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Sweet Torment

Summary:

A história é um romance que se passa em Eregion durante a Segunda Era. Galadriel é a Senhora e administradora de Eregion, uma líder pragmática e controladora. Sua ordem é abalada pela chegada de Annatar, um carismático e belo emissário que alega ter sido enviado pelos Valar. Enquanto todos os elfos, especialmente o mestre-ferreiro Celebrimbor, são rapidamente encantados por suas promessas de uma nova era de criação, Galadriel é a única que desconfia dele, vendo sua perfeição como uma farsa. Entre eles, inicia-se um intenso jogo de poder, sedução e manipulação, com Annatar suportando o desprezo dela com uma cortesia divertida e cruel.

Chapter 1: A Perfeição Suspeita

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O problema fundamental de se governar um reino de imortais, ponderou Galadriel, era que todos tinham tempo de sobra para desenvolver opiniões. Opiniões fortes, apaixonadas e, na maioria das vezes, irritantemente detalhadas sobre assuntos triviais. Naquela manhã em particular, o assunto trivial era a nova política de tarifas sobre safiras não lapidadas importadas das Montanhas Azuis.

"Com todo o respeito, Senhora de Eregion," disse Laeron, o mestre da Guilda dos Lapidários, com uma expressão que não transmitia respeito algum, "um aumento de três por cento na taxa de importação sufocará a criatividade! Como podemos ser pioneiros em novas técnicas de corte facetado se o material bruto se torna proibitivamente caro?"

Galadriel massageou a ponte do nariz, um gesto que ela esperava que parecesse pensativo, mas que na verdade era uma tentativa de conter uma dor de cabeça iminente. Ela estava sentada à cabeceira de uma longa mesa de carvalho polido em sua câmara administrativa, um pináculo arejado com vista para toda a cidade de Ost-in-Edhil. Mapas, relatórios e planos arquitetônicos cobriam as paredes, um testamento de sua ordem, sua lógica e seu controle. No momento, no entanto, seu controle estava sendo testado por um elfo cuja principal preocupação na vida era o brilho de uma pedra azul.

"Laeron," disse ela, a voz calma e nivelada como um lago tranquilo. "A taxa não é para sufocar a criatividade. É para financiar o novo sistema de aquedutos que garantirá que suas oficinas de polimento tenham um fluxo constante de água pura. A menos, é claro, que a Guilda prefira voltar a usar baldes."

O lapidário corou levemente. Ao lado dele, Idril, da Guilda dos Comerciantes, bufou. "Os anões não reclamam de nossas taxas de exportação de produtos acabados. Eles entendem de negócios."

"Os anões também consideram uma boa briga de bar o auge do intercâmbio cultural," murmurou Galadriel para si mesma. Antes que o debate pudesse se transformar em uma discussão sobre as virtudes da economia anã versus a sensibilidade artística élfica, a porta da câmara se abriu com uma força que fez os pergaminhos na mesa vibrarem.

Celebrimbor, Senhor das Forjas e o maior artesão daquela era, irrompeu na sala. Seu cabelo escuro estava mais desgrenhado que o normal, havia uma mancha de fuligem em sua bochecha esquerda e seus olhos cinzentos brilhavam com uma febre criativa que Galadriel conhecia muito bem. Era o mesmo olhar que ele tinha quando passou três semanas sem dormir para inventar uma liga de prata que podia ser tecida como seda.

"Ele chegou!" ofegou Celebrimbor, ignorando completamente os mestres de guilda estupefatos. "Galadriel, ele está aqui! O Arauto! O Presente!"

Galadriel piscou lentamente. "Celebrimbor, com todo o respeito ao seu gênio, você precisa ser mais específico. ' Ele' é uma designação bastante ampla. Se você se refere ao comerciante de vinhos de Dorwinion, ele só é esperado na próxima semana."

"Não! Não!" Ele gesticulou descontroladamente em direção à janela, como se o próprio céu tivesse se aberto. "Um emissário! De Valinor! Enviado por Aulë, o Ferreiro, para nos agraciar com sua sabedoria! Ele se chama Annatar, o Senhor dos Dons!"

Presente, pensou Galadriel com acidez. A última vez que os Valar nos deram um 'presente', foi o exílio.

Um silêncio pesado caiu sobre a sala. Até mesmo Laeron parecia ter se esquecido de suas safiras. A menção a Valinor era como uma pedra jogada nas águas paradas da memória da Terra-média. Era um lugar de lendas, um sonho distante que a maioria dos elfos nascidos ali mal conseguia conceber. A ideia de um emissário, especialmente um enviado pelo próprio Valar da Forja, era monumental.

E, para Galadriel, era profundamente suspeita. Os Valar haviam se envolvido em uma política de silêncio retumbante por eras. Por que agora? E por que aqui? E que tipo de ser se autodenominava "Senhor dos Dons"? Soava como o título de um comerciante de tapetes especialmente bem-sucedido.

"Ele está no Grande Concurso, discursando para a multidão," acrescentou Celebrimbor, o rosto corado de uma admiração que beirava a adoração. "Sua luz... Galadriel, é como se ele trouxesse consigo o brilho das Duas Árvores."

"Isso é impossível, e você sabe disso," disse ela, a voz subitamente fria. Mas a menção às Árvores, uma memória pessoal e sagrada para ela, acendeu a primeira centelha real de alarme. Quem quer que fosse esse Annatar, ele sabia exatamente quais notas tocar para encantar uma audiência de Noldor exilados.

Ela se levantou, sua presença imediatamente comandando a atenção de todos. "Mestres de Guilda, esta reunião está suspensa. Idril, prepare um resumo de nossas atuais reservas de metais preciosos. Laeron, quero um relatório sobre a viabilidade de usar ágata como alternativa temporária." Ela estava dando ordens, reafirmando seu controle em face daquela anomalia. "Celebrimbor, leve-me até ele."

Enquanto caminhavam pelas ruas brancas e graciosas de Ost-in-Edhil, Galadriel podia sentir a mudança na atmosfera. O zumbido usual de trabalho e arte havia sido substituído por uma quietude reverente, todos os rostos virados em uma direção. O Grande Concurso, uma praça aberta projetada para discursos cívicos e mercados, estava lotado. Milhares de elfos, de artesãos a estudiosos, estavam parados, cativados.

E no centro, em um palanque elevado, estava ele.

A primeira coisa que Galadriel notou foi a perfeição. Era uma perfeição tão absoluta que parecia artificial. Seu cabelo era a característica mais impressionante: uma cascata de ouro líquido, tão perfeitamente loiro e brilhante que parecia emitir sua própria luz. Caía liso e pesado sobre seus ombros, emoldurando um rosto de beleza simétrica e desconcertante. Suas vestes brancas eram simples, mas pareciam imunes à poeira do mundo.

Mas era o sorriso dele que era a verdadeira arma. Era um sorriso sedutor, lento, que parecia dizer que ele conhecia todos os seus segredos e os aprovava. Era um sorriso de absolvição e tentação combinadas. E enquanto ele falava, sua voz, um barítono rico e melódico, envolvia a multidão como um cobertor de veludo.

"... pois a Terra-média não é uma terra abandonada, mas uma tela em branco!", ele proclamava, os braços abertos em um gesto de magnanimidade. "E vocês, os Noldor, são os maiores artistas que este mundo já conheceu! Eu não vim para liderar, mas para servir. Para oferecer o conhecimento de Aulë, para ajudar a aprimorar suas já magníficas habilidades. Juntos, podemos construir aqui uma beleza que fará Valinor parecer uma pálida lembrança!"

Galadriel sentiu um arrepio. A blasfêmia daquela última frase era de tirar o fôlego, mas foi dita com tanto carisma que a multidão irrompeu em aplausos arrebatados. Celebrimbor, ao seu lado, parecia que ia chorar de alegria. Ela, no entanto, viu a verdade da performance. Ele não estava oferecendo ajuda. Estava oferecendo a isca mais potente de todas para o orgulho Noldorin: a chance de superar seus mestres, de provar que o exílio havia sido, na verdade, uma oportunidade.

Ela permaneceu em silêncio, observando das sombras de uma arcada, enquanto a multidão se aproximava dele, ansiosa por um momento de sua atenção. Ele era gracioso, movendo-se entre eles com uma fluidez sobrenatural, oferecendo uma palavra de elogio a um ferreiro, um olhar de admiração a uma joalheira. E durante todo o tempo, Galadriel sentiu os olhos dele procurando, varrendo a multidão. Ela sabia, com uma certeza fria, que ele estava ciente da presença dela, a única ilha de silêncio e ceticismo naquele mar de adoração.

Finalmente, ele se libertou de seus admiradores, com Celebrimbor agindo como um guarda de honra extasiado, e se aproximou dela. De perto, sua perfeição era ainda mais pronunciada, e ainda mais perturbadora. Não havia um único fio de cabelo for a do lugar, nem uma única mancha em suas vestes. Ele cheirava a ar limpo e a algo sutilmente metálico, como ozônio antes de uma tempestade.

"Senhor Annatar," disse Celebrimbor, a voz trêmula de reverência. "Esta é a Senhora de Eregion, minha prima, Lady Galadriel."

Annatar inclinou-se em uma reverência impecável. "Lady Galadriel. Enfim, a mente que ordena toda esta beleza." Sua voz, de perto, era ainda mais potente, uma vibração que parecia ressoar diretamente em seus ossos.

"Você tem um dom para a lisonja, Senhor dos Dons," respondeu ela, a voz deliberadamente fria. Ela não inclinou a cabeça, nem ofereceu a mão. "É uma coragem notável, para invocar as Duas Árvores em um discurso tão levianamente."

O sorriso de Annatar não vacilou. Em vez disso, um brilho de genuíno divertimento dançou em seus olhos azuis. Ele não estava ofendido. Ele estava intrigado. "Coragem, ou talvez apenas uma profunda apreciação pela luz. Algo que me disseram que compartilhamos."

"A luz pode ser usada para iluminar ou para cegar," ela retrucou. "Estou curiosa para saber qual é a sua intenção."

Celebrimbor pareceu horrorizado com a hostilidade velada dela, mas Annatar apenas riu, um som baixo e rico. "Direta. Eu gosto disso. Em um mundo de floreios e polidez, a clareza é um metal raro." Ele a olhou de cima a baixo, não de forma lasciva, mas com a avaliação de um mestre estrategista medindo seu oponente mais digno. "Minha intenção é simples, Senhora. Ajudar. Oferecer. Elevador. Mas eu vejo que a sua aprovação, ao contrário da de muitos outros, não será conquistada facilmente."

"Minha aprovação", disse Galadriel, dando um passo à frente, forçando-o a encontrar seu olhar diretamente, "é reservada para aqueles cujas ações correspondem às suas palavras. Até agora, você nos ofereceu apenas as últimas."

Ela podia sentir a mudança na dinâmica. O ar entre eles crepitou com uma tensão que não tinha nada a ver com política e tudo a ver com um desafio pessoal. Ele estava sendo testado pela primeira vez desde que chegara, e por uma mulher que, ele parecia perceber, não podia ser encantada ou intimidada. Ele a via. Ele via a muralha de gelo e inteligência que ela erguera ao redor de si mesma e de seu reino. E em vez de recuar, seu sorriso sedutor se aprofundou, como se ela tivesse acabado de lhe apresentar o quebra-cabeça mais fascinante do mundo.

Ele suportou o desprezo dela com uma cortesia que era, em si, uma forma de agressão. Era a paciência de um predador que sabe que tem todo o tempo do mundo.

"Então terei que me esforçar para que minhas ações a impressionem, Lady Galadriel," ele disse suavemente. "Eu aceito seu desafio."

Ele então se virou para Celebrimbor, cujo rosto estava pálido de ansiedade. "Agora, meu caro amigo, você mencionou uma forja que faria o próprio Aulë sentir inveja. Estou ansioso para vê-la."

Enquanto os dois se afastavam, com Celebrimbor já mergulhando em uma explicação técnica sobre a ventilação de suas fornalhas, Annatar olhou para trás por cima do ombro. Ele encontrou o olhar de Galadriel uma última vez, e deu-lhe uma piscadela quase imperceptível. Naquele instante, Galadriel soube. Aquele ser não era um emissário. Ele era um jogador, e acabara de chegar a Eregion para jogar o jogo mais perigoso de todos.

Chapter 2: A Sinfonia da Resistência

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Havia um tédio inerente à perfeição. Annatar refletiu sobre isso enquanto seguia Celebrimbor por um corredor de mármore branco tão polido que ele podia ver o reflexo de seu próprio sorriso irritantemente benevolente no chão. A persona de "Annatar, Senhor dos Dons" era uma obra-prima, não havia dúvida. A luz parecia aderir a ele, as pessoas se inclinavam em sua direção como flores buscando o sol, e suas palavras eram recebidas como evangelho. Era eficaz. E, pelos abismos escuros, era mortalmente maçante.

Ser o farol da esperança e da sabedoria exigia uma quantidade exaustiva de sorrisos gentis, acenos de cabeça compreensivos e o fingimento de um interesse profundo em coisas como as propriedades acústicas de diferentes tipos de madeira para a construção de harpas. No momento, Celebrimbor estava no meio de uma dissertação apaixonada sobre as inovações na metalurgia de filigrana, gesticulando com as mãos manchadas de fuligem para uma treliça de janela.

"... e se usarmos uma liga de prata e um traço de mithril, a resistência à tração aumenta em doze por cento, permitindo designs ainda mais delicados sem sacrificar a integridade estrutural!" ele exclamou, os olhos brilhando com o fervor de um verdadeiro devoto.

"Fascinante," disse Annatar, sua voz projetando o tom exato de admiração reverente. Internamente, ele estava calculando quantas eras de civilização poderiam ter surgido e desaparecido no tempo que Celebrimbor dedicava a uma única janela. O elfo era um gênio, sem dúvida. Um gênio tão focado em suas criações que não conseguia ver a mão que guiava seu cinzel. Era quase adorável em sua ingenuidade. Ele era a argila mais fina, pronta para ser moldada.

Mas então, havia a Senhora daquele reino de argila. Galadriel.

A lembrança do encontro deles, mais cedo, era como uma gota de vinho raro em um deserto de água morna. Ele esperava cautela, talvez um ceticismo polido. O que ele não esperava era o desprezo gelado e a inteligência afiada que ela empunhava como uma espada. Ela o olhou não como um salvador, mas como uma anomalia a ser dissecada. Ela não viu a luz divina; ela viu o brilho de uma isca.

Enquanto Celebrimbor o guiava, Annatar repassava a imagem dela em sua mente. Ela era bela, mas essa era a característica menos interessante sobre ela. A beleza em Eregion era um recurso natural, abundante e, portanto, de pouco valor. A beleza dela, no entanto, era forjada em autoridade. Estava na curva orgulhosa de seu pescoço, na forma como seu olhar podia silenciar uma sala, na economia de seus movimentos que sugeria um poder imenso mantido em reserva. Celebrimbor era o coração pulsante e febril de Eregion, mas ela... ela era sua espinha dorsal de aço frio.

Ela o desprezava com uma cortesia impecável, e ele achou isso absolutamente delicioso. O desprezo dela era um desafio. A adoração da multidão era como o sol da tarde – quente, agradável e sonolento. O desprezo dela era como um raio, perigoso e eletrizante. Ele não queria a adoração dela. Ele queria a rendição dela. E a jornada para alcançá-la prometia ser o entretenimento mais requintado que ele tivera em séculos.

O baile de boas-vindas naquela noite foi exatamente o espetáculo que ele esperava. O Grande Salão estava transformado em uma floresta de luzes encantadas, com música de harpa flutuando no ar como pólen dourado. Elfos, vestidos com sedas que imitavam o crepúsculo e a aurora, flutuavam pela sala, suas risadas como o tilintar de sinos distantes. Para Annatar, parecia uma pintura excessivamente sentimental ganhando vida. Ele se sentia como uma estátua em um jardim, obrigado a parecer nobre e sorrir enquanto pássaros metafóricos pousavam em sua cabeça.

Ele desempenhou seu papel, claro. Deixou-se ser cercado, aceitando taças de vinho que mal tocava, ouvindo odes à sua chegada e oferecendo banalidades poéticas em troca. Ele era o centro imóvel de um universo giratório de lisonja. E durante todo o tempo, ele a caçava com os olhos.

E a encontrou, como sabia que faria. Ela não estava no centro da celebração. Estava em uma alcova sombreada perto das portas da varanda, uma figura solitária em um vestido de um prateado profundo que parecia feito da própria luz da lua. Ela segurava uma taça, mas não bebia. Estava observando. Vigiando. Uma loba prateada guardando seu território de um intruso dourado. Seus olhos encontraram os dele através do salão, e por um instante, o barulho e a música pareceram desaparecer. Havia um desafio claro em seu olhar, uma declaração silenciosa de que, embora ele pudesse ter encantado seu povo, ela não estava sob seu feitiço.

O jogo continua, pensou ele, sentindo uma onda de genuína antecipação.

Com um sorriso que era ao mesmo tempo uma promessa e uma ameaça, ele começou a se mover. Desculpou-se de um grupo de eruditos que debatiam as implicações de sua chegada na filosofia élfica, passou por um trio de donzelas que suspiraram quando ele passou e interceptou Celebrimbor, que estava a caminho para lhe oferecer um canapé.

"Uma noite magnífica, meu amigo," disse Annatar, colocando uma mão no ombro de Celebrimbor. "Sua hospitalidade é tão generosa quanto sua habilidade."

"É o mínimo que poderíamos fazer, meu Senhor!" disse Celebrimbor. "Eregion está honrada."

"No entanto", continuou Annatar, seu olhar nunca deixando a figura prateada na alcova, "noto que sua nobre prima não compartilha do espírito festivo. Uma anfitriã não deveria parecer tão... sitiada."

"Ah, Galadriel," suspirou Celebrimbor. "Ela tem o peso de todo este reino em seus ombros. Às vezes, acho que ela se esqueceu de como simplesmente... ser."

"Talvez ela só precise do incentivo certo," disse Annatar, e com um aceno final, ele continuou seu caminho, deixando Celebrimbor para trás.

O pequeno círculo de espaço ao redor de Galadriel era como um vácuo de silêncio. Os outros elfos, sentindo sua aura glacial, mantinham uma distância respeitosa. Ele perfurou essa bolha sem hesitação.

"Lady Galadriel," ele disse, a voz um ronronar baixo que cortou o som da harpa. "Escondendo-se da sua própria celebração? Isso não é muito administrativo."

Ela se virou para encará-lo, e seu rosto era uma máscara de polidez fria. "Eu não me escondo, Senhor Annatar. Eu observo. É parte do meu trabalho garantir que nenhum convidado... exceda os limites."

A insolência era deliciosa.

"E eu excedi?" ele perguntou, aproximando-se um passo.

"Você está perigosamente perto da fronteira," ela respondeu.

"Excelente." Ele estendeu a mão. A orquestra, como se por um sinal invisível, começou uma valsa lenta e assombrosa. "Nesse caso, como um ato de boa-fé diplomática, conceda-me esta dança. Ou a observadora teme descer ao campo de batalha?"

Ele a tinha encurralado. Recusar publicamente seria um insulto diplomático, um ato de hostilidade aberta que seu orgulho e seu papel como governante não permitiriam. Aceitar seria ceder a ele, mesmo que momentaneamente. Ele observou a guerra relâmpago em seus olhos azuis, a mandíbula se contraindo sutilmente. Lentamente, com a relutância de uma rainha capitulando em um único termo de um tratado, ela colocou a mão dela na dele.

Sua pele era fria, exatamente como ele imaginara.

Ele a guiou para a pista de dança, sentindo a atenção de todo o salão se voltar para eles. O ar crepitou. Era um evento. Era a colisão de duas forças opostas.

Ele a puxou para a posição de dança, a mão dela em seu ombro, a outra na dele. Sua mão direita pousou firmemente na parte inferior de suas costas, na curva onde a espinha encontrava o quadril. Ele a puxou para mais perto do que o estritamente necessário, sentindo o momento em que o corpo dela enrijeceu em protesto silencioso. Ele ignorou.

Eles começaram a se mover. Ela era uma dançarina impecável, técnica, precisa. Cada passo era perfeito. E era isso que tornava tudo tão enfadonho. Ele não estava dançando com a Administradora. Ele queria dançar com a elfa que se escondia sob camadas de gelo e responsabilidade.

Enquanto a conduzia em um giro, sua mão em suas costas começou a se mover. Não foi um movimento óbvio. Foi uma exploração sutil, quase imperceptível. A ponta de seus dedos, através da seda de seu vestido, começou a traçar um caminho lento e ascendente ao longo de sua espinha. Ele sentiu cada vértebra, cada músculo tenso. Ele estava lendo-a em braile, decifrando os segredos que seu corpo guardava. Ele era um ladrão mapeando as defesas de um cofre.

Ele subiu, passando pela cintura, pelas costelas, até o espaço entre as omoplatas. E foi lá que ele encontrou.

Sob a pressão suave de seu dedo médio, ele a sentiu. Um arrepio.

Foi uma reação minúscula, um tremor involuntário que percorreu sua pele como a ondulação em um lago quando uma pedra é jogada. Foi seguido por uma inspiração quase inaudível. Mas para ele, que estava sintonizado com cada nuance de sua resistência, foi tão alto quanto um trovão.

Uma onda de satisfação sombria e pura o inundou. Foi uma sensação mil vezes mais potente do que a adoração de mil elfos. A fortaleza tinha uma rachadura. A Senhora de Gelo podia odiá-lo com sua mente, mas seu corpo, aquele traidor honesto, havia acabado de sussurrar um segredo. Ele havia provado que, sob o gelo, havia pele. E a pele se lembrava de como sentir.

Ele se inclinou, aproximando os lábios de sua orelha, o hálito quente contrastando com a frieza de sua pele.

"Que fascinante," ele sussurrou, a voz uma vibração escura e sedutora destinada apenas a ela. "A sua mente compõe as mais eloquentes sinfonias de desprezo, Lady Galadriel. Mas a sua pele... a sua pele canta uma melodia muito mais simples e honesta."

Ele a sentiu enrijecer completamente em seus braços, um misto de choque, fúria e humilhação. Ele a puxou para trás o suficiente para ver seu rosto. Seus olhos estavam arregalados, as bochechas manchadas com um rubor furioso, os lábios entreabertos em uma réplica que não veio. Ela estava sem palavras. Ele a havia despido de sua armadura verbal.

A música terminou, mas ele a segurou por um segundo a mais, saboreando sua vitória. Então, ele a soltou, deu um passo para trás e se curvou em uma reverência que era a imagem da cortesia e o cúmulo da zombaria.

