Chapter Text
Ano 115d.C
Pedra do Dragão
Naquela manhã, Maester Gerardys avisara Rhaenyra: dois criados recém-chegados, supostamente enviados por lordes menores das Ilhas Velhas, haviam sido flagrados tentando sondar os depósitos de provisões da fortaleza. Um deles carregava moedas com o selo da Mão do Rei.
Rhaenyra não perdeu tempo. Mandou que fossem levados diante dela no salão principal, onde as tochas tremeluziam como olhos vigilantes.
— Dizem servir a Casa Velaryon — disse a princesa, andando lentamente diante dos acusados — Mas as moedas em suas bolsas vêm de Porto Real.
O mais velho dos homens abriu a boca para falar, mas Rhaenyra ergueu a mão, calando-o. Syrax rugiu do lado de fora, como se sentisse a tensão.
— Pedra do Dragão não é território para cobras — continuou ela, a voz firme — É ninho de dragões. E todo dragão devora serpentes.
Um gesto de sua mão, e os guardas os arrastaram para longe. Ninguém no salão ousou perguntar o que seria deles. O silêncio era resposta suficiente.
Naquela noite, ela encontrou Daemon em seus aposentos. O príncipe já conseguia andar com certa firmeza, apoiado em uma bengala improvisada. Seus olhos brilhavam, vivos e zombeteiros.
— Vejo que começa a governar pela força, já está se saindo melhor que seu pai — disse ele, erguendo uma taça de vinho — Mandou um recado a Porto Real sem precisar escrever carta alguma.
Rhaenyra sentou-se diante dele, cruzando os braços — Otto não ficará quieto. Tentará novamente, sempre.
Daemon sorriu — Então deves aprender três coisas. Primeiro: lealdade é moeda mais rara que ouro. Mantenha seus lordes próximos, mas nunca entregue a coleira. Segundo: medo é tão útil quanto amor. Se apenas te respeitam, podem te trair. Se também te temem, pensarão duas vezes.
Ele se inclinou para frente, os olhos fixos nos dela — E terceiro: nunca mostre fraqueza.
Rhaenyra o ouviu em silêncio. Parte dela queria contestar, ainda se via jovem, e a ideia de governar pela dureza lhe parecia pesada. Mas em seu íntimo sabia: a fraqueza do seu pai foi o que o tornou um rei marionete, não podia cometer os mesmos erros.
Tomando coragem, abriu o pequeno livro valiriano que encontrara na biblioteca de Visenya. As páginas, frágeis e queimadas nas bordas, traziam palavras que pareciam arder na língua: fórmulas de invocação, orações de ligação.
No altar no centro do semi círculo de velas, ela fez um corte na mão e usou seu sangue para desenhar as runas como indicado no livro. Depois, Rhaenyra começou a recitar o encantamento.
— Drakarys īlva ānogrose… gevives īlva qogrondo…
Enquanto murmurava, as runas no altar começaram a brilhar em vermelho incandescente. O ar aqueceu, e o cheiro de enxofre invadiu seus pulmões.
Do lado de fora, Syrax rugiu, e o som ressoou como se estivesse dentro da sala. A conexão entre ambas, sempre forte, agora pulsava como se um novo elo tivesse sido forjado.
Rhaenyra caiu de joelhos, sentindo a pele queimar mas sem dor, apenas pela energia do dragão correndo por suas veias. Fechou os olhos, e de repente, viu pelos olhos de Syrax: as asas abertas sob a lua, as escamas refletindo o fogo, o mundo inteiro lá embaixo tão pequeno.
Ela arfou, e lágrimas escorreram de seus olhos. Pela primeira vez, não era apenas cavaleira de dragão. Era parte dela.
— Ēdruta ñuha zaldrīzes… — sussurrou, em transe.
E Syrax respondeu, batendo as asas com um rugido que fez tremer as muralhas da fortaleza.
Quando finalmente a energia cedeu, Rhaenyra caiu para trás, ofegante, mas sorrindo. Sua ligação com Syrax não era apenas de sangue e comando. Agora era de alma e magia.
Ao descer novamente para os pátios, encontrou Syrax à sua espera. A dragão curvou a cabeça até o nível da princesa, os olhos verdes fixos nela. Rhaenyra tocou-lhe a escama quente e sentiu uma resposta imediata, um fluxo de pensamentos, de instintos, como se partilhassem a mesma respiração.
