundo não parecia ter se abalado com o massacre de hoje, no entanto, o mundo dele estava desmoronando mais uma vez. Quantas vezes mais ele teria que passar por isso? Sinceramente, ele não sabia se suportaria lidar com mais perdas se a perspectiva de que eles estavam fadados ao fracasso continuasse a frente como uma parede intransponível.
ㅤㅤㅤㅤPetra, Oluo, Eld e Gunther.
ㅤㅤㅤㅤEsses foram os que morreram hoje.
ㅤㅤㅤㅤAntes disso houveram Louis, Phill, Zac, Otto, Elaine, Hans e Karl.
ㅤㅤㅤㅤE antes dele se foram Farlan e Isabel.
ㅤㅤㅤㅤE antes de todos esses, Kuchel.
ㅤㅤㅤㅤMais uma vez, ele foi o único que sobrou, o único que sobreviveu. Depois de um tempo, isso deixa de ser sorte e se torna uma maldição.
ㅤㅤㅤㅤDesistindo da sua loucura, se convencendo que era apenas a sua cabeça lhe pregando uma peça cruel, ele deu meia-volta, retornando por onde veio.
ㅤㅤㅤㅤEle deveria parar de fugir das suas responsabilidades, não podia se deixar levar pelos seus sentimentos de novo. O pai de Petra deveria estar para no mesmo lugar que o deixara, Levi concluiu, secando o rosto e pegando o emblema que arrancara do uniforme da sua companheira, observando a mancha de sangue que tinha no canto. Petra estava morta. Ele tinha visto com os seus próprios olhos. Ele tinha pessoalmente recuperado o corpo dela, carregado nos braços até a carroça que depois a despejou como um fardo inútil. Ele simplesmente escolheu ignorar esse fato, ele escolheu ignorar a lógica e a realidade mesmo sabendo que a esperança era perda de tempo, como os familiares que insistem em procurar pelos filhos mesmo depois de não os encontrarem entre os vivos.
ㅤㅤㅤㅤA fila de soldados já estava mais a frente, mas o pai de Petra permaneceu parado lá no meio da rua sem saber o que fazer, tentando lidar com o cavalo de Levi, o animal agitado parecendo saber que o seu dono estava em péssimo estado, provavelmente tentando se soltar para segui-lo. Levi, no entanto, hesitou antes de dar o primeiro passo. Assuma a responsabilidade. Assuma a culpa. Foi o que ele disse a si mesmo antes de seguir em frente.
Chapter 7: Sara Hasek
Notes:
Esse definitivamente não tem capa (ainda) mas um dia eu faço skskksks estou priorizando fazer as capas dos capítulos recentes (a partir do capítulo 10, no caso o site vai marcar como 11 por conta do prologo, todos vão ter capa). Amanhã eu posto o próximo, já que eu atrasei esse dois dias.
Perdões os erros. Eu não revisei direito esse ainda.
Boa leitura.
Chapter Text
ㅤㅤㅤㅤOs dias se passaram lentamente; frios e ensolarados, cansativos e estressantes. Finalmente Sakura havia estabilizado o seu disfarce, algo não muito difícil, na verdade, considerando a sua patente e a quantidade de missões de espionagem feitas nos últimos anos. Ela também não levou muito tempo para perceber como o seu cabelo se destaca entre os residentes daquela região — aparentemente, rosa não é uma cor muito comum por ali, assim como as suas roupas também. Aliás, esse ponto foi o maior desafio dela até então, comprar vestimentas adequadas, um número bom o suficiente para se manter estável. Quanto a sua nova identidade? Agora ela é Sara Hasek; uma jovem de Trost que, depois do último ataque, perdeu sua família, sua casa, e tentava recomeçar sua vida no Distrito de Ehrmich, longe de todas as lembranças ruins e dos fantasmas dos titãs que ainda assombravam aquela região. Tirando proveito do fato da Muralha Rose ainda estar se recuperando da última invasão no distrito sul e a redução de burocracia para a adição de novos profissionais de apoio hospitalar, Sakura se candidatou a um dos postos de enfermeira — já que ser médico era um privilégio que as mulheres não tinham por ali. Conseguir documentos de identificação não foi difícil, e ao tentar ingressar na equipe médica local, sua formação foi questionada, pois ela não tinha nenhuma licença; não foi difícil resolver esse problema, entretanto. Agora Sara era a promissora e gentil enfermeira do Hospital de Clínicas de Ehrmich.
ㅤㅤㅤㅤA sua escolha de disfarce não é à-toa. Além de já ter o conhecimento necessário para tal e até muito além disso, enfermeiros e doutores tinham acesso facilitado à biblioteca nacional, e através dela encontrou um ponto de partida para o seu principal objetivo: encontrar uma forma de voltar para casa. E era ali onde estava agora, com três enciclopédias em um braço, enquanto, com a mão livre, passeava pela lombada dos livros da área de história da biblioteca. "A Humanidade e as Muralhas" foi o título onde seu dedo parou. Apesar de ter uma rasa noção da realidade em que se encontrava, precisava ir mais a fundo, tanto para entender as bases daquele lugar como para manter uma história convincente. Sakura pegou o livro, pesado, grande e antigo, e o levou até a mesa mais próxima. Era o seu horário de almoço, mas graças a pílulas de ração militar os quais sobreviveram a sua viagem, ela não precisava se preocupar com alimentação — apesar de não fosse tão gostoso quanto um bom soba.
ㅤㅤㅤㅤO pó das páginas a fez espirrar quando abriu o livro de maneira cuidadosa. Aparentemente ninguém o tirava das prateleiras há um bom tempo. O texto parecia ser uma continuação sobre a composição das muralhas, a forma como foi feita. Na sua opinião, um conto fantasioso, beirando ao fanatismo, parecido com as crendices que ouvira dos locais anteriormente: as muralhas foram construídas pelo Rei Fritz num último ato para salvar a humanidade da monstruosidade dos titãs, sendo assim, um monumento divino e intocável. Eram três, no total: Maria, Rose e Sinna, e o livro praticamente tratava aquelas grandes muralhas como deusas. As pessoas dentro delas eram descritas como os últimos sobreviventes de uma espécie de apocalipse titã, o que restara da humanidade, tendo como último recurso as Três Divisões Militares. A Polícia Militar, responsavel pelo policiamento interno das muralhas, a Guarnição, a divisão que fazia a manutenção das muralhas e fazia a segurança da estrutura nos distritos em contato com o território titã, e o Reconhecimento, o grupo que realizava expedições e pesquisas no intuito de descobrir uma forma de eliminar os titãs.
ㅤㅤㅤㅤSe fosse mesmo o caso, ou eles simplesmente haviam se isolado tanto ao ponto de não saber haver um mundo inteiro vivo além daquelas muralhas, o mundo do qual ela veio, ou então...
ㅤㅤㅤㅤEla não gostava da segunda opção, porque isso significava que ela não conseguiria voltar para casa a não ser que um portador do Rinnegan a resgatasse, e o único portador vivo era Sasuke — se ele ainda estivesse vivo.
ㅤㅤㅤㅤSakura balançou a cabeça, afastando o pensamento tão rápido quanto ele surgiu. A última coisa que precisava agora era uma perspectiva pessimista sobre a própria situação. Com isso em mente, ela voltou a sua leitura.
ㅤㅤㅤㅤA respeito dos titãs, os monstros humanoides vistos por ela no primeiro dia, encontrou poucas informações. A justificativa se dava pelo fato do corpo dos titãs se decomporem antes de qualquer tipo de dissecação ser feito. Apesar disso, descobriu que, bem como aparentava, eles não tinham órgãos reprodutores, evidenciando o mistério por trás da perpetuação deles por mais de um século. Eles também não tinham um sistema digestivo, e como não atacavam animais, objetivo deles parecia ser apenas comer o maior número de humanos possível para depois expelir os cadáveres em uma espécie de casulo. Seus corpos não precisavam comer para se manterem vivos; isso foi constatado após observações extensas dessas criaturas; alguns deles passavam dias, meses, até anos espreitando as muralhas sem ingerir um humano sequer, e apesar disso, eram capazes de regenerar membros e partes do corpo inteiros, sendo quase impossível matá-los, se não fosse um ponto em específico da nuca. À noite, no entanto, eles se tornavam inativos. Sendo assim, havia hipóteses de que a sua principal fonte de energia fosse o sol, porém, não havia como ter certeza se era isso ou como isso poderia funcionar. Fotossíntese? Provavelmente não. Até mesmo as plantas precisavam de nutrientes extraídos do solo para tal. Além disso, depois de tantos anos, se isso fosse uma hipótese minimamente aceitável, estaria descrito num desses livros, não é?
ㅤㅤㅤㅤO sino da igreja bateu. Era uma da tarde. Sakura recolheu seus livros e o levou para o bibliotecário, no fim do seu turno.
ㅤㅤㅤㅤ"Sabia que você ia levar mais livros hoje", o rapaz comentou.
ㅤㅤㅤㅤSakura estava ali a poucos dias, mas sempre passava na biblioteca no horário do almoço para fazer sua investigação. O bibliotecário do turno da manhã passou até a estender o seu horário em alguns minutos, pois sabia que a mulher iria precisar dele para pegar seus livros diários. Era impressionante como ela os lia rápido, na verdade
ㅤㅤㅤㅤ"Boa tarde, Peter. Como vai a sua tia? Ela teve alta, essa semana, não é?" a mulher perguntou, colocando os livros sobre a mesa, causando um baque surdo da capa de couro contra a madeira de mogno esculpida.
ㅤㅤㅤㅤ"Está ótima, graças a você, Doutora Sara", ele respondeu, abrindo o primeiro livro, retirando a ficha de registro para colocar o nome da mulher. Apesar de ela não ser médica, alguns pacientes a tratavam como se fosse, pois, modéstia à parte, Sakura era muito mais habilidosa que os médicos de lá. "Os seus remédios estão sendo mais efetivos que o da farmácia. Ela até consegue caminhar de novo!"
ㅤㅤㅤㅤ"Fico feliz em saber disso," ela concorda, esperando que toda a burocracia terminasse logo para ela poder voltar ao trabalho.
ㅤㅤㅤㅤ"Se não fosse aquela gentinha do Reconhecimento, ela estaria bem," o homem comentou, embora Sakura não conseguisse entender exatamente a relação entre uma coisa e outra.
ㅤㅤㅤㅤNo mesmo instante, a porta da biblioteca se abriu. Por eles, passaram dois soldados com o emblema de asas no casaco. Era um rapaz ruivo e uma mulher alta e loira. Eles acenaram para o Peter e Sakura, seguindo para a área de pesquisa de titãs e das muralhas. Eles estavam se reunindo no distrito junto com a Guarnição e a Polícia Militar para uma missão de emergência para encontrar o buraco na Muralha Rose. O que dois deles faziam na biblioteca a esse horário, no entanto, ela não sabia.
ㅤㅤㅤㅤSakura entendia o ressentimento de Peter para com os soldados da divisão em questão. Eles haviam organizado uma operação em Stohess no dia anterior, e a batalha recorrente desta acabou atingindo além da área planejada, ferindo muitos civis no ato. A tia de Peter fora uma das vítimas, embora não tivesse sido tão grave. Apesar de estarem em outro distrito, isso saíra no jornal de todo o lugar em poucas horas, além do que se ouvia falar pelos corredores, então não teve como não ficar sabendo. O desfecho da missão ficou em sigilo, contudo era latente o repúdio da população local, principalmente depois de anunciarem a violação da Muralha Rose algumas horas depois. Desde então, diversas pessoas têm chegado à Ehrmich e os outros três distritos da Muralha Sinna, o que também aumentou o trabalho dela no hospital — sinceramente, era até um milagre ela ter conseguido aproveitar o intervalo do almoço com relativa calma—, e muitas críticas se ouviam falar sobre aqueles que deveriam estar matando os titãs. Por outro lado, Sakura também entendia o lado do Reconhecimento. O que não faltou em seus dias mais ativos como kunoichi foi a reprovação das pessoas após as coisas saírem do controle e a forçar recorrer para métodos mais destrutivos. Não sabia o porquê de uma operação tão arriscada ter ocorrido em uma cidade tão populosa, porém, eles deveriam ter os seus motivos. Depois de ver tão de perto a forma como aqueles soldados ficaram arrasados diante o fracasso da missão em que ela acabou se envolvendo, não tinha como cogitar a ideia de eles serem apenas inescrupulosos, que não se importavam com as vidas de pessoas inocentes.
ㅤㅤㅤㅤHouve um instante de silêncio. O rapaz preenchia o nome da moça na ficha do último livro, os guardando no armário de reservas. Os dois soldados já não estavam mais a vista.
ㅤㅤㅤㅤ"Obrigada, Peter. Busco no fim do dia..."
ㅤㅤㅤㅤ"E, também, devolva os que pegou emprestado ontem."
ㅤㅤㅤㅤ"É, isso mesmo. Bom descanso."
ㅤㅤㅤㅤ"Sara..." ele a chamou, hesitante, quando ela deu o primeiro passo em direção à saída. A mulher parou, com um sorriso gentil nos lábios. "Você estaria livre esta noite?"
ㅤㅤㅤㅤO sorriso dela murchou um pouco, pensando nas palavras que usaria para recusar o convite sem magoar o rapaz, como sempre fazia quando alguém tentava a convidar por um encontro. Os motivos de agora diferiam dos motivos de antes. Enquanto estivesse naquela situação, proteger a sua identidade era a prioridade. Depois de um momento, ela voltou a sorrir da mesma como antes.
ㅤㅤㅤㅤ"Estou muito ocupada nos próximos dias," ela respondeu, o tom uniforme, mas não rude. De forma alguma. Era até gentil. "Você sabe, com essa notícia da Muralha Rose, os pacientes no hospital triplicaram."
ㅤㅤㅤㅤ"Tudo bem! Pode ser num dia que você esteja menos atarefada."
ㅤㅤㅤㅤSakura, uniu as mãos na altura do seu diafragma, incomodada pela insistência. Ela precisava ser mais direta com os homens daquele lugar, afinal? Eles pareciam muito mais insistentes do que os inconvenientes que davam em cima de qualquer ser de saia respirando. Ela voltou para perto da bancada, a expressão mais séria.
ㅤㅤㅤㅤ"Sinto muito se o confundi, porém, eu não estou interessada em ter alguma relação romântica agora. Está sendo muito complicado, para mim, lidar com o fardo da perda, e não seria justo arrastar outra pessoa para a confusão da minha vida. Não entenda mal: você é um rapaz de ouro. Não é você, sou eu."
ㅤㅤㅤㅤA cada palavra, a esperança no rosto do rapaz se esvaia, até restar apenas um olhar derrotado. Ele ficou numa aura soturna por alguns segundo, até colocar um sorriso forçado no rosto, mesmo estando desconfortável pela rejeição.
ㅤㅤㅤㅤ"Desculpe ter sido inconveniente," ele disse, a voz dele num tom apologético, mas confiante. "Posso pelo menos pagar um chá para você, como agradecimento pelo que fez pela minha tia? Ela é realmente importante para mim, praticamente uma mãe."
ㅤㅤㅤㅤA vontade de soltar um longo suspiro foi suprimida, as mãos dela se fechando firmemente em irritação atrás das costas dela. Cara insistente, ela pensou consigo mesma, não precisando ser muito inteligente para saber o que ele pretendia com esse chá de agradecimento, contudo recusar o convite faria mais mal do que bem. O azar do jovem é que ela era mais esperta.
ㅤㅤㅤㅤ"Claro. Quando você for pegar mais remédios para a sua tia, leve-me um chá. Pode ser?"
ㅤㅤㅤㅤ"Claro..." Ele respondeu um pouco decepcionado pela resposta, a vendo se afastar enquanto apertava os dedos das mãos na tentativa de conter a vergonha que sentia. "Desculpe novamente."
ㅤㅤㅤㅤ"Sem problemas!"
ㅤㅤㅤㅤEla então fechou a porta em suas costas, suspirando. Rejeitar encontros era uma coisa tão recorrente ao ponto de ela já ter se acostumado. Ela não pensava ser bonita demais, Sakura era uma mulher modesta, afinal, mas ela sabia que não era feia, e o seu posto na vila era algo bem-visto pelas famílias da Folha. Após todos esses anos, ela sentia que, se não fosse com Sasuke, não seria com outra pessoa, pelo menos, não tão cedo.
ㅤㅤㅤㅤA distância da biblioteca até a entrada de serviço do hospital era curta e tranquila. Ao cumprimentar alguns conhecidos pelo caminho, ela lembrou da sua rotina. Seus vizinhos sempre lhe desejavam bom dia, e volta e meia, quando retornava para o seu apartamento, encontrava lancheiras com a comida que sua vizinha de porta lhe deixava. Ela não dizia isso na sua cara, porém, Sakura sabia ser porque ela nunca cozinhava em casa. Não tinha como se enganar sobre isso: ela não seria uma boa dona de casa.
ㅤㅤㅤㅤSakura chegou junto a uma colega de enfermagem no vestiário. Ambas acenaram, uma para outra, antes de pegarem suas roupas e seguirem para o banheiro. Sakura tirou a camisa verde e a saia longa marrom que usava, trocando-as pelo uniforme de enfermeira do hospital, consistindo basicamente em longo vestido azul, um par de mocassins pretos e um avental branco com um bolso na frente. Ela prendeu os seus curtos cabelos, agora não mais rosas, mas sim ruivos, em um rabo de cavalo firme, usando grampos para prender os fios rebeldes. Voltando para o seu armário, a mulher guardou suas roupas e sapatos, conferindo o cabelo mais uma vez antes de ir. A sua franja estava mais curta em comparação a antes, cobrindo a sua testa, e por consequência, o selo no meio dela. Nunca pensou em voltar a usar franja, tantos anos depois, porém, até que gostava do resultado. Pegou o estetoscópio, guardando no bolso do seu avental, e seguiu para a sua ala. Apesar de ser nova por ali, ela já havia conquistado a confiança dos seus novos superiores para tomar conta dos casos mais complexos. Embora isso a exaurisse, até o fim do plantão, ela ficava feliz em poder ajudar, enquanto não conseguia nada de realmente útil em suas investigações.
ㅤㅤㅤㅤSakura então fez sua ronda, verificando todos os pacientes que estavam sob sua tutela, administrando medicamentos, trocando fraldas e bolsas de urinas, dando banhos, refazendo curativos. Os pacientes conscientes adoravam conversar com ela, principalmente os idosos. Ouvia cada história sobre a juventude deles... pelo menos eles aproveitaram bem a vida, ela pensava consigo mesma. Embora tivesse as suas diferenças, trabalhar lá trazia uma certa nostalgia.
ㅤㅤㅤㅤO sol já se deitava ao oeste quando Sakura conferiu o último leito, enquanto provavelmente a lua cheia despontava do outro lado. Agora era hora de preparar os pacientes para o frio da noite. Ela seguiu junto a uma colega para o fim do corredor, em direção ao almoxarifado onde guardavam as roupas de cama tão necessárias nessa época. Elas estavam em um falatório descontraído, onde Leah compartilhava suas novas descobertas sobre a suposta traição de um dos médicos com uma recepcionista. Realmente, nada edificante, mas era divertido. No entanto, esse momento durou pouco.
ㅤㅤㅤㅤ"Sara?!" Ela ouviu seu novo nome ser chamado no início do corredor com uma urgência incomum. Outra enfermeira, Emma, a procurava de porta em porta nos quartos de maneira exasperada, correndo e ofegante, até finalmente reconhecer a cabeleira ruiva, mais a frente. Emma ajeito os óculos e se aproximou. "Sara, o Doutor Thomas está precisando de você! Temos vários soldados feridos chegando, e parece que um comandante está morrendo e..."
ㅤㅤㅤㅤSakura foi de encontro a mulher, segurando as mãos dela entre as suas. Assim como ela, Emma era nova no hospital e estava nervosa. Era compreensível, porém, ela precisava entender o a siuação para poder agir da melhor forma e, para isso, a mulher deveria estar com juízo mínimo.
ㅤㅤㅤㅤ"Emma, se acalma. Respira, tudo bem?" Uma olhando nos olhos da outra, a moça morena segurou a sua inquietação, seguindo as instruções como pode, o que já foi um começo. Sakura então continuou a falar, guiando a conversa de maneira que a outra precisasse dar apenas respostas curtas. "Estão chegando na ala de urgências?"
ㅤㅤㅤㅤ"Sim. Na entrada."
ㅤㅤㅤㅤ"Tudo bem," Sakura assentiu com firmeza e concentração. Não seria a primeira vez dela lidando com uma grande demanda de feridos, e provavelmente não seria a última. "Leah, avise a supervisora da nossa ala para enviar reforços para emergência."
ㅤㅤㅤㅤCom um assentir de cabeça, a garota se virou, indo até à sala da sua superior, como Sakura havia pedido. Emma, no entanto, parecia ao ponto de desmaiar a qualquer momento.
ㅤㅤㅤㅤ"Emma, me ouça. Eu preciso de você. Fique aqui e prepare os pacientes para a noite. Dê prioridade para os idosos."
ㅤㅤㅤㅤ"Mas e os soldados? O meu posto..."
ㅤㅤㅤㅤ"Não se preocupe com isso. Você não está com condições de lidar com casos graves. Eu assumo total responsabilidade."
ㅤㅤㅤㅤFinalmente a morena concordou, contendo as lágrimas e correndo até o almoxarifado que Sakura e Leah iam, anteriormente. A Haruno, após ter certeza do bem-estar de sua colega, correu até a ala de emergência, podendo finalmente observar a movimentação dos funcionários do hospital à medida que se aproximava do seu destino. Apesar de ser um dos melhores hospitais entre as muralhas, Ehrmich não parecia acostumada a lidar com tanta demanda assim, e era o segundo grande incidente em dois dias. A kunoichi finalmente avistou Thomas, que coordenava a ação dos paramédicos para atender os pacientes mais graves enquanto o restante passaria por uma triagem. Assim que ele a viu, o médico se apressou em encontrá-la.Assim como o avental dele, as suas mãos estavam sujas de sangue.
ㅤㅤㅤㅤ"Sara, finalmente!"
ㅤㅤㅤㅤ"Emma disse ter um V.I.P. em estado grave."
ㅤㅤㅤㅤ"Ele deve chegar a qualquer minuto..."
ㅤㅤㅤㅤNo instante seguinte, pela entrada principal, quatro homens chegaram, carregando uma maca militar.
ㅤㅤㅤㅤ"É o Comandante Erwin!" Um dos soldados anunciou em uma ordem, a voz firme e alta o suficiente para o encarregado ouvir de qualquer lugar daquele saguão. Sakura o reconheceu instantaneamente. O homem contra quem lutara.
ㅤㅤㅤㅤO corpo dela paralisou, por um instante, a mente dela trabalhando contra ela, a fazendo reviver aquele momento, lembrando de como ele havia a torturado violentamente. E então o medo dele reconhecê-la só fez piorar a sua hesitação. Ela não estava com um grande disfarce. Apenas uma cor de cabelo diferente e roupas comuns, nenhum tipo de jutsu envolvido. Qualquer um com um olhar mais atento a reconheceria se já tivesse a visto, e pelo que pode notar naquele dia, o homem em questão tinha um olhar bastante afiado.
ㅤㅤㅤㅤUm enfermeiro chegou com uma maca hospitalar, fazendo a transferência do paciente emergente com cautela, mas velocidade. Quando ela viu todo o sangue emergindo de uma grande ferida no que restou do braço dele, Thomas a chamou.
ㅤㅤㅤㅤ"Vamos, Sara!"
ㅤㅤㅤㅤFinalmente, ela havia voltado a si. Não houve tempo para se repreender por isso, no entanto.
ㅤㅤㅤㅤAutomaticamente, ela vestiu um par de luvas e pegou lenços limpos para estocar o sangramento. Enquanto Thomas se aproximava, a mulher o ultrapassou, percebendo os sinais de uma parada cardíaca iminente. Antes da a maca ser levada em direção a sala de cirurgia, ela se colocou sobre o corpo do soldado ferido, colando um joelho de cada lado, e só então os soldados passaram a empurrar a maca, segundo as orientações do médico. Agarrou o colarinho do homem, arrancando os botões para avaliar a hemorragia antes de conter a parada que poderia ocorrer a qualquer momento, graças ao choque. Identificada a origem do sangramento, ela começou a colocar um lenço atrás do outro na ferida, fazendo pressão suficiente para bloquear a passagem do sangue e usando discretamente uma técnica médica para reduzir os danos aos órgãos dele pela falta de sangue.
ㅤㅤㅤㅤ"Parada cardiorrespiratória!" ela alertou, iniciando a massagem cardíaca.
ㅤㅤㅤㅤ"Preparem o equipamento de suporte respiratório manual!" Thomas ordenou ao funcionário mais próximo.
ㅤㅤㅤㅤUm, dois, três... um, dois, três, ela contou, antes de iniciar a respiração artificial enquanto o instrumento de suporte não chegava, obstruindo as narinas do homem e soprando o máximo de ar possível em sua boca.
ㅤㅤㅤㅤUm, dois, três... um, dois, três, e novamente uniu suas bocas e soprou fortemente ar nos pulmões dele.
ㅤㅤㅤㅤUm, dois, três...
ㅤㅤㅤㅤ"Fique pressionando aqui para estancar o sangramento" o médico instruiu o enfermeiro que finalmente surgiu com uma espécie de balão com uma máscara na ponta, tomando o equipamento da mão dele e substituindo a respiração boca a boca que a enfermeira ruiva fazia em Erwin.
ㅤㅤㅤㅤ"Capitão, o senhor não pode passar daqui", um homem com bata médica interveio, colocando a mão em seu peito, a voz dele um pouco hesitante. Ele sabia exatamente com quem estava falando, por isso o receio.
ㅤㅤㅤㅤO soldado pensou em contrariar as palavras do enfermeiro, invadir a sala de cirurgia e ter certeza de que os médicos não fariam nenhuma besteira e deixassem quem ele acreditava ser a esperança da humanidade morrer. Mas ele sentiu a mão de sua amiga em seu ombro, mais firme que o necessário, os braços enfaixados para proteger as queimaduras da última aparição do Colossal.
ㅤㅤㅤㅤ"Levi..."
ㅤㅤㅤㅤFoi tudo o que ela disse, porém, isso foi o suficiente para o fez desistir e apenas assistir enquanto a equipe médica tentando reanimar Erwin entrava na sala de cirurgia.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu vou voltar para a ala de emergência... ver se posso ajudar em alguma coisa," Hange voltou a falar apenas quando teve certeza de que tinha a atenção do soldado. "Você deveria voltar para ficar de olho no Pastor Nick."
ㅤㅤㅤㅤLevi permaneceu parado no mesmo lugar por um longo momento, olhando para a mesma porta, as palavras de Hange sendo registradas, mas ainda soando ao fundo. Ele estava preocupado. Desesperado, apesar dos seus olhos ou o seu rosto não demonstrassem. Talvez, só talvez, a única parte dele traindo parte do seu autocontrole eram as mãos dele sujas do sangue de Erwin, fechadas com força o suficiente para fazer os dedos dele doerem. Ia acontecer de novo? Ele perder mais alguém importante para si? Levi sabia que isso não teria acontecido se a perna dele não estivesse ferida, se ele pudesse ter lutado ao lado dos seus companheiros. Isso não teria acontecido se ele não fosse tão fraco.
ㅤㅤㅤㅤEra irônico, considerando título de soldado mais forte da humanidade.
ㅤㅤㅤㅤ"O Comandante Erwin está em boas mãos. A equipe do Doutor Thomas é a melhor do distrito" o enfermeiro que Levi sequer se esforçou em registrar o rosto disse, com confiança. "Além disso, a enfermeira Hasek só não é melhor médica do hospital por mero detalhe."
ㅤㅤㅤㅤEle permaneceu imóvel, a expressão dele agora com uma ponta de irritação. Isso deveria o fazer se sentir melhor? Que tentativa de merda. Se Erwin estivesse além de qualquer tratamento ou cura, não importava o quão habilidosa era o médico ou a maldita enfermeira. Ser o melhor em alguma coisa não tornava você infalível. Mais do que ninguém, Levi sabia disso.
ㅤㅤㅤㅤ"Levi? Vamos." Hange o chamou, agora de maneira mais firme e tão séria quanto a situação requiria. Para lidar com o capitão, era preciso ser prático e lógico. "Não vai mudar estarmos aqui ou não. Vigie o Pastor Nick. Eu aviso você quando ele sair daquela sala, vivo ou morto."
ㅤㅤㅤㅤSó então ele deu um passo para trás. O seu olhar para Hange estava gélido, claramente não gostando das palavras dela, odiando a verdade delas. Ele olhou para o caos no saguão, a forma como alguns enfermeiros pareciam tão perdidos e desesperados quanto um recruta na primeira expedição. Além de saber que precisava ficar de babá daquele pastor de merda, Levi também sabia que se ficasse ali mais tempo, mais tempo Hange perderia tentando o convencer, e naquele momento, o conhecimento de Hange com dissecação seria útil para tratar os feridos e ajudar o corpo médico.
ㅤㅤㅤㅤ"Você sabe onde vamos estar."
ㅤㅤㅤㅤDito isso, Levi se afastou de volta para a saída do hospital enquanto limpava o sangue de Erwin das mãos dele usando um lenço, deixando para trás os colegas feridos e mortos no corredor, focando apenas no objetivo a frente: o homem de batina esperando dentro da carroça parada há algumas quadras do pronto-socorro. Ele abriu a porta, entrou e sentou de frete par ao pastor em questão. Nenhum dos dois disse uma única palavra — pelo menos não é um tagarela, foi o que Levi pensou antes de sinalizar para cocheiro.
ㅤㅤㅤㅤ"Vamos embora daqui."
Chapter Text
ㅤㅤㅤㅤO sol já havia nascido há mais de uma hora, o som de pessoas entrando e saindo do hospital e o canto dos pássaros, alheios ao terror que tomava Ehrmich, podiam ser ouvidos junto com os últimos suspiros de muitos soldados. Os raios dourados se infiltrando pela janela da sala de cirurgia e dando uma cor bonita ao vermelho que se espalhava pela mesa e os uniformes dos médicos. O que antes era um quirófano imaculado e bem limpo, agora parecia um açougue. Fora oito longas horas de trabalho, lidando com a perda de sangue constante, três paradas cardiorrespiratórias e outras complicações menores, mas finalmente o paciente estava estabilizado, a ferida no braço decepado completamente suturada. Agora Sakura estava enfaixando tudo para garantir que não infeccionaria com os microrganismos do hospital, a visão dela já cansada após tanto tempo sob a luz precária e o contraste do sangue com as roupas brancas. Ela estaria mais disposta se aquela tivesse sido a única cirurgia da madrugada, porém, ainda teve outras operações de feridos que tinham sido estabilizados pelas outras equipes médicas, além das perdas as perdas, transitando entre um caso e outro quando era chamada e liberada, e todos insistiam que ela desse mais atenção ao caso do comandante da Divisão de Reconhecimento.
ㅤㅤㅤㅤO que mais pesava em seu peito era precisar decidir quem salvaria ou não. Eles não tinham pessoal para atender a todos, não tinham recursos ou tecnologia para isso, e mesmo com alguns soldados ajudando a equipe médica, não era o suficiente. Aquele lugar, preso no passado, era muito diferente do que ela estava acostumada a lidar na Folha. Ali, parecia que a vida era mais frágil. A era regra universal: priorizar os casos com maiores chances de sobrevivência, mesmo que os outros fossem mais jovens ou estivessem sofrendo mais.
ㅤㅤㅤㅤQuando terminou o curativo e checou a bolsa de transfusão, ela saiu da sala em direção ao corredor, o sol passando pelas cortinas, atingindo os olhos verdes dela, agora mais opacos do que o normal, a fazendo franzir o cenho antes de ver duas figuras em pé, em frente aquela janela. Era o soldado com quem batalhou, dias atrás, e uma mulher de óculos, alta, a expressão aflita ainda mais assustada ao ver o estado das roupas dos médicos e enfermeiras que saiam de lá.
ㅤㅤㅤㅤ"Um momento" Thomas disse para aqueles dois antes de seguir os mesmos passos de Sakura e tirar todas as vestes contaminadas e as colocar num cesto que os esperava ao lado da sala. "Sara, sei que exigi muito de você esta noite, mas poderia dar uma olhada nos pacientes da ala de emergência, antes de ir?"
ㅤㅤㅤㅤ"Não se preocupe com isso, Senhor Klein. Vou dobrar o plantão hoje." Ela olhou para a mulher alta de óculos, o uniforme militar sujo de sangue bem como as faixas dos braços dela. Provavelmente um dos voluntários que se dispôs a ajudar. "É uma situação atípica."
ㅤㅤㅤㅤ"Vou solicitar à Supervisora Amelye um recesso estendido para você."
ㅤㅤㅤㅤ"Embora das boas maneiras não aconselharem, aceito de bom grado."
ㅤㅤㅤㅤAgora Sakura estava com o rosto livre da máscara e os cabelos ruivos soltos da touca, arrumando disfarçadamente a franja sobre seu selo e massageando o couro cabeludo depois de horas com eles presos em um coque apertado. A enfermeira lavou as mãos no lavatório presente ali e secou as mãos na primeira toalha seca que encontrou. Para cumprir as ordens de Thomas, Sakura precisaria passar pelas duas figuras paradas no início do corredor, e eles pareciam esperar por respostas sobre o homem descansando na sala ao lado, Erwin, se ela bem lembrava. Ouviu tantos nomes aquela noite, e os que ficaram na memória dela foram os que leu nos obituários. Ela respirou fundo, torcendo para que não fosse reconhecida, então jogou a toalha no mesmo cesto que descartou as roupas e deu passos firmes, seguindo o seu caminho. Ela olhava para o chão de madeira do cômodo, tentando esconder o rosto com a franja.
ㅤㅤㅤㅤ"Bom dia", a mulher de óculos a cumprimentou, embora não fosse o termo ideal.
ㅤㅤㅤㅤA enfermeira apenas maneou a cabeça, com a intenção de passar reto por eles. No entanto, sentiu uma mão quente segurar o seu antebraço. Ela olhou para o punho que a agarrava e seguiu com os olhos até as írises castanhas cheias de preocupação da soldado.
ㅤㅤㅤㅤ"Como está o Erwin?", desta vez, quem falou foi o homem. Foi automático encará-lo, contudo, desviou o olhar para algum canto do corredor.
ㅤㅤㅤㅤÉ de fato Erwin o nome dele, então.
ㅤㅤㅤㅤ"O comandante foi estabilizado, e os prognósticos são bons. O Doutor Klein dará mais detalhes em alguns instantes." Sakura soltou seu braço da mão da mulher, com certa pressa. "Sei que é pedir demais, mas sejam pacientes."
ㅤㅤㅤㅤA Haruno forçou o sorriso e o tom de voz mais gentil que podia, escondendo as mãos em suas costas, na tentativa de evitar ser contida de novo. Esperou a contragosto alguma outra dúvida que ela pudesse sanar, todavia, ambos se mantiveram em silêncio, apenas a observando. A sensação de desvendarem o seu disfarce a incomodava, e torcia para a memória dele ser tão ruim quanto a sua capacidade intuitiva que calhou em confundi-la com a assassina dos seus colegas aquela vez.
ㅤㅤㅤㅤ"Sara? Precisam de você na sala de traumas, na ala de urgências" Leah surgiu, alguns metros atrás de si, uma tentativa de parecer profissional diante da situação desesperadora, e seria esperar de mais de qualquer um ali, então não tinha como julgá-la quando o nervosismo escapou nas entrelinhas da boca dela.
ㅤㅤㅤㅤ"Se me derem licença..." Sakura pediu com uma leve mesura, sem esperar pela permissão.
ㅤㅤㅤㅤEla apenas deu as costas, voltando a prender o seu cabelo, e seguiu a passos rápidos até sua colega, que tinha uma feição preocupada e mal esperou que a alcançasse para passar o quadro do paciente que precisava da sua atenção. Levi seguiu com o olhar os cabelos ruivos até eles sumirem completamente das suas vistas — mais pensamentos inundando a mente já lotada dele. Ela era mais alta, tinha os olhos puxados e de outra cor, mas o porte físico e a cor dos cabelos eram idênticos, Hange concluiu, acompanhando o foco do seu parceiro, então voltando a sua atenção diretamente para ele, que continuava olhando seriamente para onde a enfermeira desaparecera. Antes que pudesse perguntar qualquer coisa, no entanto, ambos ouviram os passos pesados do médico de antes se aproximando deles, agora menos sujos de sangue.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu desejaria um bom dia, mas sei que as últimas horas foram terríveis para todos nós" o médico disse, com as mãos no bolso de suas calças. "Chegou até mim que você e os soldados saudáveis ajudaram com os primeiros socorros e no suporte da nossa equipe médica, senhorita..." Ele estendeu a mão direita, que foi rapidamente respondida com um aperto forte de Hange.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu sou Hange Zoë."
ㅤㅤㅤㅤ"Agradeço muito por isso. Me chamo Thomas Klein, sou cirurgião que conduziu a cirurgia do Comandante, senhor Erwin Smith."
ㅤㅤㅤㅤThomas estendeu a mão para o mais baixo, que hesitou. A mão dele ainda estava um pouco suja sob as unhas, sujas de sangue de sabe-se lá de quem, além das infecções hospitalares. "Levi," ele se apresentou enquanto limpava a mão com o lenço que sempre carregava consigo.
ㅤㅤㅤㅤ"Bom, como sei que o tempo de vocês é valioso, serei o mais breve e detalhado possível. O quadro do senhor Smith é crítico, mas graças ao empenho da nossa equipe, conseguimos estabilizá-lo. Agora ele está em observação na Unidade de Tratamento Intensivo e já recebeu a transfusão de sangue que precisava." Assim como Sara, Klein segurou suas mãos atrás das costas, mantendo uma postura mais centrada. A expressão dele ficou levemente mais sombria. "Ele perdeu muito sangue por conta do ferimento, e o que restou do seu braço precisou ser amputado para evitar infecções. Os prognósticos são promissores, sim, mas precisamos ser realistas. Na condição atual, há chances de recaída, e se isso ocorrer, as sequelas serão imprevisíveis."
ㅤㅤㅤㅤ"Ele corre risco de vida?" a soldado inqueriu, impaciente, o que era um comportamento raro, a não ser quando se tratava de titãs.
ㅤㅤㅤㅤÉ claro que Hange estava preocupada com o seu superior. Ele não era tão próximo dela quanto era de Levi, porém, era alguém estimado. Além disso, mesmo que sua consciência pesasse por ter essa perspectiva, a divisão estava em maus lençóis, e perder Erwin naquele cenário seria o fim do Reconhecimento.
ㅤㅤㅤㅤ"Infelizmente, sim," ele fora direto, como disse que seria. "Faremos o possível para salvá-lo, reduzir as sequelas. Colocarei os meus melhores homens nisso."
ㅤㅤㅤㅤ"Isso inclui aquela moça que estava com você?" Hange perguntou, lembrando sobre como o enfermeiro da noite anterior ter dito que, e se não fosse pelo conselho de medicina limitar as mulheres apenas à enfermagem, ela seria a melhor médica do hospital. Pela forma rápida que ela iniciou os primeiros socorros em Erwin... era quase palpável a diferença de nível entre ela e o homem a sua frente. Ela parecia uma médica com anos de experiência. "É Sara o nome dela, certo?"
ㅤㅤㅤㅤ"No próximo turno, irei designá-la para chefiar a esquipe de observação dos pacientes internados em estado grave, o que inclui o senhor Smith."