"Agradeço a dança," ele disse, o sorriso sedutor de volta em pleno vigor. "Foi, de longe, a parte mais reveladora da minha noite."

Sem uma palavra, ela se virou e se afastou, não com a graça de uma dama da corte, mas com a rigidez de uma soldada em retirada estratégica, desaparecendo na segurança da varanda escura.

Annatar observou-a ir, uma sensação de triunfo profundo aquecendo seu peito. Ele podia sentir os olhos de Celebrimbor sobre ele, confusos, e os olhares curiosos do resto da corte. Ele lhes deu seu sorriso mais benevolente. Que eles pensassem o que quisessem. O tédio havia se dissipado completamente. A conquista de Eregion seria um passatempo. A lenta e deliberada desconstrução de sua orgulhosa Senhora de prata e gelo? Ah, aquilo seria uma obra de arte.

Chapter 3: A Forja, o Escritório e a Farsa no Jantar

Notes:

Vou tentar postar mais um capítulo hoje a noite. Só preciso revisar rapidinho. Espero que gostem <3

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A noite após o baile foi uma insônia de veludo e raiva. Galadriel se revirou em seus lençóis, o toque fantasma da mão de Annatar em suas costas mais vívido do que a seda contra sua pele. O arrepio. Aquele arrepio traiçoeiro que a percorreu, a humilhação de seu corpo traindo a fortaleza de sua mente. Cada palavra sussurrada por ele ecoava em seus ouvidos: "... sua pele canta uma melodia muito mais simples e honesta." O desprezo que ela sentia por ele era superado apenas pelo desprezo por si mesma. Como ela pôde ter sido tão vulnerável? Como ela pôde ter permitido que ele a desequilibrasse tão facilmente?

A resposta era clara e dolorosa: ele sabia exatamente onde tocar. Não apenas em suas costas, mas nas rachaduras de sua armadura. Ele via a ambição, o orgulho, a solidão que ela tão cuidadosamente escondia. E ele estava se deleitando em expô-los.

Sua raiva se solidificou em uma resolução fria. A cortesia e a discrição não serviriam mais. Ela precisava confrontar o problema diretamente. Precisava lembrá-lo, e a si mesma, de quem estava realmente no controle.

Ao amanhecer, ela se vestiu com sua túnica de administradora mais austera, de um cinza profundo que absorvia a luz, sem adornos, prático. Prendeu o cabelo em uma trança rígida. Hoje, ela não seria a dama de um baile, nem o objeto de um jogo sedutor. Ela seria a Dama de Eregion, e ele seria o intruso.

Seu primeiro destino foi a Grande Forja. Era o coração pulsante de Eregion, um lugar que sempre a acalmaria com seu ruído honesto e a clareza de seu propósito. Mas hoje, o som dos martelos e o calor do fogo apenas alimentavam sua crescente fúria.

O ar era espesso com fumaça, fuligem e o cheiro metálico enchiam a forja. As faíscas dançavam no ar como espíritos travessos. E, no centro de tudo, em meio à cacofonia e ao calor infernal, estava ele. Annatar. Imaculado, como sempre, suas vestes brancas intocadas, seus cabelos dourados brilhando sob o brilho do metal incandescente. Ele parecia menos um ferreiro e mais um sacerdote de um culto antigo, ministrando a seus fiéis.

Ele estava ao lado de Celebrimbor, que o olhava com uma expressão de êxtase que Galadriel achou nauseante. Celebrimbor segurava um pequeno martelo, mas seus olhos estavam fixos em Annatar, absorvendo cada palavra. Ao redor deles, um círculo de mestres-ferreiros, elfos cujas linhagens remontavam aos dias de Fëanor, estavam igualmente cativados.

"A forja não é apenas calor, meu caro Celebrimbor," Annatar dizia, a voz cortando o barulho com uma clareza sobrenatural, como se o som da forja se curvasse à sua vontade. "É uma conversação. Você precisa persuadir o metal, não apenas dominá-lo. Conhecer sua natureza, suas fraquezas, seus anseios. E então, moldá-lo não à sua vontade, mas à sua alma."

Galadriel sentiu uma pontada de fúria tão intensa que mal conseguiu respirar. Alma? Ele estava transformando a engenharia em misticismo, a lógica em adoração. Ele não estava ensinando. Ele estava seduzindo. Seduzindo-os com a promessa de uma conexão mais profunda, de um poder sobre a matéria que sempre lhes for a negado. E Celebrimbor, com sua fome por inovação e seu desejo de superar seu próprio legado, estava bebendo cada sílaba.

"Imagine um anel," Annatar continuou, sua voz baixando para um sussurro que, de alguma forma, parecia envolver Galadriel mesmo à distância, "que não apenas adorna a mão, mas que carrega consigo a própria essência de seu criador. Um anel que não se desgasta, não desbota, mas que preserva. Um anel que congela a beleza, que detém a decadência."

Aquilo foi demais. Era a promessa mais insidiosa de todas: a negação da mudança, a anulação do definhamento que atormentava os elfos. Galadriel se virou, incapaz de testemunhar mais a profanação da forja de seu primo. Ele estava corrompendo a ambição dele, transformando-a em algo perigoso.

Horas depois, Galadriel estava sentada em sua câmara administrativa, o silêncio apenas pontuado pelo farfalhar dos pergaminhos. A raiva havia se transformado em uma determinação fria. Ela convocara Celebrimbor para discutir um novo relatório de materiais. Era o método dela de arrastar seu primo de volta à realidade, forçando-o a confrontar os custos e as implicações práticas das "canções" e "almas" de Annatar.

Ela esperou, os dedos tamborilando impacientemente sobre a madeira. A porta se abriu.

"Celebrimbor, você está atrasado. Tenho aqui as projeções para a platina" ela começou, sem erguer os olhos.

"Receio que o Senhor Celebrimbor esteja um tanto... absorvido," uma voz suave e familiar respondeu. "Ele está no meio do que descreveu como uma 'revelação da liga' e achou que eu poderia representá-lo dignamente nesta tarefa tão vital de... contabilidade."

Galadriel ergueu a cabeça lentamente, e lá estava ele. Annatar. Ele havia trocado as vestes da forja por uma túnica azul-marinho que acentuava a cor de seus olhos, e um sorriso irritantemente sedutor adornava seus lábios. Ele estava usando uma expressão que dizia: "Eu sei que você me odeia, e isso me diverte imensamente."

"Você é uma praga, Annatar," ela sibilou, a voz baixa e perigosa.

"Uma praga dourada e agradável aos olhos, talvez" ele concordou, sem perder a compostura. Ele entrou, fechando a porta atrás de si com um clique suave, que soou ameaçador no silêncio da sala. Caminhou até a mesa dela, não com a modéstia de um convidado, mas com a posse de um anfitrião. Ele não se sentou na cadeira em frente a ela, mas apoiou-se na beirada da mesa, ao lado dela, invadindo seu espaço pessoal.

"Eu estava esperando discutir o relatório com Celebrimbor," ela disse, empurrando o pergaminho do relatório para longe de seu cotovelo. "Não com o 'Senhor dos Dons', que parece mais interessado em espalhar filosofias vagas do que em lidar com a realidade dos números."

"Ah, mas os números contam uma história," ele disse, pegando o relatório e lendo-o com uma velocidade assombrosa. "E esta história é fascinante. Uma demanda tão alta por materiais raros... e para o quê, exatamente?" Ele a olhou, a luz em seus olhos um desafio silencioso.

"Para a forja. Para o progresso de Eregion," ela respondeu, lutando para manter a calma.

"Ou para o meu progresso," ele corrigiu suavemente, um brilho de diversão em seu olhar. Ele olhou para o relatório novamente. "Hmm. Diamantes de Valmar. Uma escolha ousada. Mas se você quiser um brilho que não desbote, não há substituto." Ele empurrou o relatório de volta para ela, o dedo tocando brevemente o dorso da mão dela. "Seu primo tem grandes planos. Planos que exigirão recursos significativos. Você não vai querer ser a administradora que sufocou a maior era de criação dos Noldor, vai?"

"Eu não vou ser a administradora que leva Eregion à falência para financiar o culto de um estranho," ela retrucou.

Ele riu, um som baixo e rico que fez o ar vibrar. "Culto. Que palavra forte. Eu prefiro 'inspiração'. E sim, 'estranho' eu sou. Mas o conhecimento não deveria ter fronteiras, Senhora. Especialmente quando esse conhecimento pode preservar o que você tanto valoriza."

Ele se debruçou sobre a mesa, inclinando-se para o lado para ver o mapa detalhado de Eregion que estava sob o relatório. A proximidade dele era sufocante. Ela podia sentir o calor de seu corpo, o cheiro limpo e fresco que o acompanhava. A manga de sua túnica roçou o braço dela.

"Veja este local para a nova fundição," ele apontou, o dedo a um fio de cabelo do dela. "A densidade mineral do solo aqui é alta, mas a instabilidade tectônica é um problema. Um problema que pode ser mitigado com o tipo certo de liga de suporte. Uma que Celebrimbor está prestes a descobrir, com um pouco de... encorajamento."

Enquanto ele falava, ele se debateu ainda mais, e a lateral de seu corpo roçou suavemente o corpo dela. O toque foi leve, quase acidental, mas Galadriel sentiu-o como um choque elétrico. Um arrepio inconfundível percorreu sua espinha. Ela tentou suprimi-lo, enrijecendo os músculos, mas ele era um mestre em ler sua linguagem corporal.

Ele endireitou-se um pouco, virando a cabeça para olhá-la. O sorriso em seu rosto era um triunfo malicioso. "Ah, aí está. Seu corpo é tão expressivo, Galadriel. Ele conta histórias que sua boca se recusa a proferir."

"Meu corpo sente repulsa na sua presença," ela sibilou.

"Ou excitação," ele corrigiu suavemente, os olhos azuis faiscando. "A linha entre os dois é tênue, você não acha? Especialmente para alguém que se manteve tão... contida... por tanto tempo."

A insolência dele era tão avassaladora que ela ficou sem palavras. Ele sabia. De alguma forma, ele sabia dos anos de solidão, do controle que ela exercia sobre si mesma. Ele estava cutucando a ferida, desfrutando de sua exposição.

Ele se afastou da mesa, o sorriso ainda em seus lábios. "Direi a Celebrimbor que seus relatórios são... inspiradores. E que a alocação de diamantes de Valmar é aprovada. Afinal, não podemos sufocar o progresso, podemos?"

Com isso, ele saiu, deixando-a novamente em seu escritório, o ar ainda vibrando com sua presença, e o arrepio ainda persistindo em suas costas, uma traição silenciosa.

A noite trouxe o banquete semanal do conselho, uma formalidade necessária para discutir os assuntos do reino. Galadriel se sentou à cabeceira da mesa, vestida com um vestido de veludo verde-escuro, sua postura régia e inabalável. Annatar estava sentado à sua direita, um convidado de honra, e Celebrimbor à sua esquerda.

A refeição deveria ter sido um interlúdio de paz, mas transformou-se em uma farsa agonizante. Celebrimbor, que raramente falava sobre algo que não fossem ligas ou metais, desfez-se em um fluxo interminável de elogios a Annatar.

"Meu Senhor Annatar," Celebrimbor começou erguendo sua taça de vinho. "Nós, os ferreiros de Eregion, somos eternamente gratos por sua sabedoria. Nunca em nossas vidas vimos tal discernimento. Suas palavras sobre a alma do metal... elas abriram nossos olhos para uma nova forma de criação. Você é, verdadeiramente, o maior mestre que este mundo já conheceu!"

Annatar aceitou o elogio com uma falsa modéstia tão perfeita que fez o estômago de Galadriel se contorcer. Ele inclinou a cabeça, um sorriso pequeno e gracioso em seus lábios. "Você me lisonjeia, Celebrimbor. Sou apenas um guia. O gênio, a habilidade, o fogo criativo... tudo isso reside em vocês, os Noldor. Eu apenas ajudo a iluminar o caminho."

"Ele é tão modesto!" sussurrou um dos outros conselheiros para seu vizinho, com admiração nos olhos.

Galadriel sentiu uma veia pulsando em sua têmpora. Ela assistiu, imóvel, enquanto Annatar pegava um pão e o partia com a mesma delicadeza com que ele manipulava Celebrimbor. Guia. Iluminar o caminho. Ele estava mentindo com cada respiração, e todos estavam comendo de sua mão. Todos, exceto ela.

"Sua compreensão da luz e da escuridão," continuou Celebrimbor, o vinho soltando sua língua, "da forma e da impermanência... é verdadeiramente divina! Seus anéis, meu Senhor, que você nos descreveu hoje, serão a maior criação desde as Duas Árvores de Valinor!"

A menção dos "anéis" fez o corpo de Galadriel gelar. Ele estava falando de anéis de poder. E, mais uma vez, a comparação com as Árvores. Era um sacrilégio, uma blasfêmia, mas dita com tal devoção que ninguém ousou questionar.

Annatar, o ser divino e modesto, ergueu sua própria taça de vinho, os olhos encontrando os de Galadriel acima do aro. Um brilho de triunfo e desafio dançava neles. Ele estava se deleitando com a cena, com a humilhação dela, com a fúria que ele sabia que estava fervendo dentro dela. Ele estava a provocando abertamente, exibindo sua conquista de Celebrimbor como um troféu bem-merecido.

"Brindemos," disse Annatar, sua voz clara e confiante, "à nova era de criação em Eregion. Que ela seja de grande beleza... e de grande permanência."

Os outros elfos ergueram suas taças com entusiasmo. Galadriel, no entanto, apenas apertou a dela. O vinho permaneceu intocado. Seu olhar fixo em Annatar, ela viu não o Senhor dos Dons, mas o manipulador, o mentiroso. E a fúria em seu peito era um fogo que ela mal podia conter. O jogo não era mais sobre controle. Era sobre dominação. E Annatar estava ganhando cada rodada, com um sorriso.

Chapter 4: O Controle do Caos

Notes:

Como prometido mais um capítulo <3 Já estou com boa parte dessa fic pronta, então podem esperar atualizações diárias.

Chapter Text

O universo, em sua vasta e muitas vezes tediosa tapeçaria, operava com base em princípios de causa e efeito. Uma palavra gentil gerava confiança. Uma promessa de glória gerava devoção. É uma demonstração de desprezo, vinda de uma criatura tão magnificamente orgulhosa como Galadriel, gerava em Annatar a mais pura e refinada forma de entretenimento. O Grande Salão do Jantar havia sido, para Annatar, uma performance secundária primorosa. Assistir a Galadriel, a dama de gelo e razão, fervendo em fúria silenciosa enquanto seu primo, Celebrimbor, oferecia-lhe elogios que fariam um deus menor corar, for a um deleite quase pecaminoso. A veia pulsando em sua têmpora, a mão cerrada na taça intocada, cada detalhe era uma confirmação de que ele a estava tocando, mesmo à distância. O veneno que ele injetava não era bruto; era sutil, direcionado ao seu orgulho, à sua ordem, à sua solidão. E estava funcionando.

A manhã seguinte trouxe consigo o que ele considerava uma das melhores invenções do destino: a conveniência. Celebrimbor, em sua devoção cega ao "Senhor dos Dons", havia se aproximado dele com uma solicitação que era música para os ouvidos de Annatar. Ele previra uma longa campanha de desgaste, uma série de manobras sutis para corroer as defesas dela. Ele não previra que o próprio Celebrimbor, em sua devoção cega, lhe entregaria o aríete e o apontaria para os portões do palácio.

Aconteceu na forja. Annatar estava "aconselhando" sobre as propriedades reflexivas de uma nova liga, enquanto Celebrimbor, com a energia febril de um cometa, martelava e dobrava o metal. O suor brilhava em sua testa, e a fuligem era como uma segunda pele, mas seus olhos eram de um fanático. Ele estava completamente consumido pela visão que Annatar lhe vendera.

"Meu Senhor Annatar," disse Celebrimbor, parando para enxugar o rosto com as costas da mão, deixando uma nova mancha. "Com o aumento da complexidade de nossos projetos e o fluxo de novas informações que você graciosamente nos concede, os encontros semanais com Galadriel têm se tornado... Umm fardo. Eles exigem uma atenção aos detalhes que, com todo o respeito, preferiria dedicar ao metal."

Annatar ergueu uma sobrancelha dourada, adotando uma expressão de profunda e solidária preocupação. "O que quer me dizer, meu amigo?"

"Os relatórios!" Celebrimbor exclamou, a palavra soando como uma maldição. "Os relatórios semanais da forja para a administração de Galadriel. Eles são... meticulosos. Exigem contagens de lingotes, medições de resíduos, projeções de uso de carvão... é a morte da arte, meu Senhor! Cada hora que passo contando e escrevendo é uma hora que não passo criando. Isso me atrasa. Isso nos atrasa."

Annatar teve que usar cada grama de seu controle milenar para não sorrir. Era perfeito. Era mais do que perfeito. Era poeticamente, divinamente irônico.

"Eu entendo sua frustração," Annatar disse, a voz um bálsamo de empatia. "A mente de um grande artista não deve ser sobrecarregada com as correntes da burocracia."

Celebrimbor olhou para ele, os olhos cheios de uma esperança desesperada. "Eu me pergunto, com sua mente tão superior e seu olho para a ordem, se você consideraria supervisionar os relatórios? Apenas para garantir que todas as métricas sejam devidamente... 'inspiradas'."

Annatar lutou para manter seu sorriso benevolente e não irromper em uma gargalhada genuína. Celebrimbor havia literalmente lhe entregue as chaves para a câmara de tortura pessoal de Galadriel. Era mais do que ele poderia ter esperado. Ele então fingiu ponderar. Caminhou lentamente pela forja, o som de seus passos silenciosos quase inaudível sob o crepitar do fogo. Ele passou a mão sobre uma bigorna fria, o rosto uma máscara de consideração séria. Internamente, ele estava exultante. Celebrimbor não estava apenas lhe dando acesso; estava lhe dando um mandato. Uma razão oficial, incontestável, para invadir o santuário de Galadriel regularmente.

"É uma tarefa humilde," Annatar disse finalmente, virando-se para Celebrimbor. "E meu tempo é dedicado a projetos de maior escala. No entanto..." Ele fez uma pausa, permitindo que a tensão se construísse. "... o progresso de Eregion é minha prioridade. Se aliviar você deste fardo administrativo acelera nossa grande obra, então eu o aceito. Farei isso por você, meu amigo. Seria uma honra. Embora eu seja apenas um humilde guia, é meu dever garantir que seu gênio seja liberado de tais minúcias"

A gratidão no rosto de Celebrimbor foi tão intensa que era quase embaraçosa. Ele segurou o braço de Annatar com ambas as mãos. "Eu sabia! Eu sabia que sua generosidade era tão ilimitada quanto sua sabedoria! Galadriel ficará... informada."

Ah, sim, pensou Annatar incomodado por Celebrimbor tocar nele. Ela ficará muito mais do que informada.

E assim, Annatar se viu investido de uma nova e deliciosa autoridade: o portador semanal de relatórios para a Senhora de Eregion. A ironia era tão doce que ele quase podia saboreá-la. Ele, o arauto do caos controlado, agora era o guardião dos números dela.

Sua primeira visita ao escritório de Galadriel foi uma obra-prima de provocação velada. Ele entrou sem aviso prévio, um privilégio que ele havia sutilmente estabelecido para si mesmo através da permissão entusiasmada de Celebrimbor. Ela estava debruçada sobre uma pilha de pergaminhos, sua postura rígida e concentrada, como ele esperava, cercada por sua ordem. Pergaminhos empilhados com uma precisão geométrica, penas alinhadas por tamanho, a luz do sol da tarde cortando a sala em ângulos perfeitos. Ela era a personificação do controle. Ele estava ali para ser a variável caótica.

"Lady Galadriel," ele disse com um sorriso que ele sabia que ela odiava. Ele segurava uma única folha de pergaminho. "Eu trouxe os primeiros relatórios da forja. A partir de agora, serei responsável por esta... pequena tarefa."

Os olhos dela se estreitaram. Ela ergueu a cabeça, seus olhos faiscando com uma irritação tão pura que ele quase podia senti-la queimando. "Você?"

"Eu. Celebrimbor sentiu que minha 'atenção aos detalhes' seria uma vantagem," ele respondeu, com seu sorriso irritantemente presunçoso. Ele colocou a pilha de relatórios na mesa dela, deliberadamente cobrindo um de seus próprios documentos. "Não se preocupe, tenho certeza de que esta nova 'colaboração' será perfeitamente... eficiente."

Ele colocou o pergaminho na mesa dela, bem no centro de seu mata-borrão imaculado. A expressão no rosto dela passou de irritação para uma fúria gelada em um piscar de olhos. Seus lábios se afinaram em uma linha dura. Ela não disse nada, o que foi muito mais gratificante do que qualquer explosão. O silêncio dela era um testamento do quão profundamente ele a havia atingido.

"Espero que tudo esteja de seu agrado," ele acrescentou, a voz gotejando falsa sinceridade. "Eu mesmo verifiquei cada número."

Assim começou o ritual. Duas vezes por semana, ele a visitava, cada visita uma pequena batalha em sua guerra fria. Cada visita era uma prova de fogo para ela, e uma fonte de diversão sem fim para ele. Ele usava cada oportunidade para empurrar os limites, para cutucar suas defesas. Aprimorando a arte da provocação disfarçada de eficiência. Ele chegava sempre em momentos inoportunos, quando ela estava mais concentrada. Ele discutia os relatórios com um entusiasmo exagerado, elogiando a "beleza matemática".

Ele se debruçava sobre sua mesa, a proximidade forçada fazendo-a enrijecer. Ele discutia as métricas com uma seriedade que beirava o sarcasmo, seus dedos ocasionalmente roçando os dela ao apontar uma figura. Ele elogiava a "clareza admirável" de seus próprios relatórios, sabendo que isso a irritava. Ele falava de Celebrimbor com uma devoção exagerada, elogiando o "gênio" de seu primo e o "caminho iluminado" que ele estava seguindo, tudo para assistir à pequena contração em sua mandíbula. Ele movia os objetos dela, um tinteiro aqui, um peso de papel ali, pequenas perturbações em seu universo ordenado que ele sabia que a deixavam louca. E ele a observava. Ele estudava a forma como seus dedos apertavam a pena com mais força, a respiração quase imperceptível que ela prendia quando ele se aproximava demais.