— Nunca mais estarei só — murmurou, encostando sua testa na do dragão — Porque somos uma.
O rugido de Syrax ecoou pela noite.
Na manhã segunte, Syrax lhe esperava no pátio do castelo, inquieta, como se soubesse que algo diferente aconteceria.
Rhaenyra caminhou até ela, o coração batendo como tambor. Desde o ritual, sentia Syrax dentro dela, como uma chama no seu interior.
— Hoje veremos o resultado do nosso elo melhorado — murmurou em alto valiriano, acariciando a escama dourada do pescoço do dragão.
Syrax respondeu com um barulho que mais parecia um gato ronronando.
Com um salto ágil, Rhaenyra montou, e juntas levantaram voo, cortando as nuvens carregadas. No alto, onde até as gaivotas não ousavam voar, Rhaenyra fechou os olhos e deixou a magia fluir entre as duas.
Syrax abriu a boca, e de suas entranhas saiu não apenas uma labareda comum, mas uma torrente incandescente que mais parecia ter saído de Vhagar do que de um dragão jovem.
No pátio lá embaixo, soldados e servos estavam aterrorizados e maravilhados. Nunca tinham visto um dragão cuspir fogo daquela maneira.
Daemon, que tinha saído com o objetivo de ver Caraxes, estava entre eles. Ainda apoiado na bengala, olhava para o céu com olhos arregalados.
— Por Balerion… — murmurou o príncipe — Como...?
Quando Rhaenyra desceu, ainda tomada pela energia, seus olhos brilhavam como brasas. Saltou de Syrax e pousou diante de Daemon. Ela riu dos seus olhos arregalados, Daemon sempre foi o maior especialista em dragões da família, não era fácil chocá-lo.
— Venha comigo, kepus — a princesa ofereceu um braço para o tio se apoiar — Vou te mostrar um segredo que descobri no castelo.
Daemon iria adorar a sala de Visenya.
Porto Real
A noite caíra sobre Porto Real, e a Fortaleza Vermelha estava em silêncio. O pequeno conselho já havia se dispersado, mas Otto Hightower permanecia em sua câmara, rodeado por pergaminhos, mapas e cartas trazidas por corvos.
Diante dele, um mapa do mar Estreito. Marcadas em tinta vermelha estavam as rotas comerciais, e em torno de Pedra do Dragão, Otto já via o que mais temia: influência crescendo, como um veneno se espalhando pela água.
— Rhaenyra fará de Pedra do Dragão um trono, mesmo sem coroa — murmurou para si mesmo.
Um movimento na porta: lorde Larys Strong, o Coxo, entrou sem ser anunciado, apoiando-se na bengala. Seu sorriso era o de sempre, oblíquo, cheio de segredos.
— Vejo que o lorde Mão não encontra sono — disse Larys, a voz baixa como serpente.
Otto ergueu os olhos, irritado pela interrupção, mas não surpreendido. Sabia bem qual era o jogo do segundo filho dos Strong — Enquanto Rhaenyra tiver dragões, não haverá sono para mim.
Larys aproximou-se, olhando o mapa — Nem para o reino.
Otto apoiou as mãos na mesa — Pedra do Dragão deve ser isolada. Se os mercadores de Essos a enriquecem, devemos oferecer-lhes caminhos mais lucrativos em Porto Real. Se Velaryon envia navios, devemos garantir que sua frota esteja ocupada… ou dividida.
Larys sorriu, como quem saboreia uma intriga — E se uma chama pequena puder ser apagada antes de se tornar incêndio?
Otto estreitou os olhos. — Não falemos de assassinatos. Não ainda. Rhaenyra é filha do rei, e Viserys jamais perdoaria.
Larys inclinou-se, a voz ainda mais baixa — Às vezes, meu senhor, não é preciso matar para destruir. Bastam rumores. Bastam alianças envenenadas.
Otto ficou em silêncio, os olhos fixos na chama da vela que tremeluzia sobre o mapa. Então, lentamente, assentiu.
— Espalhe o que for preciso. Que Essos a veja como instável, que os lordes a temam. Rhaenyra deve ser contida… antes que se torne rainha sem coroa.
Larys sorriu como quem já imaginava o caos futuro.