ㅤㅤㅤㅤ"Ouvi falar muito bem dela, sabe? Dos outros funcionários do hospital..."
ㅤㅤㅤㅤHange comentou, interessada na mulher distinta que falara com eles. Ela ficou acanhada, desconfortável. Sabia que a presença carrancuda do seu companheiro não era a mais amigável, mas a reação dela era um tanto exagerada. A forma como o rosto dela empalideceu... parecia que tinha visto um fantasma. De fato, aquilo despertou o interesse da cientista, principalmente se levasse em comparação sobre as semelhanças físicas entre ela e a falecida membro do esquadrão de elite. Zoë ficou tão empenhada sobre como o médico contava sobre a trajetória sofrida que a moça chamada Sara tivera até chegar ali, quase um mês atrás, e como ela era excepcionalmente perfeita em tudo o que se propunha a fazer, com soluções criativas e inéditas para problemas cotidianos que o hospital enfrentava, que sequer percebeu quando Levi se afastou.
***
ㅤㅤㅤㅤApós dias incessantes de investigação sobre a verdadeira história por trás das muralhas, ver seu comandante ferido gravemente e passar uma longa madrugada às cegas sobre como a cirurgia estava indo, encarando a cara enrugada do Pastor Nick, e agora como se não fosse suficiente, ter sua sanidade testada por alguém tão parecida com Petra... isso o exauriu completamente. Tudo o que ele precisava era voltar para a sua hospedaria e tomar um banho.
ㅤㅤㅤㅤUm rapaz alto e loiro, com roupas normais, todavia, bem-arrumado, passou por si, quase derrubando o que deduziu, pelo cheiro, ser um copo chá. Era doce demais. Fez o estômago vazio dele revirar.
ㅤㅤㅤㅤ"Sinto muito, senhor!"
ㅤㅤㅤㅤEle não pareceu reconhecê-lo, sequer reparado em como as roupas dele estavam sujas. Estava estranhamente animado, considerando a situação que o hospital acabara de passar.
ㅤㅤㅤㅤ"Bom dia, senhor. Em que posso ajudar?" a recepcionista cumprimentou o rapaz, o tom educado apesar do cansaço óbvio.
ㅤㅤㅤㅤ"Vim visitar a enfermeira Sara Hasek." Esse nome fez Levi interromper seus passos em direção à saída. "Vim agradecê-la por toda ajuda e pegar alguns remédios com ela."
ㅤㅤㅤㅤ"Infelizmente a senhorita Hasek está muito ocupada. Tivemos uma grande demanda esta noite. Recebemos muitos soldados do Reconhecimento."
ㅤㅤㅤㅤLevi voltou a caminhar até a porta, perdendo completamente o interesse no assunto. O moleque parecia ter uns dezoito anos, no máximo. Não precisava ser nenhum gênio para perceber quais as intenções dele ali. As segundas intenções. De qualquer forma, isso não era da sua conta.
ㅤㅤㅤㅤ"Já não bastasse todo o estrago que fizeram em Stohess, ainda tem mais essa..." o pirralho reclamou. "Malditos inúteis..."
ㅤㅤㅤㅤA porta de uma das salas se abriu, e, por ela, o assunto da conversa passou. Os cabelos estavam mal presos no rabo de cavalo feito às pressas. Mesmo de longe, dava para ver as olheiras sob os seus olhos e a palidez do seu rosto. Considerando o volume de atendimentos que todos naquele hospital estavam tendo, duvidava que qualquer um tivesse feito uma pausa para comer. Os olhos dela passaram por si, cansados, e então pararam no moleque que lhe trouxera um chá. Ela suspirou, como se estivesse prestes a lidar com um fardo, e então colocou um sorriso gentil nos lábios, o mesmo que recebera minutos atrás, quando tentavam saber notícias de Erwin.
ㅤㅤㅤㅤ"Peter. O que o traz aqui a essa hora?"
ㅤㅤㅤㅤO rapaz ajeitou as próprias roupas e se aproximou, oferecendo o pacote de papel pardo com o chá. A Haruno assentiu, pegando o envelope, se virando para a outra enfermeira que a acompanhava.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu preciso cuidar disso. Pode ir na frente."
ㅤㅤㅤㅤA recepção ficou em silêncio por alguns minutos, os passos da enfermeira se afastando enquanto Sara inspecionava o chá, a expressão educada apesar de cansada. Sinceramente, se fosse Levi no lugar dela, não teria essa paciência toda para lidar com isso, depois de tantas horas de um trabalho que não parecia ser fácil ou tranquilo. De qualquer forma, ele não deveria estar voltando para o esconderijo do Pastor Nick, em vez de xeretar a vida alheia?
ㅤㅤㅤㅤ"Sinto muito atrapalhar. Acabei de ficar sabendo que tiveram uma grande emergência essa madrugada."
ㅤㅤㅤㅤAntes eles eram malditos inúteis, e agora apenas uma emergência. Estava estressado demais para lidar com a infantilidade daquela criança.
ㅤㅤㅤㅤ"Pois é. Ainda não tive tempo de preparar os remédios para a sua tia. Creio que o que lhe entreguei da última vez seja o suficiente para os próximos dias, no entanto. De qualquer forma, agradeço o chá." Então ela indicou a porta da saída com as mãos, fazendo menção de acompanhá-lo até lá.
ㅤㅤㅤㅤ"Posso ajudar em alguma coisa? Seus livros ainda estão na biblioteca," O tal Peter insistiu.
ㅤㅤㅤㅤ"Realmente, não há nada o que você possa fazer por aqui. Mas obrigada por se oferecer, de bom grado."
ㅤㅤㅤㅤA forma como ela se livrava das investidas de Peter era tão educada, que passava despercebida. A moça da recepção se esforçava para conter o riso, alternando seus olhares entre uma folha qualquer em suas mãos e o desdobramento da rejeição ocorria bem na sua frente. Era uma performance e tanto.
ㅤㅤㅤㅤ"Melhoras para a sua tia!" Desejou ela, antes de fechar a porta atrás das costas do bibliotecário, finalmente desmanchando o sorriso gentil. O trocou por uma feição séria, quase irritada. Caminhou até a lixeira mais próxima e jogou o pacote com o chá doce de Peter com indiferença, suspirando. Ela então voltou a fitá-lo com os olhos cansados antes de se virar para a recepcionista e seguir até ela, se apoiando de forma desajeitada, como se estivesse prestes a cair.
ㅤㅤㅤㅤ"Sara? Está tudo bem?"
ㅤㅤㅤㅤEla esfregou a testa com a mão livre, então buscou uma espécie de bolinho no bolso do seu novo avental e o levou a boca, mastigando com uma careta, tossindo ao final.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu só preciso de um minuto."
ㅤㅤㅤㅤEstava acontecendo de novo. O seu corpo estava cansado e parava por conta própria. Para ajudar, Peter havia aparecido, e não duvidava da sua capacidade de falar besteira na frente de um capitão do Reconhecimento, como ficara sabendo, pelas suas colegas fofoqueiras. Não parando por aí, ela quase havia desmaiado na frente dele. Isso poderia ter arruinado o seu disfarce. Agradeceu silenciosamente a natureza nada empática do homem perto da recepção.
ㅤㅤㅤㅤFinalmente a pílula de ração militar estava fazendo efeito. Ela sentiu as suas forças voltarem aos poucos, e até a sua bochecha esquentar com o sangue nutrido que irrigava agora a pele dela. Definitivamente, ela precisava de uma folga, tanto para descansar, quanto para conseguir de fato investigar o que estava acontecendo consigo.
ㅤㅤㅤㅤ"Posso ajudar em alguma coisa, Capitão Levi?"
ㅤㅤㅤㅤOuviu a recepcionista perguntar, receosa, e só então percebeu que ele estava ao seu lado, no balcão. O corpo dela enrijeceu. Levi não estava ali para a acudir, na verdade, ele estava a alguns passos dela.
ㅤㅤㅤㅤ"Relaxa, garota. Eu não mordo," ele disse para a recepcionista, mas pareceu uma indireta para Sakura, mesmo que ele não parecesse o tipo que faria algo tão infantil. "Tem uma mulher alta de óculos no fim do corredor. Hange Zoë. Ela parece entretida conversando com o engomadinho..."
ㅤㅤㅤㅤ"Doutor Klein" a mulher corrigiu, acanhada.
ㅤㅤㅤㅤ"Que seja... pode entregar isso para ela quando ela decidir parar de passear?"
ㅤㅤㅤㅤ"Ah... sim... claro, senhor."
ㅤㅤㅤㅤEla pegou o papel dobrado das mãos dele, o guardando em um local visível do seu balcão. Levi olhou mais uma vez para a enfermeira ruiva estranha. Ela continuava branca, mas parecia melhor. Decidiu então que era hora de ir. Estava enrolando demais, e a última coisa que precisava é que a testemunha dele fugisse ou fosse morta pela Polícia Militar, se já tivessem descoberto alguma relação entre eles. Levi deu meia volta e finalmente saiu pela porta da frente, finalmente permitindo que Sakura soltasse a respiração que ela nem sabia estar segurando.
ㅤㅤㅤㅤTinha sido por pouco.
ㅤㅤㅤㅤ"Ele é assustador, não é?" a jovem loira comentou, agora mais à vontade.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu quem o diga..."
Notes:
Avaliem a fanfic ou deixem um comentário para que eu saiba se vocês estão gostando!
Até o próximo!
Chapter 9: Emboscada
Notes:
Eu sei... me atrapalhei com as postagens ksksks vou postar todos os capitulo atrasados agora e adiantar o de amanhã!
Boa leitura!
Chapter Text
ㅤㅤㅤㅤEla abriu os olhos devagar, as pálpebras dela pesando como chumbo tentando a empurrar de volta para o sono, reconhecendo rapidamente o teto mal-cuidado sobre si. Após se revirar nos lençóis, Sakura finalmente decidiu ser hora de levantar, empurrando as pernas para fora da cama, a madeira gelada sob os pés, passando pela porta em direção a área comum, mal encarando os documentos espalhados por lá. Aquela era a nova casa dela. Nada muito luxuoso: apenas um apartamento de três cômodos, incluindo o banheiro. A cozinha e a sala eram unidas e pequenas, contando com alguns poucos armários, um fogão a lenha pequeno, um sofá, uma mesa de centro e uma estante de livros praticamente vazias. No seu quarto, uma cama, uma cômoda e uma parede cheia de papéis pregados com taxas. Era a investigação que Sakura estava realizando — sobre onde ela estava, onde Sasuke poderia estar e como ela poderia voltar para casa.
ㅤㅤㅤㅤO recesso posterior a fatídica cirurgia de Erwin não foi muito produtivo nesse quesito, no entanto. Ela tinha algumas conclusões, claro, todavia, as analisando com mais calma, preferia não ter chegado a elas. Tudo ficava mais complexo e impossível à medida que investigava, e a esperança em voltar para casa diminuía a cada nova descoberta.
ㅤㅤㅤㅤPrimeira conclusão: ela não estava, definitivamente, no seu planeta. A atmosfera era igual, a composição de tudo, porém, havia duas diferenças brutais — a ausência de energia natural como ela conhecia e o fato dessas muralhar nunca terem sido catalogadas. Fizera todas as experiências possíveis, revisitando todos os anos de conhecimento acumulado em sua mente, porém, nada dava certo, e quando pensava estar chegando a algum lugar, na verdade, era apenas mais um beco sem saída, e ela voltava à estaca zero. Sim, ela havia dissecado o seu transmissor, tentando todas as frequências possíveis em busca de contato. Sim, ela tentou usar o pacto que tinha com Katsui, mas simplesmente não funcionava, e não, os pergaminhos com objetos selados em suas páginas também não davam respostas.
ㅤㅤㅤㅤSegunda conclusão: ela estava sendo envenenada, se alguma forma, e ela ainda não sabia o que poderia ser. O seu corpo estava estranho, ela estava se cansando mais rápido do que o normal e a recuperação de chakra dela estava tão lenta desde a luta com Kenji que ela teve que diminuir a quantidade enviada para armazenar no Selo da Força de Uma Centena. E, apesar de toda a investigação que ela pôde fazer sobre o assunto, não havia nada de diferente, além disso, nenhum resquício. Sakura passou até por uma bateria de exames depois que Mavie, a recepcionista, fofocou sobre o seu mal-estar, dias atrás, depois que os soldados do Reconhecimento e da Polícia Militar retornaram da missão de selar a Muralha Rose — que aparentemente não tinha sido violada, apesar do avistamento de titãs do lado de dentro. Os exames e equipamentos médicos do hospital não eram tão tecnológicos quanto os de Konoha, e definitivamente houveram muitas brechas que ela não pode explorar por conta do disfarce dela, porém, além de uma leve anemia, nada de estranho foi encontrado nos resultados.
ㅤㅤㅤㅤClaro, a sua folga se estendeu a uma licença de quinze dias depois disso — não que ela tenha, de fato, repousado, como foi pedido. Ela passou o tempo que pode se esgueirando pela cidade e investigando a Polícia Militar e o que estava acontecendo naquele lugar. Estava sendo mantida em segredo da população toda e qualquer informação sobre a operação em Stohess ou a suposta violação da Muralha Rose, e até mesmo em que tipo de batalha contra os titãs haviam aqueles soldados haviam se envolvido antes de chegarem aos montes no hospital. A experiência dela dizia que isso não nem de longe era um bom sinal. Se as coisas estivessem bem, não teriam motivo para ter tanto cuidado, foi o pensamento de Sakura que a fez investigar. Mesmo que a situação política daquele lugar não fosse exatamente ajudar com a tarefa de encontrar o caminho de volta para casa, ela ainda precisava saber em que situação estava, se a relativa segurança que as muralhas ofereciam estava em risco, ou se ela precisaria encontrar outro lugar para se esconder. No final da história, após tudo que conseguiu descobrir, a intuição dela se mostrou certeira.
ㅤㅤㅤㅤAs coisas estavam ruins. Muito ruins.
ㅤㅤㅤㅤEncerrando a onda de boas notícias, quando passou na biblioteca, no fim do dia ontem, os livros que havia reservado com Peter não estavam mais lá. Procurou nas prateleiras, mas nada, também. Era de se esperar algo assim, seguidamente de tantos eventos que pareciam ser atípicos por ali.
ㅤㅤㅤㅤChegando em casa, depois de fazer as compras do mês e o necessário para repor as suas pílulas de ração militar, a exaustão a encontrou e ela dormiu dia todo. Ainda restavam dois dias de licença, contudo, não havia mais onde investigar. Ela estava planejando sair muralhas, voltar ao território da Muralha Maria, investigar com mais calma o lugar onde tudo isso começou, porém, sem preparação o suficiente, ela acabaria sem recursos antes de chegar à Karaness. Além disso, Sakura não poderia simplesmente sumir do hospital sem levantar suspeitas. Sem ter o que fazer, agora ela estava entediada.
ㅤㅤㅤㅤ"É uma boa hora para beber?" encarando o teto da sala, mal iluminado pela lamparina de querosene — a falta de energia elétrica ali também era um empecilho enorme —, a Haruno se perguntou. Contudo, a resposta que sua mestra sempre dava ao ser questionada sobre isso veio automaticamente. "Se for preciso beber, é porque não é uma boa hora."
ㅤㅤㅤㅤEla então se levantou do sofá, com as mesmas roupas confortáveis que usava para descansar em missões ninjas: uma camiseta vermelha e uma bermuda larga preta, e caminhou até o quarto. Se olhando no espelho, Sakura resmungou ao ver sua aparência deplorável. Os cabelos longos estavam bagunçados, com uma mecha para cada lado e a raiz rosa já dava sinais de crescer. Embora não fosse essa a sua especialidade, ela conseguiu criar uma tinta castanha avermelhada, que, dentre todos os testes que fez, fora o tom que mais parecia natural em seu cabelo, deixando poucas manchas no processo. Gastar energia com transformação, mesmo sendo tão pouco, era o tipo de coisa que evitaria até se curar do que quer que seja que esteja acontecendo com ela. Quando voltasse para a Folha, daria um jeito nisso. O que mais a preocupava, na verdade, era a forma como a pele do seu rosto estava ressecada e marcada pelo estofado do sofá. Sakura encheu a chaleira com a água do balde ao lado da pia e ligou o fogão.
ㅤㅤㅤㅤPrecisava de um banho. Um bom banho quente.
ㅤㅤㅤㅤEnquanto a água fervia, ela seguiu até seu quarto, abriu a cômoda e escolheu o que usar. Gostaria de ter tantas opções a ponto de ficar indecisa, era uma observação que sempre preenchia a sua mente ao ver apenas as seis peças ali guardadas; três saias e três camisas. Não tinha muito no que pensar. Pegou a parte de cima verde, e a de baixo também, mas num tom mais escuro. O único par de sapatos que tinha era os mocassins, parecido com o que usava no hospital, porém, marrom. Levou tudo para o banheiro, com pressa, antes de buscar a chaleira na cozinha.
ㅤㅤㅤㅤA Haruno não sabia dizer que horas eram, contudo, já estava noite. Ela não estava habituada a como era a cultura de bebedeira daquele lugar — talvez as coisas fechassem cedo, talvez não, não tinha como saber. O banho quente foi relaxante, mas rápido. Seu cansaço não ficou todo na água, mas era como se fosse. Pronta para sair, ela trancou a porta e colocou um jutsu simples de barreira, mesmo que ainda fosse complicado lidar com o tipo de energia ali. Todo cuidado era pouco, e como não havia ninjas por aquelas bandas, tudo o que precisava era impedir que alguém comum conseguisse entrar. Na melhor das hipóteses, um ladrão poderia tentar invadir, ver todos aqueles papéis na parede do quarto dela e pensar que ela era maluca. Na pior, ela seria descoberta.
ㅤㅤㅤㅤA noite em Ehrmich era tão agitada quanto na Folha, com a diferença de todos os outdoors piscantes e ainda os poucos remanescentes que ainda estavam retomando para o território da Muralha Rosa. Ela ainda lembrava de como aquela cidade estava até dois dias atrás, quando o rei ordenou que todos os habitantes da muralha externa retornassem, apesar de todo o risco de os titãs ainda não estar completamente descartado. Era isso, ou todos morreriam de fome ou seriam mortos em uma guerra civil, Sakura pensou consigo mesma antes de voltar a atenção dela para a falta de painéis piscantes da região — ela não sentia falta disso, na verdade. Embora decidida, Sakura caminhava tranquilamente até o bar que passava em frente todos os dias quando saia do hospital. Seria a primeira vez que entrava lá.
ㅤㅤㅤㅤQuando a jovem passou pelas portas duplas dignas de um filme de faroeste, o ambiente se transformou do frio e quieto para o cheio e vibrante. Estava cheio, a variedade de bebidas atrás do balcão era de encher os olhos e ela não reconheceu nenhuma das garrafas na vitrine. Ignorando os olhares curiosos e até reprovadores que recebia dos homens sentados nas mesas ali, ela seguiu até a primeira banqueta livre. Mulheres bebendo sozinhas não eram bem-vistas por ali também, pelo que parece, entretanto, ela não se importava com isso.
ㅤㅤㅤㅤ"O que a senhorita quer beber esta noite?" a atendente do bar perguntou, secando um grande copo de vidro com um pano branco antes de realmente olhar para ela.
ㅤㅤㅤㅤ"O que você sugere? Preciso de algo forte."
ㅤㅤㅤㅤ"Dia difícil?"
ㅤㅤㅤㅤ"Mês difícil. Mas vim para relaxar, não chorar as dores."
ㅤㅤㅤㅤ"Nesse caso, vou fazer algo só para você."
ㅤㅤㅤㅤA mulher se virou, agora um copo de metal comprido em mãos, escolhendo entre as garrafas de formato de rótulos estranhos e variados, misturando tudo lá dentro com gelo e algum conhecimento e propósito que Sakura não reconhecia. A atendente cumprimentou alguns clientes e recebeu outros pedidos durante o processo; a diligência e profissionalismo dela realmente notáveis. O copo de metal foi aberto, o líquido vermelho e frutado com um leve e doce cheiro de cereja sendo despejado em uma taça estranha de formato cônico e reto entre as pedras de gelo. Era bonito, e Sakura concluiu que a atendente havia escolhido o licor de cereja por conta da cor de cabelo dela, que agora estava tingido de um ruivo frio.
ㅤㅤㅤㅤ"Qual o seu nome?" a mulher perguntou, arrastando a taça no balcão para próximo das mãos de Sakura.
ㅤㅤㅤㅤ"Sara. Sara Hasek."
ㅤㅤㅤㅤ"Bom, espero que goste da sua bebida, Sara."
ㅤㅤㅤㅤA Haruno não hesitou em provar, curiosa. Como alguém que costumava beber apenas sakê para acompanhar a sua mestra, estava ansiosa para provar algo novo. O líquido tocou na língua dela, e foi uma boa surpresa constatar que o gosto era muito diferente do que estava acostumada. Não era ruim. Na verdade, era até mais fácil de beber, o doce em evidência mascarando o amargor do fundo, e não demorou muito para ela pedir mais um drinque daqueles, e depois mais outro. Em determinado momento, Sakura ficou curiosa sobre o restante das bebidas, então pediu de tudo um pouco, não se importando com a ressaca, ao contrário da última vez. O estresse foi substituído pelo álcool no seu sangue, o rosto pálido logo ficou da cor do seu cabelo, as pálpebras mais pesadas e o sorriso mais fácil; a fala dela estava enrolando um pouco, mas era quase imperceptível. Logo ela passou a se sentir mais à vontade, e a conversa com a atendente que logo descobriu se chamar Hannah, antes mais frívola, ficou mais pessoal. Finalmente pôde desabafar sobre as coisas — o hospital, a sua vida.
ㅤㅤㅤㅤClaro, Sakura ainda tinha consciência para filtrar suas palavras, não deixar escapar que, olha, ela veio de outro planeta. Isso era estranho até para ela, se fosse mais sincera consigo mesma. Ainda que Kaguya tivesse sido prova de algo como outros planetas habitados, aquela não era a realidade da Sakura. A realidade dela era o hospital, a vila, as crianças do orfanato, os amigos dela, e o... Sasuke. Talvez Naruto e ele aceitassem uma situação assim com mais facilidade que ela. Na verdade, provavelmente Naruto se divertiria com essa perspectiva e nem tentaria se esconder. Ele é forte o suficiente para não se preocupar consigo mesmo e só pensar em ajudar as pessoas dentro dessas paredes. Já o Sasuke talvez ficasse confuso num primeiro momento, não obstante, acabaria lidando com isso com a frieza de sempre, da mesma forma como ele havia tratado ela e Naruto por anos...
ㅤㅤㅤㅤ"E depois de tudo isso, ele veio com um papinho de 'precisamos curar os nossos laços', acredita? Me poupe..." E tomou um gole da sua cerveja. Naquela altura do campeonato, ela já não estava mais tão criteriosa quanto ao que bebia.
ㅤㅤㅤㅤ"E o que você fez?" Hannah estava de fato interessada na conversa. Geralmente ela ouvia histórias chatas e desconfortáveis dos bêbados ali.
ㅤㅤㅤㅤ"O que eu fiz? Falei poucas e boas na cara daquele babaca! Ficou fugindo de nós por anos para depois virar um especialista em responsabilidade emocional?" A pergunta de Sakura foi retórica e cheia de deboche no final, a língua afiada que ela geralmente mantinha controlada dentro da própria boca agora articulando palavras que ela jamais sonharia em dizer se estivesse sóbria. O copo bateu sobre a mesa, vazio, sinalizando para Hannah a servir mais uma dose. "Eu já estou velha de mais para esses romances imaturos."
ㅤㅤㅤㅤ"Mas você parece tão jovem!"
ㅤㅤㅤㅤ"Meu rostinho de adolescente engana, Hannah." Sakura colocou as mãos em ambas as bochechas, com uma expressão fofa e corada pelo àlcool. "Eu tenho 24 anos."
ㅤㅤㅤㅤ"E se acha velha?" perguntou a mulher, se sentindo ofendida. Ela tinha quase o dobro da idade de Sakura, mesmo que não parecesse.
ㅤㅤㅤㅤ"Para romances imaturos? Sim!" Sakura então apoiou o rosto sobre as mãos, e os cotovelos sobre o balcão, com um a cara pidona. "Me serve mais uma cervejinha? Prometo que vai ser a última."
ㅤㅤㅤㅤ"Promete mesmo?"
ㅤㅤㅤㅤ"Eu juro!"
ㅤㅤㅤㅤCom um sorriso meio desconcertado, porém, com certo divertimento, a atendente se virou com o copo de Sara nas mãos, procurando o barril de onde estava tirando a cerveja de sua cliente, ouvindo mais alguns pedidos ao redor. Neste mesmo instante, uma das garçonetes trazia uma xícara de chá que havia sido pedido alguns minutos atrás, colocando na mesa quase vazia no canto do bar, mas que dava uma visão ampla do ambiente. O chá acabou tirando a sua atenção da enfermeira por apenas um momento, recebendo a garçonete com um sorriso educado e olhos suaves por trás dos óculos.
ㅤㅤㅤㅤ"Bom chá" a moça desejou.
ㅤㅤㅤㅤ"Obrigada" Hange agradeceu, pegando a sua xícara em mãos e tornando os seus olhos para onde Sara estava, mas agora o assento estava vazio. "Para onde ela foi?"
Assim como Zoë, Hannah estava procurando por Sara, o copo novamente cheio de cerveja em mãos. No lugar onde ela estava, apenas o bolo de dinheiro pagando por tudo o que consumira. Hange se levantou, procurando em volta, torcendo para que ela estivesse em qualquer canto do bar, indo em direção ao banheiro talvez, contudo, nada. Não havia um sinal dela — era como se tivesse evaporado no ar.
ㅤㅤㅤㅤMerda!
ㅤㅤㅤㅤPela porta principal, um dos seus subordinados à paisana, assim como ela, entrou e se aproximou com certa preocupação, confirmando as suas suspeitas. De alguma forma, Sara havia descoberto a operação.
ㅤㅤㅤㅤVoltando um pouco nos eventos...
ㅤㅤㅤㅤNa manhã em que foi concluída a cirurgia de Erwin, Hange fez diversas perguntas sobre a famosa enfermeira Sara e o estado do seu comandante, e tudo o que conseguiu foi uma série de elogios sobre a conduta da mulher e como ela havia sido essencial para encerrar a cirurgia com mais eficiência e menos danos. Era louvável, quase suspeitosamente louvável haver alguém como ela dentro das muralhas poucas semanas depois do encontro de Levi com a mulher misteriosa na floresta de árvores gigantes. Após alguns minutos de entretenimento e novas dúvidas sobre a enfermeira surgindo na cabeça da cientista, ela procurou pelo capitão no saguão do hospital, encontrando apenas um bilhete deixado por ele com a recepcionista. O recado era apenas uma única informação, sucinta, a caligrafia seca e apressada, um pouco torta como se tivesse sido escrita sem apoio.
ㅤㅤㅤㅤ"Biblioteca Nacional, ao meio-dia.
ㅤㅤㅤㅤ— L."
ㅤㅤㅤㅤNão havia dúvidas de que era realmente um bilhete dele.
ㅤㅤㅤㅤChegando lá, descobriram que, desde o momento que chegara em Ehrmich e se estabelecera no hospital, Sara Hasek ia religiosamente na biblioteca e alugava livros relacionados às muralhas, organização política da humanidade ao longo da história, sobre os titãs e temas relacionados. Segundo o bibliotecário que sempre a atendia, Peter, ela sempre pegava os livros no fim do seu turno no hospital e os devolvia na manhã seguinte. Por algum motivo que Hange não sabia, Peter parecia especialmente tenso perto de Levi. Seja lá o que tenha acontecido entre eles, o garoto reagiu como se tivesse visto um fantasma quando reconheceu o capitão indo até o balcão dele. De qualquer forma, isso não era importante, apesar do claro mau-humor do seu colega dizer pouco sobre isso.
ㅤㅤㅤㅤHange ouvira a história de Levi ter lutado contra uma mulher estranha de cabelos rosas, e depois da investigação na biblioteca, a contragosto, Levi contou sobre ter visto Petra em Karaness depois da última expedição. Quando o pegara encarando a enfermeira, mais cedo, pensou que fosse por ela ter algumas semelhanças com sua antiga colega de time, até perceber a relação entre a aparição dessa mulher desconhecida e a chegada repentina de uma enfermeira extraordinária nunca vista antes, Ehrmich, ou até nas muralhas. Procuraram registros de alguma Sara Hasek nascida em Trost, mas nada surgiu. Havia uma família Hasek que veio de Shiganshina posterior a queda da Muralha Maria, todavia, essa família não se estabeleceu em Trost, e sim em Hermina. Quando questionados sobre uma Sara, ninguém não a reconheceram nem pelo nome, nem pela descrição física. A conclusão que chegaram é que aquela mulher contra quem Levi lutou era Sara, que se aproveitou da confusão em Trost e os altos níveis de migração das pessoas de lá para os distritos de Sinna.
ㅤㅤㅤㅤApenas soldados de confiança de Hange e Levi sabiam sobre a operação, e ficaram a vigiando por dias. Quando Erwin acordou dois dias depois da cirurgia, a situação foi reportada e o comandante ordenou mais uma operação clandestina para investigar Sara. Pensaram que seria fácil mantê-la sob vigilância quando souberam da licença, porém, a mulher era arisca demais, simplesmente desaparecendo na cidade em vez de ficar em casa, descansando. Eles pretendiam revistar a casa, só que, sem saber onde Sara estava, era arriscado tentar fazer isso. Então, quando Moblit informou a ida dela ao bar, o esquadrão do Levi entrou em ação. Uma oportunidade que eles não poderiam perder.
ㅤㅤㅤㅤA vizinha de Sara estava espiando a movimentação dentro do imóvel depois de ouvir Levi arrombando a porta. Era estranhamente mais resistente do que parecia, e ele não conseguira destravar a fechadura, mesmo que fosse excepcionalmente bom nisso, graças a sua vida antes de se tornar um soldado. Após perder a paciência ao falhar pela segunda vez, simplesmente meteu o pé na porta, a madeira e a fechadura estralando com o impacto e batendo na parede.
ㅤㅤㅤㅤComo era de se imaginar, o apartamento dela não tinha nada que sobre a sua personalidade; parecia estar do mesmo jeito que estava quando foi alugada além dos vestígios de uso. Nada de estranho na sala, exceto pelos livros de anatomia titã abertos sobre a mesa de centro, provavelmente os livros que ela havia pegado antes daquele dia. A cozinha estava com algumas sacolas de comida sobre o balcão, e sobre o forno, várias daquelas pílulas que Levi a viu comendo quando ela passou mal na recepção — uma espécie de remédio caseiro, talvez? Disseram que ela tinha sinais de anemia antes de receber a licença, e Peter havia usado a desculpa de pegar remédios com Sakura daquela vez. Era estranho, porém, nada que provasse que ela era de fato a mulher de cabelo rosa.
ㅤㅤㅤㅤNo quarto, no entanto, uma das paredes estava cheia de documentos. Ela parecia fazer uma investigação, mas não dava para entender do que se tratava à primeira vista, já que a letra dela era horrível.
ㅤㅤㅤㅤ"Pelo jeito, a única coisa verdadeira nessa história é ela ser médica..." Levi concluiu, torcendo o nariz para a caligrafia, chegando perto de alguns desenhos estranhos. Parecia ser um olho humano, mas não havia íris, apenas círculos e mais círculos. Perto dali um diagrama do que pareciam ser os quatro elementos básicos e um quinto nada usual — relâmpago. Foram as únicas coisas que conseguiu reconhecer.
ㅤㅤㅤㅤ"Capitão Levi, é melhor dar uma olhada nisso."
ㅤㅤㅤㅤConnie o chamou, erguendo o colchão da cama de Sara, revelando um conjunto estranho facas e estrelas de ferro afiadas. Alguns deles tinham um papel com escritos desconhecidos presos por um fio, o tipo de coisa que ele nunca adivinharia para o que serve. Também tinham pergaminhos coloridos enrolados em um canto, junto com a bandana de ferro que ele reconheceu imediatamente. Era a mesma daquela mulher: o mesmo vermelho na faixa, o mesmo símbolo no metal. Ele pegou o objeto mais de perto, sentido o peso e a espessura do metal. Parecia ser uma identificação, como um distintivo ou algo assim. Não que Levi em algum momento tivesse duvidado da própria intuição, entretanto, agora eles tinham provas concretas que a enfermeira boazinha do hospital de Ehrmich era a mesma forasteira que ele encontrou durante a expedição de captura da Titã Fêmea.
ㅤㅤㅤㅤA dúvida que restava era a seguinte: qual era o objetivo dela ali, escondida fingindo ser alguém que não é? Ela parecia estar sozinha, sem nenhum sinal de comunicação que denotasse outros envolvidos. Os olhos de Levi voltaram para os papéis pregados na parede, pensativos, porém, alertas. O que essa mulher está investigando?
ㅤㅤㅤㅤ"Capitão! A equipe da Hange perdeu o alvo de vista!" Era Armin, do lado de fora do prédio, na janela, sustentado pelo DMT.
ㅤㅤㅤㅤOs olhos dele não saíram de perto dos papéis, tentando encontrar algo que não tinha visto antes, mas foi em vão. Eles teriam que perguntar diretamente para ela, e agora o trabalho para a abordar de maneira minimamente discreta havia aumentado e muito. Sara, ou qualquer que seja o nome dela, era boa em despistar os outros. A Quatro-olhos não é o tipo de pessoa que se deixa enganar facilmente, e o fato de aquela mulher conseguir desaparecer mesmo sendo vigiada por uma equipe experiente como a de Hange só provava o que ele já sabia desde a primeira vez em que eles se encontraram: ela era boa nisso, talvez melhor que eles. Quando Levi levou esse fato a Erwin, tudo o que recebeu como resposta foi um sorriso determinado apesar do cansaço e uma frase brega sobre como seria um bom desafio. "Uma faca de dois gumes," o comandante disse, insinuando a oportunidade da situação. Porra nenhuma... era só mais um motivo para a Polícia Militar tentar o Reconhecimento.
ㅤㅤㅤㅤ"Como ela nos descobriu?" O Springer perguntou, no momento seguinte, claramente surpreso pelo que deveria se esperado. Aquela mulher podia se curar como um portador de titã, mudar a própria aparência, além de lutar como uma especialista e ter uma força sobre-humana. Seria uma surpresa se ela não tivesse os descoberto.
ㅤㅤㅤㅤ"Connie, recolha todas as evidências. Sasha e Armin, você dois vêm comigo." E pela mesma janela que Arlert estava, Levi e Sasha saíram, já com seus DMTs em posição. "Para o hospital."
***
ㅤㅤㅤㅤUm frio passou por toda a sua espinha, terminando em sua nuca, fazendo os pelos rosados ali se eriçarem. Foi essa sensação que a fez perceber que o seu disfarce havia caído; a barreira simples que colocou em sua casa foi rompida. Ela poderia perder tempo confabulando sobre como foi feito, se foi um explosivo ou qualquer outra coisa. Ela poderia considerar a possibilidade de ter sido apenas um ladrão ou algo assim, voltar para casa e conferir se estava tudo certo, porém, a chance de ser uma emboscada era grande. Ela precisava fugir — era o mais inteligente a se fazer —, só que, ao mesmo tempo, ela precisava chegar ao hospital. Sakura tinha algo a fazer antes de desaparecer novamente.
ㅤㅤㅤㅤComo era de se esperar, o local estava cercado. Mesmo que estivessem escondidos, não foi difícil para ela encontrá-los. A Haruno se transformou em sua colega, Leah — havia memorizado todos os horários de plantão dos colegas dela e ela não estava de plantão esta noite, então não havia risco de esbarrar com ela. No vestiário, abriu o seu armário e pegou um dos conjuntos que havia preparado para o caso de precisar fugir, e depois disso, seguiu até a ala pediátrica. Isolada de todas as crianças, estava Joseph, de seis anos, e ao lado, dormindo profundamente, a mãe dele, Marie. Ele foi ferido gravemente durante a invasão de Trost, e agora estava em coma. Até ali, Sakura não tinha feito nada para ajudá-lo, mesmo que se culpasse por isso, apenas não comprometer o disfarce dela. A sua consciência não a deixaria ir embora sem antes resolver esta pendência.
ㅤㅤㅤㅤCom cuidado, passos leves que não faziam barulho, ela desfez a transformação e foi até o leito da criança. Usar ninjutsu médico, como qualquer outro tipo de técnica que envolvesse manipular qualquer coisa que não fosse o próprio corpo dela havia sido mais complicado do que deveria ser por conta dos diferentes tipos de energia naquele lugar. Tudo o que se atreveu a fazer desde que chegou foi curar ferimentos menores ou reduzir danos, como foi quando tratou os ferimentos de Levi e depois para conter o sangramento do comandante do Reconhecimento, mas ela não podia sair sem nem mesmo tentar. Colocando as mãos nos dois ombros do menino e fechando os olhos, Sakura se concentrou. Por baixo da sua franja, o selo em sua testa brilhou, e então inúmeras linhas pretas cobriram o corpo dela e o corpo de Joseph. Apenas após ter certeza de que o sistema imunológico do garoto estava completamente coberto com a energia dela, escritas escuras melhores se formaram no ombro do menino. O Selo da Força de uma Centena, somado a técnica de Regeneração da Criação curaram parte a parte os danos e sequelas da criança. Era mais simples do que muitas cirurgias que ela já fez, mesmo assim, aquele povo não tinha o conhecimento necessário para tratar algo assim.
ㅤㅤㅤㅤDepois de alguns minutos, os olhos de Sakura se abriram, encontrando os olhos escuros da criança, o suor escorrendo das testas de ambos. Ele parecia assustado, e não por menos, o rosto dela estava completamente coberto de linhas escuras. Sakura encerrou o seu jutsu, com colocando o sorriso mais doce que tinha nos lábios, levando o indicador até eles.
ㅤㅤㅤㅤ"Shiu..."
ㅤㅤㅤㅤA criança assentiu, mais calmo. Sakura então se afastou e, ao sair pela porta do leito, já estava disfarçada de Leah novamente.
ㅤㅤㅤㅤSakura caminhou de volta para a área de vestiários, cumprimentando quem encontrava no caminho. Para a sua surpresa, já havia soldados lá dentro, interceptando os funcionários do hospital e interrogando-os sobre Sara. Ela conseguiu evitar todos sem problemas, todavia, quando finalmente estava saindo do prédio, ela foi abordada.
ㅤㅤㅤㅤ"Posso falar com você?"
ㅤㅤㅤㅤEla reconheceu a voz. Era Levi. Apesar de praguejar internamente pela falta de sorte, sabendo que a saída estava há apenas alguns metros, Sakura não fugiu. Isso seria o mesmo que se entregar. Mantendo a calma, ela sorriu e se virou para o homem, o rosto dele ainda mais ranzinza e taciturno do que se lembrava.
ㅤㅤㅤㅤ"No que posso ajudar o senhor?"
ㅤㅤㅤㅤ"Estamos procurando por Sara Hasek. Você a viu?" O tom de voz direcionado a ela era firme, sério e impessoal, muito diferente da raiva íntima e fria que soou quando ele tentava a fazer pagar por algo que não tinha feito.
ㅤㅤㅤㅤ"Ela está de licença médica," Sakura respondeu, a tranquilidade externa mascarando bem a ansiedade do lado de dentro. "Imagino que esteja em casa, descansando."
ㅤㅤㅤㅤMesmo que Levi soubesse quem Sara é, ele não diria que ela estava disfarçada com aparência de outra pessoa, a não ser que...