Ela era magnífica em sua resistência. Ela o rebatia com perguntas frias e precisas sobre os dados, tentando prendê-lo em sua lógica. Mas era um jogo que ela não podia vencer, porque ele não estava jogando com lógica. Ele estava jogando com seus nervos.

Então, o destino interveio novamente, mas desta vez, com um toque de caos que Annatar achou particularmente delicioso.

O ponto de virada veio cerca de duas semanas depois. Annatar estava na forja, observando Celebrimbor testar uma nova técnica de têmpera que envolvia um rápido resfriamento em óleo infundido com pó de gema. Era uma ideia de Annatar, é claro. Uma ideia perigosa e instável, mas que prometia resultados espetaculares.

"A temperatura precisa ser exata!" Annatar o aconselhou, mantendo uma distância segura. "Um grau a mais, e a tensão interna no metal o fará estilhaçar."

"Eu sei, eu sei!" disse Celebrimbor, o rosto corado de calor e excitação. Ele era como uma criança com um fogo de artifício.

Annatar viu o erro antes que acontecesse. Um leve tremor na mão de Celebrimbor, uma gota de suor caindo e chiando no metal incandescente, uma fração de segundo de hesitação. Ele poderia ter gritado um aviso. Poderia ter intervindo. Ele não o fez. Ele simplesmente observou, com a curiosidade de um acadêmico, o desenrolar do inevitável.

Houve um som agudo, como um sino rachando, e então um barulho violento. O metal não estilhaçou, mas expeliu uma nuvem de vapor superaquecido e óleo fervente. Celebrimbor gritou, mais de surpresa do que de dor, e deu um passo para trás, tropeçando em uma caixa de ferramentas.

O caos irrompeu. Os aprendizes correram para ajudar, mas foi Annatar quem chegou primeiro, sua calma uma ilha de serenidade na confusão. "Acalmem-se todos! Foi apenas um pequeno contratempo."

Celebrimbor estava sentado no chão, olhando para seus braços, que estavam vermelhos e começando a formar bolhas. Eram queimaduras de segundo grau, dolorosas, mas não graves. O verdadeiro dano era em seu orgulho.

O curandeiro de Eregion, um elfo velho e excessivamente cauteloso, ordenou que Celebrimbor ficasse longe da forja por vários dias, em repouso absoluto. "Repouso. Longe do calor e do estresse da forja. Pelo menos uma semana." Celebrimbor protestou veementemente, mas a ameaça de ter suas ferramentas confiscadas o silenciou.

A devastação no rosto de Celebrimbor foi cômica. "Uma semana? Impossível! Estamos à beira de uma descoberta! Quem vai guiar os aprendizes? Quem vai supervisionar os grandes trabalhos?"

Annatar, que estava convenientemente ao lado do leito, colocou uma mão reconfortante no ombro do elfo ferido. Um farol de compaixão e dever. "Não se preocupe, meu caro amigo. Eu ficarei. O Senhor dos Dons está aqui para servir, afinal. Posso não ter sua habilidade, mas tenho um olho para o processo. E prometo que manterei o fogo aceso."

E assim, Annatar se viu como o mestre interino da Grande Forja. Era o controle perfeito. Ele não apenas tinha acesso aos relatórios, não apenas o controle sobre Celebrimbor, mas agora também a supervisão direta de toda a operação, incluindo os aprendizes.

Ele se deleitava com seu novo papel. Os aprendizes o olhavam com uma reverência que beirava a adoração. Ele era o substituto do mestre, o sereno e sábio Senhor dos Dons que havia intervindo para salvar o dia. Ele se movia entre eles, oferecendo conselhos, corrigindo uma postura, elogiando um trabalho bem-feito.

Foi quando ele focou sua atenção em Mirdania. Ela era a mais talentosa dos aprendizes mais jovens, uma elfa loira com olhos da cor do céu de verão e uma aura de anseio desesperado por aprovação. Ela o observava de longe, com o rosto corado sempre que o olhar dele encontrava o dela. Ela era o instrumento perfeito.

Ele esperou pelo momento certo. Encontrou-a uma tarde, trabalhando sozinha em um delicado broche de prata, a língua presa entre os dentes em concentração. Os outros estavam ocupados em tarefas mais ruidosas do outro lado da forja.

Ele se aproximou em silêncio, observando-a por um momento. "O trabalho de suas mãos é habilidoso, Mirdania," ele disse suavemente.

Ela pulou, quase deixando cair a ferramenta. Um rubor profundo se espalhou por seu rosto. "Meu... meu Senhor! Eu não o vi."

"A verdadeira arte muitas vezes requer uma concentração que nos torna cegos para o mundo," ele disse, com um sorriso gentil que ele sabia que a desarmaria completamente. "Mas me diga, o que você está tentando criar aqui?"

"É... é apenas um broche, meu Senhor. Um padrão de folhas de bétula."

"Eu vejo as folhas," ele concordou, inclinando-se para olhar mais de perto, sua sombra envolvendo-a. Ele manteve as mãos cruzadas atrás das costas, uma postura de observação passiva que a encorajava a relaxar. A sedução, ele sabia, era mais potente quando a presa não percebia a armadilha. "Mas o que as folhas estão dizendo? Elas estão dançando ao vento do outono? Estão tremendo na primeira geada? Ou estão se desdobrando na promessa da primavera?"

Mirdania o encarou, os olhos arregalados, completamente perplexa. "Eu... eu não pensei nisso."

"Ah, mas você deve," ele a instruiu, a voz um murmúrio hipnótico. "Você não é uma mera artesã, Mirdania. Você é uma contadora de histórias. O metal é sua linguagem, o martelo é sua voz. Você tem um poder imenso em suas mãos. O poder de capturar um momento da beleza do mundo e torná-lo eterno." Ele olhou diretamente em seus olhos. "Eu vejo esse poder em você. Uma centelha. Um fogo interior que anseia por ser liberado. Muitos aqui têm habilidade, mas poucos têm alma. Você tem alma."

A intensidade de seu olhar, a profundidade de suas palavras, a ideia de que ele, o divino Senhor dos Dons, via algo especial nela... foi demais para a jovem elfa. Ela ficou ali, extasiada, a boca ligeiramente aberta, o broche esquecido em suas mãos. Seus olhos brilhavam com lágrimas não derramadas de pura, avassaladora emoção. Ele não a havia tocado, mas suas palavras a acariciaram mais profundamente do que qualquer mão jamais poderia. Ele a fizera sentir-se vista. Divina.

Annatar observou-a, sentindo a fria e imensa satisfação de um mestre de marionetes puxando as cordas com perfeição. Era fácil. Era sempre tão fácil. Ele lhe dera um vislumbre da glória, e em troca, ele havia conquistado sua lealdade absoluta.

Ele se endireitou, dando-lhe um último sorriso encorajador. "Continue seu trabalho, Mirdania. Conte sua história. Estou ansioso para ouvi-la."

Ele se afastou, deixando-a em seu estado de êxtase. O controle da forja era dele. O controle de seus aprendizes era dele. E a cada relatório que ele entregava, a cada provocação silenciosa no escritório dela, o controle sobre a sanidade da Senhora de Eregion também estava, lentamente, escorregando para suas mãos. E ele estava se divertindo imensamente.

Chapter 5: O Eco Dourado e a Mesa de Jantar

Summary:

Annatar testando a paciência da Galadriel, é a minha nova religião.

Chapter Text

As semanas que se seguiram se transformaram em uma rotina de tortura polida. Duas vezes por semana, a ordem serena do escritório de Galadriel era profanada pela chegada de Annatar, portando os relatórios da forja como se fossem oferendas para uma divindade. Cada visita era uma pequena guerra travada sobre colunas de números e listas de materiais. Ele se tornará um mestre em transformar o mundano em uma arma de provocação.

Cada interação a deixava com os nervos à flor da pele, a mandíbula doendo de tanto reprimir as palavras afiadas que se acumulavam em sua garganta. Sua presença era um veneno de ação lenta, e ela estava se sentindo cada vez mais doente.

Naquela tarde, ele estava particularmente insuportável.

"O relatório desta semana é especialmente... robusto," ele anunciou, colocando uma pilha de pergaminhos em sua mesa com um floreio. Ele não os colocou na bandeja de entrada designada, claro. Ele os colocou diretamente sobre o mapa de rotas comerciais que ela estava analisando, uma pequena usurpação de seu espaço de trabalho.

Galadriel ergueu os olhos de seu próprio relatório, a expressão impassível. "Fascinante. E qual é a sua análise, Senhor dos Dons?"

Ele começou falando explicando um aumento no consumo da prata, e para ilustrar um ponto, ele pegou um de seus pesos de papel – um geodo de quartzo perfeitamente liso que ela mantinha em sua mesa por décadas. Ele o virou em suas mãos longas e elegantes, o gesto casualmente possessivo.

Ele falava da prata como um poeta falaria do cosmos. Era exasperante. Era ridículo. E, de alguma forma, era perigosamente cativante. Galadriel sentiu uma pontada de dor de cabeça atrás dos olhos.

"Uma metáfora que resultará em uma diminuição de nosso material e um aumento nos custos de reposição," ela respondeu, a voz cortante. "Eu preciso de números, Annatar, não de sermões."

"Tudo é um sermão, se você ouvir atentamente," ele murmurou, seu olhar percorrendo o rosto dela. "Até mesmo o silêncio. Especialmente o seu." Ele se endireitou, mas sua presença parecia permanecer, pairando no ar como o calor de um fogo extinto. "Garantirei que o consumo da prata seja... aprimorada."

Ele colocou a pedra de volta, mas não em seu lugar original. Ele a moveu alguns centímetros para a esquerda, uma pequena perturbação em seu universo perfeitamente alinhado. Foi um ato de poder minúsculo e monumental. Quando ele finalmente partiu, Galadriel permaneceu imóvel por um longo momento, olhando para a pilha de pergaminhos que ele havia deixado. O cheiro sutil dele ainda pairava no ar. Ela se sentia sitiada em seu próprio santuário. Cada visita era um teste, cada provocação uma farpa sob sua pele. Ele estava se divertindo com o tormento dela, e o pior de tudo, ele estava fazendo isso com a bênção explícita de Celebrimbor.

Chega.

A palavra ecoou em sua mente com a força de um decreto. Aquele circo tinha que acabar. Ela não era uma donzela indefesa para ser cortejada por um manipulador arrogante. Ela era a Senhora de Eregion. Era hora de lembrar a todos – a Annatar, a Celebrimbor e, acima de tudo, a si mesma – o que isso significava.

Ela se levantou, a decisão solidificando sua raiva em um propósito claro. Ela não esperaria pela próxima visita programada. Iria até a forja e arrancaria Celebrimbor de seu novo pedestal de "gênio inspirado" e o arrastaria de volta para suas responsabilidades.

O sol poente lançava longas e melancólicas sombras sobre as ruas de Ost-in-Edhil enquanto ela caminhava. Um silêncio estranho havia se instalado no distrito das forjas. O coro familiar de martelos havia se extinguido, substituído por uma quietude que parecia antinatural, como o silêncio de um campo de batalha após a luta. A ausência de som a deixou mais inquieta do que qualquer barulho.

Apenas a forja particular de Celebrimbor, no final de uma viela, mostrava sinais de vida: uma luz alaranjada e fraca que pulsava suavemente na escuridão crescente, como o coração de uma criatura adormecida. Não havia som de trabalho, apenas o crepitar baixo e preguiçoso do carvão.

Ela parou na entrada, uma silhueta nas sombras, permitindo que seus olhos se ajustassem à penumbra. O que viu fez o ar congelar em seus pulmões e o fogo subir por sua garganta.

A forja estava vazia, exceto por eles. Annatar, parecendo uma estátua de ouro antigo sob a luz bruxuleante, e diante dele, a jovem aprendiz, Mirdania. A elfa estava paralisada, o rosto pálido e erguido, os olhos fixos nele com uma expressão de adoração tão absoluta que era quase dolorosa de se ver. Ela não parecia estar apenas deslumbrada; parecia estar à beira de um colapso, como se estivesse na presença de uma divindade, sua própria vontade evaporando sob o calor do olhar dele.

"A verdadeira arte," a voz de Annatar era um veneno doce, escorrendo pelo silêncio, "não é sobre o que suas mãos podem fazer, mas sobre o que sua alma está disposta a render."

Galadriel sentiu uma onda de fúria protetora. Aquela era uma de suas aprendizes, uma jovem cheia de promessas, e ele a estava enredando em sua teia de palavras bonitas e manipulação.

Ele ergueu a mão, e o coração de Galadriel deu um salto doloroso. Com uma lentidão teatral, os dedos dele tocaram uma mecha do cabelo loiro-claro de Mirdania, que pendia ao lado de seu rosto. O gesto era paternal e predatório ao mesmo tempo.

"Seu cabelo," ele continuou, a voz um murmúrio. "É como fios da mais pálida estrela da manhã. Na luz da forja..." Ele ergueu a mecha, os dedos roçando a pele dela. Mirdania estremeceu visivelmente. "... por um momento fugaz, a forma como a luz dança nele, quase me lembrou do brilho do cabelo de Lady Galadriel."

A fúria atingiu Galadriel com a força de um golpe físico. O descaramento. A audácia monumental de usar o nome dela, de usá-la como uma ferramenta na sedução barata de uma aprendiz deslumbrada. Era um ato de poder tão arrogante, tão descarado, que a deixou sem fôlego.

Ela deve ter se movido, um tremor de raiva que se traduziu em um som, pois os olhos arregalados de Mirdania se desviaram de Annatar e a encontraram na escuridão da entrada.

Naquele momento, Mirdania, virando a cabeça em seu estupor de adoração, viu a silhueta de Galadriel na porta. Um grito agudo escapou de seus lábios. O feitiço foi quebrado. O terror substituiu o êxtase em seu rosto. "Minha Senhora! Perdoe-me! UE... eu não...!" ela gaguejou, tropeçando para trás, longe de Annatar. Ela fez uma reverência desajeitada e praticamente correu para fora a da forja, murmurando um pedido de desculpas incoerente enquanto passava correndo pela figura imóvel de Galadriel.

O silêncio que ela deixou para trás era pesado e carregado. Annatar não se moveu. Ele apenas virou a cabeça lentamente para encarar Galadriel, e em seu rosto estava a expressão mais irritante de puro e intenso divertimento. Seus olhos dançavam com uma alegria cruel. Ele estava se deleitando com a cena, saboreando a fúria que ele sabia estar gravada no rosto dela.

"Ela é uma jovem promissora," ele disse, como se estivesse comentando sobre o tempo. "Com o incentivo certo."

"Onde está Celebrimbor?" A voz de Galadriel era afiada o suficiente para cortar diamante.

"Ah, sim. O mestre da casa. Ele... não está se sentindo bem. Um pequeno acidente na forja há alguns dias. O curandeiro insiste em repouso. Eu, é claro, me ofereci para supervisionar em sua ausência." Ele deu de ombros, um gesto de falsa impotência. "O trabalho não pode parar."

A desculpa era tão conveniente que era risível. Cada peça se encaixava perfeitamente em seu plano.

"Então você tem se ocupado," disse Galadriel, entrando na luz da forja. "Supervisionando os aprendizes, supervisionando os relatórios... Parece que você está se tornando indispensável."

"Eu apenas sirvo onde sou necessário," ele respondeu, o sorriso se alargando. "Nossas reuniões semanais, por exemplo. Acho que elas se tornaram bastante... produtivas. Você não concorda? Estamos estabelecendo um ritmo, uma compreensão mútua."

"A única coisa que compreendi," ela retrucou, "é que sua presença é uma perturbação."

"E, no entanto, você continua a se encontrar comigo. Duas vezes por semana. No mesmo horário," ele a provocou suavemente. "Quase como um compromisso. Um que eu, devo admitir, anseio."

Ele estava zombando dela abertamente. Ela se recusou a morder a isca. "Diga a Celebrimbor que desejo vê-lo no jantar esta noite. Sem desculpas."

Com isso, ela se virou e se afastou, sentindo o peso do olhar divertido dele em suas costas.

Naquela noite, durante o jantar formal, ela finalmente encurralou Celebrimbor. Ele estava pálido e seus braços estavam enfaixados, mas ele estava presente. Annatar sentou-se do outro lado da mesa, observando-os com um interesse divertido.

"Celebrimbor," Galadriel começou, a voz baixa e urgente, enquanto Annatar estava distraído por outro conselheiro. "Este arranjo com os relatórios. Não está funcionando. Eu preciso que você reassuma suas responsabilidades."

Celebrimbor olhou para suas mãos enfaixadas com uma expressão de desamparo. "Galadriel, eu não posso. O curandeiro foi claro. E... e Annatar tem sido de uma ajuda imensa. Ele entende a visão. Ele não me prende com trivialidades."

"Trivialidades? Celebrimbor, são os recursos de Eregion! É a minha administração!"

"E o que seria de nossa administração sem visão?" a voz de Annatar cortou a conversa, suave como seda. Ele havia se virado de volta para eles, o sorriso nunca deixando seu rosto. "Lady Galadriel é a âncora que nos mantém seguros, meu amigo. E nós somos as velas que pegam o vento do destino. Ambos são necessários para a jornada."

Era um elogio que era um insulto, e paralisou Celebrimbor com admiração. "Exatamente! Vê, Galadriel? Ele entende!"

Galadriel sentiu-se como se estivesse se afogando. Ela olhou para seu primo, para seu rosto cego e adorador, e soube que havia perdido. Pelo menos por enquanto. Seu olhar se moveu para Annatar.

Ele ergueu sua taça para ela, um brinde silencioso. E em seu rosto, ela viu o mais claro e arrogante sorriso vitorioso. Ele sabia que ela havia tentado e falhado. Ele sabia que ela estava presa. Suas reuniões irritantes, suas invasões em seu escritório, seu tormento pessoal, iriam continuar. E ele estava exultante. A guerra era longa, mas aquela batalha... aquela batalha era dele.

Chapter 6: Quatro Paredes e uma Guerra

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A derrota, Galadriel refletiu, tinha um sabor amargo de cinzas e vinho não bebido. O sorriso vitorioso de Annatar no final daquele jantar desastroso havia se gravado em sua mente, um lembrete constante de que ela estava perdendo o controle. Nos dias que se seguiram, ela se entrincheirou em seu trabalho, usando a lógica dos números e a clareza dos mapas como um bálsamo para seu orgulho ferido.

Foi durante uma reunião do conselho que ele armou sua próxima armadilha. Com uma cortesia impecável e na presença de testemunhas, Annatar a convidou para um jantar particular em seus aposentos, a fim de "estreitar laços de compreensão". Recusar era politicamente impossível. Ela aceitou, sentindo-se como uma general concordando com os termos de um duelo que sabia ser uma emboscada.

Naquela noite, ao se aproximar da porta dos aposentos dele, ela respirou fundo. Não era uma visita social. Era uma incursão em território inimigo.

Quando a porta se abriu, ela entendeu a magnitude de seu desafio. Seus aposentos eram um monumento à sua própria pessoa, uma encenação teatral de poder. O ouro estava em toda parte, nos fios das tapeçarias, no brilho dos candelabros, no filete das taças. A mesa estava posta não para um grande banquete, mas para apenas dois. A intimidade da cena era, em si, uma agressão, uma declaração de que naquela noite não haveria distrações, nem audiência. Apenas os dois jogadores.

"Minha Senhora," disse Annatar, sua voz um veludo no silêncio. "Por favor, entre. Sinta-se em casa."

Nunca, pensou ela, mas seu sorriso era uma máscara de polidez. "Seus aposentos são... impressionantes, Senhor dos Dons. Um reflexo de sua... singularidade."

"Eu aprecio a ordem e a beleza," ele respondeu, guiando-a até a cadeira. "Algo que temos em comum."

Assim que os primeiros pratos foram servidos por um servo silencioso que desapareceu como um fantasma, o duelo começou. Annatar ergueu sua taça, o vinho tinto brilhando como sangue.

"Um brinde," ele proclamou, o olhar azul-elétrico fixo nela. "À sabedoria que guia, mesmo quando não deseja ser seguida."

Era um golpe direto, uma referência clara à resistência dela. Galadriel levou a taça aos lábios e então a ergueu em resposta.

"Um brinde," ela replicou, com um sorriso frio, "à hospitalidade que não busca se sobrepor à honra de seu convidado."

O duelo continuou, cada frase uma lâmina. Ele elogiou o vinho "que desperta o fogo da inspiração"; ela respondeu que "até o melhor vinho, se mal guardado, azeda".

O clima piorou quando um jovem aprendiz, pálido de nervosismo, foi convocado para servir uma safra especial. Ao se inclinar para servir Annatar, sua mão tremeu, e um fio escarlate de vinho escapou da garrafa, manchando a toalha de mesa imaculadamente branca ao lado da taça de Annatar.

Um silêncio mortal caiu sobre a sala. O elfo ficou branco como um fantasma.

Annatar olhou para a mancha. Por um instante, sua máscara de perfeição rústica rachou, e Galadriel viu um brilho de fúria primordial em seus olhos, uma raiva fria e antiga pela imperfeição. Ele ficou ainda mais furioso quando percebeu que ela, observando-o atentamente, estava segurando a vontade de rir, os cantos de seus lábios tremendo com o esforço.

Então, a máscara voltou ao lugar. Ele sorriu com a calma de um santo. "Não se preocupe. Um sacrifício à toalha. Acontece."

"Até mesmo a perfeição, ao que parece, pode ser batizada com um pouco de realidade," Galadriel o provocou, a voz falsamente solidária. "Um lembrete saudável para todos nós."

Annatar respondeu com polidez e disfarçada calma, mas a dinâmica da noite havia mudado. "De fato, minha Senhora. A realidade tem suas... manchas. Mas elas podem ser limpas."

Após o jantar, com um cavalheirismo invejável, ele a escoltou até a porta de seus aposentos. A performance de anfitrião cortês estava de volta, impecável.

Na soleira, sob a luz suave de uma lanterna, ele parou. Pegou a mão dela. Antes que ela pudesse retirá-la, ele se inclinou, e em vez de beijar sua mão, ele moveu o rosto para perto do dela, seus lábios roçando provocadoramente a ponta de sua orelha. O calor de seu hálito enviou uma onda de choque por seu corpo.

"Confesso, minha senhora," ele sussurrou, a voz um ronronar íntimo e perigoso, "se todas as guerras fossem assim, eu as travaria com prazer."

Um arrepio de puro e traiçoeiro prazer percorreu a espinha de Galadriel, uma resposta física tão instantânea e inegável que a deixou horrorizada consigo mesma. Ela se enrijeceu, recompondo-se em uma fração de segundo, mas sabia que ele havia sentido. O leve tremor, a inspiração aguda. A satisfação no brilho de seus olhos quando ele se afastou era sua confirmação.

Galadriel partiu sem responder, caminhando pelo corredor com uma dignidade que não sentia, a pele de sua orelha ainda formigando. Mas quando a porta de seus aposentos se fechou atrás dela, a tensão de toda a noite se dissolveu. E uma risada curta e aguda escapou de seus lábios. Era amarga, sim, nascida da raiva e da humilhação de sua própria reação. Mas era também libertadora.

Por uma noite, mesmo sendo a mais afetada, ela conseguiu perturbar a perfeição teatral do Senhor dos Dons. Ela havia arranhado sua armadura, e descobrira que, por baixo, Annatar podia ser manchado. E essa pequena vitória, ela percebeu, era perigosamente revigorante.

Chapter 7: A Correnteza e o Constrangimento

Notes:

Acho que hoje bati meu recorde de capítulos postados. Estou revisando mais alguns, que espero conseguir postar amanhã. Então aproveitem <3

Chapter Text

A pequena vitória de Galadriel no jantar de Annatar foi como uma única gota de chuva em um deserto. Refrescante, sim, mas a aridez opressora do ambiente permaneceu inalterada. Nos dias que se seguiram, a influência de Annatar sobre Eregion continuou a se espalhar como uma videira dourada e sufocante. A adoração de Celebrimbor atingirá níveis febris; ele falava de Annatar não como um conselheiro, mas como um profeta. As forjas ardiam dia e noite, consumindo recursos a uma taxa alarmante, tudo em nome da "nova visão". E a presença de Annatar na cidade, sua cortesia impecável e seu sorriso onipresente, tornara-se para Galadriel um fardo físico, uma pressão constante contra sua alma.

A gota d'água veio na forma de um mensageiro ofegante, trazendo um pedido de Celebrimbor. Não era um pedido, era uma exigência. Uma lista de materiais que faria um rei anão engasgar-se. Quantidades astronômicas de ouro puro, platina e uma dúzia de gemas diferentes, incluindo diamantes que só podiam ser encontrados nas profundezas de minas há muito abandonadas. E a nota estava rabiscada apressadamente, com uma única frase explicativa: "Para a nova fase. Annatar diz que é essencial."

Annatar diz.

A fúria, fria e precisa, tomou conta dela. Celebrimbor a estava evitando. Ele não ousava fazer um pedido tão ultrajante pessoalmente, então se escondia atrás de seu novo deus dourado.

Ela precisava de ar. Precisava de um lugar onde o cheiro de carvão e metalurgia não pudesse alcançá-la, um lugar onde a sombra dourada dele não pairasse sobre cada corredor. Ela o encontrou nos jardins do sul, um trecho de terra serena que descia suavemente até as margens do rio Glanduin. Era um lugar de beleza indomada, onde as flores silvestres cresciam em profusão e as árvores antigas murmuravam segredos para o vento. O único som era o da água correndo sobre as pedras e o zumbido das abelhas. Ali, sentada em um banco de pedra coberto de musgo, Galadriel finalmente sentiu os nós de tensão em seus ombros começarem a se dissolver. Ali, ela não era a Administradora sitiada, nem a adversária em um jogo perigoso. Era apenas... ela.

Ela fechou os olhos, absorvendo a paz. O sol da tarde aquecia seu rosto, e o cheiro de terra úmida e folhas verdes era um bálsamo. Por um momento, ela quase se esqueceu da praga que se instalara em sua cidade. Aquele momento, como todos os momentos de paz, foi impiedosamente curto.

Ela não o ouviu se aproximar. Ele se movia com a graça silenciosa de um predador. Foi uma súbita queda na temperatura do ar, uma perturbação na harmonia do jardim, que a fez abrir os olhos.

Ele estava parado a poucos metros de distância, uma figura de perfeição dourada e esmeralda contra o verde selvagem do jardim. Seu sorriso era o mesmo, aquela curva insolente de lábios que era ao mesmo tempo uma saudação e um insulto.

"Minha Senhora," disse Annatar, a voz aveludada uma dissonância na sinfonia natural do rio. "Peço perdão pela intrusão em seu santuário." As palavras eram de desculpa, mas seu tom era de triunfo. Ele a havia encontrado. Havia invadido seu último refúgio.

"Se você pede perdão, é porque sabe que está atrapalhando" ela respondeu, a voz fria, a paz recém-descoberta evaporando como o orvalho da manhã. "O que você quer, Annatar?"

"Ah, não sou eu quem quer, mas o nosso querido Celebrimbor," ele disse, aproximando-se com uma lentidão deliberada. Ele segurava um rolo de pergaminho. "Ele está imerso em um problema de fluxo térmico e insiste que certos... detalhes administrativos... não podem esperar. Algo sobre a alocação de quartzo para os novos recipientes que encomendamos. Ele me enviou em seu lugar, sabendo que eu a encontraria."

Claro que sim. Celebrimbor, em sua devoção, tornara-se o cão de caça dele. E ela, a presa.

"Os relatórios podem esperar. Estou desfrutando de um momento de descanso."

"Mas a genialidade não pode," ele retrucou, parando ao lado do banco. Ele não olhou para o pergaminho. Em vez disso, seu olhar percorreu o jardim, o rio, e então voltou para ela. "Este lugar é belo. Sereno. Mas a serenidade é a inimiga do progresso. A água que flui aqui, parada, não move moinhos. As árvores, crescendo sem propósito, não constroem torres."

"Nem tudo no mundo precisa ter um propósito utilitário, Annatar. Algumas coisas existem apenas para serem belas."

"Uma filosofia encantadora," ele disse, o sorriso se alargando. "Mas é a filosofia da estagnação. A beleza, deixada a si mesma, murcha. Ela precisa de uma mão para preservá-la, para dar-lhe um propósito maior." Ele olhou diretamente nos olhos dela, e ela soube que não estavam mais falando de jardins.

A fúria, sua companheira constante, começou a borbulhar. "E suponho que essa mão seja a sua?"

"Eu ofereço meu serviço," ele disse com falsa humildade. "Celebrimbor entende isso. Ele entende que para criar algo verdadeiramente eterno, é preciso impor a vontade sobre a matéria. Dominar o caos. Canalizar a correnteza."

"Você fala de domínio, mas o que você prática é a corrupção," ela se levantou, incapaz de permanecer sentada sob o peso de sua presença. Ela caminhou em direção à margem do rio, para as pedras lisas e úmidas que levavam à beira da água, precisando de espaço, precisando se afastar dele.

"A palavra 'corrupção' é usada por aqueles que temem a mudança," ele a seguiu, a voz um murmúrio persistente em suas costas. "Você se apega à sua ordem, à sua administração, como se fossem verdades eternas. Mas são apenas um dique construído contra um rio que anseia por encontrar um novo curso. E os diques, minha Senhora, eventualmente se rompem."

"E você estará lá para celebrar quando isso acontecer, não é?" ela se virou para encará-lo, parada na última pedra, a água do Glanduin correndo a seus pés. O calor da discussão a deixará descuidada.

"Eu estarei lá para ajudar a construir algo mais grandioso sobre as ruínas," ele respondeu, agora parado a apenas um passo dela. A proximidade era vertiginosa, a intensidade em seus olhos, avassaladora. "Algo que não tema o poder da correnteza, mas que o use."

"Não há nada que você possa construir que eu desejaria!" ela retrucou, a voz tremendo de raiva contida. Em sua fúria, para enfatizar suas palavras e criar distância, ela deu um passo brusco para trás.

Foi um erro fatal.

Seu calcanhar pousou na borda da pedra, onde o musgo verde era mais espesso e traiçoeiramente úmido. Não houve tempo para se corrigir. Ela sentiu o momento de desequilíbrio, a perda de controle, o ar assobiando por seus ouvidos. Seus olhos se arregalaram em choque, encontrando os dele. E naquele instante, ela viu a surpresa dele se transformar em algo mais: um deleite puro e mal contido.

Então, o mundo se tornou uma confusão de verde e azul, e a água gelada do rio a engoliu com um choque ofegante, roubando-lhe o fôlego.

A correnteza a puxou, e o peso de seu vestido a envolveu como uma mortalha. Ela lutou para se orientar, emergindo com um arquejo, cuspindo água e empurrando o cabelo molhado de seu rosto. A indignidade da situação era uma queimadura fria em suas bochechas.

Ela olhou para a margem. E o ouviu.

Annatar estava rindo.

Não era um sorriso zombeteiro ou um riso contido. Era uma gargalhada genuína, profunda e irrestrita, que ecoava sobre o som da água. Ele jogou a cabeça para trás, o som de sua alegria ressoando pelo jardim sereno. Ele estava se deleitando com o espetáculo. Ela, a majestosa e controlada Senhora de Eregion, estava ali, encharcada e irritada, parecendo um gato apanhado pela chuva. Para ele, ela havia se tornado, por um glorioso instante, quase humana. A seriedade dela, sua armadura, havia se dissolvido na correnteza.

"O dique... parece ter se rompido," ele disse entre as risadas, a provocando abertamente.

Uma fúria branca e pura a consumiu. Sem dizer uma palavra, ela se virou e, com uma força nascida da humilhação, atravessou a água rasa e subiu de volta para a margem, cada passo um esguicho de raiva.

Ela parou diante dele, tremendo de frio, a água escorrendo de seu corpo e formando uma poça a seus pés. Ela abriu a boca para liberar a torrente de insultos que se acumulava dentro dela, mas as palavras morreram quando ela viu a expressão dele mudar.

O riso dele parou. Abruptamente. O som ficou preso em sua garganta, e o deleite em seus olhos foi extinto, substituído por um silêncio súbito e uma intensidade que a deixou desconcertada. O olhar dele não estava mais em seu rosto.

Ela olhou para baixo. O tecido fino de seu vestido, agora encharcado, tornara-se uma segunda pele. Não havia nada de majestoso ou régio nela naquele momento. O silêncio se estendeu. O único som era o gotejar de seu vestido nas pedras. O olhar dele, antes zombeteiro, agora era fixo, sombrio, quase faminto. Ela o viu engolir em seco, um movimento sutil em sua garganta. A respiração dele não era mais leve e divertida; tornara-se visivelmente mais pesada. Annatar, o mestre do controle, o ser de compostura impecável, que sempre se orgulhara de dominar cada gesto, parecia, por um momento, ter perdido o controle de si mesmo. Ele estava vulnerável.

E naquela vulnerabilidade, Galadriel encontrou seu poder.

O constrangimento dela, a humilhação, evaporou, substituído por uma súbita e fria onda de altivez. Ela percebeu o constrangimento disfarçado dele, a luta em seus olhos, e viu uma oportunidade.

Lentamente, deliberadamente, ela ergueu o queixo. Ela não tentou se cobrir. Não se encolheu. Agiu como se nem notasse o vestido colado ao corpo, como se sua condição fosse a coisa mais natural do mundo. Ela o olhou nos olhos, não com raiva, mas com uma indiferença fria, como se ele fosse um obstáculo insignificante em seu caminho.

Sem uma palavra, ela passou por ele. O som de seus passos encharcados era a única quebra no silêncio tenso. Ela não hesitou, não olhou para trás.

Ela o deixou ali, parado na margem do rio, com a risada presa na garganta e uma expressão no rosto que não era mais de simples divertimento. Era uma mistura complexa de desejo, frustração e o choque de ter sido pego desprevenido.

Chapter 8: A Imperfeição da Memória

Summary:

Tudo o que eu posso dizer, é que Annatar teve um dia difícil ...

Chapter Text

O som do rio Glanduin, antes um murmúrio de fundo agradável, transformará-se numa zombaria. Annatar permaneceu paralisado na margem, muito depois de a figura prateada e encharcada de Galadriel ter desaparecido entre as árvores. O eco de sua própria risada ainda pairava no ar, um fantasma de um triunfo que se tornara azedo em sua boca. Aquele som, que nascera do mais puro e delicioso deleite ao ver a Dama da Ordem mergulhada no caos, agora lhe parecia o cacarejar de um tolo.

Ele fora vencido.

A percepção era tão estranha, que por um momento ele a examinou como um erudito examinaria uma runa desconhecida. Ele, que havia enganado os mais sábios e comandado legiões, fora silenciado e imobilizado por uma elfa molhada. Ela pegará sua zombaria, sua humilhação mais crua, e a transformará numa armadura de altivez tão impenetrável que a arma dele se estilhaçara contra ela. Ele rira dela, e ela o deixara sem fôlego.

Um constrangimento ardente, uma emoção que ele não sentia há eras incontáveis, subiu por seu pescoço.

A imagem. A maldita é deliciosa imagem.

Ele fechou os olhos, tentando bani-la, mas ela estava gravada a fogo no interior de suas pálpebras. O vestido de linho fino, transformado pela água em uma segunda pele translúcida. A forma de suas pernas, a curva de sua cintura, o contorno de seus seios, tudo delineado com a clareza de um mapa. Uma forma que era ao mesmo tempo forte e suave, perigosa e desejável.

Ele se forçou a se mover, a endireitar a túnica, a recompor a máscara de superioridade serena. Mas por dentro, a engrenagem de sua mente, geralmente tão precisa e fria quanto um mecanismo anão, estava emperrada. Consumida.

Ele retornou às forjas. Era uma necessidade. A forja era seu domínio, um lugar de poder onde a matéria bruta se curvava à sua vontade. Ele precisava reafirmar seu controle sobre algo, qualquer coisa, para purgar a sensação de descontrole da tarde anterior. Ele se moveu entre os aprendizes sob o pretexto de inspecionar o trabalho deles, a voz calma, o sorriso no lugar.

"Um bom trabalho com a têmpera, Linnar," ele disse, examinando a lâmina de uma adaga. "Mas lembre-se, a força não está apenas na dureza, mas na flexibilidade."

As palavras saíam, perfeitas e ensaiadas, mas sua mente estava em outro lugar. Ele via a forma como a luz da forja brilhava no aço polido e lembrava-se da forma como a luz do sol brilhava nas gotas de água na pele dela. Ele sentia o calor da fornalha e se lembrava do calor súbito que o inundara ao vê-la. Estava distraído. E a distração, para ele, era uma forma de fracasso.

O momento de sua vergonha veio quando ele decidiu dar uma demonstração. Pegou uma barra de prata recém-purificada, um lingote perfeito, pesado e brilhante.

"Vejam," ele começou, a voz ressoando com autoridade. "A pureza é o alicerce. A partir daqui, podemos infundir forma, propósito, vontade. Esta prata é silenciosa, mas anseia por cantar. Anseia pela mão firme de um mestre para..."

Naquele instante, a imagem invadiu sua mente novamente, mais vívida do que nunca: Galadriel saindo da água, o queixo erguido, os olhos prateados faiscando não com vergonha, mas com um desafio gelado. O poder naquela imagem, a força em sua vulnerabilidade...

A mão dele vacilou.

A barra de prata, pesada e lisa, escorregou em seu aperto por uma fração de segundo. Ele a segurou antes que caísse, o metal batendo contra a palma de sua outra mão com um baque surdo, mas o erro for a cometido. Um erro impensável. Ele, cujas mãos podiam moldar a própria essência do poder, quase deixara cair uma simples barra de metal.

Um dos aprendizes mais jovens, um elfo chamado Faeron, soltou uma risada nervosa, rapidamente abafada.

O olhar de Annatar se moveu para ele. Foi um olhar glacial, desprovido de qualquer calor ou benevolência. Um olhar que continha o frio do Vazio e a promessa de uma dor sem fim. O riso do aprendiz morreu em sua garganta, substituído por um terror pálido. O silêncio na forja tornou-se absoluto, quebrado apenas pelo som do fogo.

"Como eu dizia," Annatar continuou, a voz agora desprovida de qualquer calor, "a mão de um mestre... não falha."

Ele se virou, mas a fúria que sentia não era para o jovem tolo. Era para si mesmo. Eu nunca falho. Eu nunca perco o controle. Até agora. A imagem dela não o estava apenas distraindo; estava o tornando falível.

A tarde trouxe uma reunião com os conselheiros de Eregion. Uma provação de tédio monumental que ele normalmente navegava com uma graça sonolenta, oferecendo aforismos sábios enquanto sua mente trabalhava em planos de dominação continental. Hoje, porém, sua mente se recusava a cooperar. As palavras de Lord Gildor sobre as rotas de comércio eram um zumbido indistinto.

"... e devemos, é claro, louvar a administração de Lady Galadriel," disse Lord Erestor, o conselheiro mais velho. "Sua supervisão é rígida, sim, mas garantiu nossa prosperidade."

A palavra – rígida – foi como um dedo cutucando uma ferida. A mente de Annatar fez a conexão instantaneamente. Rígida. Como a margem de um rio. Rígida como sua postura, seu controle. Rígida até...

"Rígida como um rio que não cede," Annatar ouviu-se dizer, a voz tingida com uma ironia que ele não conseguiu conter, "até que escorrega e cai em si mesmo."

As palavras pairaram no ar. Alguns dos conselheiros mais jovens riram discretamente, apreciando a farpa espirituosa. Erestor, no entanto, olhou para ele com uma expressão de estranheza, a cabeça inclinada como se tentasse decifrar um enigma. Annatar percebeu seu erro. Fora um lapso, uma indiscrição nascida da obsessão. Ele revelará algo.

Ele rapidamente disfarçou, transformando a farpa em uma filosofia. "Uma metáfora, é claro. Para a natureza da ordem. Até a estrutura mais inflexível deve, ocasionalmente, curvar-se à correnteza do caos para redescobrir sua própria forma."

Era uma explicação plausível, mas o dano estava feito. Ela não estava na sala, e ainda assim, ela o fizera parecer um tolo. Sua ausência era mais poderosa do que a presença de todos os outros. E isso o enfureceu a um nível visceral.

No final da tarde, ele buscou refúgio na única mente em Eregion que ele podia dominar completamente: a de Celebrimbor. Encontrou o mestre-ferreiro em seus estúdios, debruçado sobre novos desenhos para broches e anéis.

"Meu amigo," Annatar começou forçando o entusiasmo em sua voz. "Tive uma inspiração. Uma nova forma para os fechos. Uma que ecoa o fluxo da água, o símbolo da pureza e da mudança."

Ele pegou um pedaço de carvão e começou a desenhar em um pergaminho limpo. Mas suas mãos o traíram. A curva que ele pretendia ser um elegante arabesco saiu muito parecida com a curva de um quadril feminino. Ele falou de "proporções fluidas", mas via a forma como a água escorria pelas pernas dela. Ele mencionou "um ponto central de luz", e viu a forma como o sol se refletia em sua pele molhada. Cada metáfora de água, cada curva desenhada no pergaminho, cada símbolo de poder que ele tentava conceber, o trazia de volta àquela única, humilhante, gloriosa imagem.

A raiva o invadiu, fria e sufocante. Como? Como podia uma única visão, um momento de caos não planejado, atrapalhar sua mente? Sua mente, que era sua maior arma, a fortaleza de sua vontade, o motor de seus planos milenares. Estava sendo sabotada por dentro, pela memória de uma ninfa do rio de cabelos dourados e olhos desafiadores.

A noite o encontrou sozinho em seus aposentos opulentos. O silêncio era uma acusação. Ele se serviu de uma taça do melhor vinho de Dorwinion e encarou seu próprio reflexo dourado no líquido escuro. Ele tentou se forçar a racionalizar, a encaixar o evento em seus grandes planos.

Aquilo é apenas um detalhe, ele disse a si mesmo. Um lapso momentâneo. Uma distração carnal, nada mais.

Mas quanto mais ele negava, mais a lembrança se intensificava. Ele podia sentir o cheiro do rio, ouvir o som de seu próprio riso morrendo, ver o desafio nos olhos dela.

Eu vou usar isso, ele planejou, a estratégia uma forma de autodefesa. Da próxima vez que nos encontrarmos, eu a lembrarei. Farei uma piada sobre a natação dela. Vou diminuí-la na frente dos outros, transformando sua humilhação em minha arma.

Mas mesmo enquanto formulava o plano, ele sabia que era perigoso. Admitir o evento era admitir que ele estava lá, que ele viu. E admitir que viu era perigosamente próximo de admitir o quanto aquilo o excitara. A imagem dela, vulnerável e desafiadora, havia despertado algo nele que não era apenas o desejo de dominar, mas um desejo mais simples, mais cru, que o irritava com sua primitividade.

Pela primeira vez em eras incontáveis, não era um plano para a queda de reinos, nem a maquinação de um anel, nem a estratégia para uma guerra que ocupava sua mente. Era a imagem de uma elfa saindo das águas, tão encharcada, tão imperfeita e tão altiva que o fez até perder o fôlego. E ele odiava e desejava aquela imagem em igual medida.

Chapter 9: A Doçura da Batalha

Chapter Text

Na manhã seguinte ao episódio no rio Glanduin, Galadriel acordou com uma resolução forjada na fria luz do amanhecer: ela não pensaria mais em Annatar. A decisão era tão clara e afiada quanto uma lâmina recém-amolada. Ela não pensaria no choque da água fria, que parecia ter lavado momentaneamente séculos de compostura. Não pensaria na humilhação de sua queda. E, acima de tudo, não pensaria na forma ridícula e totalmente primitiva em que o riso dele morrera na garganta, substituído por um olhar fixo, faminto e desconcertado. A imagem dele, o ser da perfeição imaculada, perdendo o controle por uma fração de segundo, era uma arma. E armas, ela sabia, deviam ser guardadas em silêncio até o momento de serem usadas, não admiradas como troféus.

Hoje, ela retomaria sua rotina com a seriedade que lhe era própria. Haveria relatórios para analisar, guildas para apaziguar e um reino para administrar. Annatar, com seus jogos e provocações, seria relegado ao seu devido lugar: uma irritação administrativa, nada mais.

Sua nobre resolução durou precisamente até as dez da manhã.

A batida em sua porta foi diferente. Não era a batida apressada de um mensageiro, nem a batida hesitante de um peticionário. Era uma batida firme, confiante e terrivelmente familiar. A porta se abriu, e lá estava ele, carregando uma pilha de pergaminhos que era desnecessariamente alta, claramente para efeito dramático.

Ele entrou em seu escritório como se fosse o dono do lugar, o brilho da manhã emoldurando seus cabelos dourados. Não havia nenhum sinal de constrangimento, nenhuma lembrança do momento de vulnerabilidade na margem do rio. Em seu lugar estava uma máscara de exagerada compostura, um profissionalismo tão impecável que era, em si, a mais pura forma de zombaria.