ㅤㅤㅤㅤA memória de quando Levi a viu com a aparência de um dos soldados mortos, a forma como ele reconheceu o rosto que não era dela de verdade. Não, ele não teria associado isso a mim, teria? Sakura se perguntou, apesar do rosto dela não ter vacilado um momento sequer. Mesmo que ele soubesse, não seria na legalidade, e um soldado como ele não faria algo desse tipo contra um cidadão das muralhas. Como ele provaria a habilidade dela de se transformar na aparência de outras pessoas para justificar a prisão de uma enfermeira que trabalha nesse hospital há anos? Esse tipo de coisa não parecia ser uma coisa comum por essas bandas.
ㅤㅤㅤㅤ"Certo. Qual o seu nome?"
ㅤㅤㅤㅤ"Leah. Leah Müller" ela respondeu, prontamente. Por via das dúvidas, estava segurando um meio para distraí-lo, atrás de suas costas, caso tudo desande. As opções dela não eram muitas naquele momento, a não ser enganá-lo ou fugir. "O senhor deve ser o famoso Capitão Levi, não é?"
ㅤㅤㅤㅤA voz dela foi mais doce, quase animada, como se fosse uma grande honra conhecê-lo, mesmo que ele fosse a última pessoa que ela queria ver. Tudo o que recebeu em reação foi um estreitar de olhos e um erguer de sobrancelha.
ㅤㅤㅤㅤ"Se não é minha subordinada, não me chame de capitão."
ㅤㅤㅤㅤAparentemente, bajulação não era uma arma que poderia usar contra ele. Anotado. Ela deveria ter imaginado, mas não custava tentar.
ㅤㅤㅤㅤ"Tem razão. Sinto muito." Ela sorriu novamente, antes de tentar encerrar o assunto e dar prosseguimento a sua fuga. "Estou liberada, senhor Levi?"
ㅤㅤㅤㅤEle a encarou de cima a baixo, como se tentasse a analisar, de alguma forma. Então, quando o viu acenar positivamente com a cabeça como resposta. Sem mais, ela maneou a cabeça, como um cumprimento de despedida e deu as costas, seguindo para a saída do vestiário feminino.
ㅤㅤㅤㅤ"Não está curiosa sobre o motivo de estarmos procurando a sua amiga?"
ㅤㅤㅤㅤSakura parou seus passos. Engoliu em seco e depois se virou para o soldado, cordialmente.
ㅤㅤㅤㅤ"Perdão?"
ㅤㅤㅤㅤLevi se aproximou dela, a luz fraca das lamparinas finalmente atingindo as feições dele. Ele estava usando o mesmo uniforme que no dia que se encontraram pela primeira vez. Não eram boas lembranças.
ㅤㅤㅤㅤ"Procuramos pelos registros de uma Sara Hasek, mas ela nunca existiu. Ficou sabendo do fracasso que foi a última expedição feita pelo Reconhecimento?" A mulher assentiu, em silêncio. "Nesse mesmo dia encontramos uma estranha com habilidades desconhecidas. Ela desapareceu, e então, poucos dias depois Sara surgiu aqui, em Ehrmich."
ㅤㅤㅤㅤIsso respondia à pergunta dela, porém, isso ainda não significava que ele sabia quem estava sob a pele de Leah Müller, então agir sem curiosidade seria o seu segundo erro.
ㅤㅤㅤㅤ"Acha que Sara e a mulher que encontraram na expedição são a mesma pessoa?"
ㅤㅤㅤㅤ"Eu tenho certeza." Quando ele ergueu a bandana de Sakura, fazendo o metal reluzir com a chama que iluminava o cômodo. Sakura não conteve a sua surpresa. "Reconhece isso, certo?"
ㅤㅤㅤㅤEle se aproximou mais um pouco, e fazendo a mulher dar um passo para trás.
ㅤㅤㅤㅤ"Acreditamos que Sara tem a habilidade de mudar a sua forma... embora ainda não saibamos como. De outro jeito, ela não teria se infiltrado entre os nossos soldados e chegado até aqui."
ㅤㅤㅤㅤSakura suspirou, guardando novamente as bombas de fumaça em sua bolsa oculta. A janela que havia atrás dele parecia ser uma ótima rota de fuga. Depois disso, poderia usar clones para distraí-los e enfim escapar. Ilusões sabia que não funcionaria com aquelas pessoas, não quando ela já não tinha muita proficiência ofensiva na área e os corpos ali tinham outra coisa que não chakra espalhados pelo corpo.
ㅤㅤㅤㅤ"Antes que tente fugir," Levi tornou a falar depois de um longo momento a analisando, "há soldados a postos do outro lado desta porta e em torno do hospital, mas eu espero não recorrer à força."
ㅤㅤㅤㅤÉ, ele estava convicto de que havia pegado a pessoa certa, e não teria como convencê-lo do contrário. Sakura poderia tentar arrastar aquela discussão por mais tempo, contudo, seria apenas adiar um desfecho inevitável.
ㅤㅤㅤㅤXeque-mate...
ㅤㅤㅤㅤUma pequena cortina de fumaça se formou em volta dela, fazendo Levi erguer sua guarda, preparado para algum ataque que pudesse vir dela, entretanto, não houve nada depois disso. Era um alívio, porque ele estava blefando; eles não tinham pessoas o suficiente para contê-la se ela tentasse fugir. Até pouco tempo atrás, ela só tinha uma técnica de luta impressionante, uma força descomunal e um fator de cura digno de um titã. Com as novas informações que obtiveram, descobriram que ela podia copiar a aparência de outra pessoa sem usar de recursos como maquiagem ou próteses — que era o que Erwin e Hange teorizavam —, dominava habilidades desconhecidas capazes de curar outras pessoas, além de conseguir se movimentar entre grandes distâncias e alturas sem o auxilio de qualquer dispositivo. O potencial perigo que ela representava era incalculável, e tudo o que não precisavam era de mais perdas.
ㅤㅤㅤㅤA forma original de Sakura surgiu, com ambas as mãos erguidas, demonstrando que não resistiria. Os cabelos ruivos tingidos retornaram, bem como os olhos verdes agora desconfiados, atentos para saber qual seria a decisão dele. Ao contrário do que ela parecia esperar, Levi estendeu a bandana para a mulher, em sinal de consenso momentâneo. Nenhum deles gostaria de iniciar uma batalha no hospital, não quando o Reconhecimento estava tão abalado politicamente depois de Stohess. Ela pegou a faixa, receosa, recolhendo a mão como se tivesse queimado quando os dedos dela tocaram a palma da mão dele. Não tinha como esquecer o primeiro encontro perturbador que tiveram. E é claro que isso não passou despercebido por Levi.
ㅤㅤㅤㅤSakura olhou para a bandana, mas os pensamentos dela não pareciam estar ali.
ㅤㅤㅤㅤ"Como foi que descobriu que eu não era a Leah?" ela perguntou, desconfortável, tanto por ter sido pega, quanto por lembrar dos olhos cheios de raiva, que agora pareciam apenas atentos, desconfiada e talvez um pouco curiosos.
ㅤㅤㅤㅤ"Os funcionários desse hospital fedem a sangue, suor e sujeira. Você cheira a cereja."
ㅤㅤㅤㅤO rosto dela ficou vermelho com o comentário, novamente pega de surpresa por uma perspectiva tão... específica. Então havia sido isso? Ela nunca teria pensado em ocultar o próprio perfume. Geralmente ela não precisava se preocupar com detalhes assim, exceto quando envolviam ninjas como Kakashi ou Kiba.
ㅤㅤㅤㅤLevi, no entanto, apenas pareceu enfadado em ter que explicar essa razão, cruzando os braços enquanto a encarava com certa irritação, mesmo que fosse difícil dizer o porquê. Logo ele continuou, a impaciência escancarada no rosto dele não afetando o tom de voz desinteressado e rude. "É enjoativo. Não tem como não sentir."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu achei gostoso", disse a mulher de óculos que vira dias atrás, junto com Levi, aparecendo atrás de ninja, fechando a porta atrás de si. "Mas, e aí? Qual o eu nome de verdade?"
Chapter 10: Negociações
Notes:
Gente, esse é longo. Para quem gosta, é um presente, para quem odeia, é um pesadelo ksksks
Chapter Text
ㅤㅤㅤㅤA noite parecia mais fria fora do distrito, talvez pela falta de muralhas os cercando o caminho ao sul do lado interno da Muralha Rose, permitindo que o vento os tocasse diretamente naquelas carroças descobertas. A estrada de terra batida estava mais escura por conta da lua nova, então o cocheiro só podia contar com a fraca lamparina que não iluminava mais do que três metros à frente, habilidoso em desviar da maioria dos buracos e pedras, mesmo que a estrutura toda balançasse com o terreno irregular. Em determinado momento, a carruagem onde Armin, Connie e Sasha estavam seguiram outra direção, de volta à casa onde Historia e Eren estavam sendo mantido. Havia sido arriscado deixar os dois prováveis alvos da Polícia Militar com apenas Mikasa e Jean como escolta, mas a operação em Ehrmich também era urgente. Erwin escolheu apostar e o capitão esperava que tudo desse certo no final. Na carroça para Trost seguiram apenas Moblit, que guiava a carroça, Hange, Levi e a forasteira.
ㅤㅤㅤㅤSakura Haruno. Esse era o nome dela, afinal. Uma mulher estranha só poderia ter um nome tão estranho quanto, concluiu. Sakura se deixou ser contida sem maiores objeções, embora ele tivesse uma vaga sensação de que a mulher poderia simplesmente se soltar daquelas algemas quando quisesse e que, no fim das contas, o fez apenas para dar a eles alguma sensação de controle. Ela também havia se mostrado bastante cooperativa, respondendo todas as perguntas de Hange, inclusive as mais impertinentes e desconfortáveis. Quando questionada sobre de onde veio e como havia parado na floresta de árvores gigantes naquela vez, a Haruno contou uma história mirabolante que mais parecia um livro de fantasia ruim. Era difícil para alguém como Levi acreditar, e até a Zoë pareceu um pouco inclinada a achar uma grande loucura, porém, ela teria motivos para mentir desse jeito? Quer dizer, se quisesse mentir sobre o passado dela, a garota poderia ter inventado uma outra história, uma mais crível e fácil de ser aceita do que portais de teleporte — seja lá o que isso signifique. No entanto, a expressão dele expunha bem o que pensava de tudo isso, não tendo sido necessário dizer uma única palavra, apenas observando-a atentamente como se acreditasse que ela poderia desaparecer diante dos olhos deles.
ㅤㅤㅤㅤ"Então você é realmente médica?" a cientista questiona, quase pulando em cima da mulher, claramente animada com a ideia de descobrir que tipo de conhecimento alguém de fora das muralhas poderia ter. "E aquilo que você faz de regenerar a si mesma e aos outros? É como os titãs?"
ㅤㅤㅤㅤA kunoichi se ajeitou desconfortavelmente no assento duro de madeira, pensando em como responder à pergunta da cientista entusiasmada. O desconforto dela, sem embargo, não era por conta do quase interrogatório que estava sendo feito desde que passaram pelos portões externos de Ehrmich, mas sim o tempo excessivamente longo que Levi a encarava, em silêncio. Qual era o problema dele afinal?
ㅤㅤㅤㅤ"É, eu sou médica, sim..." disse finalmente, tentando ignorar a forma como a nuca dela queimava com o escrutínio ininterrupto do capitão do outro lado da carroça e focar na conversa em questão. "E, não. Não é como os titãs... sobre os portadores de titãs, eu não sei muito — esse é o tipo de informação que o Reconhecimento não compartilha com o público, afinal —, mas acho que não é parecido com isso, também."
ㅤㅤㅤㅤA resposta dela foi o suficiente para deixar Hange ainda mais ansiosa, e antes que comandante de seção se levantasse do lugar dela para segurar a mulher pelos ombros e fizesse ainda mais perguntas, o capitão a segurou pelo braço, mantendo-a no lugar e um olhar que dizia para ela se comportar. Diante da repreensão do companheiro, a Zoë ajeitou os óculos, tirando dos olhos e os deixando descansar na testa, tentando manter uma postura séria. Sakura era a prisioneira deles até segunda ordem, afinal.
ㅤㅤㅤㅤ"Como funciona, então?" Hange pergunta, as mãos dela segurando uma à outra como se tentassem se impedir de segurar a Haruno mais uma vez.
ㅤㅤㅤㅤUm suspiro pensativo passou pelos lábios da Haruno ao passo em que erguia a cabeça, pensando na melhor forma de explicar ninjutsu para pessoa que sequer tinham o básico do conhecimento sobre chakra. Talvez fosse até inútil, na verdade, considerando o quão cético o capitão parecia após de ouvir tudo o que ela havia dito desde então. Eles poderiam alegar que ela estava mentindo para não revelar o procedimento das habilidades dela?
ㅤㅤㅤㅤ"Eu não tive a oportunidade de pesquisar um titã de perto, como vocês fizeram por tantos anos, mas considerando tudo o que eu vi e pude estudar nos livros da biblioteca, a regeneração é uma característica biológica inata, correto? E eles não têm um limite para isso." Sakura inquiriu de maneira introdutória, recebendo um aceno frenético da Zoë como confirmação. Logo ela prosseguiu, tentando usar as mãos para gesticular antes de lembrar estarem presas. "Eu não tenho essa característica. A minha habilidade é um conjunto de técnicas aprendidas, estudadas e aperfeiçoadas durante anos. Não é regeneração, e sim uma técnica de cura, então há muitas limitações para o que eu posso fazer quando comparados — eu não consigo regenerar membros inteiros ou órgãos perdidos, ao contrário desses titãs, por exemplo. Tudo o que posso fazer é acelerar o metabolismo e o sistema imunológico para que atuem da maneira mais rápida e eficiente possível, manipulando individualmente cada célula necessária para isso. Despendendo da técnica usada e do estado da pessoa, é possível curar em minutos um ferimento que levaria dias ou semanas para se curar de maneira natural."
ㅤㅤㅤㅤ"Isso é incrível..." a Zoë murmurou entre o atônito e o pensativo, os olhos brilhando enquanto olhava para a mulher, quase como uma criança que acabou de ganhar doce. "Poderia ser tão útil durante as expedições e também..."
ㅤㅤㅤㅤ"Hange," Levi a chamou, um tom de advertência na voz.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu sei..."
ㅤㅤㅤㅤEle concordava com a Zoë. Ter alguém como Sakura nas fileiras de uma expedição poderia salvar dezenas de soldados que não sobreviveriam o caminho até o hospital, não obstante, dizer esse tipo de coisa na frente da prisioneira era uma péssima ideia. Conhecendo Erwin como conhecia, o moreno sabia que ele tinha um plano, e permitir que ela pense ter qualquer vantagem sobre isso poderia arruinar tudo. Era desleal, claro, porém, era a única forma de terem algum controle sobre a situação e sobre ela. Parando para pensar, eles tinham tido nada mais que sorte até agora. O fato de estar cansada e debilitada na vez que eles se encontraram foi sorte, a decisão dela ir para o hospital durante a perseguição também. Sorte a deles que Sakura, no fim das contas, não fosse uma pessoa egoísta e não resistiu durante a prisão dela no vestiário apenas para não colocar em risco nenhum dos pacientes. Caso contrário, provavelmente eles teriam fracassado. Mais uma vez, a sorte estava do lado deles, pois a mulher estava cooperando facilmente e ainda não havia tentado fugir, mesmo com poucos soldados a escoltando.
ㅤㅤㅤㅤLevi odiava depender da sorte, só que aparentemente ele teria que apelar para isso por mais algumas horas.
ㅤㅤㅤㅤ"Você lutou comigo aquela vez," o capitão finalmente se envolveu na conversa; os braços apoiados nos joelhos e o corpo inclinado para frente, a observando atentamente por baixo dos cílios. Ela era apenas alguns centímetros mais alta, mas era magra e não parecia estar mais que em forma. A força e a habilidade de luta dela, no entanto, desmentiam essa imagem frágil e quase doce que transmitia. "Você não é só médica, é?"
ㅤㅤㅤㅤA Haruno ficou momentaneamente surpresa, mais com o fato de quem falou do que com o que foi dito exatamente. Ela limpou a garganta e desviou o olhar por um momento, coçando a nuca com as mãos algemadas para frente.
ㅤㅤㅤㅤ"É, esse não é o meu único cargo na vila," respondeu, apontando para a bolsa confiscada entre Hange e Levi. "A minha identificação está na carteira vermelha."
ㅤㅤㅤㅤA Zoë foi mais rápida, abrindo o zíper abaixo da aba de couro e procurando pelo objeto que ela havia descrito; estava no fundo da bolsa, depois de mais daquelas facas e estrelas que o esquadrão encontrou na casa de Sakura. A carteira de couro tingido era fosca e o modelo diferia das que as pessoas costumavam usar dentro das muralhas, contudo, se fosse reparar em cada coisa estranha que estivesse relacionada a ela... é mais fácil numerar o que não é estranho.
ㅤㅤㅤㅤAs mãos da cientista abriram o fecho magnético, momentaneamente prestando atenção de mais naquele detalhe tão idiota — ninguém nunca pensou em usar ímãs para fechar uma carteira e parecia mais prático do que usar zíperes que costumavam se desgastar e estragar frequentemente. O capitão então pegou o objeto das mãos dela e abriu, impaciente, os olhos dele parando sobre o retrato de quatro pessoas preso em uma das abas. Sakura no meio, um rapaz loiro e exageradamente feliz no lado direito, um homem mais velho e grisalho atrás, e o moreno mais calmo do lado esquerdo. Era detalhado demais para ser um desenho, e colorido demais para ser uma pintura. Hange pareceu notar isso também, mas antes que ela questionasse sobre algo que desviasse do assunto, Levi puxou o que parecia ser uma identificação militar.
ㅤㅤㅤㅤO papel não era novo, todavia, estava bem conservado. Tinha o seu nome e a idade escritos logo abaixo do retrato dela, um gráfico hexagonal de habilidades e algumas informações de patente e classificação. Havia algumas outras informações que eles não entenderam o que implicavam, como afinidade elemental. O que significa ter afinidade com Terra, Água, Luz e Sombra, afinal?, foi o que a Zoë se divagou antes de passar os olhos sobre o gráfico em questão.
ㅤㅤㅤㅤ"QI de 175?" Hange indaga, genuinamente deslumbrada.
ㅤㅤㅤㅤ"Não é tão impressionante quanto soa..." Sakura negou, um pouco constrangida com a reação da cientista, observando os dois soldados com atenção.
ㅤㅤㅤㅤ"É claro que não" em um tom agudamente sarcástico, o capitão replicou enquanto colocava a identificação de volta na carteira, claramente desconsiderando as palavras de dela como uma falsa modéstia.
ㅤㅤㅤㅤAs habilidades corpo a corpo estavam classificadas com cinco estrelas, bem como as habilidades médicas dela, ele tinha visto o suficiente dos dois para saber que isso significava uma alta na classificação seja qual for o critério. Além disso, tinha uma ótima resistência a drogas; as pontuações em destreza, negociação e percepção eram altas. Apesar de serem números que fornecem uma noção geral do que ela é capaz de fazer, não era específico o suficiente, não se eles não sabiam os critérios e nem conheciam outras pessoas como ela para fazer uma comparação. Se o plano do comandante desse certo, eles precisariam reavaliar as habilidades de Sakura para saber exatamente com o que eles estavam lidando.
ㅤㅤㅤㅤLevi suspirou, guardando a bolsa no exato lugar de antes, cansado só de pensar no que viria a seguir. Apenas com a reação de Hange, ele sabia que ela tinha chegado na exata mesma conclusão, e não tinha nada que a Zoë gostasse mais do que uma ou várias sessões de experimentos com uma cobaia nova. Sinceramente, não queria se envolver, não quando já tinha a cota de experimentos para fazer com assim que voltassem para a base do esquadrão. Ao mesmo tempo, ele sabia que Erwin faria questão de mandá-lo ficar de olho nas coisas, apenas para ter certeza de que nada sairia do controle.
ㅤㅤㅤㅤ"Sabe, eu estive pensando..." Hange começou a falar, agora mais calma, como se a mente dela já tivesse começando a processar aquela quantidade de informações novas. "Você ajudou os soldados feridos durante o retorno para Karanes, ainda que não precisasse, e se infiltrou em um hospital importante em Ehrmich, atuando de maneira louvável lá dentro..."
ㅤㅤㅤㅤO olhar de da Haruno foi do chão para a Zoë instantaneamente, como se tentasse entender onde ela queria chegar com aquela observação, e ficou em silêncio, esperando que terminasse o raciocínio.
ㅤㅤㅤㅤ"Você não parece uma inimiga da humanidade. Se fosse, teria matado o Levi quando teve a chance e deixado os feridos da Divisão de Reconhecimento morrerem sozinhos. É o que eu teria feito." a mulher continuou falando, o tom dela mais sério como a Haruno nunca tinha ouvido antes. "Porém, você se disfarçou como uma de nós e se escondeu da gente esse tempo todo. Por quê?"
ㅤㅤㅤㅤPela primeira vez, não haviam feito uma pergunta que ela estivesse esperando, e isso ficou claro pela forma como o olhar dela vacilou por um momento, retornando ao chão enquanto se encolhia no lugar sem sequer perceber estar o fazendo.
ㅤㅤㅤㅤHange não sabia? Sakura esperava que o capitão tivesse contado todos os detalhes sobre o primeiro encontro deles na floresta, sobre como eles lutaram e como ele a torturou mesmo depois de tê-la rendido de forma cruel e pungente. Sim, Sakura podia se curar, contudo, isso não a tornava imune a dor — às vezes acabava tendo pesadelos com isso. Não era só a dor em si. Ela já havia lidado com situações parecidas. Era o cenário todo: desde o seu estado desorientado e preocupado com Sasuke, até o ataque repentino e a ira nos olhos e na voz dele enquanto a torturava. Ainda que tentasse entender a perspectiva de Levi, a forma como estava cego de raiva pela pessoa que havia matado os companheiros dele, ela não conseguia simplesmente superar isso, ignorar a forma como havia sido o objeto de vingança de alguém. Qual seria o destino dela se ele não tivesse se distraído e dado a chance que Sakura precisava para escapar? Não seria bom, e preferia evitar pensar sobre isso.
ㅤㅤㅤㅤQuando olhou para o homem pelo canto do olho, o viu com o olhar desviado para algum ponto no chão da carroça, muito diferente da postura afiada e atenta que tinha demonstrado até então, sempre a encarando ou observando com algum objetivo. É, ele não contou sobre isso..., mas por quê? Seria vergonha? Levi não parecia ser o tipo que sentiria vergonha de uma decisão tomada. Arrependimento, então? Não, não somos sequer próximos para algo assim...
ㅤㅤㅤㅤSakura poderia expor tudo, contar o que aconteceu, dizer que se não fosse pelo que houve, teria se apresentado antes. Ela poderia fazer isso, entretanto, qual seria o objetivo? Não havia benefício em dizer algo assim, na verdade, só pioraria as coisas entre si e o Reconhecimento, não é? Não valia a pena fazer algo que poderia prejudicar a situação dela — ou a situação dele, mesmo que tivesse todos os motivos para querer fazê-lo. Às vezes ela era mole demais, até com aqueles que não mereciam.
ㅤㅤㅤㅤ"Não pareceu uma boa ideia fazer isso depois de ter lutado contra um dos seus soldados" desconversou finalmente, uma meia-verdade, ou uma omissão. "Além disso, eu não tinha certeza de como vocês reagiriam a minha presença."
ㅤㅤㅤㅤO capitão franziu o cenho com a resposta evasiva dela, sentindo o olhar de Hange sobre si, como se tentasse entender o que estava rolando, o motivo de estar agindo estranho agora. Ele não sabia porque a mulher não tinha falado a verdade, mas estava uma mistura de frustração e algo como gratidão, relutantemente.
ㅤㅤㅤㅤ"Entendi..." a morena falou após de alguns segundos, porém totalmente convencida. De qualquer forma, se Levi e Sakura concordaram em não falar o motivo, talvez não devesse insistir.
ㅤㅤㅤㅤPor hora.
ㅤㅤㅤㅤA carroça continuou o caminho em um silêncio desconfortável, mas apenas por alguns minutos, pois logo Hange e sua curiosidade tornaram a atacar a Haruno com mais e mais perguntas sobre tudo o que a mente incansável dela conseguia pensar. Observando a situação de fora, Levi decidiu deixar a conversa nas boas mãos da colega e não se envolver mais nisso até que Erwin o ordenasse fazer isso diretamente.
ㅤㅤㅤㅤO sim finalmente despontou acima das paredes internas de Trost, iluminando os cabelos agora ruivos e esquentando o rosto de Sakura. Ela disse havia tingido com uma tinta caseira para o disfarce dela no hospital, e que talvez a tintura saísse aos poucos com o passar dos dias, retornando àquele rosa. Isso seria um problema. Não é tipo de cor de cabelos que as pessoas costumam ter por ali. A Haruno não precisou dizer que o tom... exótico... era a cor natural dos cabelos dela. Dava para notar pela cor das sobrancelhas, os poucos pelos nos braços dela e também pela raiz crescendo. Levi poderia ficar se questionando sobre como alguém poderia nascer assim, mas diante de tudo o que ela relatou fazer, ele estava começando a pensar que os fios rosas eram a coisa menos estranha nela. Além disso, não deveria perder tempo prestando atenção nesses detalhes da aparência dela, mesmo que seja impossível não notar. Quando Quatro-Olhos visse a cor real dali alguns dias, iria ficar encarando descaradamente, no mínimo. Com toda certeza iria tentar tocar ou pedir uma amostra para analisar e ter certeza de que era real. É o tipo de besteira que a cientista perderia o tempo fazendo no tempo livre, com toda certeza.
ㅤㅤㅤㅤOs portões internos de Trost já estavam funcionando quando eles chegaram. Ao contrário de Ehrmich, os soldados ali não sondaram muito sobre a presença de uma civil junto aos notáveis Comandante de Seção Hange e o Capitão Levi, e o motivo disso era muito simples: a sede do Reconhecimento ficava ali. Com isso, os militares com brasão de asas tinham praticamente passe livre para entrar e sair do distrito. Moblit guiou a carroça pelas ruas pouco movimentadas, a maioria dos prédios e comércios fechados não só devido ao horário da manhã. A cidade ainda estava se recuperando do ataque pouco mais de três meses. Muitos edifícios ainda estavam com partes destelhadas e buracos na estrutura externa, boa parte deles impróprios para habitação por conta das chances de desabamento, entretanto, as famílias ali não tinham muitas opções: ou corriam o risco, ou moravam na rua. O rei não ligava para as pessoas das muralhas externas ou do subterrâneo — nunca ligou —; agora era Trost, e antes eram os distritos da Muralha Maria.
ㅤㅤㅤㅤPorcos...
ㅤㅤㅤㅤ"Chegamos!" anunciou a cientista animadamente ao mesmo tempo que pegava a bolsa da prisioneira e pulava para fora da carroça, e não precisava ser muito inteligente para saber que ela estava apenas garantindo que poderia analisar tudo aquilo quando tivesse tempo. "Vem. Eu ajudo você."
ㅤㅤㅤㅤA Haruno olhou para a mão estendida da Zoë por um momento antes de aceitar e com as mãos algemadas dela e descer facilmente da carroça. Levi fez igual em seguida.
ㅤㅤㅤㅤ"Moblit, você pode levar os cavalos até os estábulos?"
ㅤㅤㅤㅤ"Sim, senhora," o subordinado dela assentiu sem hesitar.
ㅤㅤㅤㅤSem paciência para esperar mais, o capitão tomou a frente, fazendo Sakura e Hange se apressarem para acompanhá-lo sede a dentro antes de se colocar alguns passos atrás delas a fim de deixar que a prisioneira saísse do campo de visão dele um segundo sequer. Independentemente dos olhares dos outros soldados, os três seguiram pelos corredores anormalmente vazios, reflexo das últimas perdas da divisão e dos problemas que eles estavam tendo para repor as fileiras. Primeiro havia sido a 57ª Expedição onde mais da metade dos batedores foram mortos por Annie. Um mês depois, a operação em Stohess e, no dia seguinte a isso, a missão de resgate dos recrutas da 104ª turma de cadetes e da suposta violação da Muralha Rose. Eram uma sequência de eventos que não só diminuíram o contingente, mas que também abalaram a confiança já precária da população na divisão. E ainda havia o que a Polícia Militar estava planejando...
ㅤㅤㅤㅤOs pensamentos de Sakura foram brevemente interrompidos pelos cumprimentos que Hange e Levi receberam dos seus colegas. Apesar da personalidade incomum e difícil, aqueles dois pareciam realmente importantes naquele lugar, não só com relação à patente; era sobre confiança e camaradagem também. Geralmente é esse o tipo de pessoa que faz a diferença, concluiu: os estranhos e difíceis. Havia tantos exemplos que a kunoichi poderia citar..., porém, não importava. Não quando estava presa naquele lugar.
ㅤㅤㅤㅤ"Sakura, nos despedimos aqui," cientista anunciou de repente quando pararam na intersecção de corredores e o início de uma escadaria descendente que pareia levar a um porão. "Mas não por muito tempo. Levi vai levar você até um dos quartos no andar de baixo e, mais tarde, eu busco você."
ㅤㅤㅤㅤEm resposta, a Haruno apenas assentiu e observou a Zoë se afastar enquanto acenava para o parceiro e se virava o corredor a seguir, a bolsa de couro bem presa abaixo do braço dela. Era fácil constatar o motivo da separação: eles precisavam atualizar o comandante sobre a situação, decidir o plano de ação a ser seguido, e durante esse tempo, uma suspeita não poderia ficar zanzando por aí sem supervisão. Quando a Haruno se virou novamente para a escadaria, o soldado estava atrás dela, mais perto do que estava antes, e isso a fez pular de susto um momento, contudo, ela não reclamou.
ㅤㅤㅤㅤ"Não tente nenhuma gracinha," avisou, e o tom não era de divertimento. Sem esperar por uma resposta, o capitão a agarrou pelo braço e a puxou sem delicadeza alguma e a colocou entre ele e as escadas, a ordem de que ela deveria ir à frente implícita no gesto. "Vamos."
ㅤㅤㅤㅤOs dois desceram as escadas em silêncio, degrau a degrau — ela podia sentir as costas dela queimando sob o olhar dele, mas não ousava se virar para encontrar, apenas encarando o fim mal iluminado das escadas do andar subterrâneo. Não demorou muito para que a luz do sol que entrava pelas janelas fosse substituída pela iluminação ruim das lamparinas, o ar mudando aos poucos para algo mais frio e orvalhado, mais difícil de respirar. Os degraus ali não eram tão bem cuidados, e além do desnível, a umidade impregnada nas pedras a forçava descer mais devagar do que o normal para ter alguma garantia de equilíbrio, já que com as mãos contidas e a falta de corrimãos a impediriam de se firmar caso escorregasse. Finalmente os pés dela tocaram o chão do porão. Se dividiam em dois longos corredores, ambos levando a vários conjuntos de celas antigas dignas de um conto medieval pelas quais eles passaram. O Reconhecimento parecia não ter o costume de manter ninguém preso ali, no entanto, dado a falta de preparação das enxovias em questão exceto pela última no corredor da esquerda — a única equipada com colchão e utensílios básicos. Levi buscou um olho de chaves pendurado na parede longe da cela e abriu a grade, mais uma ordem implícita.
ㅤㅤㅤㅤQuarto, né?, Sakura citou Hange sarcasticamente enquanto passava pelo soldado e esperava que ele retirasse as algemas dos braços dela. As mãos dele foram rápidas e propositais, entretanto, a postura dele dizia que queria acabar com a situação o mais rápido possível, mesmo que isso acabasse fazendo as articulações dos grilhões beliscassem a pele dela no processo. Daí em diante, ele fechou o portão e o chaveou antes de se encostar na parede oposta ficar em silêncio.
ㅤㅤㅤㅤO Reconhecimento, eles prepararam tudo de antemão: desde o transporte de Ehrmich à Trost e até à cela que iriam a manter presa. Analisando com calma, eles trabalharam muito bem com o que tinham, e ainda que Sakura não tivesse demonstrado nenhuma resistência, ela sabia que Levi e Hange tinham algum plano para lidar com a suspeita, caso tivesse tentado. O subterrâneo era o melhor lugar que eles poderiam manter uma variável assem diante da tecnologia disponível — ou a falta dela —, alguém que possuía habilidades e técnicas que eles não conheciam e não sabiam as intenções. O plano, quem quer que tenha idealizado, era ótimo: se a estrangeira tentasse fugir, o capitão estaria ali para impedi-la, o que inevitavelmente culminaria numa luta onde ela não poderia usar as habilidades de aprimoramento de força sem comprometer uma estrutura enorme que acabaria caindo sobre eles e, mesmo que isso fosse uma estratégia parcialmente suicida que estava colocando em risco todos os presentes, incluindo os soldados mais importantes da divisão como Levi, Hange e o próprio comandante ainda em recuperação, tudo o que eles precisavam era garantir que a Haruno soubesse que ficaria presa sob os escombros se tentasse e, de fato, se fosse a intenção dela, ela esperaria outra oportunidade que não essa.
ㅤㅤㅤㅤSakura se sentou antes de se deitar no catre ralo e desconfortável massageando os punhos para reduzir as marcas e a sensação do ferro apertando os punhos dela, olhando para o chão sob os pés dela, os mocassins simples de couro. Ainda sentia os olhos do capitão sobre si, e isso perturbava ainda mais quando eram apenas os dois ali. Ele não tinha a intenção de conversar, claro, e mesmo que ele tivesse, não é algo que ela mesma quisesse, mas o silêncio era igualmente incômodo.
ㅤㅤㅤㅤEles passariam as próximas horas naquele clima? Esperava que a Zoë fosse rápida no que estivesse fazendo, então essa tortura acabaria logo.
ㅤㅤㅤㅤPassos se aproximaram minutos depois, o som ecoando pelas paredes tornando impossível que alguém andasse por ali sem que ninguém ouvisse. A esperança de que os pensamentos dele tinham sido atendidos e realmente fosse a Zoë se foram tão rápido quanto vieram. Eram passos cuidados e até hesitantes, ao contrário da cientista animada que viria descendo as escadas como um furacão, gritando e mandando o capitão abrir a cela. No fim do corredor, surgiu um soldado jovem e um pouco nervoso, porém, Levi não sabia dizer se era por causa da presença dele ou se era por conta dos rumores sobre a nova prisioneira que provavelmente já circulavam entre os corredores do quartel. Bem, eles não fizeram muito esforço para esconder o fato quando entraram com a Haruno pela porta da frente.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu já volto. Fique onde está," o moreno anunciou, desencostando da parede e indo até onde o soldado esperava com um tabuleiro de comida em mãos sem coragem o suficiente para se aproximar, ouvindo Sakura perguntar retoricamente algo como "e eu tenho outra opção?" Ele não deu importância, no entanto, alcançando o rapaz e pegando a bandeja, a mesma refeição insossa que o Reconhecimento fornecia aos soldados. "Hange mandou isso?"
ㅤㅤㅤㅤ"Sim, para a prisioneira," o soldado confirmou, hesitante, como se não soubesse se o seu superior seria contra a ideia de alimentar a mulher, talvez temendo algum tipo de reprimenda que não veio.
ㅤㅤㅤㅤ"Tudo bem. Você pode ir agora."
ㅤㅤㅤㅤCom um aceno respeitoso, o garoto se virou e subiu as escadas, agora com mais ímpeto do que havia descido, como se estivesse correndo para a superfície depois de sufocar. O ar do porão era realmente sufocante, mas não é como se Levi não tivesse acostumado.
ㅤㅤㅤㅤCom comida em mãos, o capitão retornou até à frente da cela de Sakura ainda deitada, encarando o teto. Os olhos dela encontraram os seus quando notou a aproximação dele, mas não se demoraram muito antes de descerem até à bandeja que ele segurava. Ela se sentou no exato instante, como se não esperasse algo assim. Pelo que eles haviam observado no dia anterior, a mulher chegou em casa há dois dias, passou o dia todo dormindo, e então a madrugada toda em viagem até Trost. Não houve tempo para comer, o que era preocupante para alguém que foi obrigada a se afastar em uma licença por anemia — ele supunha, já que nunca precisou se importar com esse tipo de coisa. Levi não teria reparado nisso, mas conte com Hange para pensar nos detalhes que os outros simplesmente deixariam passar.
ㅤㅤㅤㅤ"Hange mandou para você," explicou mesmo que a situação não pedisse. Embora não conseguisse encontrar um bom motivo para isso, a perspectiva de Sakura pensar que ele tinha arranjado isso era maçante.
ㅤㅤㅤㅤAlguém poderia dizer ser uma necessidade de manter uma postura fria e distante, incapaz de gentilezas, porém, ele simplesmente tinha coisas mais importantes para zelar do que fazer a manutenção de uma imagem como aquela. Não valia a pena pensar sobre isso também. Quando percebeu que ela ainda estava sentada no exato lugar, o soldado mudou o peso da perna, impaciente.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu não vou ficar aqui o dia todo, garota. Pegue isso antes que eu faça você precisar comer do chão." E o aviso foi o suficiente para fazê-la se mover com pressa até lá murmurando um pedido de desculpas e pegar a comida pela pequena fresta na grade que parecia ter sido feita exatamente para isso, com cuidado para não derrubar tudo.
ㅤㅤㅤㅤ"Obrigada," Sakura murmurou antes de retornar ao assento na cama, os olhos na vasilha e a voz não muito mais alta que um sussurro, mas chegou aos ouvidos de Levi, que torceu o nariz diante do agradecimento, sem responder.
ㅤㅤㅤㅤEla realmente via tanta necessidade em manter a polidez mesmo estando presa em uma cela nojenta como aquela? Ou era só uma tentativa de conseguir empatia? Se fosse o segundo caso, ela havia escolhido o pior alvo possível para tal. Ainda que Hange e Erwin concordassem que era baixa a probabilidade dessa mulher ser uma inimiga e que eles deveriam pelo menos tentar um acordo, era o trabalho de dele manter ressalvas. Ele era o dissidente, a pessoa que deveria discordar de uma decisão unânime para evitar uma escolha precipitada. Desempenhou esse papel quando estavam considerando adicionar Eren ao Reconhecimento, e desempenhava mais uma vez agora.
ㅤㅤㅤㅤSakura não era a Titã Fêmea como ele próprio havia visto com os próprios olhos, e a investigação sobre o passado de Annie Leonhart, Reiner Braun e Berthold Hoover não mostrava qualquer relação entre eles e a Haruno, porém, isso só significava que ela não era aliada deles, não provava a inocência dela e muito menos dava garantias de que não era uma espiã. Os fatos eram: uma forasteira surgiu pela primeira vez, do completo nada, na 57ª Expedição além da Muralha Rose e com habilidades sobre-humanas, se infiltrou entre as fileiras deles bem debaixo dos seus narizes e estabeleceu um disfarce que enganou o conselho médico em menos de uma semana, conseguindo um trabalho que permitia acesso a informações privilegiadas, desde acesso às documentações restritas até contato com pessoas do alto escalão da Polícia Militar. Não havia ninguém que Levi conhecesse, entre militares e criminosos, conseguisse fazer tanto em tão pouco. Talvez não houvesse ninguém dentro das muralhas que tivesse sequer um feito próximo disso sem usar de recursos ou de contatos, e isso, sim, era toda a prova que ele precisava para saber que não deveriam confiar nela.
ㅤㅤㅤㅤ"Onde eu devo deixar isso?" A voz da prisioneira interrompeu os pensamentos dele, o fazendo realmente focar na figura dela que agora estava segurando apenas um tabuleiro vazio.