"Bom dia, Lady Galadriel," ele disse, a voz suave e uniforme. "Espero não estar interrompendo." Uma mentira óbvia. Ele vivia para interromper. "Os relatórios da forja desta semana. Há algumas projeções de custos que exigem sua supervisão imediata."

Ele se sentou na cadeira em frente a ela sem ser convidado e começou a desenrolar os documentos com a eficiência de um escriba. A normalidade do ato era a verdadeira provocação. Ele estava agindo como se o dia anterior não tivesse acontecido, apagando a memória de sua perda de controle com uma avalanche de profissionalismo.

"Temos um problema com a última remessa de estanho," ele começou apontando para uma coluna de números. "A pureza é inferior em três por cento ao que foi encomendado. Isso afetará a maleabilidade das novas ligas de bronze. Sugiro que uma carta de reclamação seja enviada aos fornecedores anões. Uma carta bastante... firme."

Galadriel olhou para o número, depois para ele. O brilho malicioso em seus olhos azuis entregava o jogo. Ele não estava falando de estanho. Estava falando dela, de sua firmeza, testando-a, cutucando-a. Ela sentiu uma pontada de irritação, mas por baixo dela, algo mais borbulhou: um estranho e perverso divertimento. Ele era um péssimo ator, ou talvez um ator tão bom que a artificialidade era a própria mensagem. Ele estava se esforçando tanto para parecer normal que era quase cômico.

"Sua preocupação com a integridade de nossos metais é comovente, Senhor dos Dons," ela respondeu, a voz seca como o pó dos arquivos. "Eu mesma redigirei a carta. Tenho uma vasta experiência em expressar desapontamento com anões."

"Eu não duvido," ele murmurou, um sorriso quase imperceptível em seus lábios. Ele continuou passando pelos relatórios com uma precisão teatral, apontando pequenas contradições, sugerindo melhorias com uma sabedoria que era ao mesmo tempo útil e condescendente. Cada observação era uma farpa, cada sugestão uma demonstração de sua superioridade.

Galadriel fingiu impaciência, suspirando nos momentos certos e batendo a ponta da pena na mesa. Mas, pela primeira vez, ela sentia que estava assistindo a uma peça, em vez de ser uma atriz cativa nela. Ela sabia que a máscara dele podia rachar. E esse conhecimento era um escudo.

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À tarde, precisando escapar da atmosfera claustrofóbica de seu escritório, Galadriel decidiu atravessar o mercado principal de Ost-in-Edhil. A tarefa era trivial, inspecionar pessoalmente a qualidade de uma nova remessa de seda vinda dos portos do sul, mas a verdadeira razão era a necessidade de se reconectar com a vida de sua cidade, de se lembrar do mundo real que existia além de seu duelo com Annatar.

O mercado era uma sinfonia de cores, sons e cheiros. Barracas vendiam frutas vermelhas das florestas, especiarias exóticas do Leste, tecidos que brilhavam como água e gemas que continham a luz das estrelas. O ar vibrava com o som da negociação élfica, uma melodia de barganhas polidas e risadas cristalinas. Por um momento, Galadriel se sentiu em paz, a administradora em seu elemento.

Foi então que ela o viu. E, para sua surpresa – ou talvez nem tanto –, não sentiu o choque habitual. Sentiu apenas uma resignação cansada.

Ele estava parado perto de uma barraca que vendia doces e confeitos, fingindo examinar um pote de mel dourado. A aparição dele ali era tão provável quanto uma nevasca em pleno verão.

Antes que ela pudesse desviar e fingir não o ter visto, ele se virou, o rosto iluminado por um sorriso de surpresa perfeitamente ensaiado. "Lady Galadriel! Que coincidência deliciosa."

Ele se aproximou, segurando um pequeno doce em seus dedos, um bolo de mel e especiarias, dourado e aromático. "Eu estava justamente provando as iguarias locais. A arte dos confeiteiros de Eregion é quase tão impressionante quanto a de seus ferreiros. Você precisa provar."

Ele ofereceu o doce a ela. Era um gesto simples, mas carregado de significado. Um presente. Uma oferta. Um teste.

"Agradeço, mas não," ela disse, a voz fria.

"Oh, mas você deve," ele insistiu, o sorriso irônico se aprofundando. "É uma receita antiga. Dizem que o mel fortalece o espírito."

"Meu espírito está perfeitamente fortalecido, obrigada."

"Mas um espírito forte nunca deve recusar um pouco de doçura," ele retrucou, não se movendo. As pessoas começavam a olhar. Ele estava criando uma cena, uma pequena peça no meio do mercado. "Recusar um simples doce oferecido com amizade diante de seu próprio povo... poderia ser mal interpretado como orgulho, minha Senhora. E nós sabemos que a senhora está acima de tais coisas."

Ele a encurralara novamente, usando a imagem pública dela como arma. A fúria, quente e familiar, subiu por sua garganta. Com um movimento brusco, ela pegou o doce da mão dele e deu uma pequena mordida. O sabor era intenso e inesperado – o mel doce, o calor do gengibre e da canela, uma explosão de especiarias.

A expressão no rosto de Annatar era de um triunfo tão puro e satisfeito que era ainda mais irritante do que o próprio gesto. Ele a observou mastigar e engolir, como se estivesse testemunhando uma grande rendição.

"Delicioso, não é?" ele disse, vitorioso.

Antes que ela pudesse responder com uma réplica cortante, ele continuou, como se fosse a coisa mais natural do mundo. "Já que ambos estamos aqui, desfrutando deste belo dia, por que não um passeio? Há uma vista dos picos das montanhas a partir da colina leste que dizem ser inspiradora."

Galadriel hesitou. Cada instinto em seu corpo gritava para que ela recusasse, para que se virasse e fosse embora, para negar-lhe mais um segundo de sua atenção. Recusar, no entanto, seria uma fuga. Seria admitir que a presença dele a intimidava, que ela não suportava estar em sua companhia. Seria dar a ele o prazer de vê-la recuar.

E havia outra coisa. Uma coisa que ela mal ousava admitir para si mesma. Uma perigosa centelha de curiosidade. Ela o vira perder o controle. Ela o vira vulnerável. E uma parte dela, a parte analítica, a parte estrategista, queria ver mais. Queria estudar o inimigo de perto, entender como ele funcionava, encontrar outras rachaduras em sua armadura dourada.

"Muito bem," ela disse, a voz soando mais calma do que se sentia. "Um breve passeio."

 A multidão abriu caminho para eles, os elfos olhando com uma mistura de reverência e curiosidade. Galadriel manteve o queixo erguido, os olhos fixos à frente, um monumento de dignidade relutante. Ao seu lado, Annatar caminhava com uma graça fácil, mas ela podia ver pelo canto do olho. O sorriso em seu rosto. Não era mais o sorriso sedutor ou o sorriso zombeteiro. Era o sorriso simples e inequívoco de quem sabe que venceu uma pequena, mas significativa, batalha naquele dia. E ela, contra toda a sua vontade, estava marchando ao lado dele.

Chapter 10: A Fonte e a Fronteira

Notes:

Mais um dia produtivo de revisões. Como eu havia dito estou com a maior parte dessa fanfic pronta, mas sempre consigo revisar os capítulos pra postar de manhã e a noite. A ideia original era escrever tudo primeiro e postar tudo de uma vez. Mas estou feliz demais com o resultado até agora, e ansiosa pra terminar logo. Espero que gostem desse capítulo, amanhã eu trago mais<3

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O que começou como uma capitulação tática no mercado – um breve passeio para evitar uma cena – rapidamente se revelou um erro estratégico de proporções monumentais. Galadriel se viu caminhando ao lado de Annatar para fora dos portões da cidade, seguindo um caminho que levava aos bosques do leste. Cada passo que ela dava para longe da segurança de seus muros era um passo a mais em seu território, um lugar sem regras, sem conselheiros como testemunhas, sem deveres administrativos para usar como escudo.

Ela tentou se envolver em um silêncio gelado, uma tática que geralmente desencorajava até mesmo os diplomatas anões mais teimosos. Com Annatar, no entanto, o silêncio era apenas um convite.

“É notável,” ele começou, a voz casual, como se estivessem dando o mais natural dos passeios, “como suas responsabilidades a seguem. Mesmo aqui, posso ver o peso delas em seus ombros. Você está calculando o rendimento da madeira deste bosque ou a vazão do riacho que corre ao nosso lado?”

“Estou pensando que a paz é um recurso valioso, e você a está consumindo com uma velocidade alarmante,” ela retrucou, sem olhá-lo.

Ele riu, um som baixo e genuíno que, para o aborrecimento dela, não soava desagradável sob o dossel das árvores. “Ah, mas a paz é o prelúdio da estagnação, minha Senhora. A tensão, o conflito... é aí que a verdadeira criação acontece. Veja aquelas duas gralhas,” ele apontou para o céu, onde duas aves negras guinchavam e mergulhavam uma na outra. “Elas não estão apenas brigando. Estão definindo o mundo. Estão forjando um reino no ar. É uma reunião de conselho muito mais eficiente do que as nossas, você não acha?”

A comparação era tão inesperada, tão absurdamente precisa em sua descrição da política de Eregion, que uma risada curta e surpresa escapou dos lábios de Galadriel antes que ela pudesse contê-la. O som a chocou mais do que a ele. Ela se calou imediatamente, o rosto quente de fúria consigo mesma.

Annatar sorriu com uma satisfação silenciosa, como um pescador que sente a primeira fisgada na linha. “Aí está. Um vislumbre da melodia sob a armadura. Eu sabia que estava lá.”

Ela lutou para manter a distância, mas ele era implacável. Ele conduzia a conversa com a habilidade de um mestre tecelão, misturando ironias afiadas com momentos de súbita seriedade que a desarmavam. A cada passo, ela se sentia mais enredada, sua armadura de desprezo se tornando cada vez mais pesada e inútil. Contra sua vontade, contra sua razão, ela percebeu que estava ouvindo mais do que rebatendo, e sorrindo mais do que gostaria.

Enquanto entravam em uma parte mais densa do bosque, o tom dele mudou. A leveza provocadora desapareceu, substituída por uma gravidade pensativa. Ele parou e tocou a casca de um carvalho antigo.

“É isso que eu mais admiro em Eregion,” ele disse, a voz quase um confessional. “Não apenas a habilidade, mas a paixão. O fogo que queima em Celebrimbor e em seus artesãos. É um eco, sabe. Um eco do grande Fogo da Criação que deu forma ao mundo.” Ele se virou para ela, a zombaria ausente de seus olhos. “Eles buscam a permanência em um mundo que se desfaz. Eles forjam a beleza para lutar contra o tempo. Até mesmo uma flor que desabrocha por um único dia… eles gostariam de torná-la eterna. É a mais nobre e a mais trágica das ambições.”

Galadriel desconfiava. Sua mente dissecava cada palavra, procurando o veneno escondido. E estava lá, ela sabia. Mas, por baixo de tudo, havia algo em sua voz, uma ressonância de anseio genuíno, que a intrigava. Era como se, por trás do disfarce, ela ouvisse um eco de uma verdade impossível de ignorar – a de um ser que, como ela, entendia a guerra contra o fim de todas as coisas.

O caminho se abriu para uma pequena clareira, um lugar que ela não visitava há anos. No centro, havia uma fonte antiga, um círculo baixo de pedras cobertas de musgo, de onde uma nascente borbulhava suavemente. A atmosfera era tranquila, quase mágica. Um silêncio confortável se instalou entre eles, a primeira vez que o silêncio não parecia uma arma.

Annatar a observava, o olhar intenso, mas desprovido do riso zombeteiro habitual. Ele parecia estar vendo-a de verdade, não a Administradora, mas a elfa de pé diante dele. Foi nesse silêncio carregado que ele se moveu. Ele se aproximou, não com a arrogância de antes, mas com uma hesitação quase imperceptível. Ele não pediu permissão, não disse uma palavra. Apenas fechou a pequena distância que os separava.

Galadriel deveria recuar. A razão, a lógica, séculos de autocontrole gritavam em sua mente para que ela desse um passo para trás. Recue. Mova-se. Diga algo. Mas seu corpo não obedeceu. Ela permaneceu imóvel, paralisada por uma mistura de choque, desafio e aquela traiçoeira e avassaladora curiosidade.

Perdidos um no olhar do outro, eles se beijaram. O primeiro toque foi breve, quase um teste, um choque de calor e pressão contra seus lábios. Mas então a mão dele encontrou sua cintura, os dedos se curvando firmemente em volta dela, puxando-a contra si com uma força que não admitia recusa. O corpo de Annatar era duro e quente contra o corpo de Galadriel, uma surpresa que roubou o ar dos pulmões dela.

Antes que ela pudesse processar o contato, ele aprofundou o beijo. Seus lábios se separaram sob a pressão insistente dos dele, e a língua dele explorou suavemente a boca dela. Foi uma invasão, uma pergunta audaciosa que a deixou sem fôlego. Ela sentiu o gosto residual do mel e das especiarias que ele a forçara a comer, um lembrete agridoce de sua rendição anterior, agora misturado a esta nova e mais profunda capitulação.

Sua mente era uma tempestade de protestos, mas seu corpo, aquele traidor, contava uma história diferente. Em vez de empurrá-lo, ela sentiu seus próprios dedos se agarrarem ao tecido da túnica dele. E, para seu horror absoluto, ela correspondeu ao beijo dele, inclinando-se contra ele, rendendo-se ao momento. Um leve suspiro de prazer e derrota escapou por entre seus lábios, um som minúsculo que foi engolido pela boca dele.

A reação dele foi imediata e visceral. Ela o sentiu enrijecer, um tremor percorrendo o corpo poderoso dele. O braço em volta de sua cintura a apertou ainda mais, esmagando-a contra ele, transformando o beijo de uma exploração em um ato de possessão. O som do suspiro dela, a confissão de seu corpo, o havia inflamado.

O momento se rompeu tão abruptamente quanto começou. Foi ela quem se afastou, empurrando o peito dele com uma força nascida do pânico, o peito arfando. Ela estava visivelmente perturbada, os olhos arregalados, a mente uma tempestade de emoções contraditórias. Seus lábios formigavam, quentes e sensíveis.

Annatar, por sua vez, recuperou o sorriso. Mas não era o sorriso de escárnio habitual. Era algo mais contido, mais complexo. Um sorriso quase triunfante, mas tingido com uma surpresa genuína, como se ele tivesse testado uma teoria e os resultados tivessem superado suas mais ousadas expectativas.

Ele não ofereceu explicação, nem desculpas, nem mais provocações. Apenas a olhou por um longo momento, como se memorizasse a confusão em seu rosto.

“Até amanhã, minha Senhora,” ele disse, a voz enigmática e suave.

E com isso, ele se virou e se foi, desaparecendo de volta no caminho da floresta tão silenciosamente quanto surgira, deixando-a sozinha diante da fonte borbulhante.

Ela ficou ali por um tempo incontável, a mão erguida para tocar os próprios lábios. A tranquilidade da clareira agora parecia uma zombaria. Sua mente era um turbilhão de raiva por ele, por si mesma, de um desejo inegável que a enchia de vergonha, e de um temor profundo e sem nome pelo que acabara de acontecer. Enquanto retornava a Ost-in-Edhil em silêncio, sob um céu que começava a se encher de estrelas, sentia que uma linha invisível, uma fronteira sagrada, fora atravessada. E ela não tinha a menor ideia do que a esperava do outro lado.

Chapter 11: O Gosto da Memória

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Na manhã seguinte, a luz que se derramava pela janela dos aposentos de Galadriel parecia diferente. Era a mesma luz dourada de sempre, mas hoje ela a sentia como uma acusação, um holofote sobre a desordem de sua alma. Ela acordara antes do amanhecer, arrancada de um sono superficial por um sonho vívido da fonte, do silêncio, do toque. Seus lábios ainda formigavam com a memória, e ela os esfregou com as costas da mão, como se pudesse apagar a sensação.

Ela se levantou com uma determinação fria e furiosa. Aquele momento de fraqueza na clareira não definiria nada. Fora um lapso, uma aberração nascida da provocação dele e de um cansaço momentâneo dela. Ela se afogaria em trabalho. Construiria uma fortaleza de relatórios, decretos e audiências tão alta e impenetrável que nem mesmo a lembrança daquele beijo ousaria escalá-la.

Ela não pensaria no choque de seu corpo contra o dele, na firmeza de seu aperto, na audácia de sua língua. Não pensaria no gosto residual de mel, nem no suspiro que a traiu. E, acima de tudo, não pensaria na forma como, por um instante, o mundo inteiro pareceu se resumir àquele único ponto de contato.

Sua resolução era uma armadura recém-formada. Ela a vestiu e marchou para seu escritório, pronta para a batalha contra seus próprios pensamentos.

Por horas, a estratégia pareceu funcionar. Ela mergulhou nos registros de importação de madeira das Montanhas Azuis com a ferocidade de um erudito, encontrando uma discrepância de dois por cento que ninguém mais havia notado. Ela convocou o chefe da Guilda dos Carpinteiros e o interrogou com uma precisão cirúrgica, sua mente afiada e focada. Ela se sentia no controle, a Administradora em seu elemento, o mundo novamente um quebra-cabeça lógico que ela podia resolver.

Mas a memória é uma água traiçoeira; ela se infiltra nas menores rachaduras.

Enquanto lia um relatório sobre a produção de prata, a descrição do brilho do metal polido trouxe à sua mente o brilho dos olhos dele no momento antes de se aproximar. Ela piscou, a imagem tão vívida que a fez perder a linha que estava lendo. Irritada, ela se virou para um mapa de Eregion, traçando uma nova rota de caravana com a ponta do dedo. A curva suave que o caminho fazia ao redor de uma colina a fez lembrar da curva do braço dele ao redor de sua cintura.

Ela largou a pena com um baque surdo. A raiva borbulhou, quente e familiar, mas desta vez não era dirigida apenas a ele. Era para si mesma. Raiva por sua fraqueza, por não ter recuado, por ter ficado paralisada como uma donzela assustada. Mas sob a raiva, havia algo mais complexo. Havia a fúria por ele ter ousado, por ter cruzado um limite tão perigoso e irrevogável, por ter roubado dela a certeza de seu próprio autocontrole. Ele a havia forçado a se ver de uma maneira que ela não via há eras: não como um símbolo ou uma líder, mas como uma elfa cujo corpo tinha uma vontade própria. E essa revelação era aterrorizante.

Do outro lado da cidade, na Grande Forja, Annatar vivia um dia que, para qualquer observador, parecia perfeitamente normal. Ele se movia pelo espaço cavernoso com sua graça habitual, o calor das fornalhas fazendo seu cabelo dourado brilhar. Ele oferecia conselhos aos aprendizes, a voz calma e instrutiva, e discutia os meandros de uma nova técnica de soldagem com Celebrimbor, que o ouvia com a devoção de sempre. A máscara de benevolência e sabedoria estava firmemente no lugar.

Mas por trás da máscara, sua mente estava em ebulição.

Enquanto explicava a Mirdania como o ângulo de um cinzel afetava a refração da luz em uma gema, sua mente não estava na gema. Estava na forma como a luz da tarde se partira nos fios de cabelo dourados de Galadriel na clareira. Enquanto demonstrava a um jovem ferreiro a maneira correta de segurar um martelo para obter o máximo impacto, suas mãos se lembravam da sensação da cintura dela, da forma como ela se encaixava perfeitamente em seu aperto.

Ele estava revivendo o beijo. Não com a confusão dela, mas com a precisão analítica de um general revendo uma batalha vitoriosa. Cada detalhe era um troféu. A hesitação inicial dela, a rigidez de sua postura que lentamente cedeu. A separação de seus lábios, uma rendição silenciosa. O gosto dela, uma mistura inebriante de força, doçura do mel e algo mais, algo unicamente dela, algo que ele ainda não conseguia nomear. E, acima de tudo, o suspiro. Aquele som minúsculo, quase inaudível, que fora a confissão de seu corpo, a bandeira branca erguida por sua carne, mesmo enquanto sua mente ainda lutava. Aquele som o percorreu com uma onda de triunfo tão potente que superava a emoção de ver um reino se curvar.

O dia dele era uma performance. Por fora, o Senhor dos Dons, sereno e prestativo. Por dentro, um conquistador saboreando a primeira e mais crucial violação das defesas inimigas. Ele a havia tocado. E ela o havia permitido. Mais do que isso, ela havia respondido. Essa era uma verdade que agora existia entre eles, e mudava tudo.

Ao longo dos dias, eles se evitaram com um cuidado meticuloso que era, em si, uma forma de comunicação. Se ela precisava de um livro na biblioteca, enviava um acólito. Se ele precisava entregar um relatório, deixava-o com o guarda do lado de fora de seus aposentos. Era uma dança de evitação, um reconhecimento mútuo de que um encontro direto era, por enquanto, perigoso demais.

Mas o destino, ou talvez uma força mais maliciosa, parecia se divertir com o jogo deles.

No corredor da biblioteca, ela saiu de uma alcova no exato momento em que ele entrava pela porta principal. Por um longo segundo, seus olhares se cruzaram através do salão silencioso e empoeirado. O mundo pareceu encolher, o cheiro de livros antigos e a luz fraca das janelas desaparecendo, deixando apenas a conexão elétrica entre eles. Não havia sorrisos, nem palavras. Havia apenas o peso do conhecimento compartilhado, a memória do beijo pairando no ar entre eles como um fantasma visível. Foi ela quem quebrou o contato primeiro, virando-se bruscamente e desaparecendo por outro corredor, o coração martelando contra as costelas.

Mais tarde, em uma reunião breve e inevitável do conselho para aprovar uma despesa urgente, o destino os testou novamente. Erestor lhes passou um único pergaminho para que ambos assinassem. Annatar o assinou com um floreio e o empurrou sobre a mesa em direção a ela. Ao alcançá-lo, os dedos dela roçaram os dele.

Foi um toque mais leve que uma pena, mas ambos recuaram como se tivessem tocado em uma brasa viva. Um choque de calor percorreu o braço de Galadriel, e ela viu, pelo canto do olho, a mão dele se fechar em um punho sobre a mesa por um instante antes de relaxar. O clima entre eles tornou-se tão carregado que até mesmo Gildor, geralmente alheio a tudo que não fossem números, ergueu os olhos de suas anotações com uma expressão de curiosidade. Cada pequeno gesto, cada quase-toque, era agora mais eloquente e perigoso do que qualquer palavra.

À noite, Galadriel se refugiou em seus aposentos, mas não encontrou paz. O silêncio da sala apenas amplificava o tumulto em sua mente. Ela caminhava de um lado para o outro, a seda de seu robe farfalhando, o som uma irritação em seus nervos à flor da pele.