ㅤㅤㅤㅤ"Tanto faz. Alguém vai vir buscar uma hora ou outra."
ㅤㅤㅤㅤ"Certo..."
ㅤㅤㅤㅤAo ser colocada no chão, som do metal da bandeja arranhando a pedra ecoou pelo calabouço, irrompendo o silêncio mórbido que insistia em pairar entre eles. Isso já estava começando a incomodá-la, tudo isso, a deixando em dúvida se até uma conversa desconfortável ou conflituosa não seria melhor que isso. Ela se ajeitou na cama, ainda sentada, incomodada com a sensação de estar sendo vigiada o tempo todo, avaliada constantemente. Eram poucas as pessoas que conseguiam a deixar daquela forma sem dizer uma única palavra, entretanto, Levi parecia um especialista nisso. Mesmo depois de alguns minutos, quando decidiu conferir, na esperança de que talvez ele tivesse encontrado outra coisa para encara, o homem permanecia a observando — direta e atentamente, pôde dizer pela forma como as sobrancelhas de franziram mais do que antes estavam, como se a questionasse.
ㅤㅤㅤㅤ"Você realmente leva a sério essa coisa de ficar de olho em mim, não é?" Sakura comentou, um tanto sem graça, tentando fazer alguma piada com isso, aliviar o clima ou qualquer coisa como isso, mas não funcionou. Na verdade, pareceu servir apenas piorar o humor dele... deduziu em um suspiro.
ㅤㅤㅤㅤMais um longo momento de quietude se instaurou, tão calados ao ponto dos passos e conversas do andar de cima se tornarem pouco audíveis, apesar dos metros de pedras os separando da superfície. Para suportar a espera, a Haruno decidiu simplesmente brincar com os dedos sobre o colo. Aquilo tudo estava começando a parecer uma perda de tempo, enquanto ela precisava encontrar uma maneira de voltar para casa, encontrar Sasuke e ter certeza que ele estava bem antes de socar a cara dele por tê-la mandado para aquele lugar, sozinha. Se perguntou se as coisas teriam sido diferentes se eles não tivessem aquela discussão antes da missão, se tivessem se preparado melhor, ou se ela nem sequer tivesse enviado a carta, para começo de conversa. A resposta era que provavelmente sim, ela não estaria naquela situação se tivesse sido mais madura e meramente escolhesse superar aqueles sentimentos idiotas, fora do prazo de validade. Se agisse como uma adulta da idade dela, se escutasse os conselhos de Ino sobre deixar para lá, agora estaria de volta ao hospital, de volta a sua rotina que, embora cansativa, não era arriscado.
ㅤㅤㅤㅤE se nunca mais voltasse? Se ficasse ali para sempre? Ela não gostava da perspectiva, mas sabia que não poderia apenas ignorara a possibilidade porque era mais confortável assim. Lidar com o que tinha em mãos e fazer de tudo para alcançar o melhor possível, era isso parte do trabalho de uma kunoichi e de uma médica. Contudo, se o destino dela fosse ficar presa naquele lugar, o que seria fazer o melhor possível? Pelo que lutaria? Conformismo não era algo do seu feitio, porém, sendo sincera consigo mesma, não tinha nada naquelas muralhas para ela, e aparentemente também não tinha nada para ninguém fora delas. Havia os que dispunham pelo que almejar lá dentro, havia os que dispunham pelo que lutar no exterior — liberdade, para eles e para as pessoas que sequer sonham com isso —, e Sakura não era nenhum deles.
ㅤㅤㅤㅤEra apenas uma forasteira em terras desconhecidas.
ㅤㅤㅤㅤSem perspectiva de retorno.
ㅤㅤㅤㅤO cicio de resignação enquanto esfregava as têmporas foi o primeiro som que a mulher fez após minutos silenciosos, e mesmo na luz fraca do porão, era possível ver um ar de resignação no rosto dela. Haviam poucas pessoas tão expressivas assim; em alguns momentos, se você prestasse atenção o suficiente, dava para praticamente saber o que se passava na sua cabeça só de olhar para ela, como um livro aberto, e pelo menos isso não era um enigma, comparado todo o resto que a cercava, o que dava alguma sensação de controle. Infelizmente, isso não era o suficiente. Ele não gostava de ter mais perguntas do que respostas e era exatamente esse o caso.
ㅤㅤㅤㅤ"Qual é a sua, afinal?" Levi finalmente decidiu questionar, se afastando da parede onde estava encostado antes de apoiar uma das mãos nas barras das grades, os dedos firmes em torno de uma delas.
ㅤㅤㅤㅤAo perceber o olhar confuso e até surpreso dela, ele resmungou em impaciência, se arrependendo de começar aquela conversa. Agora que a merda já tinha sido feita, só restava ser mais específico e esperar por uma resposta satisfatória.
ㅤㅤㅤㅤ"É como Hange disse: você ajudou os feridos do Reconhecimento naquela expedição e depois no hospital. Se tivesse ficado na sua e feito apenas o que uma enfermeira normal é capaz de fazer, nunca teríamos pegado você," explicou, as palavras saindo secas e acusatórias, os nós dos dedos dele se embranquecendo com a força que estava apertando a barra. "Você não é burra, é? Pelo menos aquele seu documento diz que você é exatamente o oposto disso, então porque cometer um erro desses de propósito e arriscar? Porque todos os seus passos até agora me levam a acreditar que, na verdade, você está exatamente onde queria."
ㅤㅤㅤㅤSakura não respondeu porque sabia que ele estava certo. Sabia que era arriscado agir da forma que agiu, e ainda que tenha sido apenas acaso o fato do Reconhecimento ter ido buscar tratamento médico em Ehrmich, sabia que isso poderia acabar acontecendo hora ou outra. Ela arriscou, e agora estava em uma cela por causa disso, sendo acusada, sem sequer poder questionar a linha de raciocínio dele, porque não havia erro nenhum ali. Se ela fosse uma inimiga que queria se aproximar deles como uma aliada em potencial ou sequer apenas chegar perto o suficiente das pessoas realmente importantes, os manipular e se deixar ser capturar e dar essa sensação de controle e autoconfiança seria o plano ideal, então tentar negar ou ficar na defensiva seria o pior a se fazer com alguém como ele.
ㅤㅤㅤㅤSer honesta sobre os pensamentos dela, mesmo ciente de que não o convenceria, era o único caminho.
ㅤㅤㅤㅤ"Boa parte dos feridos naquele dia eram apenas crianças, e a maioria não sobreviveria até o hospital." Os olhos dela estavam no chão, como se conseguisse ver a cena ali, as palavras soando com o peso que o capitão não poderia negar ser verdadeiro. Quando subiu a cabeça e o encarou, a voz dela se tornou mais alta, não como uma ordem, mais como uma súplica. "Daquela carroça, quantos deles morreram?"
ㅤㅤㅤㅤEle não disse nada por um momento, tentando ver através das palavras dela, procurando algum sinal de mentira ou manipulação, mas não tinha nada além de culpa amarga e impotência. Era o tipo de coisa que reconhecia bem em si próprio, e só por isso cedeu à pergunta dela.
ㅤㅤㅤㅤ"Pouco mais de um terço."
ㅤㅤㅤㅤLevi esperava algum ar de alívio no rosto dela, afinal, ter aquela resposta significava que ela tinha conseguido salvar pelos menos algumas vidas, só que o que viu foi o oposto, seguido de uma conclusão auto recriminatória. Era mais do que ela havia estimado, então? Ou ela teria a mesma reação não importasse o número? Não importava, Sakura não deu a resposta que ele queria.
ㅤㅤㅤㅤ"Você desviou do assunto," insistiu, impaciente. "Posso assumir que está tudo acontecendo do jeito que você quer? Ou você tem mais alguma desculpa esfarrapada sobre altruísmo para dar?"
ㅤㅤㅤㅤ"Não importa o que eu diga, o pior sobre mim sempre será a sua convicção." A resposta veio rápida e resoluta, porém, no fundo era pura resignação e frustração contida; e ela já não estava mais olhando para ele. Segundos despois, uma risada anasalada escapou dos lábios dela, como se tivesse encontrado algum humor amargo na suposição dele, murmurando para si mesma, "quem faria todo esse teatro apenas para isso? Sinceramente..."
ㅤㅤㅤㅤDiante do comentário sarcástico, uma onda de irritação passou sobre ele antes de ser contida com um firme cerrar de dentes e o forte aperto na barra. Essa mulher... para onde tinha ido todo aquele comportamento educado e submisso de minutos atrás? Sim, ele achava aquela complacência inicial ridícula e enervante, entretanto, essa nova postura passiva-agressiva dela era simplesmente insuportável. Ela esperava o quê? Que seria simplesmente recebida de braços abertos depois de se embrenhar entre os soldados dele, usurpando a aparência de uma companheira morta e ter tomado todas as atitudes suspeitas desde o começo? Na verdade, sequer importava o rumo que a mulher seguiu ou não, só o fato dela ser uma forasteira era motivo o suficiente para ser considerada um risco em potencial.
ㅤㅤㅤㅤApesar do fervor interno, a única mudança no rosto dele foi um ligeiro estreitar de olhos antes de se afastar da grade e voltar a posição dele, encostado na parede oposta.
ㅤㅤㅤㅤ"Você é de fora das muralhas, e nas últimas vezes que lidamos com alguém do exterior, quase fomos exterminados, então perdoe o meu ceticismo quanto as suas intenções, doutora." Embora a expressão dele pouco tenha mudado, o deboche estava claro não só no tom severo da voz como também nas escolhas de cada palavras. Os braços cruzados e as barras de ferro apenas deixando ainda mais notável a distância entre eles, em todos os sentidos, e Levi parecia confortável em salientar isso ainda mais. "Não é só a nossa vida que está em jogo aqui, e eu não gosto de apostas, principalmente quando se trata do futuro da humanidade."
ㅤㅤㅤㅤ"Está falando de Trost..."
ㅤㅤㅤㅤ"Trost, Shiganshina, Stohess e o sudeste da Muralha Rose duas semanas atrás." pontuou categoricamente antes de parar um momento, a mão direita dele numerando cada um dos últimos eventos. "Mas você deve saber de tudo isso, já que esteve revirando a biblioteca nacional de cabo a rabo e foi vista perto do QG da Polícia Militar algumas vezes nos últimos dias, enquanto se escondia feito rato."
ㅤㅤㅤㅤAs palavras dele ecoaram no silêncio que se seguiu, a franqueza indelicada provando o que se propunha: evidenciar o quão pouco confiável Sakura era, pelo menos, o motivo pelo qual estava sendo mantida em uma cela no porão, e não em um dos quartos do segundo andar do quartel. Ela nunca tentou dizer o contrário, no entanto, sequer se opôs às algemas ou ao fato de estar sempre sob a vigia de Levi. Confiança nunca foi o que pediu; o que a frustrava era o fato de ele sequer considerar realmente ouvir o que tinha a dizer. Ele queria uma confissão, que admitisse ter as intenções as nocentes que ele suspeitava que tivesse. Ele preferia provar um ponto do que se permitir cogitar a possibilidade de estar errado, ainda que estar errado seja uma boa notícia naquela situação, porque afinal, ela não seria uma inimiga. O motivo disso? Talvez fosse orgulho, no fim das contas.
ㅤㅤㅤㅤDe qualquer forma, responder seria energia gasta à-toa, e ainda havia a chance de o capitão fazer mais e mais perguntas até chegar no ponto que ela queria evitar — o motivo dela ter fugido para começo de conversa. Seria ridículo para alguém com o currículo dela admitir que ficou perturbada com a forma nada amistosa que se conheceram.
ㅤㅤㅤㅤ"Você vai ficar quieta então?" ele insistiu, uma sobrancelha se erguida provocação. "O que aconteceu com aquela sua língua afiada? Engasgou com ela?"
ㅤㅤㅤㅤA mulher não respondeu; apenas continuou a encarar algum ponto à frente, deixando a mostra apenas a parte do perfil do rosto dela que não estava sendo coberta pela franja tingida.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu só estou cansada e com dor de cabeça. Sinto muito se o insultei."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu tenho cara de quem se importa se está cansada? Isso não é um hotel, e, caso não tenha reparado, você não é um convidado," ele tornou secamente e com um ar de sarcasmo, embora não estivesse vendo diversão alguma ali. "Sobre a sua dor de cabeça, talvez você pense duas vezes antes de beber o bar inteiro na próxima."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu agradeço o seu conselho sobre o que fazer da minha vida. Vou lembrar disso caso eu vá parar em outro mundo que não seja o meu e sinta saudade de casa de novo." O tom passivo-agressivo voltou apenas por um momento enquanto ela tentava administrar o quão bem-sucedida estava sendo aquela provocação dele.
ㅤㅤㅤㅤ"Essa história maluca outra vez? Você realmente espera que eu acredite nisso?"
ㅤㅤㅤㅤO som de passos descendo a escadaria do porão, no entanto, interrompeu a Haruno antes que ela pudesse dar a resposta que queria sair pela garganta sem a sua permissão. Eram passos rápidos e animados, sem medo de escorregar no limo dos degraus. Levi continuou observando a mulher que continuava encarando chão até que Hange surgisse no campo de visão dele, no início do corredor, e logo atrás estava outro soldado, algum novo recruta que não conhecia. A cientista ajeitou a postura para algo que deveria ser mais sério e responsável, profissional até, mas que ainda deixava escapar a ansiedade que estava por vir, e o capitão não precisou ouvir o que tinha a dizer para saber da decisão de Erwin.
ㅤㅤㅤㅤCom as algemas em mãos, Levi abriu a cela, movimento que chamou a atenção de Sakura, que prontamente se levantou e estendeu as mãos para frente, esperando ter os punhos contidos novamente.
ㅤㅤㅤㅤ"Não. De costas." A ordem dele veio ríspida e seca, e Hange esperava do lado de fora, as mãos nervosas ocupadas sob os braços cruzados. Ao notar a hesitação da prisioneira, ele a pegou pelo ombro e a virou, buscando os braços dela e prendendo os grilhões mais apertados do que o necessário, vendo como os dedos dela se fecharam para conter o incômodo.
ㅤㅤㅤㅤ"Para onde vocês estão me levando?" ela pergunta, olhando para a Zoë, que parecia entusiasmada demais para comentar qualquer coisa sobre a abordagem nada amistosa do colega.
ㅤㅤㅤㅤ"O Erwin a chamou," a cientista explicou, ajeitando os óculos no rosto, uma forma de ocupar as mãos. "O Comandante do Reconhecimento, lembra? Ele falou que quer conversar com você."
ㅤㅤㅤㅤA kunoichi moveu os punhos, tentando encontrar uma posição mais confortável, apenas para sentir uma das mãos do capitão a impedindo de fazer isso antes de empurrá-la para fora da cela. "De onde eu venho, não é muito educado algemar a pessoa quem convidou para uma conversa."
ㅤㅤㅤㅤ"Diferenças culturais, eu acho," Levi retrucou ao guiá-la pelo corredor até as escadas, ouvindo um resmungo frustrado da prisioneira em seguida. Rindo de maneira contida, Hange tomou a frente, alternando entre se virar para Sakura e dar meia volta, quase escorregando nos degraus. O soldado novato ficou para trás, no entanto, organizando a cela antes ocupada.
ㅤㅤㅤㅤAs luzes fracas dos lampiões logo deram lugar ao sol do fim da manhã que escapava pelas primeiras janelas. O quartel agora estava mais movimentando do que mais cedo, e isso significava mais olhares curiosos sobre o trio que perambulava até o quarto do comandante. Mais cumprimentos foram dirigidos a Levi e Hange, que eram respondidos apenas pela segunda. A mão do homem continuava firme segurando os elos da corrente das algemas, restringindo mais o já o pouco conforto que tinha — a pele dela com toda certeza ficaria marcada, mas uma linha vermelha nos pulsos era o menor dos problemas dela agora.
ㅤㅤㅤㅤUma conversa com o comandante.
ㅤㅤㅤㅤEsse era o desafio no qual ela deveria se concentrar.
ㅤㅤㅤㅤHouve mais um lance de escada a ser subido, e a Haruno procurava nos arredores qualquer pista sobre o que a aguardava mais adiante, porém não havia muito o que notar além de olhares curiosos e a euforia mal contida no silêncio forçado de Hange, o que não dizia muito, afinal, a Haruno não a conhecia o suficiente para dizer que tipo de assunto a deixava naquele estado. Ela tentou virar para trás, encontrar alguma pista no comportamento de Levi, mesmo sabendo que ele era severo o suficiente para deixar qualquer coisa escapar. Como esperava, tudo o que recebeu foi um olhar duro e, mais para baixo, um estranho favorecimento a perna esquerda enquanto subia os degraus. Ele estava ferido? Desde quando? Sendo uma médica habilidosa, não era do feitio de Sakura deixar escapar esse tipo de detalhe. A forma como andava, falava de semanas lidando com o incômodo, constatou. De qualquer forma, não era nisso que deveria focar agora.
ㅤㅤㅤㅤ"Pra frente, ou você vai acabar caindo de cara no chão."
ㅤㅤㅤㅤO homem tinha razão, e se isso acontecesse, a sua intuição dizia que ele não a seguraria. Ela voltou para frente, terminando de subir os degraus que culminavam em duas seções de corredores. Hange virou para a esquerda, e ele a forçou seguir o igual caminho com a mesma falta de delicadeza de sempre. As paredes naquele lugar eram todas iguais: brancas, janelas cruas na parede externa, e retratos e paisagens pintados a óleo na parede interna. Ao contrário do QG da Polícia Militar, ali não havia cortinas bonitas ou tapetes vermelhos para proteger o chão de madeira, e embora de esteja tudo bem conservado, era notável a diferença de verba entre as duas divisões.
ㅤㅤㅤㅤEles pararam em frente a porta de uma das salas no fim do corredor do segundo piso, e Levi não pareceu se importar em bater à porta; apenas entrou puxando a suspeita junto a ele e a posicionando poucos passos à frente. A Zoë seguiu logo depois, parando ao lado do colega. Era um quarto pequeno, porém limpo e organizado. Havia alguns móveis de madeira simples e bem cuidados e uma cortina longa, pesada e simples amarrada para não atrapalhar a mobilidade do cômodo. No centro, uma cama de solteiro e um homem recostado sobre. Ele estava mais corado com as bochechas mais cheias que o estado quase cadavérico de dias atrás — o braço amputado ainda enfaixado com bandagens, mas não parecia haver nenhum tipo de sangramento, indicando que provavelmente a fase de cicatrização vinha avançando bem. As olheiras eram menos evidentes e a barba estava por fazer, porém, Sakura o reconheceu facilmente: Erwin Smith, Comandante da Divisão de Reconhecimento e paciente na mesa de cirurgia dela outrora. Ela interrompeu a curta verificação, um costume que tinha com os pacientes dela. Mesmo que Erwin não seja um, pelo menos não agora, hábitos às vezes eram fortes demais para evitar. Com a chegada dela e dos outros, no entanto, o Smith encerrou a conversa que estava tendo com um soldado que a Haruno não conhecia e ajeitou a postura dele como pôde.
ㅤㅤㅤㅤIndependentemente do estado debilitado, o homem a analisou com um olhar entre a curiosidade, o interesse e a cautela; não era como Levi e nem como Hange a observaram até agora. Não se sentia vista como uma ameaça ou uma nova cobaia a ser testada. Não. Os olhos dele não transmitiam nada além de uma finalidade prática e impessoal, como se estivesse avaliando uma ferramenta, um potencial recurso. Não era o tipo de posição que Sakura gostava de ser posta por outras pessoas, principalmente por estranhos, mas ela relevou o incômodo, mantendo em mente de que apesar de inoportuno, era sinal de que havia uma chance de negociação, uma barganha. Era o que precisava agora, uma abertura para negociar a sua liberdade. Seria muito mais fácil se concentrar na investigação se não tivesse que se preocupar em fugir e se esconder o tempo todo, afinal.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu não esperava que você fosse tão pequena," Erwin fala pela primeira vez desde que ela chegou, o tom de voz cordial, quase leve, desmentindo toda a tensão que parecia existir na sala segundos atrás e muito diferente do que esperava para alguém na posição dela. A pergunta, sobretudo, era estranha e parecia deslocada. Ele estava se referindo a ela ser esguia?
ㅤㅤㅤㅤHange conteve uma pequena risada que tentou escapar pelo nariz dela, o que fez a kunoichi ficar atordoada por um momento, desviando o olhar do Smith por um momento antes de retornar, tentando entender o ponto onde ele tinha tentado chegar com um comentário daqueles. Levi, no entanto, não esboçou nenhuma reação além de fazer um sinal repreensivo para a cientista.
ㅤㅤㅤㅤ"Perdão?" Sakura indaga, quase cobrando algum tipo de explicação e, novamente, a movimentação do homem deitado na cama a frente dela chamou a sua atenção. O documento que ele ergueu até altura dos olhos era a sua identificaçã ninja, e os olhos do comandante passaram pelas informações com o costume de quem já tinha lido aquilo algumas vezes e estava apenas conferindo algo.
ㅤㅤㅤㅤ"Uma garota como você conseguiu enganar os meus melhores e mais experientes soldados e, pelo que eu ouvi falar de você..." o homem comentou ainda concentrado no papel diante dele. "Esperava que ao menos fosse mais velha."
ㅤㅤㅤㅤNão que fosse uma surpresa, contudo, ainda era impressionante que uma pessoa ainda em estado de recuperando após uma cirurgia tão complicada estivesse tão bem informada sobre a situação dela mesmo com tantos outros problemas e situações para lidar e, além disso, se sentisse apto a participar ativamente das tomadas de decisão envolvendo todos esses aspectos. Era louvável, sim, mas ela não conseguia deixar de se perguntar se Erwin era apenas muito comprometido com as responsabilidades de comandante, ou se a situação estava ainda pior do que imaginava, ao ponto de ele simplesmente não ter a opção de repousar em licença.
ㅤㅤㅤㅤ"Sakura Haruno. É o seu nome, certo?" A mulher afirmou com a cabeça, em silêncio, esperando o que viria a seguir, a apreensão tomando conta do cenário. "Você é a segunda pessoa em pouco mais de três meses que coloca a humanidade em posição de coação. Cometemos uma falha: permitimos que um forasteiro entrasse nas muralhas e se misturasse ao nosso povo, e tivemos sorte disso tudo não ter terminado em mais um desastre. Entregar você a Polícia Militar seria o mais sensato a se fazer, e dessa forma poderíamos negociar, com o Premiere e o rei, a situação crítica na qual o Reconhecimento se encontra."
ㅤㅤㅤㅤQuando terminou a leitura dele e retornou o olhar para a Haruno, ela estava encarando algum ponto abaixo do rosto dele, a expressão obscurecida com a percepção. Ela sabia o que aquele homem estava tentando fazer: ele queria a rebaixar à posição de desvantagem e colocar a si próprio como o crupiê do jogo, reduzir o poder de negociação dela, a controlar, e embora Sakura saiba que aquilo não passava de manipulação, uma jogada suja para obter vantagem; mesmo que soubesse que aquelas pessoas não conseguiriam a manter presa se decidisse escapar, a perspectiva colocada pelo Smith era amarga, além de culminar num cenário de eterna fuga que ela queria evitar ao máximo. Era um blefe, sim, uma tentativa de a fazer concordar com os termos dele sem questionar, e independente de no fim das contas fosse o intuito dela aceitar a proposta, seguir essa linha discussão seria desvantajoso para ela.
ㅤㅤㅤㅤ"Hange me contou toda a história sobre como você foi parar no meio da nossa expedição, e sendo sincero, duvido que alguém acredite nisso. Até segunda ordem, você seria considerada apenas uma lunática, e quando a Polícia Militar descobrisse o que você pode fazer, você seria dissecada viva." O Smith continuou, o tom dele cada vez mais obscuro que o segundo anterior, o documento dela descansando sobre os lençóis. "Como você deve ter notado, não é um panorama agradável e..."
ㅤㅤㅤㅤ"Tem razão. Eu não estou numa posição favorável," A Haruno o interrompeu de repente, erguendo a cabeça e tirando a franja da frente do rosto dela com um sopro. "Mas eu também não diria que o quadro em que o Reconhecimento se encontra seja muito melhor."
ㅤㅤㅤㅤSakura sentiu o aperto de Levi aumentar nas algemas dela, um sinal para ficar quieta, só que ela não se calaria e simplesmente deixaria os outros colocarem as cartas do destino dela na mesa quando ainda poderia fazer algo sobre isso.
ㅤㅤㅤㅤ"Como o senhor bem-disse, o Reconhecimento deixou um forasteiro se infiltrar nas muralhas. Tentar me usar como objeto de barganha em uma negociação não vai render mais que uma compensação por esse erro."
ㅤㅤㅤㅤ"E quem falou que vamos admitir esse erro?" o capitão pergunta atrás dela, o tom quase debochado. "Podemos simplesmente dizer que descobrimos mais um espião durante a investigação sobre a Titã Fêmea."
ㅤㅤㅤㅤ"Seria a minha palavra contra a de vocês," Ela virou o rosto e respondeu no mesmo instante, apenas para receber uma risada anasalada do homem e um revirar de olhos.
ㅤㅤㅤㅤ"Uma espiã estrangeira ou o comandante de uma das três Divisões Militares?" A pergunta foi retórica, querendo demonstrar como a afirmação dela era fraca. "Pensa que eles vão acreditar em quem? Em você? Acha que tem tanta credibilidade assim?"
ㅤㅤㅤㅤ"A Polícia Militar não se importará com a minha credibilidade se eu der a eles o pretexto perfeito para manchar ainda mais a imagem do Reconhecimento. Diante do fracasso da última expedição e o resultado ambíguo da operação em Stohess, considerando o seu estado de saúde precário, senhor Smith, a acusação de ter deixado um espião entrar bem sob dos seus narizes pode ser mais um passo em direção a extinção da sua divisão, ou, se tiverem má sorte o suficiente, o passo final."
ㅤㅤㅤㅤAs palavras dela pairaram no ar um momento antes de Sakura sentir o pulso dela doer ainda mais, mas agora Levi não parecia estar fazendo de propósito e sim um reflexo pela tensão do momento. Não era exatamente um segredo que as pessoas da Muralha Sinna tinha péssimas opiniões sobre a Tropa de Exploração, no entanto, aparentemente nenhum deles esperava que ela argumentasse, exceto pelo comandante, que era para quem olhava agora. A expressão no rosto dele era séria, não demonstrando nada do que se passava na sua mente. O silêncio perdurou por mais de um minuto, enquanto o comandante parecia considerar o que a estrangeira havia dito.
ㅤㅤㅤㅤSakura tinha razão, claro, a situação do Reconhecimento era delicada. Erwin esperava uma réplica, considerando o pouco que sabia sobre a mulher, contudo, o tom audacioso e até feroz somado à argumentação dela foi uma surpresa. Ela não estava desarmada de repertório sobre a política local, provando que a investigação dela sobre as muralhas e tudo o que envolvia os titãs e os militares havia sido muito mais que útil para além do disfarce. Mesmo numa situação de desvantagem, a garota não recuou. O comandante poderia ter considerado mais um obstáculo para lidar, só que ele era mais inteligente que isso. Como Levi havia dito há alguns dias, era imprudente dar um voto de confiança para essa mulher, e o caminho mais seguro seria colocar uma coleira nela, bem como haviam feito com Eren. Ter controle sobre alguém com habilidades como essa, a possibilidade de o conhecimento dessas técnicas serem repassadas a longo prazo... eles não dependeriam mais dos poderes dos titãs como dependem hoje, e o seu sonho de descobrir a verdade sobre aquelas muralhas e sobre o mundo estaria ainda mais perto.
ㅤㅤㅤㅤIsso teria sido mais fácil se aquele documento sobre a cama dele não estivesse tão preciso quanto ao intelecto e as capacidades de negociação dela. Pressioná-la a aceitar um acordo coercitivo já não era uma realidade, e ainda que a tentativa tenha sido em vão, eles não poderiam simplesmente não ter tentado a sorte. A situação agora, entretanto, era longe da ideal, e a única chance de uma aliança era mais horizontal do que poderiam arriscar com uma desconhecida inteligente e poderosa o suficiente para se tornar um problema ainda maior caso acabe se voltando contra eles. Além disso, o que eles poderiam oferecer que fosse bom o suficiente para comprar a lealdade dela? E se o ponto de Levi estivesse certo e tudo o que ela estava esperando era uma oportunidade de para chegar perto de Eren? Ainda que fosse pouco provável — dada as boas oportunidades que teve para isso —, a cautela era válida.
ㅤㅤㅤㅤEra um impasse.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu entendo a posição de vocês. Não podem confiar em mim, mas também não podem me manter presa ou notificar a Polícia Militar," Sakura quebrou o silêncio seguido de uma intensa reflexão, recuando da postura combativa anterior quando percebeu haver sido o bastante. "Vocês não precisam de mim para falar o óbvio, afinal, sabem disso melhor do que ninguém. Eu só queria evitar que perdessem tempo e energia tentando coagir a mim. Mesmo que não fosse um blefe e eles não questionassem sobre como consegui me infiltrar, eu não teria problemas em fugir e me esconder."
ㅤㅤㅤㅤ"Então por que não foge agora?" Erwin questiona, de maneira séria, porém, curiosa. Ele então apontou para a janela. "Está aberta. Tudo o que temos aqui são três soldados e um moribundo aleijado. Não parece ser um problema para você, se for verdade o que Levi me contou. Tudo o que precisaria fazer é chegar em um lugar movimentado e se disfarçar como fez no hospital. Nunca mais a encontraríamos."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu sei. Cogitei a ideia caso a minha integridade fosse ameaçada, mas não diga que são apenas vocês quatro. Há mais dois homens armados cercando a porta deste quarto, e pelo menos cinco outros em posição no telhado acima de nós," ela replicou indicando de maneira geral a localização dos soldados com um leve inclinar de cabeça.
ㅤㅤㅤㅤOs dedos dela já estavam ficando dormentes por conta do aperto ainda firme nas algemas, e capitão parecia cada vez menos disposto a aliviar. Hange continuava estranhamente animada, perto da porta, apenas observando a situação com olhos atentos, e Sakura já podia imaginar os tipos de perguntas que estavam na cabeça da mulher. Com um suspiro cansado, ela retornou à atenção para o comandante ainda recostado sobre a cama.
ㅤㅤㅤㅤ"Você está certo, no entanto. Eu poderia fugir agora, mas não farei isso, salvo em último caso," continuou a falar em seguida, aproveitando a oportunidade de ter alguém realmente disposto a ouvi-la. "Foi um desafio administrar o disfarce no hospital, as investigações sobre o que aconteceu comigo e com o meu parceiro e me informar sobre a situação local, e na época vocês nem suspeitavam da minha existência. Seria impossível fazer o mesmo agora que sabem sobre mim, e duvido que simplesmente ignorariam se eu fugisse. Estou errada?"
ㅤㅤㅤㅤ"Não."
ㅤㅤㅤㅤ"Que bom que concordamos em algo, pelo menos. Pode ser um bom ponto de partida." Sorriu mínima e educadamente, apesar da situação. "Sei que a intenção de me trazer até aqui era a de conseguir uma concessão forçada, mas eu não me sujeitaria a isso porque também sei que as implicações afetariam negativamente os meus objetivos e talvez até a minha dignidade e segurança."
ㅤㅤㅤㅤ"Trouxe ótimos pontos, senhorita Haruno, só que, como você mesma falou, não podemos confiar em alguém de quem não temos certeza sobre as intenções dele ou cuja as capacidades nem sequer entendemos," o Smith contrapôs, se ajeitando lentamente para ficar mais ereto sobre a cama, alguns suspiros de esforço escapando apesar da tentativa de contê-los. "Isso nos coloca em um impasse, pois um acordo coercitivo não é viável e eu entendo os seus motivos, porém também não podemos cogitar uma aliança justa quando não temos garantias de que você não é uma inimiga. Suas palavras são bonitas, mas não passam de palavras no fim das contas."
ㅤㅤㅤㅤ"Então realmente estamos em uma sinuca de bico." Ela concordou, por fim. "A não ser que eu prove valer o risco."
ㅤㅤㅤㅤ"O que você quer dizer com isso?" Depois de tanto tempo quieto, Levi finalmente se prenunciou quando percebeu que Erwin cogitava as palavras dela.
ㅤㅤㅤㅤSakura ficou em silêncio, se concentrando em não gemer de dor quando as algemas apertaram ainda mais, fechando os olhos enquanto que mordia os lábios. Ele tinha pelo menos noção da força que estava usando? Parecia de propósito.
ㅤㅤㅤㅤ"Pega leve com a moça." No exato instante, o capitão relutantemente acatou a ordem, soltando as algemas da mão dele e contendo a mulher pelo cotovelo, a mantendo no lugar quando o alívio pareceu tomá-la. Com um rumor satisfeito, continuou. "Sinta-se à vontade para falar, contudo, não posso dar garantias a você."
ㅤㅤㅤㅤ"Não se preocupe. Não é o tipo de informação que seja do meu interesse, então não é como se eu tivesse algo a perder. Foi só algo em que acabei tropeçando durante as minhas investigações no QG da Polícia Militar, mas acho que vocês deveriam saber." A Haruno respondeu seguido de alguns segundos, testando a mobilidade das mãos que formigavam com o sangue que retornava a circular enquanto organizava as palavras na mente dela. O silêncio ficou suspenso na sala, e ela podia sentir os olhares de todos sobre si, a pressionando para continuar. "Eles descobriram sobre a relação entre vocês e o Pastor Nick e planejam extinguir a Divisão de Reconhecimento, no entanto, não podem agir até que saibam onde vocês estão escondendo Eren Yeager. Enviaram grupos de busca por todo o território da Muralha Rose e, até dois dias atrás, não haviam encontrado nada. Assim que eles encontrarem o esconderijo, vão matar o informante de vocês, cessar forçadamente as atividades de divisão e pedirão a custódia de Eren. Todos aqueles que se recusarem a obedecer serão considerados foragidos e condenados por deserção."
ㅤㅤㅤㅤEsperou alguma resposta, ou pelo menos alguma contestação exigindo pela veracidade dos fatos, porém, diante do silêncio, parecia que eles estavam simplesmente assimilando as palavras dela, como se já suspeitassem de uma conspiração desse nível e Sakura tivesse apenas feito o favor de dar a confirmação que precisavam. Até Hange, que se manteve ansiosa do início ao fim agora exibia uma expressão sombriamente firme.
ㅤㅤㅤㅤ"Você descobriu mais alguma coisa além disso, senhorita?" Erwin finalmente questiona, apenas para receber uma negativa como resposta.
ㅤㅤㅤㅤ"É como eu disse, descobri por acaso. Nunca tive interesse em me envolver nos conflitos desse lugar, e esses nomes... bem não é como se significassem algo para mim. Eu nunca tinha os ouvido antes," a kunoichi explicou de maneira pensativa, então uma memória veio à mente dela. Naquela vez, quando havia a torturado, ele havia falado sobre um deles. "Na verdade, eu ouvi no dia em que fui parar naquela floresta. O senhor Levi comentou algo sobre Eren ficar fedendo a titã quando me confundiu com a Titã Fêmea, se não me engano. Se eu tivesse que adivinhar, diria que esse Eren é capaz de se transformar em titã e, se eu estiver certa, é a mesma pessoa sobre quem a Polícia Militar estava falando."
ㅤㅤㅤㅤ"E você está apenas supondo tudo isso?" O questionamento sarcástico soou às costas dela, e o moreno não parecia muito convencido da história.
ㅤㅤㅤㅤ"Sim, estou. Aceito críticas se eu estiver errada," ela declarou de maneira educada, todavia, admitia que não conseguiu evitar a escolha de palavras. Pelo amor de Deus! Que idiota ouviria duas vezes o mesmo nome em duas situações relacionadas e chegaria à conclusão de que eram pessoas diferentes? Seria ingenuidade demais pensar ser coincidência.
ㅤㅤㅤㅤ"Você não está." Erwin interrompeu a troca com um tom calmo, mas crítico. "De qualquer forma, não é como se isso fosse um segredo. Quando obtivemos a custódia de Eren, a manchete circulou por todas as muralhas, na época."
ㅤㅤㅤㅤO comandante ficou reflexivo por mais alguns segundos, os olhos dele alternando entre Sakura, Levi e o documento de identificação estrangeiro novamente entre os seus dedos. A sala ficou pesada como silêncio e a expectativa que se seguiram, contudo, todos esperaram da maneira mais paciente possível por uma decisão. Gostaria de ter mais tempo para avaliar a situação, porém, com a confirmação de que a Polícia Militar estava de fato tramando contra o Reconhecimento, as coisas se tornaram mais urgentes.
ㅤㅤㅤㅤRecapitulando todos os eventos até então, essa mulher havia aparecido pela primeira vez durante a 57ª Expedição e, segundo o relatório do próprio Levi, ela já estava com feridas e roupas avariadas antes de se enfrentarem, incluindo principalmente rasgos feitos por lâminas. Isso corroborava com a história que Hange havia contado sobre a Haruno estar em um combate antes de desmaiar e acordar na floresta, pois, se a garota tivesse enfrentado qualquer outro grupo de soldados antes daquilo, ele teria outros relatos sobre a presença de uma desconhecida durante a missão. Ela se escondeu entre os soldados na carroça da enfermaria para não ser reconhecida, e seguiu no caminho de volta com eles pois estava perdida. Desde então, Sakura simplesmente desapareceu e não tiveram mais contato ou qualquer incidente relacionado a ela, até o dia da suposta violação da Muralha Rose, quando o próprio Erwin foi submetido a uma cirurgia.
ㅤㅤㅤㅤExceto pelo disfarce em si, as pesquisas na biblioteca e a vigilância sobre a Polícia Militar, a estrangeira não havia feito nada que provasse ser uma inimiga da humanidade, não estando ligada com Annie Leonhart, pelo menos. Ela nunca tentou se aproximar do Reconhecimento ou de Eren, mesmo quando teve a chance no hospital. Pelo que soube por Hange, enquanto ele se recuperava da cirurgia daquele dia, Sakura passou o plantão seguinte fazendo de tudo para tratar dos soldados feridos. E agora havia simplesmente cedido uma informação valiosa para eles com uma facilidade que evidenciava a falta de interesse nos conflitos do Reconhecimento, apenas por uma chance ínfima de acordo. Ainda que ela estivesse mentindo e tudo não passasse de um cenário perfeitamente montado, ainda seria melhor tê-la sob as vistas deles do que se escondendo pôr aí. Além disso, com a confirmação de que um complô estava sendo preparado, eles não teriam como se preocupar com a Haruno se fugisse.
ㅤㅤㅤㅤQuando a estrangeira entrou naquele quarto, Erwin pretendia encurralá-la para aceitar um trato injusto, mas agora quem via as paredes se fechando em torno de si próprio era o comandante.
ㅤㅤㅤㅤ"Você é boa, eu admito," o Smith fala por fim, um sorriso amargo enfeitando as feições cansadas e resignadas. "Torço para que você não seja nossa inimiga, porque se você for, acabei de decidir pelo o fim da humanidade."
ㅤㅤㅤㅤPor um momento, Sakura pensou que Erwin estivesse se referindo ao perigo que representava, e a ideia de ter o acuado a fez se repreender, afinal, não era esse o tipo de relação que queria estabelecer com seus possíveis aliados — receio e temor. Contudo a profundidade das palavras dele a atingiram, e ela entendeu. Não era sobre ela, era sobre tudo. Diante de uma sucessão de crises, se o Reconhecimento fosse extinto, a humanidade não resistiria ao próximo ataque como o de Trost, e isso foi mais aterrador do que a primeira conclusão que havia chegado instantes atrás. Ela não era uma ameaça, entretanto, se fosse um erro estar ali, todas aquelas pessoas morreriam por causa dela.
ㅤㅤㅤㅤO som do metal e um resmungo relutante a tirou do estado de torpor em que estava, e, livre, as mãos dela penderem ao lado do corpo, as marcas vermelhas das algemas que não estavam mais ali permaneceram, no entanto. A mulher levou mais alguns segundos para se estabilizar, e só então percebeu que não estava mais presa e que Levi não estava mais atrás dela a vigiando como um carcereiro. Ela agradeceu, mas as palavras mal saíram da boca.
ㅤㅤㅤㅤ"Quais são as suas condições, senhorita Haruno?" Erwin a chamou, encontrando os olhos verdes atordoados, como se a realização da mulher havia caído sobre ela como uma tonelada de tijolos. Não era o tipo de reação que um espião teria ao dar um passo mais perto em direção ao objetivo, e isso era um bom sinal. Ainda assim, ele tinha pressa em resolver esse assunto e se preparar para o que estava por vir, então continuou a falar, tentando trazer Sakura de volta a razão. "Imagino que queira continuar com as suas investigações sobre o seu paradeiro. Não teremos problemas com isso, desde que não contrarie os interesses da humanidade."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu entendo," anuiu, agora um pouco mais firmemente, os olhos mais focados. Ela limpou a garganta e finalmente massageou os pulsos, algo que normalmente teria feito no exato momento em que foi liberta, se não tivesse sido pega de surpresa com a percepção de que havia se envolvido em algo mais complicado do que esperava. "Seria bom se eu pudesse investigar a floresta onde eu apareci... talvez tenha alguma pista ou..."
ㅤㅤㅤㅤ"Receio que isso terá que esperar. Não é um bom momento para o Reconhecimento, e não podemos nos dar ao luxo de fazermos expedições para uma investigação particular. Espero que entenda isso também." Ele vetou diplomaticamente, mas sem deixar espaço para contestações. "No entanto, se nos ajudar a superar essa crise e a recuperar o território da Muralha Maria, você poderá investigar a região quando quiser. O que podemos oferecer agora é abrigo, recursos para investigações e pesquisas internas, tempo livre e espaço seguro para realizar as suas atividades."
ㅤㅤㅤㅤ"Em troca da minha subordinação," ela completou em um tom mais baixo, avaliativo.
ㅤㅤㅤㅤNão era um acordo ruim, ainda que a parte de se submeter a pessoas que não conhecia não soasse tão bem. E se descobrisse uma forma de voltar para casa? Ou melhor dizendo... e se estivesse presa naquele lugar pelo resto da vida? Como ficaria este acordo? Isso não era uma situação de urgência para eles, em comparação ao restante. Na verdade, talvez fosse até mais benéfico para aquelas pessoas se ela não conseguisse voltar para o lugar de onde veio. Sakura não se surpreenderia se descobrisse que eles torcem por isso. Mas era um ponto importante para si. Ela precisava voltar para a sua vida, completar a missão, saber se Sasuke estava vivo... e pedir desculpas pelo que havia dito naquela noite.
ㅤㅤㅤㅤTudo isso parecia fútil quando comparado a seriedade da situação da humanidade naquele mundo que fazia o peito dela doer em culpa, se repreendendo por ter pensamentos tão egoístas. Levi havia a questionado sobre o motivo ter arriscado o disfarce dela se destacando tanto entre as enfermeiras e a desafiou dar uma resposta que não tivesse a ver com altruísmo, provavelmente porque ele não acreditaria. E ele estaria certo em não o fazer, porque não foi altruísmo, não no fundo. Era culpa, mesmo sabendo que não tinha responsabilidade alguma sobre o estado daqueles pacientes. Era culpa porque queria não estar presa naquele lugar, com aquelas pessoas, longe de onde sabia pertencer.
ㅤㅤㅤㅤ"E então? Qual a sua resposta?" o comandante instigou, a voz dele mais distante do que realmente estava.
ㅤㅤㅤㅤ"Tudo bem. É justo."
ㅤㅤㅤㅤAntes que o comandante pudesse articular qualquer resposta, Hange pulou de onde estava, abraçando a mulher pelos ombros, os olhos castanhos brilhando em curiosidade, cega demais pelo entusiasmo para notar em como verdes estavam foscos em resignação.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu posso ver como você cura as pessoas?" a cientista inquiriu coma voz embargada de euforia, porém, a emoção não tocou como deveria. Ela não notou, de qualquer forma, procurando algo na sala antes de apontar para o comandante recostado da cama. "O que acha de curar o Erwin? Como você fez com o Levi!"
ㅤㅤㅤㅤ"Você está sugerindo usar o comandante como cobaia. Eu ouvi bem?" o capitão questiona de onde estava, os braços cruzados sobre o peito, ainda vigiando Sakura como tinha feito durante toda a manhã, ainda que tecnicamente eles fossem aliados agora. Ele confiava no julgamento do parceiro e superior, mas isso não significava ter que confiar nela por consequência. Ainda assim, ao contrário do que ele esperava, ela não parecia realizada agora. "Há dois minutos essa garota era uma prisioneira, Quatro-olhos."
ㅤㅤㅤㅤ"Só que agora não é mais!" a Zoë respondeu cantado, sem esperar o consentimento da Haruno para a arrastar até o lado direito da cama da cobaia em questão. "Além disso, pode ser mais uma prova de boa-fé, certo, Erwin? O que acha?"
ㅤㅤㅤㅤUma risada anasalada escapou do homem ao se render a ideia. "É, eu acho que não faria mal se esse ferimento saísse cicatrizado hoje."
ㅤㅤㅤㅤ"Inacreditável..."
ㅤㅤㅤㅤ"Espera! Eu vou tirar as ataduras! Quero ver em detalhes!" a cientista exclamou, arquitetando mentalmente todo o plano de ação, as mãos ansiosas com dedos inquietos. Então ela olhou para o imediato do comandante que estava em silêncio desde que chegaram. "Você! Chama o Moblit! Eu vou precisar de registros ilustrados!"
ㅤㅤㅤㅤSakura não disse nada, apenas esperou Hange fazer o que precisava enquanto tentava recuperar a própria postura. Ela não conseguia evitar pensamentos assim, e ficavam mais frequentes quando estava cansada. A movimentação no quarto aumentou, alguém saindo, Erwin tirando parte da camisa, expondo o braço direito amputado e enfaixado, que em minutos se tornou apenas um monte de pele suturada e com crostas de sangue seco. Se concentrar nisso era o melhor que poderia fazer para não pensar besteira, então não pode deixar de fazer observações mentais sobre o quão bem higienizada aquela ferida estava. Mais algum tempo se passou, e alguém entrou. Ela o reconheceu como o subordinado de Hange, o homem que guiava a carroça na viagem até Trost. Ele parecia um pouco desorientado, provavelmente surpreso com a rápida mudança de cenário, mas logo se recuperou e se colocou ao lado da cama, preparado com uma prancheta e lápis em mãos.
ㅤㅤㅤㅤ"Quando você quiser!" a cientista indicou com excitação, dividida entre dar o espaço que a mulher precisava para alcançar o Smith e a vontade de ver tudo o mais de perto possível. Quando Sakura deu um passo à frente, Moblit puxou sua superior para trás antes de voltar a ficar atento, o lápis já trabalhando em um esboço sobre o estado atual do ferimento.
ㅤㅤㅤㅤDo canto mais distante, o capitão observava a cena com uma expressão emburrada. Aquilo era auge do ridículo: a estrangeira se preparando para tratar o comandante, Hange e Moblit se espremendo para encontrar um bom ponto de vista a medida em que o próprio comandante cedia a curiosidade e se inclinava um pouco para frente. Ela chama aquilo de técnica, contudo, para Levi, era bruxaria — mesmo sendo a pessoa mais cética que alguém pudesse conhecer. Ele soube que a "cura" começou quando a Zoë soltou um grito de surpresa. Era de se esperar, considerando que ninguém ali havia de fato visto as habilidades de cura além de dele próprio. Não é todo dia que aparece alguém capaz de emanar luzes verdes que curam das mãos, certo? Não nas muralhas. E é obvio que a Zoë não perderia a primeira oportunidade de ver por si mesma.
ㅤㅤㅤㅤApesar das perguntas sendo feitas nos ouvidos dela, a Haruno permaneceu concentrada na tarefa; olhos focados, os cabelos previamente presos em um rabo de cavalo teimando soltar alguns fios que caíam sobre o rosto. Em determinado momento, ela fez uma curta pausa, usando outra técnica para remover as linhas da sutura com a cicatrização muito mais avançada que há apenas alguns minutos, retornando ao processo de cura em seguida.
ㅤㅤㅤㅤ"Isso é incrível..." A cientista tornou a dizer segurando o braço do Smith, agora que o procedimento havia acabado e Sakura já se afastava. Não havia nada além de uma pequena cicatriz dos pontos antigos.
ㅤㅤㅤㅤ"De fato, impressionante." Erwin concordou um tanto cansado, mas o tom tão impessoal quanto ao próprio estado como se estivesse falando do membro amputado de outra pessoa. "Se importaria em explicar como funciona exatamente?"
ㅤㅤㅤㅤ"Seria uma longa explicação, e o senhor precisa descansar. Esse tipo de habilidade consome muito da energia do paciente," ela enunciou enquanto apoiava discretamente o próprio corpo no móvel mais próximo. "Recomendo também que continue com o braço enfaixado por mais algumas semanas. Seria suspeito se o senhor simplesmente aparecesse curado da noite para o dia."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu não tinha pensado nisso..." Hange admitiu para si mesma, momentaneamente reflexiva — porém, apenas momentaneamente. "Caramba eu tenho tantas perguntas!"
ㅤㅤㅤㅤO capitão ignorou o comportamento da colega que agora conversava com Moblit sobre as anotações feitas e apenas seguiu até à cama do comandante. Ele estava tentando enfaixar o braço sozinho com a única mão e falhava miseravelmente. Era lamentável. Sem pedir permissão, apenas tirou as bandagens da mão de Erwin e, antes de começar a enfaixar, analisou a pele cicatrizada do que alguns minutos atrás era um ferimento nojento. Ele já havia visto a mulher curando a si mesma de lesões tão graves quanto no dia em que se encontraram, entretanto, era ainda mais impressionante ver de perto.
ㅤㅤㅤㅤ"Obrigado."
ㅤㅤㅤㅤNão houve resposta. Em vez disso, o capitão se manteve focado no trabalho presente, já que Hange simplesmente abandonou o próprio comandante em prol do que chamava de curiosidade científica.
ㅤㅤㅤㅤ"Você tem certeza disso?" ele pergunta após de dar o último nó e ajudar o outro com a manga da camisa e os botões. "Aquela mulher não é confiável."
ㅤㅤㅤㅤO comandante suspirou, ciente de que não tardaria até ser questionado sobre o assunto. Ele não tinha como dizer que Levi estava errado, no entanto.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu sei. Mas não temos opção e precisamos de toda a ajuda possível, ainda que essa ajuda pareça vir de um conto de fadas." Erwin olhou para Sakura no canto do quarto, que não estava mais apoiada no móvel, apenas massageando os punhos ainda machucados. O rosto estava pálido, quase doente. "Ela não parece muito bem."
ㅤㅤㅤㅤO soldado seguiu o olhar dele antes de torcer o nariz quando percebeu de quem estavam falando. "No hospital disseram que ela foi afastada por causa de uma anemia. Deve ser isso."
ㅤㅤㅤㅤO outro não se convenceu da explicação. "Não parece ser só isso. Por que ficar massageando as marcas nos pulsos quando pode apenas curá-los como fez com o meu braço?"
ㅤㅤㅤㅤ"Eu deveria me importar?" Diante da pergunta, tudo o que recebeu foi um olhar reprovador. Tudo bem, ele deveria pelo menos considerar investigar mais sobre, agora que estrangeira era aliada, contudo, não queria lidar com lições de moral, principalmente se viesse da pessoa que menos se importava com moral naquela sala. "Já que tudo está sob controle agora, eu vou voltar para o meu esquadrão antes que aqueles pirralhos destruam a casa. Boa sorte com a sua médica mágica."
ㅤㅤㅤㅤO Smith observou Levi se afastar calmamente com as mãos nos bolsos das calças, o pé esquerdo ainda sendo favorecido por conta da lesão na última expedição. Ele desviou olhar para a Haruno, avaliando a situação. Deixá-la em Trost seria um problema para esconder a identidade dela podendo atrair atenção indesejada; além do que, ela não poderia seguir com as investigações dela livremente em um ambiente tão vigiado. Mesmo que isso fosse trazer alguma desavença com o capitão, a melhor decisão seria tirá-la do QG o mais rápido possível. Mesmo que fosse um risco deixá-la se aproximar de Eren dada a confiança ainda não completamente estabelecida, essa era a forma mais segura de cumprir com o lado deles do acordo. Não que Erwin se importassem em honrar acordos. O que ele mais havia feito nos últimos anos como comandante foi agir por debaixo dos panos quando pelo bem da humanidade. No entanto, eles precisavam da cooperação da ninja. Além disso, o soldado mais forte da humanidade seria a pessoa mais competente para lidar com os problemas caso as coisas saíssem de controle.
ㅤㅤㅤㅤ"Na verdade..." Essa simples frase foi o suficiente para fazê-lo reter seus passos, e dado o contexto, ele já conseguia imaginar o que estava por vir. "..., ela irá com você."
ㅤㅤㅤㅤA Haruno ergueu os olhos até Levi instantaneamente, surpresa pela decisão repentina. Ir... com ele? Conhecendo bem a si mesma, lidar com o escrutínio constante, as provocações e confrontamentos seria demais para um dia. Tudo o que queria era poder descansar em algum canto. E ainda havia o fato das suas coisas terem sido apreendidas. Quando tornou a se fixar em Erwin, soube que não havia como se opor. Ela havia acordado subordinação, afinal.
ㅤㅤㅤㅤ"E eu também!" Hange diz no momento seguinte, se voluntariando para o trabalho, mas foi prontamente impedida pelo comandante.
ㅤㅤㅤㅤ"Não. Você precisa cuidar situação do Pastor Nick. Se o que a senhorita Haruno contou for verdade, a Polícia Militar irá tentar matá-lo mais cedo ou mais tarde. E ainda há a investigação na vila Ragako." Ele passou os olhos da Zoë para o capitão novamente, e pela expressão no rosto do soldado, ele não estava muito feliz com a ordem, ainda que fosse cumpri-la. "Um dos membros do seu esquadrão é de lá. Connie, não é? Envie-o em três dias. Hange terá resolvido as pendências da Igreja das Muralhas até lá. Assim que tudo estiver resolvido, faremos uma visita para acertar os detalhes desse acordo. Gostaríamos de uma demonstração das suas habilidades também, senhorita Haruno."
ㅤㅤㅤㅤ"E quanto ao treinamento do Eren?" Moblit fez uma pergunta válida, erguendo a mão com a caneta como se pedisse permissão para falar.
ㅤㅤㅤㅤ"Vamos adiar por hora. Tem olhos demais sobre nós, e a fumaça da decomposição do titã do Eren vai entregar a localização do esconderijo." Erwin instruiu por fim, não tendo muita dificuldade em rearranjar o cronograma do Reconhecimento. "E, Levi... quando for pegar o seu equipamento de volta, leve um extra. Vou pedir para alguém abastecer uma carroça com tudo o que vai precisar para hospedar a nossa nova parceira."
ㅤㅤㅤㅤO soldado cerrou as mãos, mas assentiu perante as instruções. "Entendido." Novamente ele olhou para uma Sakura indecisa sobre o que fazer — ou ela estava gostando da situação tanto quanto ele próprio. "Não fica para aí. Vamos."
ㅤㅤㅤㅤSem esperar, ele saiu pela porta usando um pouco mais de força do que o necessário, fazendo os soldados armados do outro lado se sobressaltarem um momento. Levi não se justificou, apenas seguiu rumo às escadas do saguão com o intuito de chegar ao arsenal, ouvindo os passos apressados e hesitantes da mulher lutando para acompanhá-lo.
ㅤㅤㅤㅤNão havia mais pássaros cantando em Trost desde o último ataque, e sol que entrava pelas janelas indicava o início de uma tarde ardente, incomum para aquela época do ano. O outono no Sul costumava ser mais frio, quase agradável, contudo, esse hoje era um dia excepcional, aparentemente. Um dia quente só serviria para tornar a viagem ainda mais desconfortável, tanto por conta calor escaldando a pele dele quanto pelo cheiro podre que permeava aquelas muralhas se tornando mais intenso e sufocante. Olhando para o passado, ele havia sido muito ingênuo ao acreditar que a superfície seria menos claustrofóbica e fétida do que o subterrâneo. Na verdade, o odor só fazia piorar à medida que eles se aproximavam de Mitras, e era irônico, até poético lembrar ser lá que a riqueza se concentrava. Talvez fosse só o olfato dele, afinal, Levi nunca havia ouvido alguém além dele comentar algo parecido. De qualquer forma, faziam anos desde a última vez que ele realmente havia ido para fora das muralhas. Lá, sim, o ar era puro e, apesar da ameaça dos titãs, havia liberdade real.
ㅤㅤㅤㅤOs olhos dele pararam em Sakura, ainda atrás dele, quase se escondendo dos soldados que ficavam a encarando a cada passo — provavelmente porque era uma civil o acompanhando, ou talvez o rumor sobre uma prisioneira já estivesse se espalhado o suficiente desde que eles entraram pela porta da frente do QG àquela manhã. Se considerasse a hipótese dessa mulher realmente não ser uma inimiga, diante de tudo o que ela aparentemente podia fazer, talvez ele tivesse uma chance de voltar para o lado de fora das muralhas, certo? Não que ele não acreditasse no potencial de Eren, entretanto, havia uma diferença muito grande entre o que o garoto sabia sobre os próprios poderes e o que ela sabia sobre as próprias técnicas. Não obstante, a perspectiva de a humanidade depender de alguém que dizia ser de outro mundo... bem, isso soava tão ruim quanto depender do poder de um titã. E ainda teria que suportar a companhia dela por horas até o esconderijo.
ㅤㅤㅤㅤÓtimo...
ㅤㅤㅤㅤ"A onde estamos indo?" Ele a ouviu perguntar mais atrás quando seguiram um caminho diferente da saída principal. Ainda com a excepcional falta de paciência dele naquele dia, Levi não poderia simplesmente ignorá-la. Não agora que a garota estava praticamente incluída como membro extraoficial no esquadrão dele.
ㅤㅤㅤㅤ"Para o arsenal," o capitão expôs de maneira seca, apontando para o fim do corredor que se dividia entre a saída do campo de treinamento e outro caminho. "Erwin disse para pegar um DMT extra. Deve ser para você."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu não sei usar, bem... essa coisa." A voz dela saiu um pouco hesitante, mas parecia bem decidida ao apontar o óbvio.
ㅤㅤㅤㅤ"Você não é inteligente?" ele contestou sarcástico, virando o rosto para ela apenas por um momento. "Aprender não deve ser um desafio para você."
ㅤㅤㅤㅤAs palavras eram grosseiras e tinham a intenção de ofender, claro, e ainda que estejam cumprindo bem com o seu objetivo, Sakura não dignificaria a provocação. Ela preferiu se concentrar em acompanhar as passadas rápidas e impacientes do capitão, ignorando tudo ao redor, incluindo os murmúrios alheios e os olhares desconfiados que recebia dos soldados por quem passavam.
ㅤㅤㅤㅤMais alguns metros, e eles passaram pelo campo de treinamento, algumas fileiras treinando luta corpo a corpo e desarmamento. Cada dupla repetia o mesmo movimento de novo e de novo, como se fosse uma receita de bolo e não algo que precisa de uma rápida e certeira análise de cenário para definir o melhor curso de ação. E se o chão estiver instável? Há mais de um único oponente? Você é mais fraco? Ou talvez esteja chovendo ou escuro. Se a vida deles dependessem do que estava sendo repassado ali, com toda certeza não sobrariam muitos para contar a história. Porém, não era problema dela, era? O que ela poderia fazer? Agora? Nada.
ㅤㅤㅤㅤ"Eu não vou esperar por você," Levi avisou mais a frente, quando percebeu que a mulher havia ficado para trás depois de desacelerar, distraída com a sessão de treino.
ㅤㅤㅤㅤEla rapidamente recuperou a distância, se desculpando mais uma vez naquele dia por algo insignificante, e ambos entraram no próximo prédio, este menor e menos opulento que o edifício principal. Havia o caminho para os estábulos e provavelmente o que deveria ser os dormitórios e vestiários. Eles seguiram para o lado contrário, passando pela lavanderia e chegando no armazém, os olhos dela passando pela pobre ala que Erwin tinha a coragem de chamar de enfermaria. Sakura não pareceu ter nada a comentar sobre, como sobre qualquer coisa naquele lugar — apesar de a expressão dela dizer tudo o que ele precisava saber.
ㅤㅤㅤㅤ"É aqui. Entre."
ㅤㅤㅤㅤA ordem soou prática e curta, a porta pesada rangendo ao ser aberta e revelando um espaço amplo e mal iluminado cheio de armários e prateleira. Moblit havia levado os equipamentos de Levi e de Hange para lá logo que chegaram, adiantando o reabastecimento e a manutenção que deveria ser feita de tempos em tempos. Os DMTs em questão estavam perfeitamente limpos e alinhados sobre a bancada com uma etiqueta indicando os seus respectivos donos. Provavelmente o mecânico havia deixado ali, já que cada soldado geralmente guardava os próprios equipamentos nos dormitórios. Com movimentos praticados de quem lidava com o dispositivo todos os dias, conferiu peça a peça, procurando por qualquer arranhão fora do lugar. Estava em ordem, o capitão concluiu antes de prender o DMT às costas e as manoplas nos coldres sob os braços após conferir todos os gatilhos.
ㅤㅤㅤㅤQuando ele se virou para procurar pela mulher, ela parecia bastante distraída observando os arredores de perto, os dedos passando pela madeira das prateleiras com os equipamentos extras, sem tocá-los, como se soubesse que a repreenderia se tentasse. Ele a olhou de cima a baixo: a camisa simples, a saia gasta e suja depois da fuga para o hospital, mocassins simples nos pés. Era confortável, mas não ideal para o uso do DMT. Pelo menos ela não parecia prestes desmaiar, como há alguns minutos — mesmo que ainda estivesse um pouco pálida.
ㅤㅤㅤㅤ"Você está usando alguma coisa por baixo dessa saia?" Levi questiona, procurando os arreios na gaveta ao lado.
ㅤㅤㅤㅤ"P-perdão?" Sakura diz num sobressalto, cobrindo a boca com uma das mãos enquanto as bochechas dela coravam.
ㅤㅤㅤㅤ"Perguntei se está usando algo por baixo da saia," repetiu, agora olhando para a mulher, contudo, isso não pareceu ter melhorado a situação, então ele esclareceu. "Algo decente. Um par de calças, por exemplo, como o que você usava na floresta."
ㅤㅤㅤㅤEla não estava entendendo o objetivo da pergunta, e responder parecia ainda mais constrangedor quando percebeu que deveria ser algo pragmático, dado a quem estava inquirindo. Respondeu por fim, desviando o olhar para um canto qualquer, negando com a cabeça. "Apenas... roupas íntimas."
ㅤㅤㅤㅤCom um suspiro e um conjunto de arreios novos em mãos, Levi saiu fazendo o caminho de volta até à lavanderia ouvindo alguns segundos depois passos atrás dele; Sakura levando apenas um momento para entender que deveria segui-lo. Quando eles entraram no local em questão, os soldados trabalhando lá o cumprimentaram com palavras curtas e postura ereta. Não levou muito tempo para que encontrasse a pilha de roupas secas, revirando os tecidos com as mãos protegidas por um lenço, sabendo que provavelmente não estavam tão limpas quanto gostaria. Ele também não teve muito pudor ao tirar as roupas íntimas do caminho, nem mesmo as claramente femininas, até que encontrasse um par de calças do uniforme que caberia na Haruno.
ㅤㅤㅤㅤO capitão voltou para onde Sakura estava, olhando para os pés de todos os soldados possível, comparando o tamanho das botas com os pés dela. A jovem que estava esfregando os lençóis parecia usar o par ideal.
ㅤㅤㅤㅤ"Ei, garota." A soldado em questão se espantar ao ser chamada por ele, mas logo se virou e foi até o superior, os olhos dela brilhando com o medo de ter feito algo errado — todos sabiam o quanto Levi poderia ser exigente com a limpeza. No entanto, o que ele falou a deixou ainda mais surpresa. "Tire os sapatos."
ㅤㅤㅤㅤA moça olhou para os colegas ao redor, como se perguntasse se eles sabiam o que estava acontecendo, entretanto, apesar da falta de respostas, ela decidiu não desobedecer e tirou as botas, se apoiando na pia atrás dela para equilibrar-se, as meias nos pés dela molhando no mesmo instante em que tocavam o chão molhado do cômodo antes de entregar o par ao superior.
ㅤㅤㅤㅤ"Podem voltar ao trabalho," ele instruiu ao sair da lavanderia com a Haruno no seu encalço e retornou ao arsenal, sabendo que estaria vazio. Sem mais palavras, entregou o conjunto que havia conseguido e a deixou sozinha lá dentro. "Avise quando terminar."
ㅤㅤㅤㅤA kunoichi olhou para as roupas e arreios nos braços dela e depois para a porta do cômodo se fechando pesadamente, um pouco atônita com a situação. Deveria vestir aquilo, certo? Mas por quê? E a principal dúvida: como? Havia tantas fivelas e cintos naquele arreamento que ela não sabia nem por onde começar. Com um suspiro, decidiu pelas roupas. Pelo que viu de Levi, Hange e os outros soldados, não dava para usar aqueles cintos todos com uma saia... independente da conclusão óbvia, não estava muito confortável com a situação — uma sala cheia de equipamentos e armas que ela não conhecia podia ser bem incômodo. Com um suspiro de conformidade, Sakura começou pelos mocassins, os retirando, o gelado do piso de pedra atravessando as meias dela. Então teve a saia. Com uma profunda inspiração, desabotoou o cós acinturado e deixou o tecido cair pelas pernas e não demorou muito antes de vestir as calças, um pouco mais longas do que deveriam e com folgas no quadril, a cor branca fazendo pouco para evitar quaisquer manchas. Então havia os arreios e as botas... o que deveria vestir agora? Pedir ajuda não é uma opção..., todavia, ele provavelmente entraria de novo sem avisar quando notasse a demora.
ㅤㅤㅤㅤSegurou o conjunto de cintos nas mãos, tentando entender qual partia vestia onde, mas era um quebra-cabeça mais difícil do que tinha imaginado. Havia a parte das costas, isso estava claro. Talvez fosse um bom ponto de partida.
ㅤㅤㅤㅤVestindo como uma mochila, a Haruno colocou a parte de metal para trás e as alças nos ombros, prendo uma das fivelas sobre o peito, abaixa das clavículas. Quando notou que a outra parte do cinto estava virada ao contrário, ela suspirou, removendo tudo vestindo outra vez. Parecia melhor agora, só que ainda não estava certo. Seria preciso usar aquilo todos os dias a partir de hoje?
ㅤㅤㅤㅤ"Tudo bem aí?" ouviu a voz de Levi abafada do lado de fora da sala e olhou para si mesma, vendo caos de cintos torcidos e mais da metade das fivelas soltas sem saber como deveria as fechar. "Não temos o dia todo."
ㅤㅤㅤㅤ"Estou chegando em algum lugar," Sakura respondeu enquanto avaliava a situação com mais otimismo, embora aquela bagunça não tivesse futuro além de acabar enforcando a si mesma caso tropeçasse em algum lugar. "Eu acho..."
ㅤㅤㅤㅤ"Você acha?" o homem pergunta, insatisfeito, se desencostando da parede e segurando a maçaneta. "Eu vou entrar."
ㅤㅤㅤㅤEle esperou alguns segundos, o suficiente para que a mulher se preparasse caso algo estivesse fora do lugar, e empurrou a porta pesada com facilidade, a madeira rangendo mais uma vez, irritando os ouvidos dele e os de qualquer um que estivesse passando. A cena diante dele era vergonhosa: descalça, os arreios invertidos, os coldres na ordem contrária, os pedais soltos, o couro dos cintos torcidos numa tentativa vã de fazer algum sentido. Sendo honesto, era mais difícil fazer daquele jeito do que da maneira certa, o que era impressionante — no pior sentido da palavra.
ㅤㅤㅤㅤ"Isso não é uma camisa de força, você sabe," ele comentou, cruzando os braços e erguendo uma das sobrancelhas. Poderia ter provocado mais, mas isso não faria as coisas se resolverem mais rápido. "Tire e comece do zero."
ㅤㅤㅤㅤ"É... ah... certo."
ㅤㅤㅤㅤSakura começou a desprender as fivelas, as mãos dela sem saber direito o que estavam fazendo. Levi não sabia dizer se ela era descoordenada daquele jeito normalmente ou se havia piorado com a presença dele. Seja qual fosse o caso, era angustiante esperar alguém que não fazia a mínima ideia do que estava fazendo. Quando ela começou mais uma vez pelo lado errado — e ele nem sabia como poderia haver tantas formas de errar algo que para si era tão básico — o soldado caminhou até ela e, sem aviso, ajeitou a peça nas costas da maneira correta, entregando as alças para serem vestidas no ombro.
ㅤㅤㅤㅤ"Isso aqui fica no quadril," ele explicou, entrelaçando o cinto espessos entre os passantes das calças do uniforme que estava vestindo e o afivelando de maneira firme para não escapar, a sobreposição do tecido de couro cobrindo até o início das coxas. Então Levi apontou para os pedais de metal. "Esses você calça antes de colocar as botas."
ㅤㅤㅤㅤA mulher seguia as instruções de forma quase mecânica, o corpo rígido pela aproximação repentina, sem dar tempo para separar o agora do que havia acontecido antes, e o fato deles estarem cercados pelos mesmos tipos de lâminas que ele usou para machucá-la naquela vez não ajudava. Mesmo assim, a Haruno tentou manter a mente focada, repetindo para si mesma o mantra de que estava tudo bem.
ㅤㅤㅤㅤ"Essas fivelas servem para ajustar o comprimento nas pernas," Agachado, favorecendo o joelho ferido, o homem continuou a demonstrar, agora puxando um dos cintos na perna para deixá-los no tamanho certo antes de seguir para os arreios das coxas e depois para os das panturrilhas. "E esses são o que mantêm tudo no lugar. Garanta sempre que estão bem presos, ou vai acabar morta."
ㅤㅤㅤㅤA parte de cima do arreamento era separado da parte de baixo, e tudo era unido pelas fivelas extras no cinto do quadril, e as alças e a placa nas costas eram firmadas pela tira abaixo da clavícula. À medida que colocava tudo no seu devido lugar, Levi explicava impacientemente cada etapa, as mãos indelicadas prendendo tudo apertado ao ponto de ser desconfortável e marcar a pele, ele sabia, mas era isso ou quebrar alguns ossos na primeira queda. Apesar do claro constrangimento que tingia as bochechas dela, Sakura focou nas instruções, ignorando os calafrios que antecediam cada toque dele. Não era o tipo de situação que ela se imaginaria dez minutos atrás: isolada em um arsenal praticamente sendo vestida como uma criança pelo mesmo homem que já a teve como objeto de vingança — era apavorante.
ㅤㅤㅤㅤ"Agora você pode calçar as botas."
ㅤㅤㅤㅤQuando ele se afastou, a Haruno soltou o fôlego que não sabia quer estava prendendo, fechando os olhos um momento para controlar a tremedeira nas mãos. Era patético, certo? Logo ela, que poderia partir aquele homem em dois, se quisesse, estar tão assustada. Ela teria rido de si mesma, se tivessem lhe contado antes de tudo isso.
ㅤㅤㅤㅤ"Esse aqui é um DMT," Levi tornou a dizer depois de alguns segundos, retornando com um dispositivo igual ao que estava preso na lombar dele e prendendo-o no suporte no fim das costas dela. Um clique metálico soou, a prova de que estava bem preso, e ainda assim tiveram mais trancas a serem fechadas para garantir que a peça não caísse durante o uso. "Essas são as manoplas. Você vai aprender usar elas mais para frente, então, por hora, as mantenha no coldre abaixo dos braços e evite tropeçar nos cabos enquanto estiver andando ou aperar esse gatilho. É o que dispara os ganchos que ficam nessa parte aqui."
ㅤㅤㅤㅤ"Entendi..." O tom era quase sussurrado a medida em que observava o dispositivo que mais parecia com a guarnição de uma espada cheia de gatilhos e alavancas antes de acomodar no portalança como informado. "Mais alguma coisa?"
ㅤㅤㅤㅤ"A última." Mais uma vez Levi tinha se afastado, agora para outra parte do cômodo onde eram armazenadas as bainhas e as lâminas. Ele organizou os conjuntos e então sinalizou para que Sakura se aproximasse. Os estojos tinham pouco mais de cinquenta centímetros, e haviam espaço para dois pares de espadas em cada um com um cilindro no topo e uma alça na metade superior. Estavam alinhadas paralelamente com um espaço entre si para que se posicionasse entre elas. Assim que o fez, o capitão, um de cada vez, colocou os ganchos das alças no DMT. "Você prende atrás do carretel do cabo de aço, e pode deixar as bainhas na vertical, ou na horizonta, quando estiver utilizando. Se ficou alguma dúvida, guarde elas para quem for ensinar você a usar essa coisa."
ㅤㅤㅤㅤO final foi uma citação provocativa a como ela havia se referido ao equipamento mais cedo que foi prontamente deixado de lado. A Haruno olhou para si mesma, os detalhes do equipamento preso ao corpo, os cintos apertando demais nas pernas e nos ombros, sem as lâminas, no entanto. Parece que, independentemente de ter firmado um acordo, Levi não confiava nela o suficiente para confiar-lhe armas.
ㅤㅤㅤㅤ"Por que me fazer vestir isso, afinal?" a pergunta escapou antes que percebesse, mas a Haruno continuou mesmo assim. "Eu já falei que não faço a mínima ideia de como usar e..."
ㅤㅤㅤㅤ"Todas as carroças e carruagens são revistados ao passar pelos portões, e como estamos indo para um esconderijo e, segundo você, a Polícia Militar está no nosso pé, provavelmente instruíram os guardas de Trost a notificar toda entrada e saída de equipamento militar," o capitão explicou antes até que pudesse terminar o questionamento, puxando do cabideiro perto da entrada duas das diversas capas sem emblema penduradas ali.
ㅤㅤㅤㅤ"Então vamos embarcar na carroça de suprimentos depois do portão interno," ela completou, entendendo a estratégia, aceitando a capa oferecida, a vestindo de forma que a cobrisse até as panturrilhas, escondendo o DMT que estava vestindo. "Como vamos passar para o outro lado? Escalando a muralha nós mesmos?"
ㅤㅤㅤㅤ"Exatamente."
ㅤㅤㅤㅤ"E quanto aos soldados que fazem patrulha?" Os capuzes foram vestidos, e agora os dois seguiam corredor afora, se dirigindo ao fim do terreno da sede, os passos firmes das botas dela e dos sapatos dele staccato contra o chão de pedra. Duas figuras encapuzadas saindo pela entrada da frente seria como anunciar uma fuga.
ㅤㅤㅤㅤ"Não se preocupe com eles. Erwin já deve estar resolvendo esse problema." Levi respondeu pela última vez antes de parar e se olhar para ela pelo canto do olho. "Seria ótimo se você só falasse o necessário a partir de agora. Teremos muito tempo para conversar quando embarcarmos na carroça."
ㅤㅤㅤㅤApesar da relutância, Sakura assentiu em silêncio, e isso o foi o sinal que ele precisava para voltar a caminhar.
***
ㅤㅤㅤㅤSair da sede pela porta dos fundos não foi difícil, e os soldados ali pareceram não se importar com o fato deles estarem encapuzados, o que fez a kunoichi se perguntar se esse tipo de situação era corriqueiro entre aqueles corredores — considerar o estado constante de crise na divisão apensa reforçava essa suposição. As ruas estavam movimentadas por conta da altura do dia, os comércios fazendo o possível para se manterem abertos depois do ataque que ainda marcavam os edifícios locais, então o capitão decidiu seguir pelas ruelas e becos interditados para evitar chamar atenção desnecessária. Ele caminhava sempre alguns passos à frente, e se mantinha alerta para manter a garota o tempo todo sob o seu radar. A esse ponto, a possibilidade de ela fugir era quase nula, mas ainda havia a chance de um ataque pelas costas.
ㅤㅤㅤㅤBlocos e blocos foram atravessados, evitando qualquer testemunha possível, e, como era de se esperar, Sakura se saiu muito bem nisso; ela havia conseguido despistar o Reconhecimento, afinal, então se manter invisível para civis comuns não era um obstáculo. O sol estava insuportável sob aquela capa, no entanto, e o suor já havia começado a escorrer pela nuca e costas deles há muito tempo. O cheiro de Trost não havia mudado muito desde a última vez que ele esteve ali: mesmo removendo os cadáveres e os vômitos de titã, o fedor persistia ao ponto de revirar o estômago; a Haruno, todavia, parecia estar lidando bem com a situação — talvez por lidar com fedores parecidos ou piores durante o trabalho como médica. Era uma coisa a ser reconhecida, ele admita.
ㅤㅤㅤㅤ"Parece que elas ficam maiores quanto mais chegamos perto..." murmurou para si mesma enquanto olhava para as muralhas imponentes sobrepujando os edifícios ao redor, fazendo-os parecer meras casinhas de boneca.
ㅤㅤㅤㅤLevi nada disse; apenas continuou seguindo a ruela até chegar a próxima e a próxima até que finalmente estivessem tão proximamente que o topo já não fosse mais visível. Ele olhou os arredores: vazios. A região onde eles estavam havia sido tão destruída durante a invasão que não havia nenhum morador em mais de meio quilômetro. Mesmo sendo meio de tarde, ninguém que estivesse longe o suficiente os notaria escalando as muralhas, e com o DMT seria ainda mais rápido. O único problema, diante da perspectiva dele, era o fato de Sakura não saber usar o dispositivo. Sim, ele sabia que ela podia se mover de maneiras sobre-humanas sem qualquer auxílio, como quando pulou para o galho de uma árvore há mais de 10 metros de altura durante a expedição em que se encontraram ou até a maneira como ela se moveu de telhado em telhado durante a perseguição em Ehrmich. Mas alcançar os 50 metros da muralha em um único salto? Dificilmente ela conseguiria fazer algo assim.
ㅤㅤㅤㅤAinda pensando na melhor forma de agir sobre isso, o soldado alinhou as bainhas horizontalmente e afastou o tecido da capa para não atrapalhar a mira dos lançadores, buscando as manoplas e conferindo uma última vez os gatilhos — agora apenas para ter mais tempo. Ele olhou para Sakura de soslaio. Ela estava mexendo nos arreios apertados, uma vã tentativa de fazê-los doer menos.
ㅤㅤㅤㅤ"Você se acostuma depois de um tempo," ele comentou, dando alguns passos para trás a fim de ter impulso o suficiente para subir. Um longo suspiro escapou pelo nariz dele quando caiu a ficha de que carregá-la era o caminho mais fácil. No entanto, em vez de Sakura estar se aproximando dele, ela estava indo até à muralha, tocando a superfície áspera com uma das mãos, concentrada em alguma coisa, analisando. "Se você está planejando escalar, desista. Não tem apoio algum para as mãos ou para os pés."