Ela se lembrava da escuridão que pressentira em Annatar desde o primeiro dia. Uma sombra escondida sob o ouro, uma frieza sob o calor de seu carisma. E ela, a guardiã de seu povo, a administradora vigilante, havia permitido que aquela escuridão a tocasse. Ela se repreendeu com uma ferocidade silenciosa, chamando a si mesma de tola, de fraca. Ela havia traído sua própria sabedoria, seu próprio dever, por um momento de... o quê? Curiosidade? Fraqueza?

No entanto, quando finalmente se deitou e fechou os olhos, exausta da batalha contra si mesma, a lógica e a autorrecriminação se dissolveram. A memória sensorial retornou, não como um pensamento, mas como uma sensação. A firmeza de seu aperto, o calor de seus lábios, a rendição vertiginosa daquele instante. E, para seu horror e vergonha, ela não conseguiu evitar o desejo traiçoeiro de reviver aquele momento, de sentir novamente aquela perigosa e proibida chama.

Enquanto isso, em seus próprios aposentos opulentos, Annatar estava sentado diante de uma lareira acesa, um copo de vinho intocado ao seu lado. Ele não se movia. Apenas contemplava o reflexo dourado de uma chama dançando na superfície polida de uma adaga de prata que repousava sobre a mesa.

Ele não se iludia com falsas esperanças. Sabia que Galadriel não era uma conquista fácil, nem um coração que se deixaria prender por um único beijo. Ela era mais forte do que isso. Sua retirada, sua fúria, eram provas de sua força, não de sua fraqueza. Ela lutaria contra ele, e contra si mesma, com cada fibra de seu ser.

Mas para ele, o beijo não fora apenas um gesto de paixão ou um movimento tático. Fora a confirmação de uma teoria. Fora a primeira rachadura em um muro que o mundo, e ela mesma, jurava ser intransponível. Ele provara que, sob o gelo da administradora, havia o fogo de uma elfa. E ele era o mestre do fogo.

Um sorriso lento e satisfeito se espalhou por seus lábios enquanto observava a chama dançar. Ele não iria recuar. Pelo contrário. Agora que sabia que a fortaleza podia ser violada, ele começaria o verdadeiro cerco. Pela primeira vez em eras incontáveis, não era um plano para a dominação do mundo, nem o design de um anel, nem a estratégia para uma guerra que ocupava sua mente. Era a lembrança do gosto dela em seus lábios.

Chapter 12: A Tempestade e o Fogo

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Passaram-se duas semanas desde o beijo na fonte. Duas semanas em que Galadriel existiu em uma paisagem de calma antinatural. A memória daquele momento – a transgressão, a resposta de seu próprio corpo, o triunfo contido nos olhos dele – era uma brasa viva que ela tentava sufocar sob uma avalanche de trabalho e rotina. Annatar, em uma manobra de crueldade psicológica que ela só podia admirar com um ódio frio, parecia ter entrado em conluio com o esforço dela.

Ele usava a normalidade como sua nova arma. As visitas ao escritório dela para discutir os relatórios da forja continuaram, mas as provocações abertas desapareceram. Ele era a máscara do profissionalismo e da cortesia. Discutia a produção de aço com uma seriedade monótona e elogiava a clareza dos registros dela com uma sinceridade vazia. Essa paz forçada era infinitamente mais enervante do que a guerra aberta. O silêncio dele sobre o beijo era um grito. Cada gesto normal era uma zombaria, um lembrete constante do momento extraordinário que ambos fingiam não ter acontecido. Ela vivia em um estado de tensão perpétua, esperando o próximo movimento, a próxima rachadura em sua fachada.

A rachadura veio em uma manhã de terça-feira, no lugar mais público e inadequado possível: a câmara do conselho.

A reunião era trivial, um debate sonolento sobre a renegociação das tarifas comerciais com os anões das Montanhas Azuis. Galadriel estava em seu elemento, sua mente afiada cortando a retórica vazia com a precisão de um lapidador. Um jovem conselheiro, Elbor, sugeriu uma concessão que, embora bem-intencionada, enfraqueceria a posição de barganha de Eregion.

Com uma paciência polida, Galadriel o corrigiu. “Uma concessão oferecida antes do início da negociação não é um gesto de boa fé, Lorde Elbor. É uma rendição preventiva. Devemos primeiro estabelecer o valor de nossos próprios bens, com firmeza, antes de considerarmos a generosidade.”

Suas palavras eram claras, lógicas. Elbor corou e assentiu, agradecido pela lição. A reunião prosseguiu. Annatar, sentado do outro lado da mesa, permaneceu em silêncio, observando-a com uma expressão de serena neutralidade.

Dez minutos depois, quando a discussão voltou ao mesmo ponto, Annatar finalmente falou, dirigindo-se ao ainda constrangido Elbor.

“Talvez uma outra perspectiva ajude,” ele disse, a voz suave, mas comandando a atenção de todos. “Pense nisso desta forma, meu jovem senhor: uma concessão prematura não é um ato de diplomacia, mas sim uma rendição antes da batalha. O primeiro e mais crucial passo em qualquer negociação é estabelecer o valor intransigente de seus próprios ativos. Apenas a partir de uma posição de força podemos, então, considerar a generosidade.”

Um silêncio chocado caiu sobre Galadriel. Ele não apenas parafraseou; ele roubou suas palavras, polindo-as ligeiramente e as apresentando como se fossem uma pepita de sabedoria que acabara de extrair de sua mente divina.

A afronta foi tão descarada, tão publicamente humilhante, que ela sentiu o sangue subir ao rosto. O pior foi a reação da sala. Elbor olhou para Annatar com uma gratidão radiante, como se tivesse recebido uma revelação. Alguns dos conselheiros mais jovens sorriram, impressionados com a clareza e a eloquência do Senhor dos Dons.

Ela estava em chamas. Uma fúria branca e ofuscante a consumiu. Ele não havia apenas roubado sua ideia; ele havia roubado sua autoridade, sua voz, e o fizera na frente de seus próprios líderes, e eles o aplaudiram por isso.

A reunião terminou logo depois. Galadriel mal ouviu as formalidades de encerramento. Seus olhos estavam fixos em Annatar enquanto ele se levantava, aceitando os elogios de Elbor com uma modéstia nauseante. A trégua havia acabado.

Ela não hesitou. Assim que ele saiu da câmara, ela o seguiu. Ele se virou no corredor deserto que levava ao Grande Salão, um corredor longo e sombrio, ladeado por colunas de mármore que pareciam as árvores de uma floresta silenciosa. Ele a esperava, um leve sorriso de antecipação nos lábios.

"Como ousa?" A voz dela era baixa, um sibilo contido que tremia com a força de sua raiva.

"Minha Senhora?" ele perguntou, a inocência em seu tom era o mais puro veneno.

"Você sabe exatamente do que estou falando," ela se aproximou, parando a poucos passos dele. "Minhas palavras. Minha análise. Você as pegou e as exibiu como se fossem suas, como um corvo roubando um objeto brilhante."

O sorriso dele se alargou. "Se nossas mentes chegam à mesma conclusão lógica, isso não deveria ser motivo de celebração? Prova que estamos em harmonia."

"Isto não é harmonia! É um jogo para você!" A compostura dela estava se esfacelando, a fúria finalmente rompendo a barragem. "Tudo é um jogo! Celebrimbor, os conselheiros, os aprendizes... são todos peças em seu tabuleiro particular, para serem movidos e manipulados para sua diversão. E eu me recuso a ser uma delas!"

"Você está errada," ele disse, a voz perdendo a leveza irônica e ganhando uma intensidade que a fez recuar um passo. Seu olhar era um fogo azul, queimando através dela. "Eles são as peças. Você... você é a oponente. A única digna do jogo."

O ar entre eles estalou, a quietude do corredor agora carregada com algo perigoso. As palavras haviam se esgotado, substituídas por um silêncio pesado de desejo e ódio. Ele ansiava por aquele confronto, ela percebeu. Ele a provocara até que ela finalmente explodisse, até que ela o confrontasse, não como uma administradora, mas como uma igual em sua guerra particular.

"Eu cansei de seus jogos" ela disse, a voz rouca. E então se virou para ir embora, um ato de demissão final.

No instante em que ela se virou, ele se moveu. A mão dele se fechou em seu braço, o aperto firme e inflexível, parando-a no lugar. O choque do contato físico, da força dele, percorreu-a. Ela se virou para encará-lo, uma repreensão afiada nos lábios, mas as palavras morreram.

O rosto dele estava a centímetros do dela, a máscara de cortesia completamente desaparecida. O que restava era uma urgência crua, uma fome que a deixou aterrorizada e fascinada. E então ele a beijou.

Não foi como na fonte. Não houve teste, nem hesitação. Foi um ato de possessão, um beijo nascido da fúria e da frustração de duas semanas de fingimento. Seus lábios eram duros e exigentes contra os dela, e seu outro braço a envolveu, puxando-a com força contra seu corpo. Não havia espaço, nem ar, nem escapatória.

Ela sentiu o choque de seu corpo contra o dela, a dureza de seu peito, a força de suas coxas. E, para seu horror e vergonha, ela sentiu a prova inequívoca de sua excitação pressionada contra seu abdômen. A revelação era tão íntima, tão crua, que fez sua mente girar. Aquilo não era um jogo de sedução; era a confissão física de um desejo que ele também não conseguia mais controlar.

A mente dela gritava para lutar, mas o corpo dela era um traidor. O choque, a raiva, o desejo reprimido das últimas semanas, tudo se fundiu em uma única e avassaladora onda de sensação. Por um instante, ela se rendeu, os lábios se separando sob os dele, as mãos que pretendiam empurrá-lo se agarrando a seus ombros.

Foi esse momento de rendição que a trouxe de volta a si. Com um grito abafado, ela o empurrou para trás com toda a força que conseguiu reunir.

Eles se separaram, ambos ofegantes, o ar no corredor vibrando. Os olhos dele estavam escuros de paixão e fúria, os lábios ligeiramente inchados. Ele parecia tão abalado quanto ela.

Sem uma palavra, Galadriel se virou e se afastou, os passos rápidos, mas não correndo. Era uma retirada, mas não uma derrota. Ela o deixou sozinho no corredor, o eco de sua respiração pesada a única testemunha do que havia acontecido.

Ela não parou até chegar à segurança de um balcão isolado, com vista para os pátios silenciosos. Apoiou as mãos no parapeito de pedra fria, a cabeça baixa, tentando forçar o ar a voltar para seus pulmões. Sua respiração ainda tremia. Seus lábios queimavam. Ela podia sentir o fantasma do corpo dele pressionado contra o seu.

A raiva ainda estava lá, uma chama fria em seu peito. Mas agora estava misturada com algo mais. Uma verdade terrível e inegável. Ela podia odiar seus jogos, desprezar sua arrogância, temer a escuridão que sentia nele. Mas não podia mais esconder de si mesma, não depois daquele beijo, não depois da resposta de seu próprio corpo, o quanto ele a abalava.

Chapter 13: A Ofensiva da Normalidade

Notes:

(See the end of the chapter for notes.)

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Passaram-se três dias. Três dias de um silêncio tão absoluto e antinatural que Galadriel quase sentiu falta das provocações. Quase. Após o beijo tempestuoso no corredor, Annatar parecia ter se evaporado de sua vida. Ele não apareceu em seu escritório. Ela não o viu nas forjas. Era uma paz suspeita, o tipo de calma que precede um terremoto ou a visita de um parente distante. Galadriel, em sua infinita sabedoria, convenceu-se de que sua fúria finalmente o havia intimidado, que ele havia percebido que cruzara uma linha e recuara. Era um pensamento tolo e otimista, e ela deveria saber melhor.

Na manhã do quarto dia, a normalidade explodiu.

Ela estava no meio de uma reunião do conselho, ouvindo com uma paciência sobre-élfica, Lord Gildor discorrer por quinze minutos sobre os méritos de um novo tipo de argamassa. Foi então que a porta se abriu, e Annatar entrou com a brisa de quem é dono do vento.

"Meus perdões pelo atraso," ele disse com um sorriso que sugeria que todos ali deveriam, na verdade, agradecê-lo por sua presença. "Estava ajudando Celebrimbor com uma questão de ressonância harmônica em ligas de bronze. Fascinante."

Ele se sentou, e a reunião prosseguiu, mas a atmosfera havia mudado. Os conselheiros, antes sonolentos, agora pareciam mais alertas, ansiosos para impressionar o recém-chegado. E eles o fizeram. Um a um, eles começaram a tecer elogios a Annatar em suas falas.

"Como o Senhor Annatar nos ensinou sobre a otimização de recursos..." disse um.

"...seguindo o conselho do Senhor dos Dons sobre a estética dos novos aquedutos..." disse outro.

Galadriel sentiu uma vontade quase incontrolável de revirar os olhos tão forte que temeu que eles pudessem ficar presos na parte de trás de sua cabeça. Em poucas semanas, ele passara de emissário a consultor de tudo, desde metalurgia a design de interiores. Do outro lado da mesa, Annatar buscou o olhar dela, um brilho de puro e descarado divertimento em seus olhos azuis. Ele estava se deleitando com a irritação dela. Galadriel o ignorou com a intensidade de uma geleira, virando-se para examinar um rascunho de lei como se fosse o texto mais cativante já escrito.

Após a reunião, ela voltou ao seu escritório, precisando de silêncio. A paz durou pouco. Ele apareceu na porta, com o mesmo ar tranquilo de sempre, fingindo uma normalidade que era a mais pura das provocações.

"Lady Galadriel," ele disse, "Apenas uma pequena questão sobre o mapa de rotas comerciais."

Ele se aproximou da mesa dela, e ela sentiu o ar se tornar mais denso. Ele se posicionou atrás dela, inclinando-se sobre seu ombro para apontar um local no mapa. A proximidade era deliberada, um teste. Ela podia sentir o calor de seu corpo em suas costas.

"Esta rota para o sul é traiçoeira," ele sussurrou, a voz um murmúrio perto de seu ouvido, o hálito quente tocando a pele sensível de seu pescoço. "Mas não tanto quanto um certo corredor que conheço. Lugares apertados podem levar a decisões... impulsivas, não acha?"

Uma onda de calor e fúria subiu pelo pescoço de Galadriel, colorindo suas bochechas com um rubor que ela não conseguiu conter. Antes que pudesse formular uma resposta cortante, uma batida na porta a interrompeu. Um jovem elfo, Elbor, entrou na sala.

"Minha Senhora, eu trouxe os decretos para sua... ah!" Elbor parou abruptamente, os olhos se arregalando ao ver a cena. Annatar estava inclinado sobre Galadriel, tão perto que pareciam compartilhar o mesmo ar. O rosto de Galadriel estava corado, e a atmosfera na sala era tão carregada que era quase visível. O jovem conselheiro ficou desconcertado, baixando os olhos e deixando cair uma pilha de pergaminhos com um baque surdo. "Eu... eu peço perdão. Eu posso voltar mais tarde."

"Não será necessário, Elbor," disse Galadriel, a voz fria como o gelo. Ela se virou ligeiramente em sua cadeira, um movimento que forçou Annatar a se endireitar. "O Senhor Annatar já estava de saída. Suas... observações... foram devidamente anotadas."

Annatar deu a Elbor um sorriso benevolente e a ela um olhar que era pura zombaria. "Como sempre, a serviço de Eregion," ele disse, antes de se curvar e sair do escritório com uma calma irritante.

Mais tarde, tentando afastar a irritação, ela foi à forja. Celebrimbor, com a energia de mil sóis, desejava mostrar-lhe os protótipos das novas ligas. O entusiasmo dele era contagiante para todos, exceto para ela.

"Veja, prima!" exclamou Celebrimbor, mostrando-lhe um bracelete. "A resiliência do aço, mas com a leveza da prata! Annatar nos ensinou a 'aprisionar a luz estelar' no metal. Não é poesia pura?"

Galadriel sentiu uma pontada de náusea. 

Annatar, que observava de longe, se aproximou. Enquanto Celebrimbor continuava a falar com paixão, Annatar se posicionou sutilmente atrás de Galadriel. E então, ela sentiu. A mão dele pousou em suas costas. O toque foi leve a princípio, mas então, com uma lentidão deliberada e sedutora, ele deslizou a mão para cima, os dedos traçando cada vértebra de sua espinha. Era um gesto de posse, uma carícia audaciosa feita à vista de todos, mas escondida pela concentração de seu primo. Ela congelou, o ar preso em seus pulmões.

Foi então que um dos mestres artífices chamou Celebrimbor às pressas. "Meu Senhor! A liga está... brilhando de uma cor estranha! Uma cor que nunca vi!"

Celebrimbor se virou, os olhos arregalados. "Perdoem-me," ele disse, e correu para resolver a crise.

Em um instante, eles estavam sozinhos. O barulho da forja pareceu recuar. Annatar, sem perder um segundo, virou-a para si e a beijou. O beijo foi faminto, possessivo, a continuação de tudo o que fora deixado por dizer. Enquanto sua boca reivindicava a dela, sua mão subiu de suas costas, deslizando pela lateral de seu corpo até pousar sobre seu seio, por cima do tecido. O polegar dele roçou seu mamilo, e um suspiro prazeroso escapou dos lábios de Galadriel, um som de pura e inegável rendição.

"Falso alarme!" a voz de Celebrimbor soou, alegremente, da entrada. "Era só o reflexo no metal!"

Eles se separaram abruptamente, um redemoinho de pânico e adrenalina. Galadriel ajeitou o vestido, o coração martelando descontroladamente. Annatar recuou um passo, a respiração pesada, mas com um brilho de triunfo sombrio nos olhos.

Celebrimbor entrou, alheio. "Onde estávamos? Ah, sim! Prima, ainda bem que está aqui. Precisamos discutir nossa viagem a Lindon no próximo mês para nos encontrarmos com o Alto Rei Gil-galad."

Galadriel agarrou-se ao tópico como um náufrago a uma tábua. "Sim, claro. Eu estava finalizando os preparativos."

"Excelente!" disse Celebrimbor, e então sua expressão caiu. "Mas... há um problema. Com os novos projetos em uma fase tão crucial, eu simplesmente não posso me ausentar. Seria desastroso." Ele se iluminou com uma ideia que ele claramente considerava genial. "Mas eu já encontrei a solução perfeita! Annatar, com sua mente diplomática, graciosamente se ofereceu para ir em meu lugar. Para representar os interesses de Eregion ao seu lado."

O mundo de Galadriel parou. Ela olhou de seu primo, cujo rosto brilhava com a alegria de sua solução perfeita, para Annatar, que a observava do outro lado da forja. Ele não sorria. Ele não precisava. Sua expressão era de calma, de paciência, de vitória absoluta.

Uma viagem. A cavalo. Por dias. Com ele. A sós. Com a reputação que ele já estava construindo para eles. A mente dela girou com o horror absoluto da situação. Era uma armadilha. Uma armadilha dourada, da qual não havia escapatória.

Notes:

Gente peço perdões se passar algum erro de ortografia, principalmente quem traduz a história para outro idioma. Mas as vezes pode ser o tradutor que prega alguma peça, ainda mais quando se traduz do portugues. Mas falando um pouco da história, desde o começo minha ideia foi fazer uma fic divertida, focada em situações cômicas e com capítulos mais curtos, então pode ser que na parte do desenvolvimento eu fique a desejar, mas também essa é a graça das fanfics, de você poder criar o que quiser. Resumindo é pra gente se divertir, e já adianto que ainda tem muita coisa pra acontecer. Então continuem aproveitando <3

Chapter 14: O Teatro da Gratidão

Chapter Text

O eco das palavras de Celebrimbor – “Annatar… se ofereceu para ir em meu lugar” – ricocheteou na cabeça de Galadriel com a persistência de um martelo batendo em uma bigorna fria. Por um instante, ela ficou paralisada, presa na intersecção perfeita da fúria e do pânico. Uma viagem. Dias a sós com ele na estrada. Representando Eregion, juntos, como iguais. A ideia era tão grotesca, tão monumentalmente horrível, que ela sentiu vontade de rir.

Assim que o mestre artífice que chamara Celebrimbor se afastou, satisfeito, Galadriel virou-se para seu primo, a calma em sua voz uma fina camada de gelo sobre um vulcão. Annatar, sabiamente, recuou alguns passos, fingindo admirar um conjunto de tenazes com o ar de um espectador inocente.

“Celebrimbor,” ela começou, a voz baixa e perigosa. “Precisamos reconsiderar esta... solução.”

“Reconsiderar? Mas por quê? É perfeita!” ele disse, a sinceridade em seu rosto era genuinamente irritante.

Galadriel respirou fundo, recorrendo à sua arma mais confiável: a lógica. “Diplomaticamente, faz muito mais sentido que o Senhor de Eregion vá pessoalmente se encontrar com o Alto Rei Gil-galad. Enviar um substituto, por mais estimado que seja,” ela lançou um olhar cortante na direção de Annatar, “pode ser visto como um desprezo.”

“Bobagem!” Celebrimbor rebateu. “Annatar é um emissário dos próprios Valar! Se alguma coisa, sua presença elevará nossa posição! Gil-galad ficará honrado!”

Ele ficará desconfiado, como qualquer pessoa com um cérebro funcional, pensou Galadriel. Ela tentou outra tática: o apelo ao orgulho dele. “Mas é o seu trabalho, a sua visão que será discutida. As ligas, os projetos... você quer que ele receba todo o crédito pelo que construímos aqui com nosso suor?”

“O crédito não importa, prima! Apenas a obra!” ele declarou, com uma grandiosidade que soava suspeitamente como as palestras de Annatar. “A visão é maior do que o visionário! Annatar entende isso. Ele levará meus desenhos, minhas anotações. Ele será minha voz!”

Galadriel sentiu uma pontada de desespero. Era como tentar argumentar com uma parede, se a parede tivesse se apaixonado perdidamente por um deus dourado e charlatão. Ela tentou uma última vez, a voz baixando para um tom de confidência. “Você não acha... estranho? A forma como ele se inseriu em tudo? Nós não o conhecemos, Celebrimbor. Enviar-nos juntos, sozinhos, por dias... é imprudente.”

Seu primo finalmente a olhou com uma sombra de preocupação. “Você ainda desconfia dele?” Ele suspirou, um som de pura exaustão. “Galadriel, eu sei que você é cautelosa, mas precisa ver a luz que ele nos trouxe.” Ele então sorriu, como se tivesse tido a maior ideia de todas as eras. “Eu sei o que vai resolver isso! Antes de sua partida, precisamos mostrar a ele nossa gratidão! A gratidão de toda Eregion! Precisamos homenageá-lo! Uma festa! Pela sua dedicação em nos ajudar, por sua generosidade em me substituir nesta viagem. Uma celebração em homenagem aos serviços de Annatar!”