ㅤㅤㅤㅤ"Eu sei. Não é isso o que eu estou pensando," respondeu após alguns segundos, ainda pensativa.
ㅤㅤㅤㅤ"Vem. Eu carrego..." Levi começou a falar, impaciente, antes de se interromper ao vê-la colocar o primeiro pé na estrutura, empurrando algumas vezes como se verificasse a aderência. Antes que pudesse a inquerir, ela tomou um pequeno impulso e deu um passo, saindo do chão e se mantendo em pé na horizontal, como se estivesse grudada ali.
ㅤㅤㅤㅤTudo bem, isso era inesperado.
ㅤㅤㅤㅤO capuz caiu da cabeça dela, e tanto os cabelos quanto a capa e a bainha do DMT pendiam para baixo por conta da gravidade. Ela apenas deu mais alguns pequenos passos para cima, procurando ter certeza de que não iria cair. Aquela visão parecia algo saído diretamente de um sonho sem sentido, porém, não havia como negar a realidade quando estava diante dele.
ㅤㅤㅤㅤ"Acho que deu certo," A kunoichi comentou para si mesma, ao contrário de dele, completamente habituada a situação.
ㅤㅤㅤㅤUsar chakra para unir os pés a outras superfícies era o tipo de coisa que um ninja aprende ainda jovem, e depois de algum tempo, se torna algo quase inconsciente. Contudo, desde que havia chegado naquele lugar, isso requeria mais concentração, assim como qualquer coisa que envolvia lidar com elementos externos ao próprio corpo. A energia diferia, e prova disso foi quando tentou escalar aquela árvore pela primeira vez — e para melhorar, parecia a cansar mais do que normalmente faria. Desde que curou o ferimento de Erwin, o pensamento dela estava menos afiado e a energia dela estava oscilando. Era uma exaustão administrável, mas que ainda a preocupava, afinal, havia mais de um mês que estava com aqueles sintomas. Agora ela estava um pouco melhor, não obstante, tinha a sensação que essa escalada a cobraria mais tarde. Sakura verificou os próprios pés mais uma vez e logo tocou o equipamento DMT nas costas dela, pensativa. Até que descobrisse o que estava causando essa mudança no corpo dela, talvez aprender a usar aquele dispositivo seja o melhor a se fazer para acompanhar Levi e os outros, caso fosse necessário.
ㅤㅤㅤㅤQuando olhou para o capitão, pela primeira viu alguma expressão além de irritação, frieza ou apatia. Era surpresa, a boca entreaberta e as sobrancelhas erguidas antes de franzirem ao tentar entender o que estava vendo. Ele iria querer uma explicação? Lembrando da ordem para falar apenas o necessário, a Haruno supôs que não. "Tudo bem?"
ㅤㅤㅤㅤIsso o fez piscar para baixo quebrando o estado de choque, do ponto de vista dela, alguns poucos metros a cima do chão, parte do rosto coberto pelo capuz. No instante seguinte, os ganchos dele dispararam alguns palmos ao lado dela, o corpo sendo puxado pelos cabos e empurrado pelo gás, os pés dele se fixando na parede da mesma forma que ela, com a ajuda do dispositivo. "Vamos. Vejo você lá em cima."
ㅤㅤㅤㅤEntão os ganchos dispararam mais uma vez, o corpo caindo alguns centímetros antes de ser puxado par cima novamente, subindo metros e metros rapidamente, repetindo as manobras da maneira mais econômica possível. Os passos de Sakura logo chegaram aos seus ouvidos, e quando Levi olhou para o lado, lá estava ela, correndo pela parede da muralha como se fosse... como se não fosse uma parede íngreme ou como se a gravidade não a afetasse; o corpo inclinado para frente e os braços pendendo para baixo diminuindo o impacto da resistência do ar. Independente da novidade, ele se manteve focado na escalada, e segundos depois, ambos pousaram no topo completamente vazio. Erwin havia feito a parte dele.
ㅤㅤㅤㅤ"A carroça já deve estar nos esperando no ponto de encontro," ele diz, se aproximando da borda do outro lado, verificando os arredores apenas por hábito. "Imagino que você consiga descer sem ajuda."
ㅤㅤㅤㅤ"Sim, eu consigo." A resposta veio sem hesitação apesar da respiração um pouco ofegante pelo esforço. O olhar dela fez o mesmo caminho, procurando por qualquer soldado naquela área, mas não tinha ninguém. Como o capitão havia dito, não tinham com o que se preocupar, pois o comandante teria resolvido tudo. Era admirável a forma como os dois se entendiam sem esforço até quando as instruções eram tácitas, como se lessem as entrelinhas um do outro com naturalidade. Quando o Smith mandou pegar um equipamento extra e Levi concluiu ser para ela, ou na maneira como todo esse plano para sair de Trost foi formada sem que trocassem uma palavra sequer sobre o assunto. Sakura só conhecia outras duas pessoas com esse nível de sincronia, e um dos motivos era ambos serem reencarnação de dois irmãos — qual seria a razão da conexão entre esses o capitão e o comandante?
ㅤㅤㅤㅤSem mais, Sakura mergulhou muralha abaixo, e o capitão seguiu logo atrás com o DMT. Nos cinco metros seguintes, ambos desaceleraram, e independente de todo o peso extra do equipamento, ela aterrissou suavemente, os seus pés não fazendo nenhum ruido sequer, ao contrário das botas do soldado.
ㅤㅤㅤㅤ"Onde é o ponto de encontro?" a kunoichi indaga, vestindo o capuz novamente, imitando os movimentos dele.
ㅤㅤㅤㅤ"Tem uma bifurcação na estrada alguns quilômetros a frente do portão interno," explicou, os pés dele doendo só de pensar em caminhar esse tanto, afinal, eles estavam bem distantes da saída de Trost, então seriam mais algumas horas de caminhada. Quando ele olhou para a estrangeira, os olhos dela pareceram desfocar por um instante antes de piscarem e a pouca cor que a pele dela tinha recuperado na última hora simplesmente não estava mais lá. "Você tá bem?"
ㅤㅤㅤㅤA pergunta saiu antes que ele percebesse, e a sua mão estava parcialmente estendida, preparada para a segurar. Isso pareceu tê-la pegado desprevenida também, embora o rosto não tivesse sangue o suficiente sequer para corar. Ainda assim, ela assentiu, claramente uma mentira. "Eu estou bem, sim. Por quê?"
ㅤㅤㅤㅤLevi estreitou os olhos, nada convencido. Se ele tivesse que carregá-la até à carroça seria um problema. "Porque você está péssima."
ㅤㅤㅤㅤO coração dela falhou um momento, e o olhar desviou para o chão. Aquelas palavras... exatamente as mesmas, independente do contexto completamente diferente, das intenções díspares e da reação que causou nela não terem nenhuma relação, a lembrou do dia em que saiu de missão com Sasuke. Você está péssima. Da última vez, isso havia a deixado frustrada e constrangida, agora tudo o que ela sentia era uma enorme saudade e culpa por não ter resolvido as coisas antes de tudo terminar desse jeito.
ㅤㅤㅤㅤEla empurrou o sentimento para o fundo, no entanto. Pensar nisso, no entanto, não resolveria nada.
ㅤㅤㅤㅤ"Não se preocupe. Eu estou bem."
ㅤㅤㅤㅤCom isso, a Haruno começou a caminhar na direção que ela havia informado anteriormente. Alguns quilômetros a frente do portão interno do distrito sul — isso era a nordeste de onde eles estavam. Sem entender a reação dela, apenas decidiu fazer o mesmo, porém, não sem antes responder. "Não estou preocupado. Só não quero ter que arrastar você até lá feito um defunto."
ㅤㅤㅤㅤAo contrário do que disse, no entanto, Levi ficou alguns passos atrás, apenas para ter certeza de que poderia reagir caso algo acontecesse. Ele estava notando um padrão: sempre que Sakura usava alguma daquelas técnicas estranhas, ficava cansada e pálida. Foi assim no hospital quando se encontraram na recepção e também dias depois, quando a capturaram, foi assim quando curou Erwin, e agora estava acontecendo o mesmo quando havia subido as paredes — a imagem dela simplesmente correndo contrariando qualquer uma das poucas leis físicas que o soldado havia se dado ao trabalho de aprender para aprimorar o uso do DMT.
ㅤㅤㅤㅤO que mais ela poderia fazer? Era o tipo de pergunta que Hange estaria fazendo, em alto e bom som, animada a um nível assustador, mas era ele quem estava pensando isso.
ㅤㅤㅤㅤNotando o escrutínio fixo do homem sobre si, a Haruno o olhou por cima dos ombros. Ele estava focado nos pés dela, pensativo, contudo, atento. Talvez devesse dar alguma explicação agora.
ㅤㅤㅤㅤ"Sobre mais cedo, quando subimos as..."
ㅤㅤㅤㅤ"Não me importo com como você faz o que faz, só preciso saber o que você pode fazer," ele a interrompeu, agora olhando para o caminho a frente. "Guarde as suas explicações estranhas para a Quatro-Olhos. Ela vai adorar. Por enquanto, se concentre em não cair feito merda."
ㅤㅤㅤㅤSakura assentiu, voltando a atenção dela para frente. Apesar da maneira rude, Levi tinha razão: ela precisava economizar energia. Além disso, o caminho era longo e não tinham tanta água assim para desperdiçar saliva nesse calor. Com isso, em silêncio, ambos continuaram, um passo de cada vez sob o sol escaldante, a brisa quente fazendo pouco por eles. As muralhas ficaram menores e menores à medida que avançavam, e o sol aos poucos atravessou o céu. Não sabia quanto tempo levaria para que eles chegassem ao esconderijo em questão, mas tinha certeza de que aproveitaria qualquer chance de descanso até lá.
Chapter 11: Isolamento
Summary:
Chapter Text
ㅤㅤㅤO sol já estava se pondo, e o vento que vinha do Sul e os pássaros debandando denunciavam a breve chegada de uma tempestade. Todos já estavam recolhendo os seus equipamentos e os suprimentos excedentes de volta nos vagões, cansados depois de outro dia infrutífero de testes. A cada tentativa, a teoria de Hange de que o garoto poderia ter a habilidade do endurecimento ficava mais fraca, mas desistir agora não era uma opção, principalmente se a Polícia Militar continuava os perseguindo. "Amanhã é um novo dia," a Quatro Olhos dizia para a equipe no fim de cada sessão, porém essas palavras não convenciam nem a si mesma. Agora, cansado e ainda se recuperando dos últimos ferimentos ao ser removido do titã, mais magro do que ele geralmente era, Eren descansava sentado na carroça, observando a movimentação dos colegas ao lado do capitão, em silêncio.
ㅤㅤㅤArmin e Connie empilhavam os equipamentos leves, enquanto Mikasa e Sakura cuidavam do transporte pesado por conta da óbvia vantagem física em relação aos outros. Jean e Sasha, por outro lado, estavam vasculhando a área junto a Nifa e os outros a fim de garantir não haver testemunhas ou pior, espiões. A Zöe, um pouco menos empolgada, revisava as anotações de hoje com Moblit.
ㅤㅤㅤ"A Mikasa deveria tá descansando," Eren comentou depois de alguns segundos, o olhar parando sobre a garota ocupada em carregar outra caixa de cilindros de combustível para uma das carroças. "Ela foi agarrada por um titã, eu disse, mas ela é teimosa demais."
ㅤㅤㅤ"Você reclamando de teimosia?" Levi perguntou irônico, entretanto o tom dele era monótono como sempre, mais preocupado em garantir que Sakura não desaparecesse sob a supervisão deles em vez de realmente se empenhar no assunto.
ㅤㅤㅤA estrangeira ainda é uma pulga atrás da orelha dele, claro, e a aceitação dela pelo grupo ocorreu da mesma maneira lenta e desconfiada como o capitão já podia imaginar. Bem, além de toda a história nebulosa envolta nela, a aparência nada comum só contribuía para piorar essa suspeita, principalmente agora, quando a tinta avermelhada desbotou completamente e aquele rosa... exótico retornou aos cabelos da mulher. Todos pareceram querer a evitar ainda mais — exceto pelo Yeager, tão impressionado e curioso sobre ela quanto a própria Hange, fazendo perguntas infinitas sobre as habilidades dela e principalmente sobre como era o lugar de onde ela veio. Mas, se o capitão fosse sincero consigo mesmo, admitiria: as coisas estavam sendo muito semelhantes ao que já eram antes daquele acordo.
ㅤㅤㅤO novo esquadrão dele era composto por adolescentes com um grande potencial, sim, contudo continuavam sendo adolescentes, e adolescentes são... difíceis. Ter mais uma pessoa minimamente responsável mitigava boa parte do estresse dele, pois a Quatro-Olhos às vezes conseguia ser pior que os pirralhos e raramente podia contar com o bom senso dela, e, além disso, agora a cientista tinha alguém realmente disposta a ouvir horas e horas de monólogos sobre as suas invenções e teorias, mantendo assim os ouvidos dele livre daquela tortura. Apesar de ser apenas um pouco mais velha em comparação a Eren e os outros, Sakura havia se provado ser não só infinitamente mais madura e disciplinada, como bastante diligente nas atividades direcionadas a ela ou as quais se propunha a fazer, independente se fosse algo inédito. Talvez fosse por ser médica, ou melhor, chefe do departamento médico da cidade dela. Era irrelevante, desde que continuasse se desempenhando daquele jeito.
ㅤㅤㅤFato é: a mulher havia ficado desacordada durante o restante do primeiro dia em que chegou, todavia, depois disso, se encarregou do cuidado médico e treinar tanto o DMT com Jean quanto a montaria, pois ela desconhecia tudo sobre os dois principais meios de locomoção do Reconhecimento. Depois da chegada da Hange, ela também passou a auxiliar na parte da pesquisa sobre o endurecimento. Embora Levi discordasse em revelar tantas informações sensíveis para uma novata de fora, Erwin havia arriscado pela chance de conseguir resultados mais rapidamente.
ㅤㅤㅤÉ claro, ela não era toda elogios; precisava melhorar um pouco na limpeza — uma prioridade apenas dele, pelo visto.
ㅤㅤㅤ"Se preocupe com o endurecimento primeiro, depois com a Mikasa," o capitão disse por fim antes de se levantar e pular para fora do vagão, a perna esquerda latejando um pouco, mas nada impossível de administrar. O conselho, no entanto, só fez Eren suspirar e baixar a cabeça, frustrado.
ㅤㅤㅤDominar o endurecimento e usá-lo para selar o portão externo de Shiganshina. Depois disso, fazer expedições extensivas com a finalidade de exterminar e capturar os titãs dentro da Muralha Maria e finalmente reconquistar o território que há muitos anos foi tomado. Parecia simples, uma simplicidade quase ambiciosa, porém dependiam de Eren para fazê-lo. Se falhassem, o plano seria realizar diversas expedições visando estabelecer uma rota segura até Shiganshina, erguer postos de controle para transportar os materiais necessários até lá, e fazer a reparação entre o pôr e o nascer do sol, quando as ameaças ficavam dormentes. O processo seria lento, no entanto, porque a luz de lamparinas e velas eram fracas demais e não garantiriam uma boa iluminação. Dessa forma seria mais caro, e Levi estava se referindo além do dinheiro.
ㅤㅤㅤQuantas pessoas morreriam dessa forma? Quantos anos levaria? Isso se o Blindado, o Colossal e o Bestial não atacassem de novo.
ㅤㅤㅤErwin disse que o endurecimento era apenas um atalho para um mesmo objetivo, mas, no fundo, Levi sabia. É a única chance.
ㅤㅤㅤFinalmente os suprimentos foram carregados, Jean e os outros voltaram da ronda, assegurando não haver nenhum sinal de humanos há quilômetros. Todos subiram em seus cavalos, exceto Sakura, Eren e os membros do esquadrão de Hange responsáveis por guiar a carroça, e partiram. Embora desnecessário, a médica insistia em fazer uma rápida checagem no corpo do garoto usando as técnicas estranhas dela, apenas para garantir que estava tudo bem, e a irregularidade do terreno não pareceu a atrapalhar. A comandante de seção cavalgava ao lado deles, conversando com Sakura sobre os resultados obtidos e perguntando se ela havia notado alguma coisa diferente no exame em andamento, ainda que tudo ocasionalmente venha a ser documentado no relatório. Como era de se esperar, nenhuma novidade.
ㅤㅤㅤNuvens pesadas se formaram ao sul, e o vento se intensificou à medida que avançavam. A tempestade provavelmente chegaria durante a noite, no entanto, Levi ordenou que acelerassem, por precaução. Os testes costumavam acontecer há cerca de uma hora de cavalgada até o esconderijo, às vezes mais, dificultando a área de busca da Polícia Militar. A sensação de que poderiam ser descobertos era constante, apesar da retaguarda atenta para assegurar estarem sozinhos. O capitão conferiu novamente grupo, a terceira vez em menos de dois minutos. Todos estavam conversando ou distraídos pela paisagem, rindo até, entretanto ele não conseguia se permitir relaxar dessa forma, não enquanto estivessem sob ameaça, mantendo os olhos focados entre o caminho a frente e garantir que estavam bem.
ㅤㅤㅤTalvez ele jamais fosse descansar, afinal.
ㅤㅤㅤLevi não era o único a estar tenso, no entanto. Da mesma forma, Sakura se encontrava, porém o motivo das preocupações diferia, ele concluiu. Desde a chegada, ela interagia com o restante apenas o necessário; exceto por Hange, mesmo assim, o fazia sob o intuito de aprender mais sobre aquele lugar e os titãs, ciente de que a cientista era uma fonte inesgotável e incansável de conhecimento ambulante e tagarela. Estava cansado de ouvir a voz de Hange de madrugada, e por vezes encontrava as duas na sala quando a comandante de seção era expulsa do dormitório por falar demais, e a Haruno seguia atrás por falta de opção. Jean estava a auxiliando, claro, e Eren, curioso como era, a questionava sobre tudo, sendo até inconveniente a maior parte do tempo.
ㅤㅤㅤNada obstante, havia um abismo enorme entre eles e a estrangeira. E com Levi, essa distância parecia ser ainda maior. Sakura evitava ficar nos mesmos cômodos nos quais ele estava, principalmente se sozinhos, sempre arranjando alguma tarefa nova no lado oposto da propriedade. Até mesmo os relatórios diários eram entregues sorrateiramente durante a noite, por baixo da porta. Nunca conseguiu ouvir os passos dela, independentemente de estar acordado.
ㅤㅤㅤEra irritante, ainda que não devesse ser. Parte dele preferia dessa forma. Quanto menos tempo passasse perto dessa estranha, melhor. No entanto, a parte importante dizia que esse tipo de atrito só atrapalhará o grupo a longo prazo, e isso vai acabar matando alguém.
ㅤㅤㅤEle sabia que deveria trazer o assunto à tona, resolver o problema, seja qual fosse — ele é o responsável ali, afinal —, porém a teoria sempre foi mais fácil que a prática.
ㅤㅤㅤ"Estamos chegando," avisou ao restante quando avistou a cabana na linha do horizonte, cercada por algumas árvores e escondida ao pé de uma colina.
ㅤㅤㅤO grupo se aproximou na mesma rotina dos últimos dias, a retaguarda já tomando os seus postos nas guaritas improvisadas, se revezando entre os membros excedentes da equipe da Hange responsáveis pela segurança da base enquanto estavam fora. A mesma dupla que carregou os suprimentos na carroça foi responsável por guardar tudo no armazém para proteger da chuva, e Historia e Armin levaram os cavalos aos estábulos. Levi, por sua vez, foi direto para o dormitório masculino com Eren, o vendo desabar na cama, exausto. O capitão tirou o próprio equipamento e colocou ao lado da cama que ele nunca usou.
ㅤㅤㅤUm suspiro escapou pelo nariz do garoto enquanto rolava de bruços e escondia o rosto ainda marcado e magro pelas consecutivas transformações no travesseiro, a característica fumaça da regeneração titã escapando pelas laterais do rosto e dos dedos perdidos da última vez que foi retirado da carcaça. Minutos depois, quando o som metálico do DMT havia parado de soar no quarto, o colchão da cama de Eren afundou de um lado e, no momento seguinte, ele sentiu uma mão bagunçar o cabelo dele. A primeira reação dele foi uma mistura de susto e surpresa, o fazendo virar o rosto até encontrar o superior ali, quebrando o contato por consequência.
ㅤㅤㅤ"Capitão?" ele disse apenas, se levantando e se sentando na cama, contudo a pergunta estava implícita. Levi não era conhecido por ser afetuoso, nem nada sequer próximo a isso, e pela expressão no rosto dele, essa... tentativa de afago havia sido um grande esforço.
ㅤㅤㅤAntes que pudesse responder, no entanto, a porta do dormitório foi aberta novamente em um rompante, e Hange entrou no quarto como um furacão, se aproximando dos dois com uma nova energia e, dessa vez, Sakura não estava a acompanhando — algo estranho, partindo do pressuposto de que a cientista não desgrudou da médica desde que chegou de Ragako, principalmente depois de ver a cor real do cabelo dela.
ㅤㅤㅤ"E aí, Eren? Vamos conversar um pouquinho sobre hoje?" ela perguntou se sentando ao lado do colega, o empurrando um pouco para o lado no processo, e logo o puxou pelo ombro com um dos braços apenas para receber uma bufada como resposta. "Tenho boas notícias! Não as notícias que a gente esperava, mas já é alguma coisa!"
ㅤㅤㅤOs olhos do garoto se animaram pela primeira vez desde o fim do experimento, e era compreensível o motivo disso. É frustrante. Ser a esperança da humanidade é um fardo maior do que uma criança de 15 anos deveria suportar, entretanto a sorte — ou o azar — havia escolhido ele como portador da habilidade de se transformar em titã, então a única coisa que os adultos poderiam fazer agora é tentar tornar aquela carga mais fácil de carregar, orientá-lo, mesmo quando nem eles realmente sabiam qual caminho seguir. Hange estava tentando fazer isso agora: aliviar o peso.
ㅤㅤㅤ"Desembucha," Levi mandou enquanto cruzava os braços e se afastando da mulher. Ninguém costumava cheirar bem depois de um dia sob o sol, do outono ou não, mas essa daí... essa daí era um caso especial, no pior sentido possível.
ㅤㅤㅤ"Tudo bem. É o seguinte," a cientista começou a falar, tirando do bolso do casaco o caderno com as suas anotações pessoais, procurando a página certa enquanto murmurava os assuntos folheados. "Achei... aqui. Sobre o endurecimento, não fizemos avanço algum, porém... observamos que você tá ficando cada vez mais resistente nas transformações consecutivas, em comparação ao primeiro mês, antes da última expedição."
ㅤㅤㅤOs dedos de Hange foram para a próxima página, repleta de informações muito bem criptografadas com a péssima caligrafia ali. Espiando por cima dos ombros da colega, Levi podia reconhecer alguns números e letras soltas, tudo fora de contexto. "As checagens que a Sakura faz em você depois de cada sessão revelaram algumas curiosidades interessantes. Sobre a regeneração, você tem uma taxa mais eficientes em dias ensolarados em comparação a dias com o céu nublado. Não temos tecnologia o bastante para afirmar com certeza, mas, através das técnicas dela, ela teorizou o motivo disso talvez ser uma capacidade das suas células titãs absorverem 'raios ultravioleta' e transformar em energia. Provavelmente é por esse mesmo motivo que os titãs só ficam ativos durante o dia. Legal, né?"
ㅤㅤㅤ"Raios ultravioleta?" Eren repetiu animado, embora um pouco confuso em vista a nova informação.
ㅤㅤㅤ"Isso! É uma categoria de luz com cumprimento de onda que a gente não consegue enxergar! A Sakura me explicou quando a gente tava descarregando." a cientista situou, animada, desviando do assunto importante com a mesma facilidade de sempre, e, sim, ela tinha uma anotação sobre. "Parece que os cones dos nossos olhos só conseguem interpretar ondas que vão do vermelho ao violeta, então todos os comprimentos abaixo da cor vermelha são chamados de infravermelho, e todos os comprimentos acima de violeta são chamados de ultravioleta! Inclusive, os raios ultravioletas são prejudiciais a nossa pele, causando manchas, doenças e nos fazendo envelhecer..."
ㅤㅤㅤA Zöe parou um momento, pensativa, e olhou para o capitão como se tivesse entendido alguma coisa e voltou a falar, chocada. "É por isso que você parece tão jovem?!" Ela então segurou o rosto dele antes de puxar para mostrar a Eren, deixando o soldado geralmente sóbrio tão atordoado que ele demorou a reagir. "Nem parece, mas ele é trintão, sabia? Talvez o motivo disso seja porque o Levi aqui viveu no subterrâneo até depois de adulto! Como ele nunca teve contato com o sol antes disso-"
ㅤㅤㅤ"Me solta," Levia interrompeu secamente, arrancando as mãos dela com as dele e se afastando de vez, irritado, porém contido. "Que tal focar no que interessa? Como os anômalos ativos durante a noite."
ㅤㅤㅤAs palavras foram duras, entretanto pareceu fazer Hange voltar ao foco e como se fosse possível, ainda mais empolgada. "Era disso que eu ia falar!" Eren, apesar de um pouco confuso frente aos detalhes anteriores, se inclinou, interessado em qualquer coisa capaz de ajudar a humanidade a dizimar os titãs. "Sabemos que a lua reflete a luz do sol, certo? Então a lua também reflete os raios-"
ㅤㅤㅤ"Ultravioletas," o capitão a interrompeu, impaciente. Aquela palavra já estava perdendo o sentido. "Sim, já entendemos essa parte. Eu quero saber é como essa informação nos ajuda a lidar com os anômalos noturnos? É pouco prático sair cobrindo todos eles, e depois do que aconteceu na base sudoeste, não sabemos se há outros por aí."
ㅤㅤㅤA pergunta fez os dois desanimarem. É, Levi tinha o dom de desmotivar os outros, mas ele apenas estava sendo lógico. Se aquela informação traria nenhuma solução objetiva e viável, então era perda de tempo discutir sob a perspectiva de combate. Um mistério sobre os titãs foi resolvido, um detalhe mais específico sobre qual elemento na luz do sol fazia aqueles monstros seguirem em frente. Uma informação ótima para os acadêmicos, mas que não fazia nenhuma diferença para os soldados lá fora. Eles continuariam morrendo, e Erwin continuaria enviando ofícios de pêsames todo fim de mês depois das expedições.
ㅤㅤㅤ"Vamos marcar os experimentos mais intensos em dias com céu limpo," ele disse por fim, indo em direção a porta. "Em dias nublados, o foco será nos treinos padrões."
ㅤㅤㅤO silêncio foi considerado uma concordância por parte de Hange, que sorriu minimamente para a sugestão. Pelo menos o capitão estava reconhecendo alguma utilidade na informação.
ㅤㅤㅤ"Você não pode depender só do seu titã, Eren."
ㅤㅤㅤCom isso, Levi se afastou, usando o dorso da mão para limpar do rosto a sensação persistente e incômoda de ter as bochechas apertadas; a mente já focada no que viria a seguir. Ele caminhou pelos curtos e simples corredores, o chão de madeira estalando sob os pés dele apesar dos seus passos serem relativamente leves, e o vento precedente a tempestade iminente fazia as janelas assobiarem. Havia uma movimentação do lado de fora, provavelmente os outros amarrando os cavalos, os impedindo de fugir assustados com as trovoadas já soando distantes de vez em quando. Levi entrou no próprio escritório improvisado — porém perfeitamente limpo e organizado — nessa casa de campo esquecida por Deus. Suspirando e esfregando a ponte do nariz entre os olhos, ele se sentou, cansado só de pensar naquela papelada toda.
ㅤㅤㅤHavia muito a ser feito, principalmente agora que havia o dobro de pessoas presentes no esconderijo, além da chegada próxima de Erwin e a demonstração das habilidades de Sakura, o que significava o uso de mais recursos como comida, produtos de limpeza das roupas e roupas de cama... e como sempre, além de todo o trabalho sobre Eren, os novos membros e agora aquela estrangeira, essa parte também ficava com ele. Hange estava ocupada demais com os experimentos do endurecimento e tentando entender as capacidades da médica antes da demonstração. E se já seria irresponsabilidade deixar isso nas mãos de Nifa ou Moblit, seria ainda pior delegar a qualquer novo membro do esquadrão dele, considerando a situação atual do Reconhecimento.
ㅤㅤㅤTalvez, levando em conta toda a experiência administrando um departamento inteiro, talvez Sakura pudesse...
ㅤㅤㅤNão. Definitivamente não.
ㅤㅤㅤNão havia nem uma única razão para essa possibilidade passar pela cabeça dele. Nem era uma possibilidade, a bem dizer. Levi jamais iria se colocar na posição de dívida com ela, principalmente porque continuava desconfiando dela, e duvidava profundamente ser capaz de um dia confiar. Digam o que quiserem, mas ele preferia a sensação amarga de estar errado sobre a médica e acabar mordendo a língua do que a dor do luto se mais alguém morresse por conta das decisões erradas dele. Que parecesse um paranoico então, porém ninguém naquele fim de mundo parecia discordar dele. Além do que, ele teria dois trabalhos: decifrar a caligrafia horrível da Haruno e reescrever tudo depois.
ㅤㅤㅤEle foi o primeiro a pôr os olhos em todos os documentos redigidos por ela — desde os arquivos da investigação recolhidos do apartamento onde a estrangeira se escondia, aos dois relatórios: um sobre o que a levou para essa situação e outro sobre detalhes da investigação da Polícia Militar e as suas descobertas além do complô do contra o Reconhecimento. E de todos os mistérios a envolvendo, o maior deles era definitivamente como ela conseguia entender a própria letra.
ㅤㅤㅤAparentemente médicos e cientistas tinham isso em comum.
ㅤㅤㅤAntes de finalmente parar de postergar os seus afazeres, Levi se perguntou por um momento se as coisas teriam sido diferentes se ele tivesse conseguido chegar a tempo. Se não tivesse enfrentado a Sakura, ou se não tivesse reabastecido e pegado pares extras como ordenado. Se tivesse tomado outras decisões, será que Gunther, Petra e os outros estariam vivos? Não tinha como saber, por isso era contraproducente pensar dessa forma. Mas com toda certeza o trabalho seria menos difícil se eles estivessem.
ㅤㅤㅤEssa não era a primeira vez dele lidando com a morte de alguém do próprio esquadrão e nem seria a última, claro. Mas todos de uma vez? Mesmo depois de um mês, aquela ferida não estava sarando como deveria. E sempre que pensava melhorar, lá estava ela, sangrando e doendo como o inferno novamente.
ㅤㅤㅤEle nunca foi uma pessoa fria como as pessoas pensam, muito pelo contrário. E o que há muito tempo Erwin disse sobre não sentir remorso, ficava mais difícil de seguir a cada dia. Não questionar as próprias decisões quando tudo parece estar desmoronando, não pensar em como as coisas teriam sido se fossem de outra forma era o tipo de coisa que Levi fazia muito bem, contudo apenas Erwin conseguia ser perfeito.
ㅤㅤㅤ"Sem arrependimentos," ele disse em um murmúrio inaudível até para si enquanto puxava a lista de inventário do topo da pilha de papéis.
ㅤㅤㅤÉ impossível mudar o passado, então só restava lutar pelo que ainda há por vir.
***
ㅤㅤㅤA chuva caía forte do lado de fora da janela, as gotas pesadas batendo contra o vidro fazia parecer que quebrariam a qualquer momento, e a cada nova trovoada, relinchos soavam distantes, nos estábulos do lado de fora. Naquele horário, quase todos já haviam retornado aos dormitórios mais apertados do que já estavam, satisfeitos com o jantar. Aparentemente, havia uma grande diferença entre as rações insossas servidas em larga escala no quartel principal e a comida caseira feita para uma equipe reduzida ali. Armin não era exatamente um cozinheiro hábil, mas a vida no campo de Historia a fez ser boa o suficiente para cobrir as falhas do colega, e agora, com o auxílio de Nifa, descrita por Sasha como 'mediana', as refeições ficavam prontas mais rapidamente em comparação aos primeiros dias.
ㅤㅤㅤAparentemente. A palavra não estava ali por acaso.
ㅤㅤㅤAo contrário de em outros pontos, Levi não era exatamente um exemplo a ser seguido no quesito alimentação. Ele constantemente pulava refeições, os substituindo apenas por chá puro — preto, de preferência — e raramente pegava sanduíche como acompanhamento. Funcionava bem desse jeito para ele, e jamais ouviu uma reclamação sequer sobre... talvez porque as pessoas não ousassem. O capitão parecia ser qualquer coisa oposta a uma pessoa aberta a críticas, de qualquer forma. Contudo esse hábito se tornou mais frequente nos últimos dias, e o motivo disso? Tinha nome e sobrenome. Sakura Haruno.
ㅤㅤㅤNo terceiro dia desde a chegada deles, ela trabalhou em cardápio semanal como guia destinado aos responsáveis pela cozinha — a justificativa era otimizar os recursos e evitar desperdícios, além de ser mais nutritivo do que escolher ao acaso. Se estivesse pronto para engolir as suspeitas e o orgulho consequente, ele diria que a comida parecia melhor depois disso. E se já é desagradável comer algo planejado pela estrangeira, a forma como ela estava o evitando e lançando indiretas a ele tornava tudo pior.
ㅤㅤㅤEra irritante. Pra caralho.
ㅤㅤㅤAlém de falar apenas o necessário e nunca ficar sozinha no mesmo cômodo que ele, houve outras duas situações estressantes. No segundo dia, Sakura havia convocado todos os membros do esquadrão dele e de Hange para o primeiro de uma sequência de exames de rotina, e Levi sabia: ela tinha reparado a lesão no tornozelo, mas não queria o questionar diretamente. E então, na noite passada, ela disse ser ordens médicas todos comerem pelo menos uma porção de comida por refeição. Ficou óbvio para quem foi o conselho, pois o restante comia como mortos de fome toda santa ceia. Isso piorou o pouco apetite dele, e não ajudava ter aquela marmita embalada sobre o fogão, claramente uma medida da médica em garantir que se alimentasse direito quando a fome falasse mais alto.
ㅤㅤㅤ"Ugh...!" ele grunhiu baixinho quando uma fisgada no tornozelo dele o fez acordar dos pensamentos dele. Merda de perna...
ㅤㅤㅤTalvez ele devesse parar de enrolar e comparecer ao maldito exame, porém, sendo sincero, essa só se tornaria uma possibilidade se Sakura deixasse de agir como uma adolescente assustada e falasse diretamente sobre o que quer que fosse.
ㅤㅤㅤ"Seria incrível!" a cientista exclamou no cômodo ao lado, a voz dela alto através das paredes de madeira em comparação ao silêncio chuvoso da madrugada. "Se você puder realmente fazer algo assim, finalmente poderemos analisar as amostras de titãs!"
ㅤㅤㅤSakura e Hange estavam conversando na sala de estar; provavelmente haviam sido expulsas mais uma vez do dormitório, ele concluiu. Pelo tom da Zöe, a médica havia se oferecido para fazer algo novamente, como se já não estivesse ocupada demais com suas próprias demandas, quem sabe por educação? Mesmo plenamente ciente disso, a Zöe em hipótese alguma recusaria. Com o tempo, a Quatro-Olhos aprendeu a ser inconveniente e oportunista, pois apenas lhe importava saber todo o possível sobre aqueles feiosos. Apesar de parecer um defeito ou algo amoral, era exatamente isso que a tornava a melhor no seu campo.
ㅤㅤㅤEntretanto continuava sendo difícil crer que Sakura aceitou aquele acordo unilateral de Erwin, afinal, se havia uma coisa impossível de se fazer diante da situação política atual é a Haruno investigar como ela chegou a ali e como voltar para o lugar de onde veio. Sendo sincero, ela não tinha garantias de que iriam cumprir com a parte deles do acordo. O Reconhecimento — e por 'Reconhecimento' o capitão queria dizer 'Erwin' — poderia simplesmente decidir que a estrangeira já havia feito o suficiente, mais cedo ou mais tarde e pôr fim a tudo. O comandante jamais faria isso, claro. Ele tinha alguma noção sobre o potencial da mulher e no momento em que visse o que Levi viu naquela floresta... bem, Erwin vai arranjar alguma forma de prender ela aqui, o que também não era do interesse dela.
ㅤㅤㅤSakura é uma mulher inteligente — para o bem ou para o mal —, então ela também deve ter chegado a essa conclusão. Pelo menos ele supunha que sim. E, partindo desse pressuposto, é estranho que a médica continuasse ali, de bom grado. Boazinha demais, dedicada demais por pessoas que claramente não se sentiam confortáveis com a presença dela e pouco se esforçavam em a fazer se sentir minimamente aceita. Talvez o suposto mundo de onde ela disse vir seja o tipo de lugar que ainda permitia aquele tipo de gentileza. Um mundo oposto ao das muralhas. Um mundo de paz e liberdade. Era uma possibilidade, mas ele não acreditava nisso. Embora os olhos dela fossem convincentes demais quando tocava no assunto. Embora ele pudesse sentir verdade nela, de alguma forma.
ㅤㅤㅤFantasioso, na concepção dele.
ㅤㅤㅤSempre cético; esse era Levi.
ㅤㅤㅤTinha para si que era mais provável aquilo ser uma mentira muito bem elaborada e atuada ou ser uma alucinação. Que todas aquelas habilidades que ele testemunhou sejam, na verdade, algo simplesmente vindo de fora das muralhas, como os titãs e qualquer outro mistério. Não seria impossível. Até alguns meses, um humano se transformar em titã era impensável, e ali estava Eren, então eles tinham um bom precedente para habilidades desconhecidas jamais vistas pela humanidade.
ㅤㅤㅤEram muitos "se"s e poucas certezas. Isso era outro ponto incômodo, e ele sabia que encontrar essas certezas ainda levaria um bom tempo.
ㅤㅤㅤConcluindo a lista de coisas irritantes, o irritava ficar em dúvida se realmente queria descobrir a verdade sobre Sakura ou não, porque se tudo o que ela disse fosse real, eles precisariam lidar com o fato de esse tempo todo existir um lugar livre. Um lugar sem titãs e com mais pessoas como a médica, mais capazes do que ele. Mais capazes de acabar com aquelas coisas.
ㅤㅤㅤO corpo dele ficou levemente tenso antes mesmo de perceber o motivo.
ㅤㅤㅤQualquer pessoa andando naquela casa durante a madrugada precisava lidar com a forma como piso rangia, e graças a umidade da tempestade caindo sobre eles, o som ficava mais alto. Dessa forma, Levi sempre sabe quando alguém se aproximava, porém dessa vez ele só soube da presença de Sakura na cozinha quando a viu passando pela porta.
ㅤㅤㅤNão houve cumprimentos. Aliás, a mulher nem ousou olhar para ele, como se ele não estivesse ali, no meio do cômodo. Ela sabia, no entanto, antes de sequer entrar, da mesma forma que sabia onde estava cada pessoa naquela propriedade e nos postos de vigia há alguns metros dali. Era uma versão reduzida das técnicas usadas por ela no monitoramento do departamento médico em Konoha, e as mesmas pelas quais descobriu as posições das possíveis ameaças durante a negociação com o comandante, há alguns dias, ou mapear o prédio de Kenji, na missão que virou a vida dela de cabeça para baixo.
ㅤㅤㅤO seu enfraquecimento inexplicado e esse mundo diferente estavam a tornando seletiva sobre as técnicas ativas, afinal, parte da energia dela precisava ser armazenada no selo sempre, principalmente depois de ter usado o Byakugou por tanto tempo na luta contra Kenji e Iori e ainda mais depois, se recuperando da sessão de tortura com a qual foi recepcionada naquele lugar, ou quando curou a criança no hospital e o comandante Smith. Esse racionamento de energia se traduzia em levar a sério os treinos com o DMT e hipismo — pois dessa forma ela poderia economizar chakra ao se movimentar — e melhorar os hábitos de alimentação — ainda que fosse muito difícil conciliar as tarefas relacionadas ao Reconhecimento e as próprias investigações. O sono, no entanto, continuava ruim.
ㅤㅤㅤQuando não tinha insônia, tinha pesadelos, cenas se misturando entre Sasuke a beira da morte e a sensação vívida de ter sido torturada por quem agora era supostamente seu aliado. Ela compensava com pílulas de ração militar e reduzindo o uso de energia nas técnicas de mapeamento estrutural e sensoriamento terrestre, de maneira suficiente apenas para se ter uma noção geral do que estava acontecendo na propriedade durante a noite.
ㅤㅤㅤMesmo assim, quando Levi falou, Sakura acabou apertando o copo forte demais em surpresa. "Você tem um grande dia amanhã. Não deveria tá dormindo?"
ㅤㅤㅤEssa é a primeira vez que ele iniciava uma conversa além do estritamente necessário — certo, ela também não tinha o feito. A bem dizer, era como se todos naquela casa fizesse questão de deixar claro quão não bem-vinda ela é, sobretudo o capitão. Claro, Hange e Eren interagiam muito, mas a faziam se sentir como um animal exótico de circo. Sakura não conseguia se lembrar a última vez que se sentiu rodeada de aliados e ainda assim, solitária, e sinceramente, também era difícil entender o motivo disso. Sim, é uma estrangeira, e sim, tem técnicas que para eles eram estranhas. E não, não queria confiança cega ou ser tratada como uma amiga de anos. Seria ingenuidade demais. Mas ela também não fez nada contra eles, nunca, então a ideia de estar sendo vista como uma ferramenta ou até uma bomba relógio é desgastante, para dizer o mínimo.
ㅤㅤㅤA Haruno pensou em não responder, e apenas pegar o copo de água e levar aquela tagarela de volta para o quarto a força depois de a colocar para dormir, entretanto, apesar de cada parte do corpo dela estar gritando para simplesmente sair de perto, essa é a primeira interação quase humana sem interesses que teve desde a chegada — era irônico vir de Levi — e talvez ela quisesse resolver as coisas. Tentar.
ㅤㅤㅤ"Eu só estava..." ela começou, sem saber exatamente o que dizer. Soava como se, durante os últimos dias ali, a jovem tivesse perdido qualquer habilidade de socialização ociosa desenvolvida ao longo dos anos, como se ela tivesse voltado ao jardim de infância, sendo vista como uma estranha, feia. Inadequada. Isso a enchia de uma mistura de raiva e impotência sufocantes. É enraivecedor se sentir tão pequena quando sabia poder fazer muito mais. "Você decidiu que se importa agora por quê?"
ㅤㅤㅤA voz dela deveria ter saído ácida como a dele, provocativa, porém soou o oposto disso. Foi uma dúvida genuína, cercada de um tom defensivo ser outra tentativa dele de a estudar e a manter sob controle, como têm feito desde que a encurralou no hospital. Ela não esperou uma resposta, e pelo silêncio subsequente, Levi pareceu não pretender dar uma. Sakura apenas jogou a água fora e guardou o copo em seu devido lugar, sabendo que se bebesse acabaria vomitando tudo de volta junto com a comida que já havia sido um esforço engolir. A Haruno saiu, os passos dela silenciosos como sempre, como o de uma kunoichi deveria ser, desconversando a tentativa de Hange em retomar o assunto e foi para a enfermaria improvisada — o único lugar onde ela conseguia se sentir minimamente em casa.
ㅤㅤㅤLevi, por sua vez, permaneceu no exato lugar, a mão direita segurando a xícara de chá no caminho entre a mesa e os lábios firmemente crispados, os olhos fixos na madeira a frente dele. Ele não esperava aquela resposta — ou melhor, aquela pergunta. Queria que ela fosse combativa, como foi na cela do QG, reclamar de algo pela primeira vez desde a chegada dela. Esperava conseguir alguma reação, qualquer uma, ou uma evasão como tem feito. Contudo o tom honesto e cansado, resignado, a forma como ela havia saído da cozinha sem esperar e abandonando o que veio fazer ali para início de conversa falava de uma mulher cansada de brigar.
ㅤㅤㅤ"Hum... que torta de climão, ein..." Hange disse da porta da cozinha, escorada no batente da porta, uma tentativa de humor, mas sem esforço real. Levi tinha notado ela ali, e não havia dito nada na esperança de ela também ficar quieta. Não funcionou, como ele pôde ver.
ㅤㅤㅤ"Quer o quê, Quatro-Olhos?" o capitão perguntou enquanto recuperava a postura e voltava a beber o chá, o sentindo um pouco mais amargo na língua. "Agora que a sua única ouvinte abandonou você, veio me infernizar?"
ㅤㅤㅤ"Sabe, eu poderia passar o restante da noite contando a você sobre o que Sakura e eu estávamos planejando," a Zöe começou a dizer, no seu tom humorado de sempre ao se aproximar do amigo, apoiando o quadril na mesa quando chegou ao lado dele. A expressão dela ficou séria, talvez até um pouco hesitante, algo raro, considerando sobre quem estamos falando. "Mas eu não sou tão burra ao ponto de não perceber o que está acontecendo."
ㅤㅤㅤLevi agiu como se estivesse desinteressado; apenas levantou da cadeira e se serviu chá, os olhos dele passando apenas por um momento sobre copo abandonado pelo assunto da conversa, pingando na pia. Sem se virar para Hange, ele perguntou, virando o líquido quente na xícara. "E o que tá acontecendo?"
ㅤㅤㅤ"Agora vai se fingir de idiota, Levi? Sabe muito bem do que eu tô falando." a mulher respondeu, não irritada, nem impaciente, apenas direta e indelicada, exatamente igual a ele. Os dois funcionavam bem assim. "Você e Sakura. Aconteceu alguma coisa que não tão contando."
ㅤㅤㅤO tensionar das mãos dele em torno da xícara e da chaleira foi o suficiente para ela ter certeza. Bingo! Um sorriso sarcástico se formou nos lábios da cientista. Ela estava ciente da situação complicada pela qual o amigo estava passando, e era justamente por isso a decisão de insistir agora em vez de o deixar sozinho, como tinha feito na última vez. Entretanto abordar o assunto de uma maneira sentimental só afastaria aquele homem tão acostumado a erguer em torno de si próprio muralhas tão altas e firmes quanto as que os protegiam e os isolavam há um século.
ㅤㅤㅤ"Engraçado..." ela voltou a falar, agora um pouco provocativa, esperando Levi se virar e encarar a situação. "Para alguém que diz com tanta certeza não confiar na Sakura, meio contraditório manter um segredo justamente com ela. E eu acho que tem a ver como o motivo de ela ter decidido se infiltrar em Ermich-"
ㅤㅤㅤ"Tá tentando insinuar alguma coisa, Hange?" Levi a interrompeu impacientemente, colocando a chaleira de volta no fogão com um pouco mais de força, o som não ecoando tanto quanto a tempestade que parecia piorar junto ao humor dele diante da conversa. "Eu não tenho segredo com ninguém, muito menos com aquela garota."
ㅤㅤㅤA afirmação não a convenceu, então ele continuou por outro método.
ㅤㅤㅤ"Agora, você? Está agindo como a defensora de uma forasteira, mas não finja pra mim que é porque você tem um bom coração. Não vai colar. Pelo menos eu sou honesto quanto a isso," ele acusou em seguida, sem deixar tempo para a Zöe rebater, porque se ele deixasse, aquilo terminaria pior. "Eu sei muito bem o que você pretende se aproximando daquela mulher e acredite, ela também sabe. Ela é inteligente, certo? Você vive dizendo isso, afinal, então ela deve ter chegado a mesma conclusão. Você realmente acha que tá conseguindo enganar alguém como ela?"
ㅤㅤㅤEntão voltou até onde Hange estava, a xícara cheia esquecida na pia atrás de si. Ele cruzou os braços e não se deixou intimidar pela diferença de altura, na verdade, Levi a encarou firmemente de baixo para cima. "Foi ordem do Erwin você ser amiguinha dela? Ou você teve essa ideia genial sozinha?"
ㅤㅤㅤA cientista torceu o nariz; um sorriso desaprovador escondendo o fato de ele ter acertado em partes. Porém ela não era tão manipulável, para o azar do capitão.
ㅤㅤㅤ"Você tá desviando do assunto. Olha, pode até funcionar com os recrutas, mas eu tô a mais tempo nisso que você, não se esqueça disso." Hange respondeu, se mantando firme, até um pouco agressiva, enquanto encarava o subordinado por trás das lentes refletindo a luz fraca das lamparinas, o indicador dela quase tocando o meio do peito dele. E então suspirou, como se livrasse da máscara apertada de outra pessoa, aliviada. A última coisa que queria era mais atritos. Já tinham problemas o suficiente. E embora essa postura destoar dela mesma, porém alguém precisava lidar com o serviço sujo se Levi não estava o fazendo. "Independentemente do que você pensa ou deixa de pensar sobre ela, Sakura é nossa aliada por enquanto, e pelo bem da humanidade, precisamos fazer isso funcionar."
ㅤㅤㅤHange desviou um olhar à porta da sala. Sim, ela tinha ouvido a conversa e havia entendido a mecânica que movimentava o capitão e a médica e todos orbitando a eles. Quando olhou de volta para o colega, ele pareceu um pouco menos reativo; mais disposto a ouvir, e a Zöe jamais perderia essa oportunidade. "Enquanto você tiver agindo com toda essa desconfiança, Armin, Mikasa e os outros vão agir igual. A integração dela ao seu esquadrão só depende de você, Levi."
ㅤㅤㅤOs olhos do capitão se estreitaram e um rosnado mal contido escapou pelo nariz, mas ele recuou, cruzando os braços sobre o peito como se aquilo fosse o afastar do assunto iminente. "Agora deu para me ensinar a fazer o meu trabalho, Quatro-Olhos?"
ㅤㅤㅤEntre um suspiro de alívio, Hange soltou uma fraca risada anasalada, um sorriso satisfeito nos lábios dela. Se aquela foi a forma dele de acatar o conselho de uma veterana, estava ótimo, afinal, ela sempre soube que o homem não era do tipo formal e educado, principalmente quando estava irritado. "Bem, nunca nenhum de nós dois foi bom com gestão de pessoas, tô errada?" ela perguntou retoricamente enquanto coçava a nuca, a postura descontraída de sempre retornando aos poucos. "E sobre esse segredo de vocês..."
ㅤㅤㅤ"Não tem nenhum segredo," Levi a corrigiu impacientemente.
ㅤㅤㅤ"Como quiser," a mulher cooperou enquanto erguia as mãos em sinal de rendição. "Então, quanto ao não-segredo de vocês, não precisa me contar. Mas eu posso tentar ajudar, você sabe."
ㅤㅤㅤEla olhou por alguns segundos para Levi antes de ele desviar, algo incomum para alguém que jamais fugia de um desafio. Queria saber se o amigo havia entendido a oferta, contudo a forma como ele estava cruzando os braços, como se estivesse abraçando a si próprio, dizia além disso. Era como se a simples ideia de precisar de suporte fosse um peso maior do que ele acreditava ser capaz de carregar. Hange não estava mais tão satisfeita, porém sabia o momento de recuar, e assim o fez.
ㅤㅤㅤ"Bom. Eu vou embora antes que você chute a minha bunda," ela disse por fim, agora já passando pela porta da cozinha.
ㅤㅤㅤ"Sábia decisão." A concordância dele caiu em ouvidos surdos, no entanto, pois agora ele estava sozinho de novo.
ㅤㅤㅤLevi lembrou da xícara sobre a pia, ainda quente, mas que fez o estômago dele revirar com o cheiro. Ele não sabia se era por conta do desconforto vindo dessa discussão ou se era a fome gritando e implorando por comida. Por fim, se rendeu a marmita a qual encarava-o a noite inteira perto do fogão, dizendo a si mesmo que isso não tinha nada a ver com o que Hange disse ou sobre a pergunta da médica. Só uma decisão prática, afinal, ele precisaria de energia se quisesse lidar com a apresentação no dia seguinte.
ㅤㅤㅤEle pegou o recipiente de madeira firmemente embalado em panos de prato, todavia, quando abriu, para a decepção dele, estavam apenas os restos. Levi deveria ter considerado a possibilidade de Sasha roubar a comida dele — de novo. Lhe restava agora apenas preparar um sanduíche e torcer que o café da manhã fosse o suficiente para o sustentar durante as atividades de amanhã.
Chapter 12: Renúncia - Dia da Demonstração (Parte 1)
Summary:
Chapter Text
ㅤㅤㅤ Sakura havia planejado se ocupar — nas lâminas de especificidade sobre as quais conversou com Hange mais cedo —, mas a cena na cozinha não saiu da cabeça dela. Depois de perder a linha de raciocínio pela terceira vez na última hora, se deu por vencida e jogou as costas contra a guarda da cadeira, esfregando os olhos cansados; a luz da lamparina fazendo um pouco para iluminar a mesa de madeira. 'Grande dia'. Uma forma bonita de dizer 'julgamento', porque era aquela demonstração, no fim das contas. Como ela poderia dormir diante dessa perspectiva? Uma pergunta idiota feita por um homenzinho idiota. A única forma de enganar a cabeça dela naquele momento era se drogando com soníferos e, se o fizesse, provavelmente que passasse do horário de levantar.
ㅤㅤㅤAquilo foi uma provocação, certo? Só poderia ter sido. Algum tipo de retaliação pelas últimas ações dela sobre ele. Não sabia se foi telo chamado de checkup ou pelo conselho de hábitos alimentares, ou por ter concordado com a ideia de História em preparar marmitas — quem sabe tudo isso. Era irrelevante. Deveria ser.
ㅤㅤㅤMas é importante... se eu quiser evitar esse tipo de situação daqui em diante , a Haruno pensou consigo mesma, reprimindo a ideia de genuinamente considerar a forma que ele a via. Depois de tudo o que aconteceu, seria feito algo assim.
ㅤㅤㅤBatidas suaves e hesitantes vieram da porta, porém a kunoichi já sabia desde muito antes que alguém se aproximava e que tinha ficado parada do lado de fora da enfermaria improvisada por longos minutos, tendo um debate provável consigo para decidir se a incomodava ou não. Não era urgente. Se fosse, teria mais movimentação em casa. Mesmo indo contra os princípios de um bom médico, ela deseja que uma pessoa do outro lado ceda a dúvida e a deixe em privacidade. Se sentiu culpada, sim, entretanto, fez a mesma coisa que não deveria. Foi recebido com hostilidade ali, afinal, então não fui muito atencioso quando ninguém mais estava olhando.
ㅤㅤㅤ"Um instante," Sakura pediu enquanto recuperava a postura, enrolando o rabo de cavalo em um coque antes de se levantar e ir até a porta, revelando uma garota baixinha e loira do outro lado, um pouco curvada e com a mão sob o abdômen. "História? Aconteceu alguma coisa?"
ㅤㅤㅤUm jovem soldado com personalidade de cabeça, um sorriso dolorido de quem tentava esconder o sofrimento real, usado como cortesia antes de negar. "Eu não sei... eu só acordei sentindo muita dor."
ㅤㅤㅤA médica a guiou até o gato limpo no canto da sala antes de notar a mancha vermelha na saia da Reiss, entendendo rapidamente o ocorrido. A fim de não ser estranho, no entanto, se manteve em silêncio sobre isso — era ridículo, contudo, a menstruação e a fertilidade são um tabu ainda maior dentro das muralhas daquela época. E considerando que as moças órfãs têm menos acesso a esse tipo de informação, poderia imaginar como era assustador acordar assim.
ㅤㅤㅤ"Como é essa dor?" a médica disse enquanto se afastava e colocava um pouco de água para aquecer.
ㅤㅤㅤ"É como se estivesse espetando aqui... achei que fosse passar, e teve uma hora que passou, mas depois voltou pior e ficou voltando de tempos em tempos..." a garota falou entredentes, fechando os olhos no momento em que uma contração dolorosa a atropelou. "Faz... quase uma hora... e agora está insuportável. Fiquei preocupado quando comecei a sangrar por... pela..."
ㅤㅤㅤ"Tudo bem, eu entendi," Sakura disse com um sorriso preocupado, a poupar do constrangimento de continuar. Como médica, não tinha problema para ela dizer 'vagina', claro, todavia isso só se aplicava a si mesma naquela sala. A Reiss esperava uma hora. A vida por ali era dura, se garotas da idade dela só pediam ajuda ao não poder mais suportar. "Eu sei que é doloroso, mas não fique assustado. Isso é algo normal, saudável na maioria das vezes. Acontece com todas as garotas na sua idade, muitas vezes antes, e acompanha a nossa vida durante bons anos."
ㅤㅤㅤ"Saudável?!" Historia disse ainda mais assustada. Talvez não tenha sido a melhor introdução. Daquela perspectiva, com toda certeza parecia absurdo. "Isso é saudável? E vai acontecer de novo?!"
ㅤㅤㅤ"Cerca de uma vez por mês." Em resposta, a garota tombou a cabeça para trás. A Haruno colocou tocar o ombro dela antes de pedir licença e colocar a mão direita sobre a região uterina, realizando um breve exame, a fim de saber se estava tudo certo, de fato. "Se servir de consolo, a primeira vez é sempre a pior. Mas se não for, se continuar insuportável ou até muito doloroso, você volta aqui, e eu cuido de você. Sem esperar horas para isso, entendeu?"
ㅤㅤㅤ"Sim, senhora..." a paciente anuiu sem resistência. "E o que eu faço sobre o... sangue?"
Terminado o exame e conclusões de que a História estava bem, apesar da situação, Sakura se atrasou e foi até o giveteiro, abrindo o último compartimento e retirando um conjunto de tecidos brancos dobrados perfeitamente, novos — de alguma forma, Levi havia se atentado sobre isso no pedido do inventário, uma surpresa — e os organizando dentro de uma bolsa discretamente que entregou para um jovem. "Você pode usar isso, por enquanto. É bastante intuitivo. Tome um banho, vista-o, e volte aqui. As compressas quentes já estarão prontas até lá."
***
ㅤㅤㅤ O céu estava nublado e a relva acumulava poças em algumas depressões, as folhas das árvores pingando dos resquícios da chuva anterior, porém, malgrado o vento úmido soprava contra o rosto de Erwin e dos outros, não havia sinais de que choveria — por enquanto. O esconderijo do Esquadrão de Operações Especiais está fora de vista, mas já era possível notar os sinais de ansiedade nos membros da equipe do comandante. Embora fossem demorados com anos de experiência, a perspectiva de testemunhar as habilidades de uma mulher que se dizia vir de outro mundo poderia romper a casca da máscara profissional geralmente intacta mesmo antes do início de uma investigação. Erwin, no entanto, convida tão calmo e centrado quanto sempre, os olhos fixos à frente, a única mão guiando o cavalo com a mesma maestria de antes do acidente. Ele precisou de treino, claro. Perder a mão dominante era um desafio para se transportar, porém havia o feito, e em breve voltaria a usar o DMT, ainda que não pudesse lutar contra titãs.
ㅤㅤㅤComo Sakura havia dito durante uma conversa naquele dia, a Polícia Militar estava sondando o Reconhecimento de fato, e isso é tão simples que tanto o Comandante Erwin quanto o Comandante Pixis realizaram uma investigação interna para garantir que não houvesse maçãs podres entre as fileiras e, como era de se esperar, principalmente na Guarnição, havia soldados sendo subornados para relatar os movimentos relevantes de ambas as divisões. Por sorte, Erwin havia se precavido quanto isso quando invejou o estrangeiro e Levi e depois o capitão de Hange. Com o próprio Smith não foi diferente. Em vez de estar confortável em uma carruagem agora, cavalgava no gelo da madrugada enevoada. Pelo menos, graças a essas contribuições, a Polícia Militar pareceu recuar ao não notar a transação, então talvez fosse mais seguro continuar os experimentos com Eren e a demonstração de Haruno.
ㅤㅤㅤNão foram enviados relatórios desde a partida de Levi e de Sakura, então protegendo a localização do esconderijo, Erwin se encontrou no escuro tanto sobre o progresso dos experimentos com o persistência, quanto sobre a situação da estrangeira nesse novo ambiente. A verdade é que havia incerteza sobre se a equipe de Hange e o capitão estavam vivos antes de vê-los, então, além da demonstração, planejamos fazer uma reunião de urgência para entender a situação como um todo o quanto possível.
ㅤㅤㅤNão demorou muito até o sol começar a nascer no horizonte, mas, atrás das nuvens, os primeiros raios do dia mal iluminavam o caminho, e com o ápice inverno se aproximando dali alguns meses, as manhãs foram ainda mais escuras e frias. Alguns minutos depois, já era possível ver o primeiro posto de vigia e a entrega dele logo ao avistarem a chegada, provavelmente para avistar os outros da sua chegada. Os cavalos avançaram avançando, as gotas da água permaneceram nas gramas chapinhando a cada trote dado, até alcançarem uma cabana que agora parecia mais bem cuidada e limpa — uma exigência de Levi, sem dúvida alguma. Na soleira da varanda de entrada estavam Hange e o capitão os esperando, e organizando os cavalos e a carroça para partir, alguns outros. Erwin e seu grupo desmontaram ao se adentrar à propriedade, sendo cumprimentados com respeito pelos membros das outras equipes, embora seus líderes achassem que não seria necessário fazer o mesmo — seja por acreditarem ser bobagem ou por estarem com a mente empolgada demais para lembrar essas formalidades.
ㅤㅤㅤ"Levi, Hange," Erwin os saudou com um breve acenar de cabeça, procurando Sakura com os olhos. "Onde está a Senhorita Haruno?"
ㅤㅤㅤ"Conferindo os equipamentos pra demonstração", disse Hange, um pouco menos animado ao tocar no assunto. É claro... Esse irresponsável preferia estar vendendo o armamento em primeira mão em vez de estar esperando por Erwin no frio.
ㅤㅤㅤ"Vocês deveriam trocar de roupa," o capitão disse em seguida, observando o tecido das roupas à paisana úmidas pelo sereno da noite antes de apontar para a casa de banho no fim do corredor. "Principalmente você, Erwin. Não será aconselhável voltar pra uma cama de hospital tão cedo."
ㅤㅤㅤO Smith fez uma sugestão diante da sugestão ácida, mas válida do outro, e entrou na cabana, encontrando outros soldados organizando a cozinha para o café da manhã. Ainda que Sakura tenha curado o braço amputado dele e tenha se passado pouco mais de um mês desde o acidente, o resto do corpo dele continuou se recuperando, principalmente o sistema imunológico e, naquele momento, ficar incapacitado mais uma vez poderia ser a brecha que culminaria no fim da divisão. Então, nesse caso, cuidar de si mesmo seria equivalente a cuidar do Reconhecimento.
ㅤㅤㅤOs recém-chegados seguiram a passagem indicada, Levi, por outro lado, decidiu já ser hora de apressar a Haruno, se afastar sem avisar ninguém. Sabia que a mera menção à doutora a faria querer o acompanhar, e disso para uma Hange fazendo perguntas intermináveis e atrasando tudo, era necessário apenas um descoberto. Ele só queria duas coisas: o começo e o fim dessa demonstração — dessa forma, enfim, eles deveriam noção do quão útil e quão perigosa seria aquela estrangeira seria. Fingindo apenas abrir a porta e entrar e acabar com qualquer corpo-toupeira, segurou a maçaneta sem hesitação, no entanto, não a girou.
ㅤㅤㅤ"Você acha que ele desistiria assim? Tão fácil?" A voz da História é através da porta, e o capitão não precisau ver para saber com quem ela falava. "Tenho certeza do que está procurando por você."
ㅤㅤㅤCom o cenho franzido em confusão por ter pegado a conversa pela metade, Levi apareceu parado ali; como mãos firmes sem metal. Em outra situação, eu teria apenas aberto a porta e feito o que veio fazer, nada obstante, o fato das palavras de Hange na noite anterior tiveram a mente dele o querer xingá-la no exato instante. Integrar Sakura ao grupo. Com toda certeza é mais fácil falar, levando em consideração também o quanto ele poderia ser teimoso, mas entrar ou deixar de acontecer-lo era mais sobre atrapalhar de propósito o primeiro preconceito de ligação entre ela e alguém em dias do que pôr o conselho de amiga inconveniente em prática. Não ser o motor por causar o ponto de partida naquele objetivo o incomodava, sim. Como funcionário, deveria ser ele a tomar uma atitude, entretanto não era egocêntrico o suficiente para minar o que parecia estar funcionando, de alguma forma.
ㅤㅤㅤTalvez fosse melhor assim. A história é melhor em tratar as pessoas do que ele — e muito provavelmente melhor do que qualquer um ali.
ㅤㅤㅤLevi não sabia com exatidão quando a História e a médica se aproximaram, ou se isso aconteceu só agora, hoje, talvez não deva interromper o assunto e correr o risco de acabar afastando as duas. De qualquer forma, eles precisariam esperar Erwin e os outros trocarem de roupa.
ㅤㅤㅤEm vez de sair dali, no entanto, o capitão escondido, dizendo a si mesmo que era apenas para entrar assim que a conversa entre as duas se encerrasse, afinal, eles não puderam planejar mais tempo.
ㅤㅤㅤ"Eu gostaria de acreditar nisso..." Sakura respondeu alguns segundos depois, o leve tintilar dos equipamentos dela sendo organizados preenchendo o silêncio. "Porém uma velha percepção tem voltado a mim, nos últimos dias: eu sempre fui mais um peso na vida do Sasuke e do Naruto do que alguém com quem eles realmente poderiam contar."
ㅤㅤㅤTudo bem, ela havia salvado as vidas deles uma vez ou outra, impedido aqueles idiotas de fazerem algumas bobagens que mantiveram os matados, sem dúvida, mas comparando com a quantidade de graças em que só atrapalhou os dois... até mesmo ao tentar cessar a aflição do Naruto e matar Sasuke na ponte, precisou ser salva — não sem antes Sasuke envenenar o Uzumaki usando a kunai dela. E de novo, na missão, quando Kenji estava prestes a acertar, Sasuke acabou ferido e talvez até estivesse morto. Era uma perspectiva de qual não gostava de pensar e tentava convencer a si mesma, nos últimos anos, de que é mentira.
ㅤㅤㅤNo fundo, ela sempre soube. "Acho que estou sendo um peso aqui também."
As palavras vieram antes de poder as conter, e ao dizer isso em voz alta, veja sendo verdade também. Desde a sua chegada, ela só tem causado problemas. Estacionaram nos testes com o Eren e a presença dela ali foi mais motivo de estresse do que qualquer outra coisa. Além da atuação médica, ela não é uma necessidade urgente. A presença dela ali se desvia apenas porque seria, na teoria deles, mais fácil de a conter. Não vale a pena. Certamente as coisas seriam melhores se fosse qualquer outro membro do time 7 ali em vez dela.
ㅤㅤㅤAo olhar para História, viu no rosto dela a vontade de não negar o que disse, porém questionar o motivo de alguém como ela pensar naquela forma. Na verdade, para as pessoas naquelas muralhas, talvez seja falsa modéstia alguém capaz de curar apenas utilizando as mãos para falar algo desse tipo.
ㅤㅤㅤ"Sabe, eles sempre foram os melhores. Mais fortes. A distância entre nós é ridícula. E não é como se eu pudesse superá-los. Acredite, eu tentei." Sakura tornou a dizer, as mãos dela segurando a foto presa na carteira por um momento antes de colocar na caixa com os itens úteis para apresentação, perto da bandana de Konoha, sobre o uniforme dela. “Superar dom com esforço costuma ser cansativo por si só. E eu não era a única me esforçando.
ㅤㅤㅤParou um momento, olhando as próprias mãos livres de qualquer marca. Sempre foi o mais inteligente entre eles, e era o melhor médico do mundo, além de ser assombrosamente forte em comparação a qualquer pessoa comum. E mesmo assim, seria esmagada em uma luta de verdade.
ㅤㅤㅤHistoria, até então quieta alcançando os pertences de Sakura de dentro da caixa de evidências, assentiu em silêncio, conseguindo entender parte disso. Estar na sombra de alguém e sentir que não é o suficiente independentemente do quanto tente. A mulher na frente dela era poderosa o suficiente para ser um problema ao Capitão Levi, uma grande referência de força dentro das muralhas. Apesar disso, se via daquela forma. Se esse tipo de sentimento existia até mesmo dentro do peito de alguém como ela... A insegurança poderia dominar qualquer um.
ㅤㅤㅤ"Se eles estavam aqui, em vez de mim, vocês não precisariam se preocupar em recuperar Shiganshina", disse a mulher, tentando subir ao nível em uma conversa desconfortável e emocional, contudo, o sorriso não alcançava os olhos. "Naruto não teria se escondido como eu fiz, e talvez conseguisse convencer com facilidade até o comandante de que é uma pessoa mais confiável. Ele selaria ao portão externo de Shiganshina num piscar de olhos, de algum jeito."
ㅤㅤㅤA kunoichi sabia parecer exagero — a prova maior disso é a expressão de espanto da outra. Mas não era. Se alguma coisa, eu estava suavizando. Eles eram mais impressionantes do que conheciam.
ㅤㅤㅤ"Quanto ao Sasuke..." ela continua a falar, a voz dela um pouco mais suave, mais... melancólica. "Bom, ele também faria isso. Não seria tão diplomático, no entanto."
ㅤㅤㅤUm suspiro final, e guardou a última kunai dentro da bolsa e a prendeu nas costas, por cima da camisa branca. A história ficou sentada na cama, parecendo absorver as entrelinhas ali e, sim, ela notou a mudança de tom da médica ao tocar no nome do Uchiha.
ㅤㅤㅤ"Esse Sasuke é o parceiro que inveja você pra cá por acidente, certo?" a loira disse, as mãos ocupadas com o que Sakura havia chamado de pergaminho, recebendo um aceno positivo como resposta, contínua. "Você é ama."
ㅤㅤㅤNão foi uma pergunta, ela sabia, então não se deu o trabalho de responder dessa vez. História Reiss era uma garota de 15 anos que já viveu mais horrores do que o esperado para aquela idade, assim como a maioria das pessoas ali. Isso ficou mais claro quando ela falou sobre amor — não como algo feliz e leve, mas como um peso capaz de esmagar o coração. Aparentemente isso é o amor para elas. Talvez também fosse uma forma de destino. Enquanto uns estão fadados a herdar poderes de deuses ou riquezas enormes, as duas estavam fadadas a isso.
ㅤㅤㅤJustiça é algo que só existe diante da intervenção de alguém. O mundo era arbitrário por natureza.
ㅤㅤㅤ"De qualquer forma, vocês tiveram azar de ter sido só eu," disse por fim, encerrando o assunto.
ㅤㅤㅤNo instante seguinte, a porta se abriu em um movimento rude, fazendo a Reiss pular de susto no lugar ao ver o capitão parado sob a cabeceira da porta com a mesma expressão séria e perpetuamente descontente de sempre. Ele olhou as duas e a caixa guardando os objetos descartados, em específico a carteira vermelha aberta exibindo a foto, antes de voltar a olhar para Sakura.
ㅤㅤㅤ"Café da manhã em cinco minutos," avisou de maneira impessoal, como habitualmente fazer. E então finalizou, já partindo corredor para fora. "Partiremos em trinta."
ㅤㅤㅤ"Sim, senhor!" Historia respondeu se levantando da cama, um pouco nervosa antes de encontrar o olhar de Haruno ao lado dela, parecendo um pouco desconfortável, talvez em dúvida. As duas se perguntavam as mesmas coisas. Se Levi ouviu alguma coisa. E se ele tivesse ouvido, quanto?
ㅤㅤㅤSakura limpou a garganta, prendendo os cabelos em um rabo de cavalo de antemão e conferindo a roupa dela uma última vez e a imagem como um todo, a ação carregando um pouco mais de hesitação nos últimos dias do que sempre fora. "Vamos? Não queremos irritar o capitão."
***
ㅤㅤㅤ O café da manhã teria acontecido em silêncio, se Hange não estava falando como uma matraca sobre o pouco progresso obtido desde o começo dos testes e das expectativas dela sobre a demonstração. Como era de se esperar, dado o tempo que as duas dependiam juntas, um cientista é uma pessoa mais consciente da condição de Sakura depois dela própria. A anemia parecia estar sob controle, mas, mesmo se alimentando bem e se resguardando o máximo possível, admitida não estar em perfeitas condições, e isso acendeu um sinal de alerta no rosto do comandante.
ㅤㅤㅤ"Você está bem para hoje?" Erwin perguntou, mais por uma questão de diplomacia, que realmente se importaria.
ㅤㅤㅤEmbora ela não conhecesse bem o homem, já havia entendido a dinâmica entre si, os outros e ele. Quase meio mês depois, Sakura não havia se provado confiável o suficiente, afinal, não houve nenhuma oportunidade para isso, e evitar as rotinas em grupo a fim de se preservar — como os treinos de combate —, só fez manutenção da incerteza que já permeava o imaginário de todos. Apesar de ser difícil admitir a si mesmo, a verdade é que ela também não conseguiu confiar neles quando estava comprovado a mentira ali, ou pelo menos a omissão. Tinha alguma coisa, alguma coisa que todos deveriam saber, menos ela.
ㅤㅤㅤNo entanto, responder 'não' seria uma escolha errada.
ㅤㅤㅤ"Eu consigo administrar."
ㅤㅤㅤO tom dela foi profissional e seguro, como sempre, o que Levi torcer o nariz pela terceira vez desde o começo da reunião extra-oficial, ocultando a ação com a xícara de chá em sua posse. Hange conteve uma risada que tentou escapar, a animação dela mais evidente do que o normal. Era até um milagre: os Quatro-Olhos se comportaram com relação a Haruno nos últimos dias, talvez porque eles já estavam cheios de novidades para lidar e um prazo apertado para conseguir resultados — continuava sendo um milagre.
ㅤㅤㅤ"Ótimo. Podemos partir, então," Erwin sugeriu, empurrando o prato praticamente intocado, uma ordem implícita para todos fazerem o mesmo. Todavia, Sakura estava sentada.
ㅤㅤㅤ"Talvez devesse terminar de comer, senhor Smith," sugeriu, gentilmente, sem deixar espaço para discussão, como a médica persuasiva que era. "Considere um... conselho médico. Você não está recuperado por completo."
ㅤㅤㅤDepois de uma curta e quase imperceptível risada anasalada, Erwin assentiu e se enviou, seguido do restante. "Pode dizer isso só olhando pra mim?"
ㅤㅤㅤEla confirmou.
ㅤㅤㅤ"Por causa da palidez. Seu rosto continua magro, e há olhos profundos" A resposta veio automaticamente, gesticulando sob a própria face antes de voltar a comer. "Tem uma mudança de cor onde a sua unha cresce. As raízes dos seus fios também estão opacas. Isso são sinais do seu corpo ainda estar racionando energia."
ㅤㅤㅤ"Falando desse jeito, parece que eu estou péssimo", o comandante comenta antes de acatar sem objeções como 'ordens médicas', ocupando a boca com o sanduíche praticamente intocado.
ㅤㅤㅤO sangue pareceu decidir por conta própria irrigar o rosto dela, as maçãs, para ser mais exato. Ela não queria parecer rude ou arrogante, porém, ficar omissa diante daquela má decisão também não era o certo a se fazer. Agora estava envergonhado por ter sido questionado, na verdade, contraposto às ordens de um comandante com quem não tinha o mínimo de intimidação e apontou a aparência dele como pontos negativos. Existem maneiras melhores de se conquistar a empatia de alguém como Erwin, e o fato de ele estar levando isso de humor leve a deixar mais indecisa. Ainda que Sakura tivesse entendido a dinâmica vigente ali, ler alguém como o Smith era um desafio, principalmente em comparação com outros. Hange é quase um livro aberto que tentou mascarar suas frustrações usando um comentário inconveniente disfarçado de humor. Levi é sempre franco e indelicado, e apesar de ele pensar estar fazendo um ótimo trabalho em esconder os pensamentos dele com uma cara amarrada e um encarar fixo, se olharem de volta por tempo o suficiente, talvez conseguissem o entendimento — a maioria das pessoas apenas não olhavam, e ela não tinha confiança de o fazer.
ㅤㅤㅤMas Erwin... Erwin era como tentar ver através de um vidro embaçado, apenas para descobrir que, no final das contas, sempre fora um espelho falso.
ㅤㅤㅤ"N-não foi o que eu quis dizer," Sakura negou poucos segundos depois, ao se recuperar do espanto. "O senhor está...ó-ótimo, na verdade."
ㅤㅤㅤ"Ele tá só brincando. Relaxa." A amenização veio de Hange junto às tapinhas nas costas, mesmo assim, ela passaria a pensar duas vezes antes de denegar as instruções do comandante.
ㅤㅤㅤA Haruno terminou seu café da manhã em silêncio, relatando uma opinião ao ser solicitado, ouvindo as atualizações dadas ao Smith por Hange e Levi sobre o lento andamento dos experimentos sobre o endurance — nenhuma novidade para ela. Em vez de se concentrar na conversa, você perdeu seus próprios pensamentos.
ㅤㅤㅤErwin não havia decidido a dinâmica da demonstração, priorizando se situar da melhor maneira possível antes de tomar um veredito. A pressa foi explicada, e por enquanto a opinião dela não havia sido solicitada. Sakura se habituou a alterações do corpo dela e do tipo de energia ali, além das limitações causadas por essa mudança de espaço. Não poder contar com pactos de invocação é preocupante, considerando já ter acontecido incidentes três onde muitas pessoas se feriram desde a chegada dela, dentro das muralhas. A expedição em que encontrou o Reconhecimento, depois a operação em Trost e, dois dias depois, a suposta violação da Muralha Rose, culminando na fuga do Blindado e do Colossal e diversos feridos nas três divisões. Ter acesso a Katsuyu seria fundamental caso algo assim se repetisse — o que era bastante provável. Dessa forma, poderia garantir uma rede de tratamento extensiva no campo de batalha, como fez na Quarta Grande Guerra, minimizando as baixas. Além disso, seria um meio de comunicação com Konoha, pois Tsunade e ela tinham o mesmo contrato. Apesar de ter feito mais alguns testes, só tive mais certeza: qualquer ligação com a realidade dela havia sido quebrada durante a viagem.
ㅤㅤㅤA espécie não estava do lado dela, e é inútil ficar se prendendo a isso.
ㅤㅤㅤ"Vai ficar sentado aí até quando?" Levi disse impaciente, a arrancando do fundo da própria mente. Olhou em volta e descobriu que todos já haviam sido retirados e se reuniam do lado de fora da propriedade. Só havia restado eles dois ali. "Não temos o dia todo."
ㅤㅤㅤA mulher assentiu e se demorou rapidamente, a cadeira arrastando no piso de madeira de maneira a deixar uma marca. Depois de lavar a própria louça e guardar tudo no lugar, ela seguiu o capitão até os outros enquanto alinhava as roupas dela e colocava as luvas de novo. A Haruno não questionou o motivo de ele ter sido esperado, imaginando ser aquela necessidade de manter sob vigia retornando junto com Erwin. De qualquer forma, assim como os outros, o capitão se ocupou em vestir o restante do equipamento DMT.