Galadriel ficou olhando para ele, boquiaberta. Ela havia começado aquela conversa na tentativa de se livrar de Annatar por duas semanas, e de alguma forma, terminou com a perspectiva de ter que comparecer a uma festa em homenagem a ele. Era um fracasso de proporções tão épicas que era quase uma forma de arte.

Annatar, que ouvira a conclusão da conversa, aproximou-se com uma expressão de modéstia perfeitamente ensaiada. “Meu caro amigo, não é necessário. Eu apenas faço o que deve ser feito.”

“Não, não! Eu insisto!” disse Celebrimbor, radiante.

E assim, Galadriel viu-se, dias depois, usando um vestido de veludo verde escuro, parada na entrada do salão principal, sentindo-se como uma convidada em seu próprio funeral. A festa em homenagem a Annatar estava em pleno andamento. O salão estava decorado com lanternas douradas, e a música era mais alegre do que o habitual. Todos pareciam genuinamente felizes. Era nauseante.

Annatar era o centro de tudo, é claro. E ele estava desempenhando seu papel com uma perfeição digna de um prêmio. A falsa humildade dele era uma obra-prima.

Quando um conselheiro elogiava sua sabedoria, ele respondia: “Eu sou apenas um espelho que reflete a luz que já existe em Eregion.”

Quando uma artesã elogiava sua orientação, ele dizia: “Eu apenas guio a mão; o talento já está em vocês.”

Ele desviava de cada elogio com uma graça que só o tornava mais adorado, e Galadriel, observando de longe com uma taça de vinho na mão, sentia a fúria borbulhar como um caldeirão. Ele era um manipulador magistral, um ator consumado, e todos estavam aplaudindo sua performance.

Foi então que o olhar dele encontrou o dela através da multidão. Ele viu a raiva contida em sua postura, o desprezo em seus olhos. E em vez de desviar, ele sorriu. Um sorriso lento, secreto, que dizia: Eu vejo você. E estou me divertindo imensamente.

E então, ele fez seu movimento. Com uma deliberação calculada, ele se virou e se aproximou de Mirdania, a aprendiz que ele havia encantado na forja. A elfa, que o observava com olhos de corça, corou violentamente quando ele se dirigiu a ela.

Galadriel observou, o coração batendo com uma batida surda e irritada. Annatar não era abertamente sedutor. Pelo contrário. Ele era o mentor perfeito. Inclinou-se para ouvir o que ela dizia com uma atenção concentrada, como se as palavras dela fossem os segredos do universo. Ele riu de algo que ela disse, uma risada calorosa e encorajadora. Ele estava a validando, a elevando, e era uma performance para uma única espectadora: Galadriel. Ele estava demonstrando seu poder, mostrando a ela: Eu posso ter essa adoração de qualquer uma, a qualquer momento. Eu escolho jogar com você, mas não se engane, não é por falta de opções.

Uma sensação feia e cortante se retorceu no estômago de Galadriel. Não é ciúme, ela disse a si mesma, com ferocidade. É indignação estratégica. Ele está usando a admiração daquela pobre aprendiz para me atingir. Mas, por mais que tentasse racionalizar, a sensação persistia, amarga e inegável.

A música mudou para uma valsa, e o golpe final veio. Annatar, com a mais galante das reverências, convidou Mirdania para dançar. A elfa parecia que ia desmaiar de alegria.

Eles se moveram para o centro do salão, uma imagem de graça e harmonia. Ele, o deus dourado e benevolente; ela, a devota sortuda. Enquanto ele a girava, o sorriso nunca deixando seu rosto, ele olhou por cima do ombro dela e seu olhar encontrou o de Galadriel novamente.

A fúria dentro dela era uma tempestade contida. Ela queria jogar a taça de vinho contra a parede. Queria marchar até lá e arrancar Mirdania dos braços dele. Queria gritar para todos eles, para aqueles tolos cegos, que eles estavam dançando com uma praga.

Mas ela não fez nada. Dar a ele um gostinho de seu ciúme seria dar-lhe a vitória final.

Com um autocontrole que custou cada fibra de seu ser, ela se virou. Ergueu o queixo, compôs o rosto em uma máscara de serena indiferença e caminhou até Lord Erestor, que estava parado perto de uma tapeçaria.

“Lord Erestor,” ela disse, a voz perfeitamente calma. “Eu estava justamente pensando na logística do transporte de grãos para o próximo inverno. Você acha que deveríamos considerar a rota do sul, apesar dos recentes deslizamentos de terra?”

Enquanto se forçava a entrar na conversa mais entediante que conseguiu imaginar, ela podia sentir o olhar dele nela. Mesmo enquanto dançava com outra, o foco dele, a verdadeira arena, ainda era ela. E enquanto ela discutia sobre grãos e estradas, uma parte de sua mente estava gritando, presa entre a fúria e o orgulho, preparando-se para a provação que viria: uma longa viagem a sós com o diabo que sabia dançar.

Chapter 15: O Fardo da Companhia

Notes:

(See the end of the chapter for notes.)

Chapter Text

Os dias que antecederam a partida para Lindon foram um exercício de meticulosa preparação. Galadriel mergulhou na logística da viagem com a ferocidade de uma general preparando-se para uma campanha em território inimigo, pois, em sua mente, era exatamente isso que a jornada representava. Cada item em seus alforjes era escolhido com um propósito: corda de seda élfica, forte e leve; pão lembas para subsistência, desprovido de qualquer prazer. E, por fim, suas duas adagas gêmeas, que ela mesma poliu até que as lâminas brilhassem com uma luz fria e mortal, um reflexo gelado que era o oposto do calor dourado que Annatar irradiava. Aqueles objetos eram mais do que meras ferramentas, eram um lembrete de quem ela era, uma guerreira e uma líder.

Enquanto ela se ocupava com os detalhes práticos de sua partida, a presença dele em Eregion era uma febre constante. A cidade, que antes era o tabuleiro de xadrez dela, agora parecia ter dois jogadores, e ele se movia por ela como se fosse seu domínio particular. De sua janela, ela o via de longe, no meio da praça, rindo com os artesãos, o som de sua risada chegando até ela como um eco irritante. Em outra ocasião, ao passar pela Grande Forja, ela o viu na varanda ao lado de Celebrimbor, gesticulando para os picos das montanhas, oferecendo conselhos que faziam seu primo olhar para ele com uma adoração cega. Ele não a procurou, e ela, por orgulho e autopreservação, não o procurou. Um silêncio tenso se instalara entre eles desde a festa, uma trégua que não era de paz, mas de uma antecipação quase insuportável. E quando se encontravam nos corredores, seus olhares se cruzavam por uma fração de segundo antes de serem desviados. Cada um parecia estar reunindo suas forças, afiando suas armas internas para a longa e inevitável proximidade que a estrada lhes reservava.

Na manhã da partida, o pátio principal de Ost-in-Edhil estava banhado pela luz pálida do amanhecer, uma luz fria e prateada que prometia um dia longo e parecia sugar a cor das pedras brancas. A atmosfera era quieta, quase solene; o barulho constante das forjas ainda não havia despertado, e os poucos servos e guardas que se moviam o faziam em um silêncio respeitoso. Galadriel, vestida com trajes de viagem práticos de couro e lã escura, era o centro imóvel daquela quietude. Com uma expressão severa, ela supervisionava a arrumação de sua égua, uma criatura robusta de pelagem cinzenta cuja calma parecia um espelho de sua própria compostura forçada. Seus dedos ágeis verificavam cada fivela e cada correia dos alforjes, um gesto de controle meticuloso em um mundo que parecia cada vez mais fora de seu controle. Naquele momento, a ordem era seu único consolo. A simetria de um alforje bem arrumado, o peso equilibrado da carga, a lógica da preparação, eram as únicas coisas em que ela podia confiar.

Seu consolo foi estilhaçado pela chegada de Celebrimbor, que se aproximou com a energia de uma criança na manhã do Yule, seguido de perto por Annatar. O contraste entre os dois viajantes era, para Galadriel, uma ofensa visual. Ela era a imagem da funcionalidade austera. Ele, por outro lado, era a personificação de uma balada heroica. Seu cavalo era um garanhão branco que parecia ter sido esculpido em neve e luar. Suas vestes de viagem eram de um couro escuro tão macio que parecia seda, e sua capa verde-floresta estava perfeitamente drapeada. Nem um único fio de seu cabelo dourado estava fora do lugar.

“Prima! Annatar! Um dia glorioso para uma jornada gloriosa!” Celebrimbor exclamou, alheio à tensão que pairava no ar como uma tempestade invisível.

“Eu preparei um pequeno presente de partida para vocês,” disse Celebrimbor, o rosto brilhando de orgulho. Ele estendeu um objeto. Era uma bússola, mas diferente de qualquer uma que Galadriel já tivesse visto. A caixa era de prata polida, e a agulha era uma lasca de safira. “Não é uma bússola comum! Annatar me deu a ideia. Ela não aponta para o norte. Ela aponta para a mais próxima fonte de inspiração artística! E, se você se perder, ela canta antigas baladas Noldorin para elevar o moral.”

Annatar olhou para o objeto com uma expressão de admiração. “Uma maravilha da engenharia e da arte, meu amigo. Um verdadeiro tesouro.”

Galadriel encarou a bússola cantante. A ideia de ficar presa no meio de uma floresta escura, sendo guiada por uma bússola que provavelmente os levaria a um esquilo com talento para a escultura em nozes, enquanto ouvia baladas desafinadas, era um novo nível de pesadelo.

“É... engenhoso, primo,” ela disse com a voz tensa.

 A despedida foi um espetáculo de adulação. Celebrimbor abraçou Annatar, agradecendo-lhe profusamente por assumir aquele “fardo”.

“Meu amigo, não sei como agradecer. Você carrega o fardo da diplomacia para que a chama da criação não se apague aqui.” Ele empurrou um pesado rolo de pergaminhos nas mãos de Annatar. “Leve estes esquemas. Mostre ao Alto Rei a beleza de nossa visão. Faça-o entender.”

“Eu serei sua voz, meu amigo,” Annatar prometeu, a sinceridade em seu tom era uma obra de arte da falsidade. Seus olhos, por cima do ombro de Celebrimbor, encontraram os de Galadriel. Havia um brilho neles, uma faísca de triunfo que dizia: Veja? Até mesmo sua partida é sobre mim.

A despedida foi breve. Celebrimbor deu a ela um aceno preocupado, claramente confuso por sua falta de entusiasmo. Finalmente, eles montaram e partiram, passando pelos grandes portões de Eregion. A jornada para Lindon havia começado.

Galadriel iniciou a viagem determinada a manter uma distância intransponível de Annatar. Ela cavalgou em silêncio, os olhos fixos no horizonte, a postura rígida, tratando-o como um detalhe logístico necessário, não como um companheiro. O silêncio, ela pensou, seria sua arma e seu escudo.

“Nossos cavalos parecem estar em harmonia, minha Senhora,” ele comentou, a voz soando divertida. “Um bom presságio para a colaboração que nos aguarda.”

Galadriel respondeu com um grunhido baixo, um som que ela esperava que pudesse ser interpretado como concordância, mas que na verdade era pura exasperação.

As primeiras horas passaram assim, o único som sendo o dos cascos dos cavalos na terra e o chamado distante de um pássaro. Mas o silêncio, quando compartilhado com Annatar, não era vazio. Era pesado, carregado com as palavras não ditas, com as memórias dos beijos e das provocações. Ele, por sua vez, não a pressionou. Cavalgava ao seu lado, sua calma uma provocação em si mesma. Ele parecia perfeitamente contente, e sua serenidade a irritava profundamente. Mas às vezes, ele soltava algum comentário sobre a paisagem ou o clima, só para confirmar a irritação dela.

“Fascinante como esta espécie de bétula só cresce em encostas viradas a oeste,” ele disse em certo momento.

“Que bom para ela,” Galadriel murmurou.

A primeira refeição foi uma batalha silenciosa de filosofias. Eles pararam ao meio-dia, perto de um riacho de águas claras. Galadriel, com sua eficiência habitual, desembrulhou um pedaço de lembas. Era o suficiente. Annatar, no entanto, produziu de seus alforjes um queijo cremoso envolto em folhas, maçãs vermelhas e lustrosas e um pequeno pão com nozes.

“Um pouco de conforto na estrada ajuda a manter a mente clara,” ele disse, oferecendo-lhe uma maçã.

“Estou satisfeita, agradeço,” ela respondeu, a voz rígida.

Ele deu de ombros e começou a comer com uma apreciação que era quase uma performance. “Uma pena,” ele comentou, após um momento de mastigação contemplativa. “Acredito que até mesmo a mais nobre das missões se beneficia de pequenos prazeres. Negar a si mesma a beleza do mundo em nome do dever... e uma forma de exílio autoimposto, não acha?”

Ela não respondeu, mastigando seu lembas com uma fúria contida. Cada gesto dele era um comentário sobre ela, sobre o controle que ela tanto prezava.

A primeira noite no acampamento aprofundou essa guerra sutil travada entre eles. Enquanto o sol se punha, pintando o céu com pinceladas de violeta e laranja, a competência de Annatar se tornou irritantemente clara. Ele escolheu o local para acamparem com o olho de um general, uma pequena formação rochosa que os protegeria do vento da noite, mas que ainda oferecia uma visão clara do céu estrelado. Galadriel o observou em silêncio enquanto ele acendia o fogo com a facilidade de quem acende uma vela, uma chama perfeita e sem fumaça que surgiu com um único gesto. Depois, ele cuidou dos cavalos com uma calma experiente, suas mãos se movendo com uma gentileza que fez os animais relaxarem sob seu toque. Cada ação dele era um espetáculo de eficiência e graça, e ele se movia pelo acampamento como se estivesse dançando, uma fluidez que, em contraste com a própria exaustão dela, a fazia sentir-se pesada e terrena.

Eles comeram o jantar – uma sopa surpreendentemente saborosa de ervas e raízes que ele preparou – em um silêncio quase completo, quebrado apenas pelo estalar do fogo e o som distante do coaxar de um sapo. A tensão entre eles era uma terceira presença na fogueira. O isolamento da estrada, a vastidão da escuridão que os envolvia por todos os lados, removia as camadas de formalidade de Eregion. Ali, não havia títulos, nem conselhos, nem deveres para se esconder atrás.

Foi ele quem finalmente quebrou o silêncio, mas não com a provocação que ela esperava.

“É fascinante, Lady Galadriel,” ele disse, a voz quieta, quase reflexiva. “Em Eregion, nós duelamos com palavras e política. Aqui, duelamos com o silêncio. Diga-me, qual deles a senhora prefere?”

A pergunta direta a desarmou. Ela o encarou através das chamas dançantes.

 “Eu prefiro a clareza,” ela respondeu, a voz mais baixa do que pretendia. “Algo que você raramente oferece.”

Ele sorriu, um sorriso genuíno que era mais perigoso do que qualquer uma de suas provocações anteriores. “A clareza é superestimada. É na ambiguidade, na tensão entre a luz e a sombra, que a verdadeira beleza é encontrada.” Ele se inclinou para a frente, os cotovelos nos joelhos. “Você se esconde na clareza de seus decretos e relatórios, mas eu a vi, minha Senhora. Vi o fogo que queima sob o gelo. É por isso que você teme o silêncio. Porque nele, você é forçada a ouvir o som da sua própria alma.”

Ele a deixara sem defesa. Ele havia nomeado o conflito, a guerra que ela travava dentro de si mesma. O resto da noite passou em um silêncio carregado, mas agora era diferente. Não era mais um silêncio de hostilidade, mas de reconhecimento.

Quando se retiraram para seus sacos de dormir, dispostos a uma distância respeitável, ela se viu consciente de sua presença. Ela podia ouvir a respiração dele no silêncio da noite, um ritmo calmo e constante que contrastava com a batida desordenada de seu próprio coração. Podia sentir seu olhar, mesmo de costas para ele, uma pressão fantasma em suas costas, uma atenção focada que a fazia sentir-se completamente exposta.

A estrada para Lindon se estendia à sua frente, não mais como uma provação de irritação, mas como um caminho para um destino desconhecido. E Galadriel, pela primeira vez em sua longa vida, não tinha a menor ideia de como vencer um jogo em que seu próprio coração era o campo de batalha.

Notes:

A nossa Gal é uma elfa muito forte, porque se fosse eu, logo na primeira noite ia rolar coisas bem adultas. Mas eu quis dar um pouco mais de drama pra narrativa hehe Mas prometo que o primeiro hot desses dois não vai demorar <3

Chapter 16: A Trégua e a Tempestade

Summary:

Bom, sobre o capítulo o Annatar mostra que apesar de ser um safado é também um cavaleiro

Chapter Text

Na manhã seguinte, Galadriel acordou com o som suave do riacho e uma sensação de desconforto. A conversa da noite anterior ao redor da fogueira havia sido mais perigosa do que qualquer confronto físico. Annatar, com sua precisão cruel, havia dissecado suas defesas e nomeado o conflito que ela travava consigo mesma. Ela se sentia exposta, analisada, e a perspectiva de mais um dia inteiro em sua companhia era um fardo pesado.

Ela emergiu de seu saco de dormir, esperando a continuação da ofensiva psicológica. Em vez disso, encontrou-o cuidando do fogo com uma tranquilidade irritante, um pequeno sorriso nos lábios como se estivesse apreciando a beleza da manhã.

"Bom dia, minha Senhora," ele disse, a voz surpreendentemente leve. "Dormiu bem? Ou a filosofia a manteve acordada?"

"Eu dormi perfeitamente bem, obrigada," ela respondeu, a voz mais áspera do que pretendia, enquanto começava a arrumar suas coisas com uma eficiência brusca.

"Que bom," ele disse, a observando enrolar seu saco de dormir com movimentos rápidos. "É impressionante. A senhora enrola um saco de dormir com a mesma precisão com que desmantela um argumento falacioso. Ambas as ações são projetadas para impedir o conforto, presumo."

Ela parou e o fuzilou com o olhar.

 "A eficiência é uma forma de conforto, Senhor dos Dons. Algo que sua predileção por almoços extravagantes parece ignorar."

"Ah, mas o prazer também é uma forma de eficiência," ele retrucou, o sorriso se alargando. "Um espírito satisfeito é um espírito mais focado. Diga-me, o que a satisfaz, além de encontrar erros nos relatórios de outras pessoas?"

"A quietude," ela respondeu, uma farpa direta.

"Uma pena," ele disse, suspirando dramaticamente. "Pois eu sou uma criatura de muitas palavras."

A jornada continuou. Fiel à sua palavra, ele manteve uma distância respeitável, cavalgando ligeiramente à sua frente. Mas a trégua era uma ilusão. A tensão entre eles, ainda era uma terceira presença na estrada. Era uma corda esticada, vibrando com cada olhar, cada movimento. Mas com o tempo, uma estranha cumplicidade também começou a se formar, nascida dos pequenos rituais da viagem. Quando o cavalo dela tropeçou em uma pedra solta, a mão dele estava lá para firmar a rédea antes mesmo que ela reagisse. Quando o mapa dele voou com uma rajada de vento, foi ela quem o prendeu sob a bota antes que desaparecesse. Eram atos de puro instinto, reflexos de dois guerreiros experientes, mas cada um deles parecia uma pequena traição à hostilidade que deveriam manter.

E ela o via a observando. Mais de uma vez, ela ergueu os olhos e o pegou olhando, com uma intensidade curiosa, quase analítica, como se estivesse tentando decifrar um enigma. No instante em que seus olhares se cruzavam, ele desviava, mas não rápido o suficiente. Pela primeira vez, ela sentiu que não era a única sendo estudada. A percepção de que ela também o intrigava, talvez até o desconcertasse, foi uma pequena e perigosa centelha de poder.

A inevitável ignição aconteceu no final de uma tarde. Eles pararam para reabastecer os odres em uma pequena cachoeira escondida em um nicho de rochas, um lugar de beleza inesperada, com a água caindo em uma piscina cristalina. O ar estava fresco e havia um cheiro de pedra e terra molhada ar.

Enquanto ela se ajoelhava para encher seu odre, ele se aproximou, ostensivamente para fazer o mesmo.

"É preciso ter cuidado com a água de nascentes desconhecidas," ele comentou, a voz casual. "A pureza da aparência pode esconder perigos invisíveis."

"Uma lição que aprendi muito bem nos últimos dias," ela retrucou, levantando-se e virando-se para encará-lo.

E quando percebeu, eles estavam perto. Perto demais. O som da cachoeira os envolvendo em uma cortina de ruído, isolando-os do resto do mundo. E quando Galadriel deu por si, se pegou observando, como as gotas de água que espirravam da queda brilhavam no cabelo dourado dele.

"Você me vê como um perigo," ele disse, não como uma pergunta, mas como uma constatação. Seu tom de curiosidade genuína.

"Eu o vejo como uma anomalia," ela corrigiu. "Uma equação que não faz sentido."

"Talvez você esteja tentando resolvê-la com as ferramentas erradas," ele sussurrou, dando um passo à frente. "Algumas equações não são resolvidas com lógica, minha Senhora." Disse com o olhar fixo no dela.

O argumento, a razão, o autocontrole que ela havia lutado tanto para manter, tudo se dissolveu sob a intensidade do olhar dele. O som da cachoeira pareceu recuar, o mundo se tornando um borrão de verde e prata, deixando apenas os dois, parados e perdidos no olhar um do outro. E Galadriel não soube dizer qual deles havia fechado a distância primeiro. Quando deram por si, estavam altamente envolvidos em um beijo ardente, que era a explosão de toda a tensão acumulada naqueles dias juntos. Foi um reconhecimento mútuo da atração que crepitava entre eles. Annatar sentiu os lábios dela resistirem por um instante, e depois cederem, abrindo-se sob os seus. Ele aprofundou o beijo, sentindo gosto saboroso que ela tinha. Explorando a boca daquela elfa orgulhosa de forma lenta e determinada. Ela por sua vez, o correspondia na mesma intensidade, dando passagem para a língua exigente do emissário. E em pouco tempo, o beijo que era intenso, tornou-se faminto. As mãos dele, que estavam em seus ombros, desceram por suas costas, puxando-a com força contra seu corpo. O desejo, que ele mantivera sob um controle de ferro, rugindo à vida.

E então, ele parou.

Com um som gutural, quase um grunhido de dor, ele se afastou, quebrando o beijo. Galadriel o encarou, com os olhos arregalados, a confusão e o desejo se misturando em seu rosto corado. Ela estava chocada, não por te-lo beijado, mas pelo fato de que fora ele quem o interrompera.

Annatar a encarou, o próprio corpo tenso de desejo contido, a respiração pesada. "Não aqui," ele disse, a voz rouca. As palavras saindo como uma promessa e um comando. "Não desse jeito."

Agarrando-se ao que parecia ser seu último fio de sanidade, ele se virou e se afastou dela. Ele se virou, dando-lhe as costas por um instante, e passou a mão pelo cabelo dourado em um gesto de pura frustração, os dedos se fechando nos fios perfeitos, desarrumando-os pela primeira vez desde que ela o conhecera. Ela então, se recompôs e saiu silenciosamente de perto dele, indo em direção aos cavalos.

Eles continuaram a viagem em um novo tipo de silêncio, carregado com a promessa do que estava por vir. Ambos sabiam que uma linha havia sido cruzada, e que o beijo não fora um fim, mas um começo adiado, de algo que seria inevitável.

No final da tarde do dia seguinte, após uma subida longa e cansativa, eles finalmente chegaram ao topo de uma longa cordilheira. O ar era frio e rarefeito, e por um momento, tudo o que se ouvia era o som do vento e a respiração pesada dos cavalos. E então, o mundo se abriu diante deles. Lá no vale abaixo, aninhado entre as colinas e a vasta extensão do mar, brilhando sob a luz dourada do sol poente, estavam os Portos Cinzentos. Lindon. A visão era de uma beleza tão pura e antiga que fez o coração de Galadriel doer. As torres esguias se erguiam como agulhas de pérola contra o céu que começava a se tingir de rosa e ouro, e no porto, os grandes navios com suas velas brancas repousavam como cisnes adormecidos. E além de tudo, estendendo-se até onde a vista alcançava, estava o vasto e cintilante mar, uma promessa e uma memória. Para Galadriel, era a visão de um refúgio, da ordem, da civilização. Mas ao sentir a presença calma de Annatar ao seu lado, ela soube que aquele era apenas o próximo palco de seu perigoso jogo.

Chapter 17: O Desconforto da Desconfiança

Notes:

(See the end of the chapter for notes.)

Chapter Text

A visão de Lindon à distância era, Annatar tinha que admitir, esteticamente agradável. As torres esguias dos Portos Cinzentos erguiam-se contra o céu como agulhas de marfim, e o brilho do Grande Mar além delas prometia um horizonte de infinitas possibilidades. Era um lugar de beleza antiga, serena e, em sua opinião, terrivelmente estagnada. Fedia a memória, a um apego teimoso a um passado glorioso que já se fora. Era um belo museu, e Annatar não tinha paciência para museus.

Sua irritação, no entanto, era a menor de suas preocupações. A verdadeira questão era a elfa que cavalgava ao seu lado. O beijo na floresta, e mais importante, sua decisão calculada de interrompê-lo, havia mudado o jogo. Ele a deixara em um estado de deliciosa confusão, e a tensão entre eles nos últimos dias de viagem fora um silêncio pesado, não de hostilidade, mas de pura e inegável antecipação. Ele sentia o olhar dela sobre ele quando não estava olhando, sentia a consciência dela de cada movimento seu. E, para sua própria surpresa, sem se conter, ele se pegava várias vezes fazendo o mesmo em relação a ela, estudando a forma como a luz do sol se prendia em seu cabelo ou a linha orgulhosa de seu maxilar. A muralha de gelo havia rachado, e ele estava ansioso para começar a demolir o resto. A recepção deles em Mithlond, no entanto, provou ser o primeiro obstáculo irritante a seus planos.

Quando eles desceram o longo caminho que levava aos portões dos Portos Cinzentos, foram recebidos por uma pequena comitiva de elfos vestidos de cinza e prata. A formalidade era fria, um contraste gritante com as boas-vindas apaixonadas de Eregion. Para Galadriel, Annatar observou, foi um reencontro caloroso e imediato. A máscara de tensão da estrada se dissolveu, substituída por uma serenidade que a fez parecer, por um instante, mais jovem. Elfos que ela claramente conhecia há séculos a saudaram com sorrisos genuínos e abraços contidos, e ela respondeu com uma familiaridade que a transformou de sua adversária em uma rainha retornando à sua corte.

Um em particular, um elfo de cabelos escuros com uma expressão séria, mas olhos gentis que pareciam notar tudo, aproximou-se dela com uma familiaridade que imediatamente colocou Annatar em alerta. A forma como ele a cumprimentou não era a de um súdito para com uma dama, mas a de um igual, de um confidente. Havia uma história compartilhada naquele olhar, uma aliança silenciosa que Annatar, como um mestre estrategista, reconheceu instantaneamente como um problema.

"Senhora Galadriel, é uma alegria vê-la. A estrada foi gentil com você?"

"Elrond," a voz dela soou com um calor que Annatar raramente ouvia. "Tão gentil quanto se pode esperar. É bom ver o rosto de um amigo."

Elrond. O arauto de Gil-galad. Meio-elfo. Annatar o analisou com a rapidez de um joalheiro examinando uma pedra. Inteligente, percebeu Annatar, não por qualquer palavra que Elrond dissesse, mas pela forma como ele ouvia, o olhar dele não apenas registrando, mas avaliando. Perceptivo, ele concluiu, notando a maneira como os olhos de Elrond se moveram dele para Galadriel e de volta, registrando a tensão sutil sob a formalidade da apresentação. E, o mais perigoso de tudo: leal. A lealdade de Elrond a ela e ao Alto Rei era visível em sua postura, em sua proximidade com Galadriel. Annatar sentiu uma pontada de aborrecimento, uma irritação fria e precisa. A adoração cega era fácil de manipular. A ambição era uma ferramenta que ele podia usar. Mas a lealdade inabalável? Isso era simplesmente... tedioso. Ele era um muro de pedra cinzenta no meio de seu jardim dourado. E Annatar, com um sorriso cortês no rosto, já começou a calcular a melhor forma de contorná-lo ou, se necessário, de demoli-lo.

Quando Galadriel o apresentou, a recepção de Elrond foi cercada da cortesia élfica: impecável, polida e completamente desprovida de qualquer calor.

"Senhor Annatar," disse Elrond, com uma leve inclinação de cabeça. "Bem-vindo a Lindon. Suas notícias de Eregion são muito aguardadas."

O charme de Annatar, a arma que ele empunhava com a facilidade de um mestre espadachim, pareceu ricochetear na armadura de polidez de Elrond. Os outros elfos seguiram o exemplo de seu líder. Cumprimentaram-no, ofereceram-lhe as boas-vindas, mas seus olhos eram inquisitivos, suas perguntas precisas. Não havia a adoração cega de Eregion, nem o fervor dos artesãos. Havia apenas uma desconfiança calma e vigilante. Seu sorriso sedutor, que fazia conselheiros e aprendizes corarem em Ost-in-Edhil, aqui só recebia em troca olhares estreitados. Era, para o desprazer de Annatar, como tentar encantar uma sala cheia de pedras.

A apresentação formal a Gil-galad, o Alto Rei dos Noldor, foi ainda mais frustrante. O salão do trono não era dourado e opulento como os de Eregion, mas antigo e austero, as paredes cinzentas adornadas com estandartes de batalhas há muito esquecidas. Gil-galad, com seus olhos que pareciam conter a luz das estrelas e a sabedoria de eras, ouviu o discurso de Annatar com uma atenção imóvel.

Annatar falou com toda a sua eloquência. Falou da nova era de cooperação, da generosidade dos Valar, da visão de uma Terra-média unida e protegida contra a escuridão através da arte e do conhecimento. Foi uma de suas melhores performances.

Quando terminou, o Rei permaneceu em silêncio por um longo momento. "Suas palavras são belas, Senhor Annatar," disse Gil-galad finalmente, a voz ressoante. "Mas a beleza, muitas vezes, pode ser um véu. As ações de Eregion nos dirão a verdade de sua visão."

Não era uma aceitação. Não era uma rejeição. Era um adiamento do julgamento. E para Annatar, que estava acostumado à capitulação imediata, era um insulto velado.

Naquela noite, um banquete foi realizado em homenagem a eles. A atmosfera era de uma alegria contida e formal, muito diferente das festas apaixonadas dos ferreiros de Eregion. Annatar sentia-se como um lobo em uma exposição de ovelhas premiadas – cercado de presas, mas forçado a se comportar com a mais impecável das maneiras.

Seu humor azedou completamente quando observou Galadriel. Longe de sua irritação e da tensão da estrada, aqui, em seu elemento, entre amigos, ela parecia... diferente. Mais leve. Ela estava sentada ao lado de Elrond, e a conversa entre eles fluía com uma facilidade que o enfurecia. Eles riam de piadas que ele não entendia, trocavam olhares de compreensão mútua, uma cumplicidade forjada em séculos de história compartilhada da qual ele não fazia parte.

Ele a observava, um sorriso fixo em seu próprio rosto, enquanto por dentro uma emoção desconhecida se agitava. Ciúme. Era um sentimento tão mortal, tão vulgar, que ele quase riu da ironia. Ele, que planejava remodelar o próprio destino do mundo, estava sentado em um salão abafado sentindo uma pontada de possessividade por uma elfa que ria com um arauto meio-elfo.

Ele analisou Elrond com um desprezo frio. O que ela via nele? A seriedade, a lealdade canina, a aura de retidão. Era tudo tão... previsível. Tão seguro. Elrond era um porto seguro em um mundo que exigia navios de guerra. Ele, Annatar, oferecia-lhe fogo, paixão, poder para refazer o mundo. E ela estava ali, rindo de alguma anedota sobre os Dias Antigos.

A necessidade de reafirmar sua presença, sua importância para ela, tornou-se avassaladora. Ele esperou por uma pausa na conversa deles e se aproximou, a taça de vinho na mão.

"Lord Elrond, Lady Galadriel," ele disse, a voz suave interrompendo a bolha de intimidade deles. "Espero não estar interrompendo."

"De forma alguma, Senhor Annatar," disse Elrond, a polidez dele uma arma.

"Eu estava elogiando a generosidade destas terras. Provei muitas iguarias na estrada, de frutas a vinhos, mas devo confessar..." Annatar continuou, o olhar fixo nela, sua voz se tornou um murmúrio íntimo, "...nada se compara ao sabor de algo selvagem e inesperado, colhido no coração da floresta. Um sabor que, devo dizer, permanece na memória."

A metáfora veio a ele com a perfeição de uma gema recém-lapidada. Algo que o meio-elfo não poderia compartilhar. Algo que era apenas deles.

Ele observou as palavras pousarem. O insulto, tão elegantemente embrulhado no elogio, demorou um segundo para Galadriel processar. Ele viu a compreensão florescer em seus olhos, seguida pela gloriosa onda de fúria e humilhação que subiu por seu pescoço, um rubor que era a mais doce das confissões. Era a marca dele, visível para todos, mesmo que apenas ele soubesse seu verdadeiro significado. Ele havia reduzido o beijo deles, aquele momento de fogo e rendição, a uma "iguaria" que ele "provou". De um jeito possessivo, arrogante e terrivelmente íntimo. Elrond franziu a testa, confuso com a metáfora estranha, mas sentindo claramente a mudança na atmosfera. A confusão dele era um bônus delicioso. Annatar viu a fúria dela, a confusão dele, e saboreou sua pequena e cruel vitória. Ele não precisava tocá-la. Ele a havia reivindicado com uma única frase.

"Os sabores podem ser enganadores, Senhor dos Dons," ela respondeu, a voz gelada, recuperando-se com uma velocidade impressionante. "Muitas das frutas mais doces são também as mais venenosas. É preciso um paladar experiente para não se deixar enganar pela primeira impressão."

Ela se levantou. "Se me dão licença, creio que vou me retirar. A viagem foi longa." Com um aceno de cabeça para ambos, ela se afastou, deixando-os ali.

Annatar observou-a ir, a seda de seu vestido brilhando sob a luz das lanternas. O ciúme havia se dissipado, substituído por uma clareza fria. Lindon não era apenas um obstáculo político. Era um santuário para a Galadriel que ele precisava destruir. A Galadriel de velhos amigos, de lealdades antigas, de uma ordem segura e previsível. Para possuir a elfa que ele vira emergir daquele rio, a elfa que o beijara na floresta, ele precisaria isolá-la não apenas fisicamente, mas emocionalmente.

Annatar se virou para Elrond, que o observava com uma desconfiança mal disfarçada. E lhe seu sorriso mais brilhante e benevolente. E sem dizer mais nenhuma única palavra, ele se retirou.

Notes:

Eu precisava escrever um capítulo dele morrendo de ciúmes dela. Porque na minha cabeça, ele não gosta de dividir nada que considere seu ....

Chapter 18: A Trégua Quebrada

Summary:

Sobre o capítulo, Annatar e Galadriel passam de inimigos, para inimigos com benefícios ...

Chapter Text

A raiva era uma companheira familiar para Galadriel, ainda mais depois que Annatar cruzara seu caminho. Mas a raiva que sentia ao se afastar de Annatar e Elrond no salão do banquete era diferente. Era quente, desordenada e humilhante. A provocação velada dele, a forma como usara uma memória íntima para marcá-la na frente de um amigo, não fora um movimento em seu jogo de xadrez; fora uma invasão, um ato de vandalismo em seu santuário interior.

Ela se moveu pelo salão, um sorriso polido fixo em seus lábios, trocando acenos de cabeça e palavras gentis com elfos conhecidos que a paravam. Cada cortesia era uma tortura, cada sorriso um esforço monumental. Por fora, ela era a Dama de Eregion, serena e régia. Por dentro, ela era uma tempestade de raiva e vergonha, e o nome do centro dessa tempestade era Annatar.

Finalmente, ela conseguiu escapar, subindo as escadarias silenciosas em direção aos aposentos que lhe foram designados. O ar frio da noite era um alívio para sua pele em chamas. Ela só queria a solidão de seu quarto, a chance de deixar a máscara cair, de talvez jogar algo valioso contra a parede.

Ao chegar à porta de carvalho polido, encontrou-a entreaberta. Uma linha de luz quente se derramava no corredor escuro. Seu coração deu um salto de alarme. Nenhum servo ousaria entrar sem ser chamado.

Ela empurrou a porta, a mão instintivamente indo para a adaga escondida em seu cinto. E então ela o viu.

Annatar.

Ele estava parado perto da lareira acesa, observando as chamas, uma taça de vinho na mão. Ele havia tirado a túnica formal do banquete e vestia apenas a camisa de linho escuro e as calças, parecendo perigosamente à vontade no espaço dela. Ao som da porta se abrindo, ele se virou lentamente. Em seus lábios, havia um sorriso malicioso, o sorriso de um predador que esperou pacientemente que a presa entrasse na armadilha.

A visão dele ali, em seu refúgio, em seus aposentos privados, foi a faísca final na pólvora de sua fúria.

"O que você está fazendo aqui?" a voz dela era um sibilo, cada palavra gotejando veneno. "Saia. Agora."

Ele ergueu a taça em um brinde silencioso, o sorriso nunca vacilando. "Seus aposentos são adoráveis, minha Senhora. Mas falta-lhes um toque de... calor."

"Eles estavam perfeitamente quentes até você chegar," retrucou, fechando a porta atrás de si com um baque surdo. Um erro, que ela percebeu tarde demais. Acabara se trancando com ele. "Você não tem o direito de estar aqui. E não tem o direito de me usar em seus joguinhos doentios."

"Joguinhos?" ele perguntou, a inocência em seu tom era uma nova camada de insulto.

"Não finja," ela avançou para dentro da sala, a raiva a impulsionando. "Na frente de Elrond. Usando nossas... conversas... para me provocar. Você se divertiu, não foi? Vendo-o confuso, vendo-me desconfortável." Ela parou, a respiração pesada. "Você não suporta a ideia de que eu possa ter uma história, uma amizade, que não o inclua. A visão de nós dois conversando o irritou, não foi?"

O sorriso dele vacilou por um instante, e ela viu. Um lampejo de fúria fria em seus olhos ao ouvir o nome de Elrond. Ela havia acertado precisamente. A percepção de seu ciúme era uma pequena e perigosa vitória que apenas a deixou mais furiosa.

"A sua amizade com o meio-elfo é de pouco interesse para mim," ele disse, a voz subitamente desprovida de qualquer calor. Ele colocou a taça na lareira com um clique deliberado e se virou para encará-la completamente. "Mas você está certa sobre uma coisa. Nós temos uma questão inacabada. Uma que começamos na estrada e que não tem nada a ver com Lorde Elrond."

Ele começou a caminhar em sua direção, não com a graça fluida de antes, mas com uma passada lenta e deliberada. Cada passo era uma declaração de sua intenção.

"Fique longe de mim," ela avisou, mas sua voz não tinha a força que desejava.

"É tarde demais para isso, você não acha?" ele murmurou, parando a centímetros dela. O cheiro do vinho e o calor de seu corpo a envolvendo. "Não há mais para onde fugir, Galadriel."

E então ele a tomou. A mão dele se fechou em sua nuca, os dedos se embrenhando em seu cabelo, e sua boca desceu sobre a dela. Em um beijo que era obstinado e possessivo, um ato de conquista que não pedia, mas exigia. Era como se ele quisesse marcá-la, apagar o gosto de qualquer outra conversa, de qualquer outra risada, e reivindicá-la como sendo dele.

A mente dela gritou em protesto, mas seu corpo traidor a lembrou. Lembrou-se do toque dele, do gosto dele. Após um único instante de resistência, ela se rendeu. Um gemido de frustração e desejo se misturou em sua garganta, e ela o correspondeu, os lábios se abrindo sob os dele, a língua explorando a boca dele com igual vontade, as mãos subindo para agarrar seus ombros, enquanto ele se inclinava ainda mais em sua direção.

Ele se afastou, apenas o suficiente para olhá-la nos olhos, a respiração de ambos ofegante. "Eu anseio por isso," ele disse, a voz rouca, uma confissão crua. "Desde o momento em que a vi saindo daquele rio."

Sem mais palavras, ele começou a despi-la. As mãos dele se moveram com uma urgência febril, desamarrando os laços de seu vestido, empurrando a seda leve de seus ombros. O tecido caiu no chão com um farfalhar suave, deixando-a apenas com sua fina combinação, quase transparente. Ele a devorou com os olhos, o olhar percorrendo cada curva de seu corpo. Então, com uma velocidade surpreendente, ele se livrou de suas próprias vestes, jogando-as de lado sem cuidado e em um único movimento tirou a fina combinação do corpo dela.

Ele então a ergueu em seus braços e a deitou na cama, o corpo dele seguindo o dela, pressionando-a contra os lençóis. Ele a beijou novamente, a boca percorrendo seu maxilar, seu pescoço, o vale entre suas clavículas. Seus beijos foram descendo, até que ele tomou o seio dela em sua boca. A sensação, o calor e a umidade, a fizeram arquejar, um som de puro choque e prazer. Seus dentes roçaram seu mamilo endurecido, e um gemido delicioso escapou de seus lábios, um som que ela não sabia ser capaz de produzir.

Ele se deleitou com o som, a boca movendo-se para o outro seio, dando-lhe a mesma atenção torturante. E então ele desceu, os beijos traçando um caminho de fogo sobre sua barriga. Ela estava perdida, à deriva em um mar de sensações que nunca havia conhecido. Quando ele se ajoelhou entre suas pernas, ela estremeceu. E então, ele a tomou em sua boca, deslizando a língua de uma maneira indecente em sua intimidade.

E por um momento o mundo se desintegrou. Havia apenas a sensação avassaladora de sua boca, de sua língua, explorando-a com uma habilidade divina e profana, se deleitando com o gosto dela. Galadriel se agarrou aos lençóis, o corpo arqueando-se em sua direção, um gemido baixo e contínuo escapando de seus lábios. Até que sem aguentar mais, ela gozou, um orgasmo trêmulo entre os lábios dele.

Quando Annatar se deu por satisfeito, ele se ergueu sobre ela, o corpo dele um contorno de músculos e poder contra a luz do fogo. Ela viu a necessidade em seus olhos, a dureza de seu desejo. A mão dele deslizou por seu membro duro e dolorido de desejo, e então ele se posicionou na entrada dela. A penetrando lentamente, cada centímetro uma invasão deliberada, os olhos fixos nos dela, observando cada reação em seu rosto. Galadriel soltou pequenos gemidos a cada movimento, o som se provando uma tentação irresistível para ele. Quando finalmente estava todo dentro dela, ele parou, permitindo que ela se acostumasse com a sensação dele preenchendo-a completamente, enquanto saboreava a visão de estar dentro dela.

Então, ele começou a se mover. Um ritmo lento e firme, cada estocada um ato de posse.

"Diga-me que você me quer," ele murmurou, a voz rouca, entre cada investida, chocando seu quadril contra o dela. "Diga-me que você pensou nisso tanto quanto eu."

Ele não esperou por uma resposta. "Eu a vi em meus sonhos," ele continuou, as palavras indecentes a fazendo ficar mais molhada, mais necessitada. "Eu a tomei mil vezes em minha mente."

Ele aumentou o ritmo aos poucos, a lentidão torturante dando lugar a uma urgência frenética. Ele se movia dentro dela, um turbilhão de força e paixão, fazendo-a gemer cada vez mais alto, o som de seus corpos se chocando ecoando no quarto silencioso. O prazer se construiu dentro dela, uma onda crescente, uma tempestade que ameaçava despedaçá-la.

Quando ele finalmente sentiu o corpo dela se contrair ao redor dele em um orgasmo intenso e molhado, um grito escapando de seus lábios, ele finalmente se permitiu ir, com mais três estocadas firmes derramando-se dentro dela com um rugido profundo e gutural.

O mundo retornou lentamente. O som do fogo. O peso dele sobre ela. A exaustão era completa, uma paz vazia que se seguiu à mais violenta das tempestades. Sem uma palavra se retirou lentamente de dentro dela, e rolou para o lado, puxando-a consigo, a envolvendo em seus braços. A cabeça dela encontrou o lugar natural em seu ombro, e ela sentiu a respiração dele quente em seu cabelo.

Ela deveria se levantar. Deveria fugir. Deveria sentir vergonha, remorso. Mas não sentia nada além do pulsar de seu próprio corpo satisfeito e de um cansaço tão profundo que seus membros pareciam feitos de chumbo. E no calor dos braços de Annatar, sentindo uma paz pela primeira vez em semanas, Galadriel adormeceu.