ㅤㅤㅤAo subir na carroça onde Hange, Eren e Erwin estavam, por fantasia, Sakura levou as mãos até onde a bandana costumava ficar antes de lembrar que já não se encontrava mais ali. Com um suspiro resignado, apenas prendeu os cabelos usando um elástico, tentando dizer a si mesma que foi essa a intenção dela desde o início. A kunoichi os cumpriu educadamente, acenando em silêncio e ocupando um lugar no canto, preparando a própria mente para a enxurrada de perguntas que o Yeager faria sobre a demonstração. Além do cientista, ele era o único realmente empolgado com aquilo; o restante parecia receoso, e a própria via a situação como uma faca de duas gomas — ela provaria o próprio valor ao mesmo tempo em que poderia aumentar o medo e a desconfiança geral.
ㅤㅤㅤAo sinal de Erwin, todos cavalgaram em direção ao sudeste até o vale escolhido por Levi como um bom local para a exibição. Ele disse ser uma clareira protegida por dois montes altos e bosques densos, o que reduziria as chances de testemunhas graças ao acesso difícil, além de despistar qualquer membro da Polícia Militar que por aventura estivesse chegando perto demais.
ㅤㅤㅤCom sorte, ele estaria certo.
Chapter 13: Julgamento - Dia da Demonstração (parte 2)
Summary:
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
ㅤㅤㅤㅤOs cavalos presos a carroça estavam pastando juntos a margem do lago, e quase não havia sinais da neblina outrora atrapalhando a visão dos soldados no caminho até o vale. Mesmo sendo outono, havia algumas frutas maduras nascendo nas copas, sendo necessária a intervenção de Levi para Sasha se concentrar na própria tarefa em vez de comer todas elas. Como de costume antes dos experimentos com Eren, um grupo havia saído a fim de realizar uma varredura nos arredores enquanto o restante se preparava para o que quer que estivesse por vir. Erwin estava conversando com Hange, afastados — os olhos da cientista brilharam quando o comandante pediu uma explicação detalhada de todas as informações relevantes descobertas sobre Sakura até então, incluindo o relatório o qual ele ainda não teve a chance de ler. Normalmente, o Smith teria pedido esse resumo ao capitão. Ele era direto e certeiro, porém, devido à sua natureza pragmática, o comandante tinha certeza: Levi apenas memorizara os fatores os quais considerava um risco, e agora era preciso algo mais completo. Levi não tinha problemas em admitir que Erwin estava correto em seu julgamento, aliás.
ㅤㅤㅤㅤSakura, em contrapartida, se comportava como o completo oposto de Hange. Levi podia imaginar o motivo, claro, ainda mais depois de ouvir aquela conversa antes do café da manhã. Mesmo assim, ela estava determinada a levar aquilo como um aspecto profissional extraordinário do acordo, igual faria se qualquer outra tarefa fosse-lhe delegada. Isso era diferente de aquiescência cega, no entanto, como que ele pudera notar na noite anterior, ou durante o café da manhã. Ele teve a oportunidade nada agradável de provar o potencial daquela língua afiada na o QG, e podia adivinhar qual tipo de coisa se passava na mente dela quando algo a irritava; não porque Levi era um especialista em entender os sentimentos alheios, mas porque ela apenas era expressiva demais. Sakura só se mantinha diplomática e comedida para evitar atritos capazes de minar a rasa confiança — se é que poderia ser chamada assim — entre si e o Reconhecimento. Na verdade, era muito parecido com a forma como ela lidou com aquele garoto inconveniente no hospital: desgostava da situação, contudo sabia: seria necessário lidar com algumas merdas se quisesse continuar a ter acesso aos benefícios do vínculo em questão.
ㅤㅤㅤㅤNo caso de Peter, era o acesso quase ilimitado à Biblioteca de Ehrmich, muito útil à investigação dela acerca das muralhas e dos titãs. No caso da divisão, era essa pequena proteção e a promessa de um dia poder averiguar a floresta de árvores gigantes e descobrir como voltar para seja lá de onde ela veio.
ㅤㅤㅤㅤPassos se aproximaram às suas costas, e ele não precisou se virar para saber que eram Erwin e Hange. Ainda de braços cruzados, o capitão continuou a vigilância sobre a Haruno, agora alongando os membros inferiores.
ㅤㅤㅤㅤ"Caramba... ela é bastante flexível!" a Quatro-Olhos deixou escapar, impressionada enquanto tentava replicar os movimentos impossíveis de se fazer vestindo o equipamento.
ㅤㅤㅤㅤDiante do comentário, Levi revirou os olhos e encarou Erwin, como quem cobrasse uma explicação ou ao menos uma ordem. O comandante, no entanto, teve bastante calma ao tomar a sua decisão e esperou Sakura terminar o que estava fazendo enquanto concluía: perguntar para a própria Haruno como ela preferia fazer a apresentação seria o melhor plano. Ele não sabia nada acerca das habilidades dela, não na prática. O conhecimento dele se resumia à síntese muito bem detalhada da Zöe, afinal. E se tinha algo dentro do entendimento do Smith era o fato de que deixar a cientista decidir a ordem das etapas não seria o mais inteligente a ser feito. Ela era excepcional, entretanto facilmente se perdia na própria animação.
ㅤㅤㅤㅤQuando Sakura ajeitou a postura e pareceu conferir se os cabelos rosáceos estavam bem presos, Erwin se aproximou; Levi e Hange seguindo o exemplo dele, um impaciente e a outra animada. Ela não ficou surpresa com a presença do trio, mas a tensão nos ombros era óbvia, e quando o comandante notou a troca desconfortável de olhar entre a médica e o capitão, isso ficou mais evidente. Ele ficou em silêncio a respeito disso, no entanto. Seja o que for, poderia lidar mais tarde, se isso se tornar um problema.
ㅤㅤㅤㅤ"Senhorita Haruno," o Smith a cumprimentou apesar de terem conversado há pouco tempo na carroça. Como resposta, ele recebeu um sorriso diplomático e um leve assentir de cabeça, aguardando por instruções. "Por onde pretende começar?"
ㅤㅤㅤㅤA pergunta pegou os três desprevenidos: Hange se sentindo traída por ser impedida de usar a oportunidade para poder tirar as dúvidas sobre as habilidades mais interessantes na opinião dela, e Levi e Sakura pelo comandante colocar tanto controle nas mãos de alguém em quem, em hipótese, não confiavam completamente. O capitão conteve o impulso de contestar a decisão do homem diante do resto do grupo, optando apenas por o encarar com desaprovação. Sakura, por outro lado, buscou no rosto dos presentes a prova de que havia ouvido direito.
ㅤㅤㅤㅤ"Desculpe," ela disse, erguendo uma mão como se pedisse um momento. "Tem certeza disso, senhor?"
ㅤㅤㅤㅤEle assentiu em silêncio, gesticulando com a única mão, lhe dando licença e permissão. Viu quando Sakura olhou para Levi, e se não conhecesse seus próprios homens, Erwin diria que a mulher estava esperando o consentimento dele, mas o capitão jamais teria criado esse vínculo com ela. A julgar pela tensão anterior, o provável é que Sakura estivesse analisando a reação do outro numa tentativa de entender o terreno onde se encontrava e se acatar a decisão poderia trazer algum conflito posterior. Era inteligente, apesar de parecer um ato de nervosismo em vez de um movimento estratégico — Erwin só iria embora naquela noite, porém, se fizesse algo que desagradasse Levi, haveria um risco de minar ainda mais a convivência entre ela e o resto, além de lidar com o péssimo temperamento dele nos próximos dias.
ㅤㅤㅤㅤ"Temos pouco tempo para ficarmos desperdiçando, senhorita Haruno," o Smith interveio, chamando de volta os olhos dela a si. Satisfeito com a atenção, ele continuou. "Quero saber por onde pretender começar."
ㅤㅤㅤㅤSakura desviou o olhar, agora pensativa, não sobre se deveria, mas sobre como deveria fazer. Apesar da hesitação anterior, a mulher rapidamente se adequou às mudanças de ritmo, o esperado de uma médica tão diligente quanto a antiga posição dela indicava ser. No momento seguinte, ela tinha uma firmeza determinada no rosto e a segurança de quem tinha tomado a melhor decisão.
ㅤㅤㅤㅤ"Começamos pelos equipamentos, depois, as artes de multiplicação e disfarce," a Haruno começou a definir, enumerando nos dedos de forma direta, da forma que costumava fazer no hospital. "Então vamos às técnicas de mobilidade, encerrando com as habilidades de aprimoramento físico. Vocês já viram o meu potencial médico, então acredito ser desnecessária outra demonstração nesse aspecto e que o relatório redigido a respeito disso seja o suficiente por enquanto."
ㅤㅤㅤㅤApós considerar por um momento, Erwin assentiu, concordando com a proposta e ouvindo os grunhidos de excitação de Hange e um suspiro resignado de Levi. A conclusão da conversa coincidiu com o fim da organização dos cavalos e dos equipamentos, e isso indicava que estavam prontos. Exceto pelo comandante e Eren, todos ali estavam vestindo os seus DMTs, os pares de espadas completos nas bainhas, um rifle de madeira preso nas costas, prontos para uso. A probabilidade de Sakura tentar fugir eram baixas, porém era sempre bom se precaverem. Além do que, nada garantia que a Polícia Militar não apareceria de surpresa.
ㅤㅤㅤㅤO seguro morreu de velho, Levi pensou enquanto aguardava o restante se reunir. Como sempre, Moblit estava ao lado da cientista, confabulando sobre algo que sequer havia começado, enquanto Historia, igual a maioria, estava apreensiva, talvez por motivos diferentes, afinal, em algum momento desconhecido pelo capitão, a Reiss havia se aproximado de Sakura. Armin mantinha ressalvas, sempre o responsável por colocar a mente efusiva de Eren no lugar quando o garoto passava da conta com as perguntas à médica. Jean, presunçoso como sempre, tentava agir de maneira habituada àquela situação nada comum, afinal ele era uma das pessoas que supostamente passava mais tempo com a médica. E Sasha... bem, Sasha ainda estava encarando as frutas, salivando.
ㅤㅤㅤㅤO restante do esquadrão dele, junto com os imediatos do comandante deviam estar em algum lugar nos arredores, patrulhando, enquanto Nifa, Abel e Keiji faziam a vigia do esconderijo.
ㅤㅤㅤㅤNão era perfeito, mas funcionava.
ㅤㅤㅤㅤEle percebeu que a demonstração havia iniciado apenas quando ouviu Sakura falar acerca das lâminas de metal em mãos. Levi reconheceu uma delas — a faca estranha com argola na ponta, do mesmo tipo usado na luta entre eles —, em contrapartida, a outra parecia uma rosa dos ventos. Kunais e Shurikens, foi como Sakura os chamou. A primeira poderia ser usada em combate corpo a corpo, e ambas eram arremessáveis e úteis para a confecção de armadilhas. "É um dos primeiros equipamentos aos quais temos acesso na academia," ela continuou falando, segurando um conjunto deles entre os dedos antes os arremessar em sequência contra uma árvore próxima. Para alguns, isso foi impressionante por si só, então, suspiros surpresos escaparam quando ela lançou um trio simultaneamente, acertando troncos diferentes bem no meio, apesar de não haver nenhum alvo ali.
ㅤㅤㅤㅤ"Demais..." Eren murmurou alguns passos atrás de Levi, boquiaberto.
ㅤㅤㅤㅤ"Como a maioria, eu comecei aos 6." Habilidosa, Sakura alcançou mais um par dentro da bolsa presa nas costas, desta vez eram shurikens.
ㅤㅤㅤㅤA expressão azeda do capitão foi percebida por Erwin, aliás. Outra vez, ele escolheu o silêncio, contudo entendia de onde o sentimento vinha. Começar a preparar crianças tão cedo atroz até para os padrões dele.
ㅤㅤㅤㅤO seu tom era calmo e quase pedagógico, e a postura confirmava o que foi dito sobre treinar desde criança — como se fosse uma parte dela. No momento seguinte, ela arrojou as lâminas juntas e com efeito. Quando as estrelas erraram por centímetros o tronco no qual ela parecia mirar, Jean soltou um cicio de deboche, apenas para ter a sua boca calada ao ouvir o som dos metais se colidindo, uma delas se prendendo numa madeira aleatória, enquanto a outra voltava com o impacto e cortava perfeitamente o talo da romã madura antes de se fixar ente as folhas da copa, fazendo a fruta cair no chão e rolar alguns centímetros na grama macia.
ㅤㅤㅤㅤTudo bem, talvez fosse um pouco impressionante. A admissão veio a contragosto.
ㅤㅤㅤㅤ"Com o passar do tempo, você aprende alguns truques úteis," a kunoichi concluiu antes de recolher as facas usadas, levando apenas alguns minutos. Ela pegou a fruta e inspecionou um momento, garantindo estar boa para consumo. Quando voltava ao grupo, podia sentir o olhar da Braus pela primeira vez na sua direção, sendo mais precisa, na do alimento vermelho vibrante nas mãos da médica. Com um sorriso mínimo e educado, ela entregou a romã à garota, que aceitou, ávida, e abriu o presente com os dedos.
ㅤㅤㅤㅤ"Você é um anjo...?" Sasha perguntou encarando o a polpa com as sementes escarlates dentro como se fossem um banquete, emocionada por Sakura ter reparado nela estar de olho naquela romã em específico desde a chegada.
ㅤㅤㅤㅤDesconfortável e com um sorriso amarelo, Sakura negou e voltou a sua atenção ao restante, em especial, Erwin. Ela sabia como aquilo poderia ser interpretado — soberba. Mas se a intenção disso tudo era entender melhor as habilidades dela, faria questão de ir além do óbvio.
ㅤㅤㅤㅤPrecipitada, a cientista interveio sem conseguir conter a sua curiosidade e interrompeu o comandante antes de poder dizer estar satisfeito, "e aquelas facas com o papel estranho preso no cabo? Pra que servem?"
ㅤㅤㅤㅤ"As kunais explosivas?" Sakura perguntou para confirmar, buscando um exemplar na bolsa a fim de mostrar a cientista. Ao que tudo indica, alguém tinha entrado de fininho no armazém e fuçado em tudo apesar de o capitão ter proibido expressamente qualquer contato com o equipamento dela e evitar possíveis acidentes.
ㅤㅤㅤㅤ"Explosivas?!" A pergunta veio em uníssono de Hange e Levi — a primeira empolgada com a ideia, e o segundo indignado. Ela não pensou em falar sobre esse detalhe antes de deixar que armazenassem esse tipo de coisa no mesmo cômodo onde guardavam os combustíveis do DMT?
ㅤㅤㅤㅤ"Sim." Mostrou o papel com bordas vermelhas com símbolos desenhados em uma das faces. Aquilo parecia tudo, menos uma bomba. Por um segundo, ele ficou cético. "É um selo. Pode ser ativado com chakra, e depois de alguns segundos, detona sozinha."
ㅤㅤㅤㅤ"Igual a uma granada," Erwin concluiu em seguida.
ㅤㅤㅤㅤ"Suponho que sim," ela concordou antes de guardar a faca no lugar, embora estivesse incerto do que o comandante estava falando. Foi um consenso entre os três a decisão de não fazer a demonstração prática da arma, afinal, o som poderia atrair atenção indesejada antes da hora. Hange, por outro lado, pareceu desanimar antes de voltar a teorizar com Moblit se a capacidade destrutiva daquele pedaço de papel era maior ou menor em comparação com a explosão a uma Lança de Trovão.
ㅤㅤㅤㅤ"Guarde isso num lugar seguro, na próxima." O comentário de Levi foi ácido, antecedendo a etapa seguinte. Sakura pensou em esclarecer sobre os papéis bomba não serem voláteis da forma como ele pensava, mas provavelmente seria um esforço em vão, então ela apenas obedeceu para evitar discussões desnecessárias.
ㅤㅤㅤㅤDe volta à exibição, havia chegado a vez dos pergaminhos, como Sakura havia chamado. Rolos extensos, e na página dentro deles havia mais símbolos estranhos os quais o capitão não perdeu tempo tentando entender. Eram outros selos, esse com o objetivo de armazenar quase qualquer coisa, ela explicou enquanto ativava um deles, expondo um conjunto de sutura outrora ausente. Quando o estarrecimento inicial deles passou, Armin sugeriu ser uma ótima forma de transportar suprimentos durante as expedições, no entanto, além de soar idealista pensar que fariam alguma missão em breve, tendo em vista os obstáculos políticos atuais, Erwin contrapôs — seria nada prático estar à mercê da Haruno naquele aspecto. Se ficasse incapacitada em um momento crítico, não poderiam contar com ela para recuperar as provisões. Por hora, apesar de mais lentas, carroças cheias seriam a melhor aposta no caso de Eren falhar em dominar o Endurecimento.
ㅤㅤㅤㅤ"Ainda nessa seção, existem diversas técnicas de selamento, mas nunca foi a minha especialidade," Sakura disse por fim, guardando os rolos na mesma bolsa presa às costas e apontando o pequeno losango no centro da testa dela. "Essa marca é do único selo feita por mim. Funciona como reserva de energia constantemente alimentada por anos. Tenho certeza de que a senhorita Zöe já lhe explicou sobre isso, senhor Smith."
ㅤㅤㅤㅤErwin olhou na direção de Hange um momento, uma das sobrancelhas erguida. Ela, ao notar o gesto, limpou a garganta e recuperou a postura, entendendo a pergunta implícita. "Ela tá falando da Força de Uma Centena," disse numa tentativa de sussurro. A cientista havia passado muitas informações em pouco tempo para o homem, então era de se esperar que não lembrasse todos de os temos com perfeição. A recapitulação pareceu ter o ajudado a relacionar as duas conversas.
ㅤㅤㅤㅤ"Força de Uma Centena," Levi repetiu, cruzando os braços, o tom mordaz apesar de avaliativo. Ele leu algo parecido no relatório dela, antes de achar tudo fantasioso demais. "É um nome meio exagerado, na minha opinião."
ㅤㅤㅤㅤSakura falhou em esconder a irritação por completo, pensando consigo mesma a respeito do quão pouco proveitoso seria devolver na mesma moeda. Ela só aceitou a provocação e respondeu com um sorriso falso, porém educado, "é, acho que tem razão, senhor Levi."
ㅤㅤㅤㅤTalvez ela tenha sido um pouco sarcástica, mas não o suficiente para causar uma cena, então apenas foi pedido para que prosseguissem.
ㅤㅤㅤㅤApesar de todos, exceto Erwin e sua equipe, já terem ouvido pelo menos de relance algumas explicações referentes as habilidades dela durante alguma sessão de perguntas do Yeager e da Zöe, a ficha de aquilo ser verdade só pareceu cair à medida em que a demonstração avançava. Por exemplo, ela comentou sobre técnicas de multiplicação há menos de meia hora, no entanto eles só perceberam ser de fato uma expressão literal quando viram as cópias dela bem na frente deles. O Smith era ótimo em manter os seus pensamentos ocultos atrás de uma feição séria e inabalável diante daquilo que o restante só poderia descrever como 'surreal'. Até Hange ficou alguns minutos em silêncio enquanto absorvia a explicação de Sakura acerca das diferentes Artes de Clonagem — porque obviamente existiria mais de uma, não é? — tudo isso enquanto duplicatas da médica transitavam, até interagindo com eles.
ㅤㅤㅤㅤQuando uma delas passou perto de Levi, ele tentou a puxar pelo braço como se quisesse ter certeza de que era real, apenas para a imagem se desfazer, e os seus dedos agarrarem o ar.
ㅤㅤㅤㅤ"Clones simples não tem massa, ao contrário dos outros. A luz é manipulada, selecionando quais comprimentos de onda são refletidos de forma a criar uma imagem vívida," a original elucidou, um pouco desconfortável com a cena, agarrando o próprio pulso e escondendo as mãos atrás das costas. A explicação, no entanto, pareceu deixar a maioria confusa. "A teoria é mais complexa do que a prática, nesse caso."
ㅤㅤㅤㅤErwin aceitou a explicação, mesmo não compreendendo exatamente desses assuntos científicos — pelo rosto de Hange, ela entendia, pois estava se contendo a fim de evitar interromper a demonstração e falar até ficar sem voz. Depois de resolverem as pendências com a Polícia Militar, teriam tempo para dissecar esses novos termos e conceitos com a calma e paciência que parecem exigir. Até lá, se ater ao prático e útil, com sorte, seria o suficiente.
ㅤㅤㅤㅤ"Podemos prosseguir com as técnicas de disfarces?" o comandante sugeriu alguns segundos depois, quando as cópias da médica se desfizeram em névoa e poços de lama, entendendo aquilo como o sinal da etapa ter se encerrado. "Foi como você se infiltrou nas nossas fileiras naquela época. Confesso que estou curioso sobre o funcionamento de algo assim."
ㅤㅤㅤㅤLevi reagiu diante do tema, e novamente Erwin reparou. Alguns dias depois de acordar no hospital, o comandante recebeu uma visita dele e de Hange. À primeira vista, pensou ser algo relacionado a Reinner e Berthold, que tivessem descoberto alguma pista a respeito de quem do lado de fora das muralhas estava torcendo pela morte das pessoas ali dentro, então imagine a sua surpresa ao ouvir novidades sobre a estranha que o capitão encontrou na 57ª Expedição.
ㅤㅤㅤㅤSegundo ele, de alguma forma, Sakura havia se disfarçado usando a aparência de um dos soldados mortos naquela missão para entrar nas muralhas, e, a partir disso, conseguiu estabelecer uma nova identidade naquele mesmo hospital. Aparentemente foi a mesma técnica usada com o intuito de se disfarçar em uma das enfermeiras na noite da operação quando a capturaram, uma tentativa de despistar o Reconhecimento — e teria funcionado, se Levi não soubesse daquela habilidade e a reconhecesse através do olfato. Mais tarde, quando Hange havia se retirado, contou que o soldado em questão era Petra. A decisão de dar esse detalhe apenas quando estivessem a sós revelou o quanto aquilo havia se tornado pessoal para ele, afinal, uma espiã havia profanado a imagem de um falecido membro do seu esquadrão, e isso não seria perdoado tão fácil, além de explicar boa parte da sua resistência insistente com relação a nova integrante.
ㅤㅤㅤㅤPela expressão do capitão, ficou óbvio que o assunto sequer foi mencionado até agora.
ㅤㅤㅤㅤEra de se esperar. Ele não a confrontaria por nada considerado emocional ou pessoal, como a escolha dela para o disfarce, independentemente do quanto o incomodasse. Talvez até tenha evitado pensar sobre o assunto, porque essa era a sua forma de lidar com os tópicos internos; o exato oposto da forma que ele tratava de questões pertinentes à divisão: insensível e direto.
ㅤㅤㅤㅤLevi sempre foi o mais sentimental entre eles, mas a maioria sequer imaginaria isso.
ㅤㅤㅤㅤAo fim da breve explicação de Sakura, Hange estendeu a mão, como um aluno empolgado com uma dúvida. "Tá dizendo que você pode 'se transformar' em qualquer um? Pode se 'transformar' em mim? Ou no Levi?"
ㅤㅤㅤㅤ"Não me envolva nisso, Óculos de Merda," O outro vetou a ideia no mesmo instante, mais rabugento do que normalmente seria.
ㅤㅤㅤㅤ"Calma aí, foi só uma pergunta," alegou embora não tivesse de fato se sentido ofendida, lenta demais para notar o incômodo do colega. Ao vê-lo revirar os olhos em um suspiro desistente, a cientista se voltou à Haruno. "Então? Você pode?"
ㅤㅤㅤㅤ"Sim, se eu tiver detalhes o suficiente," a kunoichi disse enquanto realizava alguns símbolos com as mãos — a maioria dessas habilidades precisava disso, algo parecido com um gatilho. No momento seguinte, uma névoa surgiu em volta de si e logo se dissipou, revelando a imagem perfeita de Hange, que gritou de surpresa e empolgação quando viu, junto com murmúrios incrédulos do restante. Transformada, Sakura se aproximou da Zöe, imitando os trejeitos dela antes de a abraçar pelos ombros, como a cientista geralmente fazia com os outros. "O resto é sobre convencer, sabe? Se fizer uma caricatura ou exagerar demais, fica super estranho. Aí é só parecer alguém mais esperto... e já era!"
ㅤㅤㅤㅤEra tudo fiel de uma maneira assustadora: desde a altura, o cabelo desgrenhado e de aspecto oleoso até animação excessiva no tom, a voz e a forma de falar. Erwin pela primeira vez pareceu genuinamente impressionado. Era tão convincente quanto Levi disse ser, e agora o comandante conseguia entender de onde vinha a animosidade dele, apesar de não compartilhar desse sentimento. Mesmo parecendo fantástico demais, poderia ser muito útil, considerando que ninguém dentro das muralhas poderia imaginar a existência de algo assim.
ㅤㅤㅤㅤ"É difícil dizer quem é quem," Erwin comentou enquanto chegava mais perto da dupla, segurando o rosto de uma delas para comparar com a outra e observando tudo com atenção fria que causaria arrepios em qualquer um. "A senhorita é fascinante."
ㅤㅤㅤㅤO tom dele foi o oposto de contemplativo: objetivo, constatando um fato, e ainda assim, profundo. Ele olhou no fundo dos olhos da primeira à segunda, através dos óculos, e até isso era perfeito. Então notou o desconforto em ambas e a soltou junto da liberação da técnica de Sakura, que voltou a sua aparência original. Ele não se desculpou pela inconveniência, no entanto.
ㅤㅤㅤㅤ"Presumo que esteja satisfeito," Sakura voltou a falar como ela mesma, se afastando de Hange, o rosto corado em desconforto. Ao contrário dela, a cientista já havia se recuperado da aproximação repentina do comandante.
ㅤㅤㅤㅤ"Sim, estou," Erwin concordou, gesticulando para Sakura se preparar para a próxima etapa enquanto voltava a posição inicial, encontrando ali Levi o encarando. O pedido — ou melhor, a exigência — estava estampada no rosto mal-humorado, e embora o Smith estivesse ansioso por conferir o que de mais a médica tinha a lhes apresentar, concluiu que adiar aquela conversa com o capitão faria mais mal do que bem. Os dois se afastaram do grupo por um momento, Eren e Hange disputando para ver quem fazia o maior número de perguntas, e Armin tentando mediar a situação e agindo como o responsável em detrimento da própria curiosidade. O restante parecia absorver os acontecimentos da última hora. "Estou ouvindo."
ㅤㅤㅤㅤ"Qual é a merda do seu problema, Erwin?" ele disse em seguida, conferindo se Sakura ainda estava entre eles.
ㅤㅤㅤㅤ"Você precisa ser mais específico."
ㅤㅤㅤㅤDiante da resposta indiferente e desentendida, Levi deixou uma risada anasalada de indignação escapar antes de passar a língua atrás dos dentes e cruzar os braços.
ㅤㅤㅤㅤ"Tudo bem. Vou ser mais específico. Tô falando de você agir como se essa garota não fosse uma ameaça," ele esclareceu, impaciente, a voz baixa o suficiente no intuito de não ser ouvido pelo restante. Isso teria sido o suficiente para alguém do nível de Erwin entender, mas apesar disso, permaneceu em silêncio, esperando pela conclusão. "'Fascinante?' Sério? Desde quando lambe o saco de alguém desse jeito?"
ㅤㅤㅤㅤ"Jamais imaginaria que um simples reconhecimento fosse ferir o seu orgulho com relação a mim."
ㅤㅤㅤㅤ"Não é orgulho, então que tal parar de bancar o lesado? E aquela história de fazer ela pensar que precisa mais da gente do que a gente dela? Mudou de ideia sem avisar ninguém?" Levi continuou questionando e isso pareceu tê-lo feito se calar por um instante, instante esse no qual o capitão olhou para o chão, vidrado, uma percepção acabando de cair sobre si como um soco. "Caralho... se ela se passasse por um de nós — por você — só íamos perceber quando fosse tarde demais, e daí a merda já teria sido feita."
ㅤㅤㅤㅤOs dois olharam na direção de Sakura — Erwin com uma avaliação fria, enquanto Levi parecia encarar um perigo iminente. Ela estava apenas conversando, respondendo as perguntas feitas a si pelo grupo, indo em direção ao lago, onde talvez planejasse continuar a demonstração, todavia, com parte da atenção dividida para eles, preocupada. Daquela forma ela aparentava ser apenas uma jovem mulher inofensiva, porém, levando em consideração tudo o testemunhado até aqui, seria ingenuidade acreditar nas aparências.
ㅤㅤㅤㅤ"Tem razão," o Smith falou depois de alguns segundos, a atenção voltando ao colega, o fazendo acreditar por um momento que o ouviria admitir estar errado. Ledo engano. "Mas as coisas mudaram. Chegamos num ponto onde tentar a convencer de que não somos vulneráveis não vai a impedir de se voltar contra nós."
ㅤㅤㅤㅤOs dedos do capitão se apertaram com força por baixo dos braços cruzados, reconhecendo a verdade naquilo, embora fosse desconfortável. Era até mais provável desde o início Sakura nunca ter acreditado no blefe de que eles tinham alguma força.
ㅤㅤㅤㅤ"Vai nos fazer parecer desesperados," ele tentou argumentar, pelo menos alertar sobre isso, apenas para ser jogado nele um balde de água fria.
ㅤㅤㅤㅤ"Estamos desesperados, Levi. Fingir o contrário é desperdício de energia, e não temos esse luxo agora," Erwin disse enquanto voltava a observar a movimentação do grupo. Hange havia tirado o DMT dela, e agora estava agarrada na mão de Sakura enquanto as duas se aproximavam da margem. Com toda certeza a Quatro-Olhos a convenceu de iniciar antes de os dois voltarem, contudo, era difícil dizer do que se tratava — estava frio demais para ser um mergulho. Os olhares dos três se encontraram por um momento, provando que a garota continuava prestando atenção nos movimentos dele, tentando ler a situação. Sem quebrar o contato visual, ele continuou, "mas se ela se provar confiável, se ela for tão forte quanto você acredita, a humanidade terá mais um trunfo: Sakura, Eren e você."
ㅤㅤㅤㅤCom um suspiro cansado, o capitão deu a discussão como perdida, e ergueu a mão direita, delimitando uma linha. "Vou confiar na sua decisão, como sempre. Só não tenta me bajular de novo, não, tá? Não combina com você."
ㅤㅤㅤㅤ"Não estou bajulando ninguém." Isso passou longe de convencê-lo, no entanto.
ㅤㅤㅤㅤEles se conheciam a tempo suficiente para saber quando um tentava manipular o outro — mesmo que as abordagens variassem entre si. Levi usava de ameaças, em contrapartida, Erwin usava elogios bem disfarçados.
ㅤㅤㅤㅤ"Caramba! Levi! Erwin! Vocês precisam ver isso!" Hange gritou em alto e bom som.
ㅤㅤㅤㅤQuando os dois olharam na direção dela, o que viram foi não só Sakura, mas também a comandante de seção agarrada nela como se fosse uma tábua de salvação, e de alguma forma, ambas caminhando sobre a água; a superfície mal se perturbando com o movimento. O Smith mascarou a surpresa com um olhar neutro, e Levi, um pouco mais habituado a visão, ao se recuperar do leve sobressalto, ergueu uma sobrancelha, reprovativo — outra vez. Ele a viu correr pelas paredes das muralhas há alguns dias, porém isso não tornava a cena menos impactante.
ㅤㅤㅤㅤ"Essa é a sua técnica de mobilidade?" Erwin perguntou assim que os dois se aproximaram, lembrando da ordem estabelecida para a apresentação.
ㅤㅤㅤㅤA Haruno assentiu, concentrada em não deixar a Zöe cair; um pouco complicado, pois a cientista estava determinada a testar os limites dela. "Sim. Antes, eu estava dizendo: no caso da água, o que eu faço é sincronizar a energia concentrada nos meus pés de forma a criar uma tensão superficial. Igual aos insetos. Também posso escalar e me suspender em estruturas verticais ou de ponta cabeça desse modo."
ㅤㅤㅤㅤCom a explicação, o comandante assentiu, pensativo.
ㅤㅤㅤㅤ"E como a Hange tá fazendo isso?" Levi pergunta, o tom menos ácido depois da conversa com o comandante, encarando os pés das duas sobre o lago como se fosse terra firme.
ㅤㅤㅤㅤ"Aí é que tá! Eu não tô fazendo nada!" a cientista diz entusiasmada, quase se soltando da Haruno ao tentar gesticular, sendo contida novamente. "É tudo a Sakura! Ela tá transferindo parte da energia dela pro meu corpo e criando a tensão sob as minhas botas. Legal, né?"
ㅤㅤㅤㅤ"Muito," o capitão respondeu sarcástico, enquanto desviava o olhar apenas um momento para o restante do grupo. Exceto pela Quatro-Olhos, Eren foi único a achar aquilo divertido, enquanto os outros pareciam tentar acordar de um sonho surreal. Erwin, no entanto, estava encarando a situação com certo fascínio até, sem tentar esconder. Foi igual a vez quando Hange contou a respeito de Ragako — enquanto todos estavam abismados com as implicações das palavras de Connie, o comandante riu.
ㅤㅤㅤㅤEstava acontecendo de novo.
ㅤㅤㅤㅤNão que duvidasse da lucidez do Smith, mas era uma preocupação de Levi saber se o acidente onde perdeu o braço mudou alguma coisa ou se ele sempre foi assim e apenas soube mascarar muito bem.
ㅤㅤㅤㅤLevi voltou a olhar à cena diante dele. Apesar de todos os avisos para se segurar, a Zöe, a fim de provar um ponto a si própria, se soltou, afundando na água no mesmo instante. A estrangeira reagiu rápido e a segurou, a impedindo de submergir completamente. Nada apta a isso, a cientista tentava subir na superfície do lago — se isso fizesse algum sentido de ser descrito —, e falhava de maneira vergonhosa. Mais surpreendente que isso, foi o fato de alguns dos membros do esquadrão dele rirem um pouco antes de levarem uma advertência silenciosa do seu capitão.
ㅤㅤㅤㅤEra assombroso, como se um livro de fantasia de mau gosto tivesse se tornado realidade. Era antinatural, e talvez Levi invejasse a forma com a qual Hange conseguia se divertir com algo assim ou com qualquer outra coisa com risco real de foder com tudo. Se ele não se preocupasse tanto, quiçá tivesse longas noites de sono. No entanto, alguém precisava se preocupar, principalmente agora, quando Erwin parecia estar disposto a arriscar mais do que o normal.
ㅤㅤㅤㅤPor fim, as duas saíram do lago, as costas de Sakura agora molhadas por precisar trazer a outra na garupa. "Foi tão incrível! A água parecia sólida, e no mesmo momento ficou líquida de novo, eu senti!"
ㅤㅤㅤㅤ"Não faça mais isso," a médica a repreendeu, pegando a toalha trazida por Historia e colocando em volta da cintura de Hange enquanto ela tentava passar todas as experiências dela para Moblit, a ignorando. "Você poderia ter se molhado inteira e ficado doente, sabia?"
ㅤㅤㅤㅤ"Seria melhor assim," Levi respondeu, ainda insatisfeito com a falta de postura da colega. "Pelo menos ela teria tomado um banho."
ㅤㅤㅤㅤ"Ei!"
ㅤㅤㅤㅤ"Tudo bem, vamos focar na apresentação." Agora quem falou foi o comandante, pela segunda vez trazendo o foco do grupo ao que lhe interessava antes de focar inteiramente em Sakura. "Há algum adendo necessário ou podemos prosseguir para a próxima parte?"
ㅤㅤㅤㅤSakura negou com a cabeça em resposta ao garantir que Hange estava focada em secar as próprias roupas — estavam em uma época fria do ano, e perder um dos membros mais importantes do grupo para um resfriado ou pneumonia em um momento político incerto era uma das piores coisas na sua visão. Isso contradizia a visão nocente que Levi insistia em manter sobre ela, claro, e nunca seria o suficiente para fazê-lo mudar de ideia. Havia desistido de fazer isso antes mesmo daquele acordo vingar, então o motivo dela era apenas garantir estar cumprindo a sua parte.
ㅤㅤㅤㅤErwin tinha razão: precisava focar no objetivo.
ㅤㅤㅤㅤAgora, eles testemunhariam a demonstração de aprimoramento físico, e a kunoichi se perguntou como deveria proceder. À primeira vista, deixar isso para o final perpetuaria o receio já existente entre os soldados, mas ainda era melhor do que simplesmente chocá-los logo no início. Uma construção gradual da imagem a respeito do potencial dela se mostrou caminho ideal até ali — começar com simples arremessos de kunais e shurikens e escalonando seus feitos de maneira mais orgânica possível, considerando que tudo parecia magia para eles.
ㅤㅤㅤㅤPensar sobre isso era inútil, no entanto. No final das contas, seria atordoante não importa a estratégia usada.
ㅤㅤㅤㅤO olhar dela partiu de Levi até a floresta além, talvez onde Mikasa estivesse realizando a patrulha. Nunca havia a visto em ação, entretanto, já a testemunhou carregar caixas com mais de 150kg com facilidade, e o exame geral de rotina feito nessa semana comprovou a força acima da média garantida pela composição da massa muscular da Ackerman. Levi também parecia ser um caso desses. Não havia feito exame porque o capitão não compareceu à enfermaria para além de lhe designar tarefas, mas a julgar pela forma como ele lutou e até aguentou bem um soco aprimorado no abdômen, conseguia supor com facilidade a vantagem física que tinha em relação aos outros.
ㅤㅤㅤㅤTalvez as pessoas ali estejam razoavelmente habituadas a proezas físicas anormais, pelo menos os mais próximos desses dois, e estivesse se preocupando à toa, no fim das contas. É o que ela gostaria de pensar. O problema é que Sakura, além de inteligente, conhecia muito bem as próprias capacidades, e dar o máximo dela ali, além do risco de chamar a atenção desnecessária e comprometer a missão, deixaria todos apavorados — se já causava espanto entre shinobis experientes, o que dizer de pessoas desacostumadas aos absurdos das Artes Ninjas mais simples?
ㅤㅤㅤㅤVamos começar devagar, a Haruno pensou consigo mesma enquanto ajeitava as luvas entre os dedos e se aproximava de um seixo grande nas margens, quase da altura de um homem adulto, ciente do grupo a seguindo a uma distância segura.
ㅤㅤㅤㅤCom suspiro de concentração, afastou os pés e mediu a distância do seu braço até a superfície da pedra com uma mão enquanto a outra protegia o rosto dela.
ㅤㅤㅤㅤE no momento seguinte, com um único soco, um estrondo ensurdecedor soou, e ela partiu a rocha em pedaços menores, que voaram em direção a água, sendo engolidas pelo lago e desaparecendo no fundo dele.
Notes:
Estou postando uma nova fanfic de Shingeki No Kyojin! Também é um Crossover (com Bleach, é eu sei, é estranho, mas enfim). Link aqui em baixo:
https://archiveofourown.org/works/69215301
animeverse on Chapter 1 Thu 28 Aug 2025 04:04AM UTC
Comment Actions
Input_0 on Chapter 1 Fri 29 Aug 2025 09:14PM UTC
Comment Actions
KASA_69 on Chapter 7 Tue 12 Aug 2025 06:42PM UTC
Comment Actions
Input_0 on Chapter 7 Tue 12 Aug 2025 07:26PM UTC
Last Edited Tue 12 Aug 2025 07:27PM UTC
Comment Actions
KASA_69 on Chapter 7 Wed 13 Aug 2025 07:08PM UTC
Comment Actions
Kalaios on Chapter 13 Fri 29 Aug 2025 11:37AM UTC
Comment Actions